Discrepante escrita por Ero Hime


Capítulo 2
Assistir a todos os espetáculos, sejam eles quais forem, sejam eles onde forem


Notas iniciais do capítulo

VOLTEI E NEM DEMOREI (tanto)
GENTE OS COMENTÁRIOS EU SOU A AUTORA MAIS FELIZ DO MUNDO!!!! fico muito contente que tenham gostado do spin-off, eu estou amando desenvolver a história
É meio como pequenos contos, sobre a viagem deles, e conhecer um ao outro
Ignorem totalmente meus conhecimentos de geografia, eu tentei pesquisar pra fazer sentido (fica aqui o momento sabedoria porque fic também é cultura: a cidade de Nova York é dividida entre 5 grandes condados, não pode confundir com o estado de Nova York! E Manhattan é um deles, lá onde fica a estátua)
AH SOBRE AS OUTRAS FICS eu passei por um momento horrível de bloqueio, então escrevi essa porque tive mais ideias, peço que me perdoem, logo voltamos à programação normal!
Por fim, meu muito obrigada por lerem, comentarem e acompanharem ♥



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Fulvo

ful.vo

 

cor amarelada, alaranjada ou amarelo-ouro

 

Fulvo era a cor de todos os pores do sol que Naruto e Hinata assistiam, e também era a cor dos fios de cabelo que ela mais gostava de acariciar

 

Para a felicidade de Naruto – e o completo desolo de Hinata –, finalizaram sua estadia naquele hotel logo na manhã seguinte. Estavam exaustos da viagem longínqua, e o jet-lag fez com que dormissem até que o sol que entrava pela janela fosse incômodo o suficiente. Hinata quis continuar deitada, espreguiçando-se morosamente, enquanto Naruto parecia estar a toda, apressando-a para saírem – ela não estava realmente ansiosa para pegarem carona, de qualquer maneira.

Aproveitaram os últimos regalos que todo o luxo podia oferecer, e ele teve de tirá-la da banheira quase a força, depois de longa meia hora de silêncio. Por fim, ela despediu-se do quarto, dramaticamente, enquanto o aguentava bufando. Desceram pelo elevador, e, no saguão, embora já passasse tranquilamente das onze, inúmeras pessoas andavam de um lado a outro, desenfreadas. Hinata trombou uma ou duas vezes, sem prestar atenção nos transeuntes – com a luz do dia, toda a construção do hotel parecia infinitamente mais exuberante. Não haviam prédios como aqueles no Japão, todavia, mesmo com toda a magnitude, Naruto não exibia mais que uma máscara impaciente.

Fizeram o check-in e o Uzumaki puxou duas notas enroladas, atirando para a recepcionista ruborizada. Hinata fechou a cara em uma carranca, esperando com os braços cruzados. Estava quente, e ele não usava a jaqueta de couro, apenas uma camiseta preta de malha, pequena demais – os músculos ressaltavam quando movia os braços, e as tatuagens pareciam mais chamativas e mais incríveis que antes. Ela não poderia culpar a pobre criatura por gaguejar e tremelicar enquanto ele sorria com aquele ar presunçoso, mas não podia evitar falar rispidamente, enquanto servia de tradutora.

Quando saíram para a calçada, nem mesmo a exuberância da pequena selva de pedras pôde apaziguar o humor da garota. Naruto sorria, revigorado, contudo, ao fitar seu rosto, uniu as sobrancelhas, sem entender.

— Que bicho te mordeu? – aquele, certamente, não era o melhor momento para gracinhas. Hinata bufou, ajeitando a alça da mochila nas costas e recusando a mão estendida do garoto.

Nada. — resmungou, seguindo para a direita. A placa mais próxima indicava a direção rumo à rodovia principal. Secretamente, esperava encontrar um táxi para a rodoviária. Naruto, obstinado, correu em seu encalço, tentando proteger os olhos do sol.

— Ah, qual é! Hinata, espera. – puxou pelo pulso. Em um tranco, ela se virou, tropeçando nos pés. Não se soltou do aperto, mas evitou olhá-lo nos olhos – Nós literalmente acabamos de acordar, eu não tive tempo para fazer merda ainda. Vai, diz logo o que aconteceu. – insistiu. Ela suspirou, com um bico involuntário.

— Pergunta para aquela recepcionista atirada. – murmurou, mastigando o lado interno da bochecha. Naruto a encarou por dois segundos antes de cair da gargalhada.

De todas as opções que passaram rapidamente pela sua cabeça, nenhuma chegava nem perto de ciúmes. Era, sem dúvidas, muito mais delicioso – a imagem de Hinata contrariada, com as maçãs vermelhas, era, de longe, a lembrança mais fofa que ele teria dela. Instantaneamente, inclinou-se para frente, puxando-a para um abraço de ferro. Envolveu seus braços, prendendo-a, e, mesmo com protestos, ela não o afastou. Naruto descansou a cabeça em seu ombro, ainda rindo.

— Você é mesmo uma adolescente encantadora, não é. – gracejou no pé de seu ouvido.

— Ei, o que quis dizer com isso? – Hinata protestou, a voz abafada contra seu peitoral.

— Nada, nada não. – a afastou, segurando-a pelos cotovelos com um sorriso mínimo. Admirou seu rosto um tanto enraivecido e envergonhado. Por mais que ela fosse inteligente e madura, esquecia-se que só tinha dezessete anos. Internamente, também sentiu o ego inflar – Olha, eu nem reparei na recepcionista, tudo bem? Eu só queria sair daquele lugar, e estava sendo educado. — frisou, enquanto ela desviava o olhar. Riu, como um latido, e levou uma das mãos para acariciar seu rosto, vendo-a baixar a guarda, finalmente – Acha que eu teria atravessado metade do mundo com você se fosse para dar mole para outras garotas? – ergueu a sobrancelha, desarmando-a completamente. Hinata baixou os ombros, arrependida.

Ele se curvou, colando seus lábios e beijando-a rápida, porém intensamente. Hinata não conseguia resistir quando ele fazia isso – suas pernas hesitavam como dois bambus, e seu vacilava prestes e expulsar todas as suas últimas refeições. Quando se afastaram, ela abriu os olhos e encarou o sorriso irritantemente convencido que aprendera a adorar.

— É claro que eu não vou esquecer que você tem ciúmes de mim. – provocou, e ela gemeu, arrependida.

— Vamos embora, por favor? – puxou-o pela mão, não soltando-a quando ele alcançou seus passos.

Atravessaram a ruela mais afastada, virando algumas esquinas e desviando de pedestres apressados. Hinata desejou ter acordado mais cedo para poderem tomar café da manhã no lobby, porque Naruto não parecia entender sua necessidade de comer frutas quando acordava – negou veementemente sua sugestão de comerem cachorros-quentes de barraquinha.

Hinata descobriu que, embora parecesse muito pouco surpreso, Naruto era um turista de primeira. Teve de impedi-lo de gastarem seus últimos dólares em uma banca de souvenires coloridos, e, quando passaram na casa de câmbio, estrategicamente localizada a poucas quadras de onde dormiram, ela escondeu todo o dinheiro em sua carteira, em vez de entregar a ele. Contudo, não resistiu quando passaram por um camelô entusiasmado, e comprou óculos escuros de plástico para ele. Agora, enquanto atravessavam um pavilhão que cruzava a avenida abaixo deles, contemplou como ele parecia o James Dean que ela assistia horas a fio em seu quarto.

— É nossa última chance, podemos comprar passagens para o próximo ônibus. – Hinata insistiu, usando seus próprios óculos de grife. Naruto bufou, sorrindo um sorriso cheio de dentes. Estavam na margem mais movimentada e, pelo número de placas, Hinata supôs que aquela rodovia fazia a ligação entre várias cidades. Ele esticou a mão, com o dedão para cima.

— Deixa de ser estraga-prazeres. Veja como vamos conseguir carona rapidinho. Vai ser legal! – seu otimismo era sufocante. Ela suspirou, desistindo. Segurou suas mochilas, acompanhando seus passos conforme ele andava para trás.

Infelizmente – como se o universo quisesse mesmo provar que ela estava errada –, uma pick-up azul vibrante parou no acostamento a poucos metros deles. Naruto comemorou, enquanto Hinata planejava sua pior cara de enterro. Ele saiu na frente, apoiando na janela e conversando com quem quer que fosse, como se fossem grandes amigos. Ela, por outro lado, hesitou em se aproximar. Na traseira assustadoramente grande, pranchas coloridas estavam amarradas firmemente por cordas elásticas. Hinata nunca tinha visto pranchas como aquelas – pelo menos não pessoalmente –, e não estava confiante sobre as pessoas dentro da cabine.

— Princesa, vem cá! – Naruto gritou, contra o vento. Acenava como uma criança – Adivinha só! Estão indo para Nova York, e eles falam japonês! – esticou os braços com a felicidade de manhã de natal. Hinata grunhiu, deixando os ombros caírem. Pegou as bolsas e se aproximou. De perto, a tintura parecia mais fresca e mais brilhante.

Naruto abriu a porta para ela, e um dos homens escorregou para a janela oposta. O Uzumaki sentou-se no meio, entre ele e ela. Cumprimentou a todos com as mãos espalmadas, enquanto Hinata preferiu continuar observando, com os óculos abaixados. O motorista tinha a pele negra e dreadlocks – surpreendeu-se, sentindo-se culpada por tratá-lo como uma atração inédita. É que nunca tinha visto alguém como ele antes; parando para pensar, nunca tinha visto nada de tudo aquilo antes. O do banco a sua frente era maior que o motorista, menos moreno e com os cabelos mais curtos. Estava sem camisa, com os ombros largos. O que estava ao lado de Naruto parecia ser o mais novo, com os olhos alegres e uma blusa regata. Uma música de batida animada e letra latina tocava de fundo.

— Galera, muito obrigado pela carona. – Naruto agradeceu quando arrancaram.

— Sem problemas, garoto. – o motorista respondeu em um japonês arrastado. Soava como alguém que já tinha sido fluente há muito tempo, mas não tinha mais confiança. Ele se virou, passando de Naruto para ela. Constrangida, tirou os óculos por educação – Ela veio passar as férias com você, irmão? – perguntou, simpático.

— Não, nós dois somos japoneses. Acabamos de chegar. – ele respondeu, jovial. Hinata corou.

— Legal! – o do banco de trás respondeu, agora com a pronúncia mais clara – Bem-vindos a América!

— Obrigada. – foi ela quem retribuiu, querendo interagir também, incentivada pela naturalidade com que Naruto conversava com eles. No entanto, quando dois pares de olhos focaram em si, sentiu o rosto queimar – C-Como sabem japonês? – gaguejou. Naruto segurou sua mão, encorajando-a.

— O Brendon aqui é mestre em línguas! – Brendon era o motorista, que ergueu a mão, acenando com seu nome – Eu e o Matt fomos para Tóquio, ano passado, mas o baixinho sabe mais. – ele falava rápido, trocando algumas sílabas. Matt, do banco de trás, também gesticulou – O que estão fazendo em Connecticut?

— Turistando. – Naruto respondeu, divertido. Eles riram – Foi o voo que pegamos. Ela quer conhecer Nova York. – indicou Hinata, que escorregou no banco, sorrindo envergonhada.

— Acompanhando a namorada, boa irmão.

A Hyuuga conseguiu identificar o que a palavra significava alguns segundos depois – foi o suficiente para ruborizá-la até o último fio de cabelo –. Naruto parecia estranhamente relaxado, e seu coração falhou uma batida ao pensar que poderiam ser, oficialmente, namorados. Talvez fosse a conveniência de não ter de explicar a estranha e ainda assim preocupante relação que mantinham. Contudo, não a impedia de se sentir nervosa e inusitadamente eufórica.

Em um dia bom, os cento e cinquenta quilômetros que separavam Connecticut e Nova York poderiam ser percorridos em duas tranquilas horas. Não demorou para a paisagem de prédios e luzes ser substituída por longas campinas e fábricas, que se estendiam afastadas da cidade. A avenida dupla não estava movimentada, de maneira que a viagem seria bastante calma.

Nesse meio tempo, Naruto e Hinata descobriram mais sobre os bons samaritanos. Brendon, Mathew e Nicholas estavam viajando para Nova York apenas como uma conexão – queriam esticar até a Califórnia –. Há dois anos viajavam juntos pelo mundo como surfistas — não que as pranchas presas na traseira não fossem uma boa dica –. Largaram tudo para trás, família, casa, emprego, apenas para viverem seus sonhos – Hinata nunca se sentiu tão próxima de alguém antes –. Disputavam em competições oficiais de surf, no país e fora dele. Ficaram em segundo lugar no campeonato internacional, que aconteceu – exatamente – em Tóquio.

Brendon era professor universitário e se formara em linguagens. Hinata não conseguiu esconder a surpresa quando soube que ele falava cinco línguas diferentes. Naruto não perdeu a chance de provocá-la – “nunca vou conseguir escapar desses nerds” –, também impressionado. Nicholas e Mathew tinham sido companheiros de quarto durante a faculdade, mas só o mais baixo se formou. Nicholas abandonou o último semestre, desistindo de um diploma em direito para poder investir em uma prancha profissional. Ela estava realmente impressionada com a coragem deles. Além de simpáticos e prestativos, também eram engraçados. Em alguns momentos, esqueciam sílabas e palavras, apelando para o inglês, e Hinata servia de tradutora.

Pararam uma vez para abastecer – Hinata recusou experimentar nachos com queijo que Naruto comprou na conveniência, observando-o, enojada, devorar aquele creme amarelo pastoso. Recuperaram a estrada, conversando sobre os costumes de cada um. Hinata contou sobre a escola, seus planos e como, no Japão, as pessoas eram tão diferentes dali. Não somente pela etnia ou pela cultura, mas o jeito que os americanos pareciam sorrir abertamente, serem prestativos com desconhecidos e abandonar toda uma vida por uma ambição.

— Olhem, estamos chegando!

Hinata colocou a cabeça para fora da janela aberta, o cabelo balançando para trás de seus ombros em uma sensação indescritível de liberdade. Era exatamente essa a palavra – sua Estátua se erguia sobre uma ilha ínfima no horizonte cercado de mar. Ela conseguia distinguir duas coisas: o oceano e os prédios. De longe, pareciam como agulhas, agrupadas em montes. Uma linha fina e branca estendia-se pela encosta; a praia parecia inalcançável a medida que avançavam, entrando no estado. O cheiro era incômodo, a princípio, mas uma brisa marítima se fez reconhecível.

— É lindo. – sussurrou, suas palavras sendo levadas pelo vento que cortava o carro.

Voltou a se sentar, aconchegando-se confortavelmente em Naruto, que, surpreso, passou o braço por seus ombros. Por fim, acabou sorrindo. O rosto dela estava todo iluminado, e aquilo não tinha preço. Admirava aquela característica de Hinata, desde antes de conversarem – ela não escondia o que estava sentindo, deixava transparecer seus verdadeiros sentimentos em seus olhos.

— Onde vão ficar, camaradas? Vamos cruzar até State Island, e passar pelo Queens. – Brendon, o motorista, perguntou. Naruto se inclinou, a expressão se iluminando.

— Perto de Rockaway? – a simples menção do nome, desconhecido para Hinata, fez os três garotos se exaltarem, soltando exclamações animadas.

— Boa escolha, irmão! Pode deixar.

— Onde é isso? – Hinata sussurrou para ele, quando voltou a encostar no banco. Ele voltou suas duas safiras brilhantes para seu rosto.

— É uma área incrível perto da praia.

— Praia? Tem certeza? – Hinata se preocupou. Estavam novamente em uma cidade totalmente desconhecida. Ela sequer sabia qual a distância entre as cidades, os bairros. Era confuso e gigante. No entanto, algo no semblante de Naruto a fazia se acalmar e confiar de que daria tudo certo.

— Nós podemos ficar em uma pousada hoje, e depois pegar o metrô amanhã. – ela quis lhe perguntar como sabia tanto, se já havia estado ali antes. Mas pareciam perguntas tão pessoais que desistiu.

— Vamos evitar entrar na cidade, ou levaremos o dobro do tempo. – com uma curva aberta, entrou em outro pontilhão, um pouco mais alto. Hinata encantou-se com a vista para a enseada.

A praia foi ficando mais visível a medida que avançavam. Quando diminuíram a velocidade, já nos limites urbanos, a Hyuuga conseguia sentir o cheiro do mar. De certo modo, toda aquela infinidade de prédios se erguendo parecia com Connecticut. Algumas lojas com aspecto litorâneo lutavam por espaço no grande comércio. Brendon encostou pouco antes de um calçadão de prédios, com o sol a pino; era pouco mais de três horas.

Naruto insistiu em lhe dar uma contribuição para o combustível. Despediram-se, desejando sorte um ao outro, e acenaram, com suas mochilas, até ver o carro partir em outra esquina. Permaneceram alguns instantes parados, de mãos dadas, deixando a brisa passar por eles.

— Bem, aqui estamos. – Naruto fez como uma grande anunciação, e Hinata riu, talvez de felicidade, talvez de nervosismo.

— O que vamos fazer agora? – com tantas paisagens desconhecidas, seus olhos procuraram pelo rosto de Naruto. Ele parecia calmo, e entusiasmado. Estava mais bonito contra a luz do sol.

— Que tal encontrar um bom restaurante para almoçar? – o estômago de ambos roncou com a sugestão, e riram. Puseram-se a caminhar, procurando por lugares que aparentassem servir boa comida.

Hinata se arrependeu por estar de calça e sapatos fechados. O calor era escaldante, e teve de prender o cabelo no alto. Foi apontando para as placas e fachadas, traduzindo o máximo que pôde de informações. Chegaram, então, a um simpático quiosque, que cheirava muito bom. Entraram, e estava relativamente vazio. Uma garçonete de meia idade veio atendê-lo, entregando cardápios decorados. Hinata foi indicando o que era cada prato, e claro que Naruto quis comer o maior e mais completo cheeseburguer da casa. Ela optou por um prato de costelas ao molho e torta de maçã.

— Não acredito que você está no país com os melhores lanches do mundo e vai pedir costelas com torta. Isso nem combina! – Naruto protestou, e ela rolou os olhos.

— Eu nem vou me dar ao trabalho de listar todas as gorduras e carboidratos que esses lanches têm, além de serem hiperindustrializados. Quero comer algo local. – explicou, como se fosse óbvio. Naruto grunhiu, chamando-a de algo que soava como “louca”.

Os pratos chegaram, e, mesmo com todo o queijo extra derretendo pelas bordas, Hinata não se deixou abater, e salivou com o cheiro dos frutos do mar e da geleia de morango que acompanhava. Naruto começou a mastigar alta e ruidosamente, apenas para irritá-la, e ela o ignorou, querendo rir, internamente. Depois de quatro garfadas, já era capaz de conversar entre uma mastigação e outra – agora que estava fora da zona de risco “morrer de fome” –.

— Estamos mesmo aqui. – comentou, mais para si mesma. Sentaram em uma das mesas do canto com aspecto retro que jamais encontraria em Miyagi. Do lado de fora da enorme janela, pessoas iam e vinham, com o oceano em uma grande tela de fundo.

— Eu te disse que caronas eram confiáveis. – claro que não perderia a oportunidade. Hinata rolou os olhos.

— Só porque encontramos pessoas legais, que vinham exatamente para onde queríamos. – retrucou, apontando-lhe o garfo – Parando para pensar, eles ainda falavam japonês. Qual a probabilidade disso acontecer?

— Talvez a mesma de você e eu estarmos em Nova York, almoçando. – deu de ombros, e ela cedeu, sorrindo torto. É, as chances eram igualmente improváveis.

Terminaram suas refeições e ficaram enrolando no quiosque, conversando trivialidades. A cada minuto Hinata desfazia mais e mais suas primeiras impressões, e viu-se atenta a cada palavra que ele dizia – e viciada no tom, por vezes rouco, por vezes entusiasmado –.

Pagaram a conta logo depois das cinco, quando o sol já tomava rumos para oeste. O número de transeuntes diminuiu drasticamente, fazendo o calçadão de pedras parecer tragicamente belo. Caminharam pela direita, com a calma de quem não saber onde quer chegar – ou de quem não quer chegar. Parecia natural que suas mãos estivessem enlaçadas, e Hinata desejou ter um elegante chapéu de abas e fitas, e chinelos, para parecer como as americanas que passavam por eles. Naruto não olhou nenhuma vez para as de biquíni, e aquilo a deixou secretamente vaidosa.

Em determinado momento, Naruto assumiu a direção, puxando-a para pegarem um atalho entre duas cabanas, já na altura da areia. Era mais calmo e silencioso, com os tênis deixando pegadas que as ondas quebrantes não apagariam. Ele a puxou por alguns metros, até que avistassem pedras altas e isoladas. Ajudou-a subir pelo aclive, e, no alto, Hinata entendeu o porquê daquele ponto específico.

— Uau. – soprou, baixo.

Em um nível maior, era como se o mar formasse uma longa e ininterrupta linha por todo o horizonte. O sol ainda estava no céu, mas quase o tocava – talvez mais uma ou duas horas –. A água passava de azul para verde rapidamente, pintando um quadro bonito. A areia era branquíssima, e Hinata descobriu que a praia continuava na altura das pedras.

Ele a convidou para se sentar, retirando os próprios sapatos e enterrando os dedos. Hinata o seguiu, deixando as bolsas e dobrando a barra da calça. Quando tocou a areia fresca, reprimiu um gemido satisfeito. Já tinha visitado a praia com seus pais, há muitos anos, quase que em uma vida diferente – era criança demais e impaciente demais para entender como era bom –. Naquele instante, aquela lhe parecia a melhor sensação do mundo.

O silêncio instaurado não durou muito.

— Você tem um plano? – não soou tão desesperado quanto parecia. Naruto estendeu a palma para cima, e Hinata a pegou, brincando com seus anéis grossos de prata.

— Aproveitar o máximo que puder. – respondeu, simplesmente. Ela suspirou, sorrindo um pouco.

— Eu sei, bobão. — ele lhe deu a língua – Quis dizer, e depois? Nosso dinheiro vai acabar. Estamos tão longe de casa. – sua voz falhou um pouco.

— Então é só conseguir mais. Arrumamos empregos temporários, juntamos dinheiro e continuamos. Estamos perto da divisa do México, eu sempre quis comer tacos.

— Tecnicamente não estamos perto da divisa, e eu não sei falar espanhol. – resmungou, suspirando em seguida – Por que tudo é tão simples para você?

— Por que tudo é tão complicado para você? – com a mão livre, tocou a ponta de seu nariz, fazendo cócegas. Ela franziu, chacoalhando a cabeça. Não conseguia ficar séria por muito tempo perto de Naruto. Isso costumava irritá-la, até que percebeu quanto gostava.

— Como você achou esse lugar? – indagou, distraída, olhando para a frente. O céu começara a se metamorfosear, sem nuvens para borrar a palheta impressionante de cores.

— Eu vim passar as férias aqui, com meus pais. Faz muito tempo. – se virou de repente, as sobrancelhas tão erguidas que quase tocavam nas raízes. Ele suspirou, praguejando – Não me faça essa cara. É sempre assim. – grunhiu, desistindo, por fim – Você conhece meus pais.

— Conheço? – repetiu, cética.

— Bem, meu pai. Eu sempre uso o sobrenome da minha mãe, mas talvez você já tenha ouvido Namikaze por aí.

— Espera, espera, espera. – a essa altura, todo seu tronco estava virado para ele. Naruto continuava a fitar o horizonte, ignorando propositalmente – Você quis dizer o primeiro-ministro Namikaze? O homem de maior confiança do país?

— A reação nunca muda. – reclamou, para si mesmo, cruzando as pernas e as mãos sobre elas, sem soltar a de Hinata, que estava entre o choque e a descrença.

— Isso te faz, sei lá, quase príncipe! – esbravejou, gesticulando.

— Príncipe, há. – zombou, mas ela desconsiderou.

— Como foi parar em Miyagi? Por que deixou seus pais? – não fazia sentido em sua cabeça. Um breve filme passou, imaginando um doce menino de cabelos loiros e olhos inocentes, aprendendo com os melhores mestres da capital. Não surpreendia ele ser tão esperto, tão vivido. Não conseguia entender porque alguém deixaria, de livre e espontânea vontade, uma vida como aquela.

— Você nunca entenderia. – soltou o ar, com o semblante sério. Parecia nostálgico – Eu amo meus pais. Eu morro de saudade deles, e me odeio por ter feito isso. – falava com tanta intensidade e crueza que desarmou-a – Mas toda minha vida foi assim. Aulas de piano, de desenho, de natação, boas maneiras, professores particulares. Eu nunca pude fazer algo que realmente quisesse. – Hinata engoliu em seco – Eu fingi ser o filho perfeito por tantos anos. – balançou a cabeça, perdido em pensamentos – Eles não queriam o verdadeiro Naruto, queriam uma pessoa que eu não era. Alguém como você. – ele se virou pela primeira vez, com um sorriso torto. Seus olhos estavam escuros e nublados de uma maneira que ela nunca tinha visto, e teve vontade de chorar – Então eu decidi jogar a merda toda no ventilador. Fugi de casa, viajei por dias, clandestino em alguns vagões de carga. Um dos pontos era longe o suficiente, em uma cidade no interior. Com algumas economias, me alojei em um quarto barato, e comecei a tatuar para sobreviver. Tinha que ser bom em alguma daquelas coisas. – arriscou, rindo seco – Eu repeti porque não aguentava mais a escola, toda aquele conhecimento inútil. Cálculo, quem precisa aprender cálculo? – perguntou retoricamente, indignado – Há tanto mais importante por aí. Não me importo em viver no bairro mais pobre, de andar de ônibus, de passar dificuldades por conta do que eu escolhi para mim. A vida é uma escola que dinheiro nenhum pode pagar.

Seu desabafo terminou, deixando a atmosfera pesada. Hinata não sabia o que dizer. Tinha o peito apertado e a respiração irregular. Sentia-se, sobretudo, culpada. Ele nunca tinha sido tão aberto quanto ao seu passado, e aquelas palavras desejadas continuaram em sua mente, mesmo no silêncio. Quis poder voltar no tempo, fazer as coisas diferentes, agora que sabia sobre como as coisas eram tão mais profundas e complexas do que apenas um garoto rebelde e preguiçoso.

— E-Eu sinto muito.

— Ora, não se preocupe, princesa. – seus ombros já estavam relaxados novamente, e ele estalou um beijo em sua bochecha – Até que foi bom aguentar todas aquelas orientações pedagógicas, porque eu pude conhecer você. – exibiu um sorriso lindo, radiante. Hinata, emocionada, sentiu os olhos marejarem, e, incapaz de responder, apenas acenou.

Seu coração estava inflado de um sentimento que ela não conhecia. Recostou a cabeça em seu ombro, acomodando-se no calor que emanava de seus braços desnudos. Voltou-se para frente, de repente vendo tudo com outros olhos. A paisagem tinha mudado? Parecia mais resplandecente. Estava quase na hora do por do sol.

Hinata assistiu as cores se misturarem, lentamente, e se deu conta de algo lindo. Antes do alaranjado pintar o céu, antes de tudo se avermelhar e do azul-escuro tomar conta das estrelas, algo acontecia. Instantes antes do sol tocar o mar, ele emitia raios para todos os lados, em uma cor muito mais bonita do que qualquer outra que já tinha visto, que se aplacou por todo ele – só conseguia descrevê-la como fulvo. Durou uma fração de segundo, mas, durante esse momento, todo o horizonte se coloriu de ouro.

Desviou os olhos, contemplando o perfil dele. O nariz simétrico sobressaía, os lábios finos. O cabelo rebelde caía por sua testa, quase completamente sem as mechas escuras. Pensou em como a cor era parecida com aquele espetáculo, e percebeu que ele era mesmo como o sol – seu sol particular.

Sorriu, tomada por um sentimento profundo e íntimo. Era como mais uma peça do quebra-cabeça, e sentia-se honrada por possuí-la. Também estava assustada – nunca imaginara que era possível amar a imagem que se formava no final sem, de fato, conhecê-la por inteiro.


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