Discrepante escrita por Ero Hime


Capítulo 1
Dar aquilo que mais se tem, seja o que for


Notas iniciais do capítulo

ADIVINHA QUEM VOLTOU
QUEM
Q U E M
ISSO MESMO, EU
Vocês não sabem como eu tô feliz escrevendo isso aqui. Mesmo. Eu fiquei bem perdida quando o desafio acabou, mas a Milla, o anjo que é, liberou mais cinco palavras para um spin-off! E SEM REGRAS!!! Ganhei na loteria ♥
Vou fazer um extra de cinco capítulos, um para cada palavra, contando um pouco sobre o depois, e também o antes. Como eu disse no disclaimer, para os novos e perdidos leitores (OLÁ MEUS ANJOS), essa fic remete à drabble, mas pode ler sem ter lido a outra, porque vou recuperar alguns elementos e desenvolvê-los (mas seria legal se vocês lessem, pra entender um pouco mais ♥)
Enfim, espero que gostem. Tentei não escrever muuuuito, deixar uma coisa boa pra se ler (mas eu não resisto a umas boas três mil palavras). Obrigada a todos que estão aqui, e que leram a drabble, foi ótimo participar do desafio, e vai ser melhor ainda escrever esses extras ♥



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/769847/chapter/1

Prodigaliza

pro.di.ga.li.za

 

Gastar em profusão; dissipar; dilapidar;

Dar em grande quantidade

 

Naruto prodigaliza muitas coisas. Hinata prodigaliza muitas coisas. Mas coisas diferentes.

 

— Eu realmente não acredito que você me fez cruzar o continente.

Hinata tinha os braços unidos de maneira agressiva, o rosto mascarado por uma careta zangada, encarando um Naruto despreocupadamente risonho. Ele sabia que ela não estava furiosa, apenas chocada – ele também ficaria depois de um voo de catorze horas incrivelmente exaustivas, comendo lanches da classe econômica, que foi o que ele conseguiu comprar com toda sua poupança dos últimos anos.

Depois da formatura, o garoto não pôde evitar a surpresa quando ela concordou em viajar com ele – sem ao menos pensar –. As últimas três semanas foram as melhores da sua vida, desde as provocações para vê-la irritada, até os beijos roubados sob a arquibancada, matando aula pela primeira vez. Era curioso como todas as experiências de Hinata estavam sendo as primeiras, e todas as experiências de Naruto com Hinata estavam sendo as primeiras. Ainda não sentia-se à vontade com as dobras em seu estômago sempre que ela sorria daquela maneira tão linda.

Bom, não naquele momento – contudo, ele também gostava do jeito que seus lábios formavam um bico de raiva.

— Quer saber? Isso foi loucura. Loucura! – continuou a esbravejar, enquanto Naruto recolhia suas malas nas esteiras, que se resumiam, basicamente, a duas mochilas de tamanho médio – Eu nunca devia ter deixado Miyagi sem um plano. – passou a choramingar, lamuriando-se em sussurros enquanto andava em pequenos círculos. Era madrugada no aeroporto, e foram poucas pessoas que desembarcaram com eles – O que estamos fazendo? Nós vamos morrer!

— Princesa, princesa, calma. – Naruto interveio, deixando as bolsas no chão para poder abraçá-la a força. Hinata tentou resistir nos primeiros segundos, mas o cheiro inebriante do perfume cítrico envolveu-a, tranquilizando suas batidas. Deixou-se abraçar, recostando a cabeça na altura de seus ombros – Você está surtando sem motivo. Vamos ficar bem, lembra? Estamos juntos. – a voz rouca falava com tanta convicção que Hinata sentiu-se idiota por ter ficado tão nervosa. É claro que ficariam bem. Estavam juntos.

— Eu sempre quis conhecer Nova York. – murmurou, abafada contra a grossa jaqueta de couro.

— Na verdade, estamos em Connecticut. – ela desvencilhou do aperto para poder fuzilá-lo com o máximo de reprovação que conseguia. Naruto não se abalou, erguendo elegantes sobrancelhas em uma expressão franzida – Não me olhe desse jeito. A atendente me perguntou qual das conexões eu queria, e eu peguei a mais barata. – deu de ombros, como se sua justificativa fosse absolutamente aceitável e eximisse toda a situação. Hinata dividiu-se entre estapeá-lo e praguejar.

— Você, ao menos, sabe falar inglês? – frisou, ainda com os olhos cerrados. O loiro abriu um largo sorriso.

— Eu? Claro que não! – riu abertamente, e a morena escancarou a boca, sem acreditar.

— Você está brincando! Por que viemos para a América, então? – empurrou-o, mas seus braços, fortes como aço, mantiveram-na perto o suficiente. Sua confiança era inabalável.

— Porque eu tenho você. – beijou a ponta de seu nariz, e Hinata realmente não quis derreter-se, falhando miseravelmente. Deixou-se abrir um sorriso morno, respirando fundo. Ele a irritava com a mesma proporção que conseguia acalmar suas preocupações.

— Tudo bem, você me convenceu. – suspirou, ganhando um olhar irritantemente vitorioso – Sua sorte é que eu sei falar inglês desde os cinco anos. – gabou-se, e o Uzumaki revirou os olhos.

— Nerd. – grunhiu, e ela lhe deu a língua – Para a sua sorte – provocou – eu pesquisei durante o voo. Estamos há cento e vinte quilômetros de Nova York. Podemos chegar pela manhã. – ele parecia orgulhoso de si mesmo, mas Hinata não estava convencida.

— Como vamos para lá? Pegamos outro voo? – perguntou. O aeroporto estava quase deserto, àquela altura, e os telões solitários piscavam as próximas decolagens para as cadeiras de plástico vazias.

— Está maluca? Claro que não. Vamos pegar carona na rodovia. – bufou, como se fosse óbvio. A Hyuuga negou furiosamente.

— Mas nem pensar! Quer morrer? – seus pais sempre a advertiram sobre os perigos de pegar carona com desconhecidos. Ela preferia gastar alguns milhares em uma boa e confortável poltrona em um meio de transporte seguro. Naruto a fitou com descrença e sarcasmo.

— Você é verdadeiramente uma princesa. – zombou, irritando-a mais uma vez em um intervalo curiosamente pequeno de tempo – Caronas são totalmente seguras, pode confiar em mim. Além disso, olhe para mim. Conseguimos ajuda em um piscar de olhos. – vangloriou-se, e Hinata teve de morder a língua.

Mesmo sem a jaqueta desgasta e as tatuagens a mostra, subindo-lhe pelo pescoço em desenhos desconexos e, ainda assim, fascinantes, Naruto conseguiria se passar perfeitamente por um californiano aventureiro. O cabelo loiro mantinha vestígios das mechas escuras por sua extensão, agora quase cobrindo-lhe os olhos azuis límpidos e tempestuosos. A pele amorenada destacava-se nos corredores da única escola de sua província, todavia, ela conseguiria se misturar com excelência pelas ruas da cidade estado-unidense. Alto, forte e com uma máscara eternamente debochada, Naruto era tão americano que chegava a aborrecer.

— Tudo bem. – concordou, um tanto rabugenta – Podemos, pelo menos, dormir em um hotel decente? Não quero pegar caronas durante a noite, e estou muito cansada. – ela tinha um ponto. Naruto concordou, a contragosto.

— Ainda sou contra a ficar gastando dinheiro com isso. – resmungou, e ela rolou os olhos.

— Eu tirei quase tudo que pude antes de virmos, não seja mão-de-vaca. Ou machista. – acrescentou rapidamente, mediante seus olhos protestadores.

Hinata sabia que seu pai enlouqueceria quando lesse a carta que deixara sobre sua escrivaninha, no escritório, pouco antes de sair com nada mais que uma mochila e seus documentos. Queria nutrir raiva ou desgosto dele – sequer tinha aparecido em sua formatura, e sabia que a mãe, para não contrariá-lo, tampouco fora também –, mas tudo que sentia eram sentimentos confusos. Gratidão por sua criação, seus esforços, ligeira mágoa, por não entender que aquela era sua vida, seus sonhos. Mas ela tinha consciência de que, apesar de tudo, ele a amava – a sua maneira –. Foi assim que conseguiu partir sem remorso, deixando para trás toda uma vida perdurada na varanda de seu quarto, e se lançou em uma viagem com o tipo de garoto que ele mais reprovava.

E, claro, ele igualmente congelaria sua conta no banco com as economias para a faculdade, então passou em uma agência para sacar a quantia máxima de ienes permitida.

Naruto foi primitivamente incisivo quando insistiu para comprar as passagens sozinho. Não sabia o que ele queria provar, entretanto, deixou claro que uma discussão no tocante de quem pagaria estava fora de cogitação. Hinata se orgulhava de ter gostos sofisticados, não dispensando o conforto quando poderia tê-lo – mesmo assim, aceitou passar catorze torturantes horas na classe econômica, porque os braços de Naruto serviam muito bem de travesseiros.

— Vamos pegar um táxi, pelo amor de Deus. – soltou-se das mãos que ainda seguravam seu quadril, para pegar sua própria mochila. Naruto fez uma careta, também buscando a sua e jogando nos ombros.

— Um ônibus seria muito mais barato. – Hinata lhe fitou com a testa franzida e obviamente cética.

— Você vai conseguir distinguir as linhas que vão para o centro? Para um bom hotel? Vai saber quando descemos em um lugar seguro, em vez de uma viela escura e perigosa cheia se criminosos? – a cada pergunta Naruto encolhia mais e mais os ombros, cedendo com um grunhido ininteligível – Foi o que eu pensei.

Mesmo contrariado, Naruto procurou seus dedos, segurando-os tão forte quanto da vez em que correram pelos corredores para matarem aula. Hinata substituiu o semblante vitorioso por um sorriso incrivelmente alegre, fazendo-o sorrir também. Se suas personalidades orgulhosas eram fortes, ele sabia que o sentimento que fazia seu coração bater mais rápido também era.

Encontraram um táxi com facilidade na saída oeste do aeroporto. Assim que atravessaram as portas automáticas, foram bombardeados com luzes piscantes e placas de neon piscando em plena madrugada. Prédios gigantescos se erguiam por todos os lados, monumentais, com tinturas lascadas e janelas manchadas, mas também externas espelhadas e aparência intimidadora. Lojas menores disputavam espaço e atenção com chamativos luminosos intensos, os mais diversos números e cores misturando-se em redemoinhos de informação. Naruto parecia um pouco mais que entediado, mas Hinata olhava em volta com verdadeiro deslumbre estampado em seus olhos perolados.

Ele a arrastou para o carro antes que o perdessem, e ela riu ligeiramente embriagada. Aquilo era muito mais do que jamais imaginara um dia, mergulhada nas páginas amareladas de um mapa mundi velho. Já no automóvel, os bancos de couro cheiravam produtos de limpeza e balas de hortelã – era fétido e maravilhoso.

Naruto assistiu-a pronunciar saudações e frases em um inglês perfeito. Sua língua deslizava e os lábios abriam-se em círculos de gloss brilhante. O taxista assentia e respondia animadamente, dando a partida e virando logo à esquerda. Hinata voltou a recostar, com o loiro passando o braço por seus ombros e inclinando-se para sussurrar em seu ouvido.

— Você fica muito sexy falando inglês. – o rubor que subiu por seu pescoço lhe deu vontade de beijar e lamber cada milimétrica extensão de pele, lembrando-o de que, embora ela fosse incrivelmente inteligente, ainda era uma garota tímida e inexperiente.

— Idiota. – murmurou, envergonhada. Ele riu, com graça.

— O que disse para o taxista?

— Que estávamos procurando por um bom hotel para passar a noite. Ele perguntou se éramos turistas e eu disse que sim. – deu de ombros e voltando-se para a janela repentinamente, atraída pelas luzes conforme passavam. Naruto deixou que ela aproveitasse o momento.

Permaneceram na expressa por quase dez minutos, até que os becos escuros foram substituídos por construções bem iluminadas e chamativas. Não somente hotéis, mas lojas e um posto de conveniência na esquina seguinte. O homem parou o carro em frente ao que parecia mais caro, e Naruto engoliu em seco quando as paredes cor de gema encheram sua visão.

Antes de descerem, assistiu uma discussão acalorada cheia de palavras arrastadas e exclamações. Hinata balançava notas de ienes para o homem, argumentando bastante tranquila, até que, por fim, o senhor de boina cinza aceitou seu bolo, dizendo mais alguma coisa e acenando educadamente. Saíram com suas bolsas e viram-no partir. Hinata soltou o ar pesadamente.

— Não podemos esquecer de ir a uma casa de câmbio amanhã. – o loiro nada disse.

Estavam prestes a se virar quando algo capturou a visão de Naruto. Um sem-teto descansava sob um papelão próximo da coluna do prédio, onde a luz não chegava. Estava tão maltrapilho e sujo que quase mesclava-se nas paredes cinzas. O garoto pediu para que Hinata esperasse um minuto e correu até ele. Pegou algo no bolso da jaqueta e depositou na latinha a sua frente. Não trocaram palavras, mas, quando estava saindo, ele viu o reflexo agradecido nas orbes vivas. Voltou, e ela não questionou, apenas o olhando curiosamente.

Entrelaçaram as mãos mais uma vez, entrando pela porta giratória. Naruto quis dar meia volta no momento em que escutou seus passos ecoarem no piso encerado, contudo, algo no brilho assustadoramente satisfeito dos olhos de Hinata o fez concluir que não sairiam dali. Ela praticamente o guinchou até a recepção, e, novamente em inglês, trocou algumas orientações com a recepcionista baixinha e com as unhas tão grandes que cada batida nas teclas do computador arrepiavam sua espinha. Por fim, ela entregou uma chave e indicou os elevadores. A morena concordou e não pensou duas vezes antes de puxá-lo enfaticamente para as portas de metal com placas em inglês – Naruto anotou mentalmente para comprar um guia tradutor.

Do lado de dentro, seus reflexos exibiam expressões cansadas, porém satisfeitas. Ambos pensaram a mesma coisa – não podiam ser mais diferentes. Ele usava sua inseparável jaqueta, já descascando pelo uso, além de uma camiseta esfarrapada e jeans manchados. O cabelo era rebelde e os brincos de prata brilhavam contra o espelho. Suas tatuagens gritavam em sua pele, e suas botas velhas foram compradas em um brechó. Ela, por outro lado, usava mocassins lustrados e calças de linho. Uma blusa colorida que abria um decote discreto, e um colar dourado que possivelmente era de ouro. O cabelo era milimetricamente alinhado acima dos ombros, e a camiseta de pano que usava contra o frio também gritava marcas. A única coisa que os unia eram suas mãos, apertadas em um laço inquebrável.

Subiram por muito tempo, o suficiente para entediar Naruto. Quando chegaram no corredor, ele não queria pisar no tapete estendido por todo ele, com medo de sujar algo tão caro. Seu quarto ficava no final do lado direito, e Hinata passou o cartão magnético com ansiedade. Seu interior era tão deslumbrante que o Uzumaki deixou-se entreabrir a boca, sem disfarçar. Ela correu diretamente para a cama de casal, jogando-se no colchão e fazendo-o balançar, macio demais. Soltou um gemido prazeroso, enquanto Naruto tentava não parecer um caipira, analisando cada canto daquele cômodo. Não sabia se era o frigobar ou a televisão acoplada que o embasbacava mais. Nem queria saber o que refletia dentro do banheiro.

— I-Isso deve ter custado uma fortuna! – gaguejou, ainda com o tom pasmado. Hinata ronronou.

— É disso que eu estava falando. Valeu cada centavo. – esfregou-se contra os lençóis, sentindo a maciez como se cada linha massageasse seu corpo. Naruto deixou as bolsas no canto, fechando a porta.

— Você vai nos falir em uma semana. – resmungou, recuperado do choque. Alongando-se, passeou pelo vão entre a cama e a parede. Tirou a jaqueta, jogando-a em no sofá do canto.

Sentou-se na beirada, afundando na espuma mais macia que seu traseiro já tocara. Não queria deitar e experimentar um desmaio repentino por conta do cansaço sem antes tomar um bom banho. Contentou-se em ficar na borda, passando os dedos pelo cobertor, enquanto Hinata, do seu lado, assemelhava-se a um felino extremamente contente. Ele não entendia porquê – quer dizer, a cama era mesmo macio, o quarto tinha ar-condicionado e canais a cabo, mas era só.

— Aliás, que foi fazer, antes, com o mendigo? – lembrou-se de perguntar, ainda de olhos fechados.

— Fui dar vinte dólares para ele. – respondeu, como quem comenta o clima. No entanto, Hinata levantou abruptamente, chacoalhando toda a estrutura. Seus olhos esbugalharam-se, em choque, e Naruto quis rir de sua expressão engraçada.

— E eu quem vou falir a gente? – sua voz estava ultrajada – Como assim deu vinte dólares para um mendigo? Você tinha vinte dólares? – cada entonação assumia uma oitava diferente, gesticulando nervosamente, até que alcançou um travesseiro e atirou contra ele – E me deixou ficar convencendo o pobre do taxista a aceitar moeda estrangeira e trocar depois?

— Eu não sabia que era isso que estava fazendo. – disfarçou a vontade absurda de rir com uma tosse, e ela bufou – Você pode ser a nerd, princesa, mas eu sou o esperto. Separei parte do dinheiro e troquei enquanto estávamos no Japão. – não aguentou quando ela proferiu um palavrão, e gargalhou gostosamente, inclinando-se para trás e segurando a barriga. Seus olhos se fecharam em pequenas fendas, e Hinata teve que acompanhar, mesmo zangada.

— Você não vale nada! – bateu contra seu ombro, e ele se endireitou, aproveitando a distração para jogar seu peso por cima, derrubando-a contra a cabeceira. Ela gritou, assustada, e ele suspendeu o peso de maneira que pudesse se apoiar nos dois braços.

Fitaram-se, em meios as risadas. Hinata nunca se cansaria de como seus olhos eram tão azuis e tão sinceros. Tinha marquinhas de nascimento e o cabelo era mais loiro na raiz, quase gema. Tinha vontade de passar os dedos sobre as linhas que saltavam em sua pele. Naruto era tão bonito que doía.

Jamais tinha passado dos limites da cidade, no entanto, ali estava, deitada com um garoto que, até um mês, lhe irritava, do outro lado do globo – na cidade que nunca dorme.

— Acho que precisamos de um banho. – sussurrou, soprando contra seu rosto. Naruto concordou, rindo, e depositou um beijo cálido contra a ponta de seu nariz, seu lugar preferido. Em seguida, saiu, escorregando para fora. Hinata permaneceu deitada. Não sabia se conseguiria ficar de pé, naquele momento.

— Eu vou primeiro. – buscou sua mochila, caminhando até o banheiro e encostando a porta.

Tentou não babar quando viu os ladrilhos brancos escalando até o teto, ou a bancada de mármore nude, ou então a banheira. Grande, lustrosa, de cerâmica, redonda e profunda. Era como entrar de cabeça em um outro mundo, um mundo onde ele não pertencia. Despiu-se por inteiro, ligando as duas torneiras e admirando as bolhas se formarem, uma após a outra. Mergulhou até submergir, soltando um gemido quando sua pele tocou a água em temperatura perfeita. Ensaboou-se duas vezes, brincando com os redemoinhos que mantinham a água em movimento. Quando terminou, era uma nova pessoa.

Saiu vestindo uma calça de moletom confortável, e Hinata lutou para não encarar o abdômen desnudo que escorria gotículas do banho – e Naruto lutou para não sorrir maliciosamente –.

Não pediram serviço de quarto – estavam satisfeitos o bastante com os lanches do avião. Já passava das três da manhã, e o banho deixara-os exaustos. Optaram por dormir logo. Contudo, havia somente uma cama, de casal. Sim, ela era grande o suficiente para abrigar três pessoas do tamanho de Hinata – e um Naruto bem espaçoso –, mas a proximidade eminente deixou-os alerta.

Estavam próximos, dividindo calor corporal embaixo do cobertor. O ar-condicionado estava ligado, e eles queimavam. As peles se tocavam, as pernas entrelaçadas. Hinata usava uma camiseta de algodão e uma peça menor. Naruto lutou para manter-se respeitoso, mesmo com as coxas fartas e a pele alva deliciosamente atrativa. Ele estendeu seu braço para que ela deitasse sobre ele. Permaneceram se encarando, na penumbra. A escuridão tornava a intensidade quase palpável.

— O que estamos fazendo? – Hinata cochichou, mas sua voz parecia estar tão alta quanto se gritasse. Naruto não respondeu de imediato, acariciando seu rosto com a ponta dos dedos – Quer dizer, nós nos conhecemos há três semanas. Eu nem gostava de você. – deu uma risadinha – E agora nós estamos aqui, juntos. Isso não soa insano para você? – sua mão brincava em um dos colares que ele carregava no pescoço.

— Insano? Nem um pouco. Estou exatamente onde eu deveria estar. – sua garganta estava rouca, e ela sentiu um arrepio confortável – Vamos nos conhecer aos poucos.

— Bom, eu já sei que você prodigaliza muito. – Naruto rolou os olhos, não evitando uma risada zombeteira.

— Prodigaliza? Você não perde esse costume, não é mesmo? – provocou, e Hinata não retrucou, unindo as sobrancelhas como resposta – Bem, acho que sim. É disso que a vida é feita.

— E mesmo assim odeia gastar dinheiro, viajar decentemente e dormir em hotéis. – ironizou, e Naruto a cutucou no abdômen, grunhindo. Ela riu, com cócegas.

— Não é gastar desse jeito. Desperdiçar dinheiro precioso. – bufou – Todo esse luxo não combina comigo. Por isso prefiro gastar de outras maneiras. Mais úteis. – fez como se desse de ombros. Hinata continuou a admirá-lo, acostumando seus olhos para enxergar sua silhueta apenas com a luz que entrava pela janela.

— Estou tentando te entender. – não passava de um cicio agora – Nunca conheci alguém como você antes. Você odiava estudar, e ia mal nas matérias mais fáceis. Era tatuador em um estúdio no lado carente da cidade, saiu da casa dos seus pais e não pareceu surpreso quando chegamos aqui. – ela falava como quem queria decifrar um mistério.

— Bem, você tirou as melhores notas da nossa turma, mas rejeitou uma bolsa na faculdade. Seus pais não foram ver a filha prodígio se formar. Tem dezessete anos e um passaporte intacto. – ele retrucou com a mesma intensidade, mas Hinata não pareceu ficar irritada. Apenas sorriu preguiçosamente.

— Somos dois desajustados. – comentou, quase cedendo ao sono que a consumia – E muito diferentes, não acha?

— Na verdade, acho que temos muito em comum.

O rosto pacífico foi a última coisa que ela viu antes de mergulhar em sonhos, ciente do abraço onde dormia, e da pessoa com quem dividia a cama naquele momento. Havia muitos segredos que gostariam de descobrir, e muito que gostariam de compartilhar. Do lado de fora da janela, uma outra realidade esperava por eles, mas não importava naquele momento.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Discrepante" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.