Contos de cem anos escrita por Noemi R Almeida


Capítulo 8
A piscina




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São Paulo, 2009.

Pedroka, Mariana e Samambaia curtiam aquele belíssimo verão trancados em seus apartamentos cinzas, jogos faziam as tardes de Pedroka enquanto Mariana sonhava com bíquinis amarelos e areia quente, Samambaia sofria por não ter contato com o mar (visto que era uma menina muito espirituosa). Eram três crianças que não tinham as tardes de crianças.

Na avenida Peixeira Rochê kombis passeavam de um lado para o outro lotadas com cobertores e malas alheias, sempre em direção ao litoral. Mariana e Samambaia se sentavam na portaria e sonhavam que algumas das kombis na avenida viria até elas e as levarias para a praia, para as areias e para o mar. 

As três crianças se encontravam no estacionamento do apartamento e formavam uma gangue, saíam pelos corredores dos vizinhos gritando e importunando os adultos, subindo em cadeiras e fazendo declarações como o dia sete de setembro. 

—Independência ou morte! -Exclamava Samambaia em cima de uma grade, segurando uma vassoura como se fosse uma espada.

Aprontavam e só pediam desculpas quando alguém prometia algumas lembrancinhas de Ilha Comprida ou Ubatuba. Já que não iriam viajar, irritariam todos que também não viajariam.

Quando se cansavam era vez de Samambaia dividir seus contos, contava os de romance para Mariana e os de terror para Pedroka, eram coisas que ouviam pelos corredores ou pela sua avó cega. Já havia contado o romance.

Agora, chegara a hora do conto de terror.

—Dizem que neste prédio há uma piscina onde alguns meninos desapareceram -Samambaia começou.

—Não conte este tipo de coisa-Repreendeu Mariana.

—Não deve ser verdade -Caçoou Pedroka.

—Se não quiserem ouvir, tudo bem -Sam fechou a cara.

—Continue... -Pedro revirou os olhos.

Samambaia endireitou as costas e ergueu o queixo.

—Deve ter sido em 2005, eu havia acabado de me mudar para cá e ficava o dia inteiro trancada no meu quarto. Havia muitos garotos levados naquela época, certa vez a polícia foi chamada quando colocaram um vibrador na batedeira da senhora do 602. A pobrezinha quase infartou...

—Conte logo sobre a tal piscina -Resmungou Mariana.

—Tá bom, tá bom. Os moleques encontraram uma piscina coberta do lado do salão de festas, estava interditada mas a água parecia limpa e refrescante, decidiram tomar um banho. Tiraram as roupas e jogaram em qualquer lugar, acho que tinha algumas meninas também, mergulharam e ficaram lá até o anoitecer. Mas ninguém os viu sair da piscina, não apareceram para jantar e nem depois da meia-noite. A polícia foi chamada e procuraram pelo prédio inteiro.

"Um zelador contou ter visto os garotos indo em direção a piscina, a polícia seguiu os rastros e encontrou as roupas dos moleques na beirada da piscina. Mas os corpos dos meninos e das meninas nunca foi achado."

—Que horror ! -Chorou Mariana.

—Vamos procurar a piscina -Pedro se levantou entusiasmado.

 -Está louco? -Mariana ergueu a voz.

—Louco nada. Entendiado.

—E vamos sumir igual aos moleques? -Mariana se levantou e começou a caminhar até seu apartamento.

—Não preciso de você, eu e Samambaia vamos até a piscina.

Mariana olhou para trás, odiava ficar atrás de Samambaia.

—Não tem perigo se não entrarmos na piscina -Samambaia disse.

Logo as três crianças foram em busca da piscina abandonada, e a encontrara do jeitinho que fora narrada no conto de Samambaia. Era fechada e do lado do salão de festas.

A porta estava entre-aberta e parecia convidar os meninos para desvendarem seus mistérios, uma pequena luz clara parecia estar acessa do lado de dentro e a piscina fazia pequenos burburinhos. Pedroka entrou primeiro, pisou nos azulejos molhados e quase escorregou, Samambaia seguiu o amigo e segurava a mão da amiga que vinha por último. Lá dentro era tudo novo e limpo, luzes roxas vinham do fundo da piscina e causavam uma sensação de festa na água.

—Será que vão reinaugurar? -Perguntou Pedro.

—Acho que limparam estes dias -Samambaia comentou.

O menino se aproximou da beirada da piscina e admirou as águas cristalinas, logo se lembrou das praias que gostaria de estar naquelas férias. Sem pensar duas vezes, Pedroka arrancou a camisa que usava e pulou na piscina. Mariana se assustou com o barulho do pulo e algumas gotas respingaram em seu cabelo loiro, Samambaia ria. O garoto parecia possuído pela felicidade e ria sem parar, aparentava não querer mais sair.

Mariana olhava a felicidade do amigo e a desejava, mas tinha o medo lhe servindo como uma âncora nos pés, sua amiga estava ao seu lado e prendia o cabelo em um coque, estava se preparando para pular também. 

—Vamos entrar -Convidou Samambaia -Olha como ele está feliz.

A garota loira olhou para a porta atrás de si e para a piscina, estava indecisa. 

—Tenho que pedir para os meus pais primeiro -Mariana olhou entristecida para a porta.

—Você sempre é tão chata! -Disse Pedro de dentro da piscina.

Mariana parou e olhou para o amigo, tinha vontade de chorar. Sempre era conhecida por ser chata e brega, queria ser como Samambaia e chamar a atenção de Pedro. Mas nunca conseguia.

Mariana olhou uma última para a porta aberta e caminhou para a borda da piscina. Encarou a piscina com um nó no estômago, não queria molhar o vestido que usava naquele dia mas a água parecia tão refrescante.

Samambaia bufou atrás da amiga e a empurrou com as duas mãos, a garota caiu na piscina e afundou por alguns segundos, ao voltar para a superfície proferia xingamentos à Samambaia. Tentou subir na borda mas algo a puxava para o meio, aonde Pedro parecia brincar com alguém.

Alguém imaginário.

Aos poucos o olhar de Mariana se perdeu em um riso interminável, brincava e jogava água para o alto como uma criança boba. Também parecia brincar com alguém a mais que Pedro, brincavam com uma pessoa que Samambaia conhecia muito bem.

Samambaia caminhou até a porta e olhou para os amigos, se despedindo com um olhar.

—Vocês vão ficar na piscina até suas peles enrugarem e irão rir até não conseguirem mais respirar -Samambaia olhou com pena -Vão se transformar em açúcar e vão sumir igual aos meninos levados.

Antes de fechar a porta a entidade lhe chamou.

E você? Não vem? —Disse com uma voz calma.

—Ainda não -Samambaia falou com um sorriso amigável.

Fechou a porta e a trancou, deixando Mariana e Pedroka para se transformarem em açúcar e se afogarem nos próprios risos.

 

 


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