Futuro Imperfeito escrita por I Hershell I André Victor I


Capítulo 5
Claridade Dourada




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Extremidade Oeste Do Território Amarelo                                                          09/06/2040     

 

 

 

 

A densa linha de montanhas que separava o território amarelo do verde possuía uma magia muito forte. Yoko sabia disso, e sempre que caçava luminus ela gostava de sentir o cheiro mágico que eles deixavam pelas cavernas. O sol já desaparecia enquanto a pequena caminhava cansada entre duas paredes estreitas e muito altas feitas de pura rocha. Ela estava há vinte minutos no local claustrofóbico, parando vez ou outra para beber água.

 Há muitos anos aquilo era apenas uma montanha, gigantesca e grandiosa, mas foi cortada ao meio por um só golpe. A garota não sabia se deveria crer nessa história de sua avó, mas imaginou que fosse real, já que as duas paredes eram extremamente retas e tinham uma sincronia perfeita. Ela caminhou lentamente se espremendo no espaço, até que notou uma passagem mais ou menos do seu tamanho alguns metros à frente. Ela era baixinha e magra, o que ajudaria a passar facilmente por lá. O único problema era que a passagem estava a quatro metros de altura. A garota apoiou um pé em cada parede e começou a subir com muito esforço. O suor escorria por sua testa e ela tensionava todos os músculos em um esforço tremendo. Ela já estava a quase três metros de altura quando um dos pés escorregou. Seu coração acelerou de uma hora para outra e instintivamente suas mãos se firmaram nas paredes paralelas. Ela voltou a manter o equilíbrio e se jogou para um dos lados segurando com as duas mãos a parte de baixo da entrada.

Yoko conseguia escutar a própria respiração cada vez mais alta. O novo local era uma caverna escura e completamente sem luz. Nada se movia, mas ela sentia o cheiro do que procurava. O odor de um luminus era extremamente único e inigualável, sento feito da própria base da magia. Rapidamente a garota retirou a enorme mochila que levava nas costas e colocou no chão. Alguns segundos depois retirou um pequeno cilindro transparente do maior bolso e o chacoalhou. Algumas luzes coloridas acenderam dentro do objeto, o que a fez sorrir. Dezenas de vaga-lumes estavam ali. Ela ergueu o braço e a caverna iluminou-se a sua frente.

 O espaço era pequeno e gelado. Gotas pingavam e faziam barulho, caindo de dezenas de estalactites no teto irregular do local. Os olhos ágeis de Yoko observavam cada canto iluminado, procurando o que ela vinha seguindo há dois dias. Finalmente, após esbarrar em uma pedra, que se moveu derrubando outras, um circulo de energia saltou da escuridão e dançou ao redor dela. A garota retirou as duas luvas negras e esperou o pequeno círculo parar no ar. Então fechou as mãos em concha, prendendo o luminus.

—Te peguei. – falou colocando-o em um jarro especial dentro da mochila.

 Ela sentou-se exausta e calçou as luvas devagar. Ela as tinha conseguido em uma troca no mercado local. Um chifre de cabra das montanhas por um par de luvas negras cortadas na metade dos dedos. O clima naquele território não era frio, parecia mais um eterno outono na opinião de Yoko, porém, ela usava as luvas para impedir que o brilho intenso de suas mãos ficasse visível. A garota não sabia o motivo, mas tinha aquilo desde que nascera. Uma forte luz dourada que emanava do centro de suas mãos. Sua avó lhe dizia que era uma benção, já lhe dava a chance de iluminar caminhos e impedia que ela se ferisse. Yoko achava interessante, mas não gostava das habilidades. Evitando deixá-las a mostra mesmo sozinha em locais escuros, como havia acabado de acontecer.

 Ela tinha quase quatorze anos, sabia mexer com muitos de arma e sobreviver nas florestas abaixo dos vales. Seu nariz era pequeno e arrojado, os olhos eram puxados e seu cabelo castanho e enrolado, estava sempre preso em dois rabos de cavalo que se erguiam como um buquê nas laterais da cabeça. Yoko tinha se acostumado a passar semanas caçando luminus, sempre procurando por aventuras no caminho. Era um hobby divertido, mas no fundo ela sentia que passar por caminhos apertados e descobrir passagens secretas em rochas não era o suficiente. Ela realmente queria conhecer algo novo, que a surpreendesse, e descobrir os segredos mágicos desse mundo quebrado que a intrigava. Yoko nunca tinha saído do território amarelo, e as histórias de sua avó apenas a faziam querer sair dali.

 Após beber água de seu frasco azul e pensar no caminho de volta para casa, ela levantou-se e tirou a poeira de sua blusa de lã e calça de couro. Então arrumou os visores mágicos e redondos que estavam ajustados acima de sua testa e respirou fundo antes de sair da caverna. Ela caminhou por quilômetros passando por três de suas bases, que eram cabanas construídas por ela em pontos estratégicos da floresta. Era lá que Yoko passava suas noites e guardava mantimentos para semanas. Ela tinha pedras de proteção na entrada de cada uma para que ninguém invadisse. Quando finalmente terminou de arrumar a última ela ajustou a pedra perto da entrada e foi para o sul, na direção de sua verdadeira casa. Porém, ao dar alguns passos, ela olhou para trás, sentindo que demoraria muito tempo para ver a cabana de novo. 

 Enquanto muitos imaginavam feiticeiras como bruxas ou mulheres com símbolos pelo corpo e uma voz encantadora Yoko tinha que admitir que sua vó estava longe de parecer isso. Era uma senhorinha muito simpática, corcunda de cabelos totalmente brancos, corpo pequeno e pele enrugada. Usava um pano rosa sobre a cabeça e sempre estava com uma grande colher de pau na mão. Foi exatamente essa figura que apareceu quando a garota bateu repetidamente na porta de madeira naquela madrugada.

—Olha quem decidiu voltar para casa. – Sua vó sorriu enrugando ainda mais o rosto. – Entre, eu estava terminando de cozinhar.

 A garota passou pela porta de entrada, circular e de madeira, e observou o local iluminado por velas. Ao observar o local pelo lado de fora, a casa se assemelhava a um enorme cogumelo com raízes saindo por todos os lados. Sempre que ela ia até lá o ambiente estava mudado na parte de dentro. Da última vez era semelhante a um jardim. Com flores, árvores e um riacho passando pela cozinha. Desta vez o local estava escuro, com sombras e imagens pelas paredes marrons. Realmente algo digno de ser uma casa de feitiços. Poções brilhavam nos armários,  vassouras varriam sozinhas pelos cantos e as paredes de madeira estalavam quase como se reclamassem.

—Logo abaixo estão Kongu, Fandral e Cyttorak. – A velhinha seguiu a esquerda e desceu alguns degraus indo para a cozinha no segundo cômodo. Ela andava assustadoramente rápido para alguém daquela idade. Yoko deixou a mochila em um cabide na entrada e seguiu a avó. A cozinha era bem grande, com uma mesa de pedra retangular e um banco longo de madeira que ia de uma extremidade a outra na parede. O cheiro de café e ameixas inundava todos os cantos do local. Era uma típica cozinha, com toque mágicos. Um liquidificador batia um líquido marrom, enquanto biscoitos assavam no fogão e algo tentava sair da geladeira.

Sentados um ao lado do outro no banco estavam três figuras. Todos segurando pequenas canecas coloridas e olhando para o vazio enquanto a fumaça saía de dentro delas. – Rapazes, essa é minha neta Yoko. Ela é uma amor, embora as vezes demore pra me obedecer. - ela se virou para a neta e apontou para o primeiro ser sentado. - Konfu é um elfo negro que comeu frutos da área proibida e passou a enxergar tudo em tons de amarelo e roxo. – um magro e triste elfo de rosto azul olhou a garota rapidamente. Ele piscava muito tentando adivinhar as cores originais das coisas. A idosa apontou com colher de pau para um homem ao lado do ser. – Este é Fandral, ele acha que é asgardiano, mas não se lembra de nada anterior há um mês e meio atrás. Só se lembra de ter lutado contra seres de pedra gigantes. Estranho, muito estranho. – Yoko notou que um guerreiro magro, loiro e bem vestido a cumprimentou com um aceno de cabeça. Seu bigode era notavelmente bem feito, e ele possuía uma malha de proteção cinzenta, com uma capa verde caindo pelos ombros. – Por último, Cyttorak. - ela mostrou um manto roxo encolhido no fim do banco. As mangas seguravam a xícara e o capuz virava para os lados como se a escuridão dentro dele observasse o lugar. O que de certa forma aconteci, já que duas luzes vermelhas piscavam na escuridão abaixo do manto. – Perdeu seu corpo nos campos enevoados e veio pedir minha ajuda pra achá-lo.

 Yoko puxou um pequeno banquinho e sentou-se perguntando a si mesma para onde ia o líquido da xícara de Cyttorak quando ele bebia. Em seguida pegou um dos livros jogados na mesa cujo título era “Subterrânea: Os moradores vivem?”. Folheou o exemplar e deu de ombros, deixando-o no canto e observando pela janela redonda um mar de girassóis. Eram mágicas, e ela sabia que do lado de fora não havia nada daquilo. Mas era incrível de qualquer forma.

—Prefere chá de sazana ou café azul? – a idosa perguntou enquanto pegava algo nas estantes ao lado do fogão.

—Chá, por favor. – Yoko mal tinha terminado a frase quando uma xícara deslizou pela mesa até ela. Um líquido verde escuro se enxia cada vez mais dentro dela. A garota pegou a xícara e bebericou rapidamente. – Consegui mais cinco luminus pra senhora.

—Verdade? – a idosa arregalou os olhos colocando alguns biscoitos quentes na mesa. – Isso e perfeito, acho que com esse tanto consigo ajudar todos eles. – apontou para os seres no banco, na sala ao lado. – Duvido que algum de vocês já tenha visto uma neta tão prestativa. – gritou pra eles, que resmungaram algo. Ela sorriu e caminhou para uma porta no fim da cozinha. - Venha Yoko, vamos pegar algumas poções de cura no sótão.

 As duas seguiram por uma passagem ao lado da cozinha após Yoko ir buscar a mochila. Elas subiram uma longa escada e chegaram ao cômodo superior, um grande ambiente sem teto. A garota notou centenas de estrelas pelo teto e viu que o ambiente tinha centenas de caixas espalhadas pelo chão. Em sua maioria fechadas, mas as poucas abertas possuíam livros e objetos brilhantes dentro. No centro do lugar um caldeirão de metal estava vazio com velas de pé ao seu redor. A garota viu seu próprio rosto distorcido no grande recipiente.

—Eu quero ir para outro território. Pra ficar lá, eu digo. 

—O quê? – a idosa fingiu surpresa. Ela tinha previsto, uma noite antes, que a neta iria fazer esse pedido, e agora enquanto fingia preparar a cura, estava simplesmente criando um portal. A idosa entendia o pedido e estava feliz por dentro. Yoko finalmente gostaria de sair da vida “pacífica” daquele lugar. Ela sabia que a garota era uma força da natureza e não poderia segurá-la ali por muito tempo.

—Só pra ver como é sabe? Queria conhecer gente nova e achar novas criaturas.

 Vaughan observou a neta se aproximar do caldeirão. Ela poderia facilmente fazer os luminos irem até ela, mas preferia pedir para que Yoko os capturasse todo mês. A garota gostava e sumia por semanas aprendendo a sobreviver nas montanhas e florestas. A feiticeira sabia que aquilo preparava a neta pras futuras viagens. Ela nunca havia contado, mas Yoko herdara um antigo dragão que habitava K´un-lun . O ser tinha se desfeito no mundo quando ouve a Grande Guerra, mas seu espirito vagou buscando algo nascido lá Kun’lun. Yoko era a ultima descendente direta daquelas terras e sem saber, era a nova Punho de Ferro. Com um poder colossal guardado em seu corpo. 

—Você sabe que tudo será diferente se partir, certo?

—Sei. Por isso quero ir. Eu não estou reclamando, mas não quero mais viver escalando montanhas. Já tenho quase quinze anos e preciso achar novos lugares. A natureza nunca para, e eu me sinto parte dela. Como os ventos ou a água do mar.

—Hmm... Tem algo especifico em mente? – A idosa jogou um líquido azul no caldeirão que se encheu magicamente. Logo um redemoinho se formou e fumaça saiu. – Ela ergueu uma das sobrancelhas e olhou a neta.

—Eu acho que... Bom... Talvez eu pudesse... – Yoko estava completamente sem ideias. Ela olhou ao redor procurando algo que pudesse ajudá-la a pensar, mas não achou nada. Apertou uma das mãos nervosa e sua mente clareou. – Eu quero algo relacionado ao fogo. Tenho que ajudar alguém de uma forma que mais ninguém pode, já que eu não me queimo.

 A velha parou por um segundo e fechou os olhos concentrando-se. Sua mente vagou pela realidade procurando algo.

—Vejo uma pessoa. Talvez você seja realmente a única que pode ajudá-la. Veja se pode controlar as chamas que o inquietam. É um novo tipo de fogo. É algo espiritual.

—Eu sei mexer nisso?

—Vai saber. Eu te garanto.

—Ótimo, quero ir.

—É uma viajem só de ida Yoko. – Vaughan viu a garota mudar de expressão. – Talvez você não me veja mais. Ou a nossa vila.

—Nunca mais? – ela perguntou após alguns segundos.

—Nunca é uma palavra muito forte. Mas você vai para uma época além do nosso tempo. Um ano a nossa frente. Não sei se estarei viva. Além disso, estará em outro território seres totalmente diferentes. O lugar em que moramos não aceita nada que não seja mágico, então você não sabe como os povos ignorantes na magia se comportam. Alguns nos odeiam. Porém muitos iriam admirar suas habilidades. Se você for, encontre amigos e os proteja.

Yoko fitava o chão, imóvel. Toda a sua vida ela tinha se acostumado a ver fadas, golens e animais sobrenaturais. De acordo com Vaughan, o mundo tinha se dividido a muito tempo e aquele provavelmente era o território onde a magia tinha mais se acumulado. A garota estava decidida a sair de sua casa e ir ao encontro de coisas desconhecidas. Mas não ver mais sua vó era algo difícil de imaginar.

—Eu quero ir. Mas não quero te deixar. – falou abraçando a senhorinha.

 Vaughan sorriu abraçando também. – Vá. Eu já vivi minhas aventuras. Agora é sua vez. Mas você tem que prometer que não me esquecerá.

—Eu prometo.

—Nesse caso. Acho que isso pode ser um adeus. Temporário ou não.

 As duas continuaram abraçadas por um longo tempo, até que após alguns minutos Yoko se afastou e limpou as lágrimas. Ela realmente sentia que precisava ser livre. Sua avó ergueu a colher, que virou uma varinha. Seus os olhos ficaram totalmente amarelos e ela fez Yoko flutuar até ficar em cima do caldeirão. – Escreva seu destino. Ajude quem precisa. SEJA O PUNHO QUE FARÁ A DIFERENÇA.

 Yoko disse adeus baixinho e segurou sua mochila enquanto caía dentro do caldeirão. Ela submergiu no líquido e fechou os olhos prendendo a respiração. Passaram-se poucos segundos, e um ano ao mesmo tempo. A garota abriu os olhos e notou que estava submersa, mas em uma água cristalina. Ela nadou para a superfície o mais rápido que pode, até que as árvores, onduladas pela água, ficaram nítidas e sólidas. Suas mãos agarraram algumas pedras que estavam na beirada do rio e ela saiu da água deitando-se na relva que se estendia até o início de uma floresta alguns metros à frente. Depois de respirar um pouco, levantou-se sentindo o peso da mochila. Ela era mágica e não molhava nem queimava.

—Obrigada Vaughan. – Ela sussurrou para o além e observou o lugar em que estava, sentando-se. O ao seu lado o rio corria nascendo em uma cachoeira ao longe. As águas atravessavam um vale cheio de árvores diferentes e animais estranhos, que tinham corrido ao vê-la emergir. Uma montanha se erguia a sua direita, e atrás dela uma fumaça cinzenta ia até o céu. A garota pensou em seguir naquela direção, para começar por um local que achasse conhecido, quando ouviu um berro a esquerda. Ela percebeu que vinha de trás das árvores e correu para o meio da floresta, quebrando galhos e partindo cipós. Depois de quase cem metros de corrida o grito retornou, mais alto e nítido. Alguém estava sofrendo muito, talvez fosse a pessoa que ela estava destinada a ajudar.

 A floresta acabou e ela parou de correr a alguns metros de um precipício. Era uma descida gigantesca que cortava a floresta por quilômetros. Yoko não conseguia ver o outro lado, pois uma névoa avermelhada com forte cheiro de enxofre surgia da imensa descida. A trinta metros da garota um homem em chamas se contorcia no chão. Ao seu lado algo que ela julgou ser um dragão, mas logo percebeu ser um esqueleto de algo parecido com um pássaro, assustadoramente grande, também se arrastava. Os dois estavam tomados por chamas. Ela se aproximou devagar e notou um machado jogado a esquerda. O homem gemia e arranhava o solo perigosamente perto do início do buraco. Não havia pele ou carne em suas mãos. Apenas ossos em chamas que derretiam o chão ao redor. Ele se virou para ela e a garota deu passos para trás assustada quando notou o rosto de caveira em chamas.

—Me ajude... – Ele gemeu.


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