Venha Comigo. vol 2: Onde Está o Doutor escrita por Cassiano Souza


Capítulo 2
Uma nova esperança


Notas iniciais do capítulo

Tinha muitas formas de escrever este capítulo, e deu muito trabalho escolher uma mais adequada, mas fiz da forma que acho que se encaixará melhor no resto da história. E saímos daquela Sessão da Tarde que foi o primeiro capítulo e emergimos em algo bem mais obscuro. Devo avisar que algumas consequências do filme de 1996 farão parte do contexto, mas mesmo não se lembrando ou não sabendo das quais, você conseguirá entender e se divertir com a história. BOA LEITURA!



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Continuando a tentar desvendar as surpresas do seu dia, se aproximava Grace à porta, e estendia apreensivamente a mão à maçaneta. E descobriria agora de quem era a voz, girando devagar a maçaneta e logo abrindo lentamente:

— Tim?!

— Oi, Grace. - Era Tim, um estagiário em medicina que também trabalhava nos mesmos plantões que Grace. Ruivo, alto, sorridente e na mesma faixa-etária dela. – Então, sabe o que nós combinamos ontem?

— Nós?! O que nós combinamos?!

— Você não se lembra?

— Bem... Sim. Mas na verdade... Não exatamente, não, nada. Poderia explicar melhor o que quer dizer?

— Bem, nós vamos sair.

— Nós?! Mas como eu poderia ter aceito? Possivelmente até ontem eu ainda estava com o Brian. Eu não acredito que eu tenha sido tão rápida!

— Você está estranha.

— Eu sei, ignore.

— Continuando, vocês tinham terminado, então eu acabei te dando uma carona pra te fazer companhia, porque estava chateada, até um evento onde você iria. E no caminho você disse “todos os homens que eu conheço são iguais, sempre criticando a minha disponibilidade por causa do meu trabalho. Será que nunca vou encontrar outro ocupado? Bem que um doutor poderia aparecer em minha vida!”

— Um doutor? E então?

— E então fomos conversando por toda a viagem. E como eu também trabalho no hospital... Eu disse “eu poderia te ajudar a esquecer esses caras, sou o senhor sem tempo. Te entendo” e aí você disse “legal, que tal no domingo?”

— Eu... Eu... Eu fiz isso? Eu realmente não me lembro, de nada.

— Sim, você fez. Mas tenho uma má notícia.

— De que está tudo cancelado? - Sorria cheia de esperança.

— Não! Apenas iria dizer que ao invés do japonês vamos num italiano. Dá uma impressão meio... “Romântica”. Tudo bem pra você?

Grace não se lembrava do acordo, não se lembrava de nada que havia acontecido em sua vida horas antes do seu dia ter começado. Ela poderia dizer mil “nãos” ao Tim, mas não seria justo, se a sua versão passada havia se comprometido, ela agora se tornaria a responsável.

— Haa... Ok. Não é tão mal assim, pizza é legal. Era só isso?

— Sim, mas, lembre-se, esteja pronta amanhã às 19 horas. Tchau, vou para o trabalho agora. - E saía Tim para o seu carro.

E batendo a porta furiosa, e discutindo consigo mesma, se dirigia Grace para um espelho.

— Eu estou saindo com o Tim?! Grace Holloway, eu te odeio. Apesar de que... O cabelo dele é lindo.

Sentou-se pensativa na poltrona:

— Tem duas coisas que estão erradas. Primeiro, se eu voltei mesmo no tempo, onde está a outra eu?

Estava muito ansiosa, e começa a andar de um lado para o outro:

— E segundo, se eu terminei com o Brian... Então qual foi o motivo? Antes dessa loucura acontecer, nós havíamos terminado por causa da operação que eu deveria fazer no Doutor, um sujeito estranho conhecido apenas como John Smith. Então... O Doutor tem que estar por aí em algum lugar! Mas onde ele poderia estar? Foi o Chang que achou ele. Então é do Chang que eu preciso.

Mais tarde, se trocando e esperando a noite chegar, partia Grace para os enormes e agitados bairros de Chinatown e Japantown, as duas regiões com as maiores concentrações de influencias asiáticas na América do norte, como, imigrantes, descendentes, restaurantes e lojas. Grace não sabia se isto iria dar certo, não sabia se poderia ser perigoso, mas, sabia que precisava encontrar o Doutor. Chang era com certeza um descendente asiático, então, mesmo sem saber se ele morava mesmo por aquelas ruas ou se ela iria encontra-lo, aquela era a sua única chance perceptível, e ela iria arriscar.

***

Já em Chinatown, Grace já havia revirado ruas e mais ruas, e entre tantas lojas, pessoas e restaurantes, nada do seu velho conhecido. Muitos jovens ali pareciam muito com o Chang, às vezes, ela até pensava em ir falar com algum, mas olhando direito, via que eram pessoas totalmente diferentes. Porém, ainda na longa busca, agora Grace já estava em altas horas da madrugada, e mesmo que muito cansada, estressada e de pernas doloridas, não pensava em parar. Continuando, e já um pouco longe do centro do bairro, chagava agora a algumas áreas mais afastadas e de pouca segurança naquele horário. Homens estranhos a-encaravam, e ela, tentava manter distância apressando o passo e evitando a troca de olhares. Sentindo medo e o cheiro de perigo ou o dos cigarros fumados naquelas vielas, a doutora Holloway sentia que alguém a-estava seguindo, mas, não apenas alguém, pareciam muitos passos. Talvez o perigo nem sempre precisasse ser alienígena, às vezes as ameaças poderiam vir do seu próprio mundo. O pensamento que vinha em sua cabeça era: “eu devo correr? Ou eu devo manter a minha postura. Tem alguém me seguindo? O que querem?”.

— Não vou ficar para descobrir!

E sem mais demoras, Grace corria em fuga.

— Para aí, madame! - Eram os sujeitos mal encarados, quarto indivíduos no total.

— A gente só quer trocar uma ideia! - Diziam. 

Grace, com certeza nunca pararia para aqueles sujeitos, mas as suas pernas já estavam muito cansadas, e os seus joelhos doíam e ardiam sem piedade, havia sido uma longa busca. E para piorar a sua situação, ela havia se encurralado em um beco sem saída. Os sujeitos encaravam cheios de sorrisos, há alguns metros. A ruiva, se vira séria: 

— Eu só não irei xinga-los agora porque definitivamente eu tenho muita coragem e paciência para enfrentar vocês.

— "Coragem"? Você correu madame.

— É, eu corri, porque sei que gente covarde e que persegue a outras pessoas não persegue ninguém com boas intenções. Não irei perguntar o que querem, mas você disse que queria trocar uma ideia? Eu aceito.

— "Aceita"?! Você é mesmo corajosa.

— Mas continue, mande a “ideia”.

— Somos criminosos. Mas, educados. Não mexemos em ninguém desde que... Nos façam algum bem. Ou seja, você nos passa todos os seus cartões de credito e a grana que tiver aí, e nós te deixamos em paz, nem tocaremos num fio de cabelo seu.

— Não. Eu não darei nada a vocês e vocês me levarão até o Chang. Acho que ele seja conhecido.

— Você quer dizer o Chang Lee?

— Sim! Vocês conhecem ele?

— Ele era nosso amigo! De onde o-conhece?

— Do final de ano, ele nos ajudou.

— Mas isso foi ontem, não pode ter sido.

— E por que não?

— Porque ontem e antes disso, o Chang e mais dois dos nossos foram pegos por uns caras de uma gangue grande, a gente devia dinheiro. O Chang já era.

Saber aquilo, havia rasgado completamente as esperanças e o sorriso que Grace se esforçava para passar, saber que um dos seus amigos e uma das suas últimas pistas para encontrar o Doutor também havia se acabado a-deixou completamente desolada, chegando a até, se recostar entristecida em uma lixeira.

— Vamos pegar a grana dela. - Prosseguiu um dos rapazes. 

— Não! - Interveio outro. – Olha só pra ela, cara. Ela tá arrasada, e também conhecia um dos parceiros.

— Vai ficar bonzinho agora? Não lucramos um só dólar nessa semana!

— Está pedindo para ser apagado?

— Poderiam parar? - Pergunta Grace, retirando algumas notas de sua bolsa. – Vocês querem dinheiro? Então trabalhem para merece-lo. Desejar tudo fácil e querer tirar proveito dos outros... Isso não é justo. São jovens, e o Chang era jovem. E onde ele está agora por causa das suas atitudes? - Todos encaram cabisbaixos. – Ele está morto. Saiam dessa condução antes que cheguem no mesmo destino.

E entregando as notas, Grace se retirava dali, e os jovens indivíduos permaneciam parados e calados, talvez em reflexão.

***

E acabando com a perdida busca que a fez madrugar pelo falecido Chang, chegava Grace agora em casa, já às 5:00 da manhã. E cansada, decepcionada e irritada, se joga na cama. Horas mais tarde, mas, ainda descansando, é atormentada por um terrível som ao seu lado; o telefone tocando.

— Se tudo o que está acontecendo for uma conspiração para acabar com a minha paciência, acho que atingiram a meta. - Atendia o telefone. – Alô.

— Alô, Grace?

— Sim. Marys?

— Sim. É sobre o seu plantão de ontem, por onde esteve? Você faltou o dia inteiro, hoje é que é a sua folga. E saiba que tínhamos um monte de bêbados para cuidar!

— Neste ponto da minha vida eu não havia saído do emprego?!

— Não que eu saiba! Quer se mudar?! Aposto que é para o Mission Bernal.

— Não! É que... Por acaso eu fui incapaz de salvar um senhor conhecido como John Smith? Ferido por tiroteio. Morreu na sexta de ano novo, e o Brian terminou comigo porque corri para ajuda-lo.

— E por que só me contou agora?! Brian terminou com você?!

— Sim! Mas não é isto que interessa. Apenas diga, eu atendi este senhor? Talvez refrigerado como indigente.

— "Senhor"?! Era um moleque. E tinha Smith, mas não era John. Era um bêbado, estava saindo de uma festa e então atravessou uma rua movimentada. Um rapaz desses por aí. Mas ele não está nada morto, você conseguiu salva-lo.

— Menos mal.

E agora sim uma das últimas fagulhas de esperança que Grace guardava havia se apagado. Ela estava feliz pela vida do rapaz, mas estava triste pelo fato do Doutor ter evaporado do espaço-tempo.

— Tchau, Grace, chegou mais um pra mim.

— Tchau, boa sorte.

E assim, encerrava a ligação, e talvez até a vontade de entender o que havia mudado toda a sua vida. Grace sabia que não podia desistir, mas se frustrando a cada busca por respostas, ficava cada vez mais difícil de juntar forças. Nesses momentos, Grace até era perturbada por pensamentos que a faziam pensar às vezes “será que eu estou louca? Será que realmente o Doutor nunca entrou em minha vida ou será que ele nunca existiu?”. Mas, ela não poderia deixar aqueles pensamentos paranoicos dominarem a sua mente, ela precisava tentar esquecer aquilo.

— Tudo bem, eu vou fazer uma coisa. Se o Doutor quer se esconder de mim, não poderei correr atrás dele para sempre. Não estou desistindo! Só quero olhar um pouco para mim. Irei tomar um banho, me arrumar, e sair com o Tim.

***

Com o carro de Tim, iam ele e Grace para o seu jantar, em um restaurante de comida italiana chamado Fino, localizado no The Andrews Hotel. Mas enquanto Tim sorria cheio de felicidade, Grace apenas tentava se mostrar estar satisfeita. Sair para jantar era apenas uma forma dela tentar enganar a si mesma. E já de pedidos realizados, saboreavam um risoto de caranguejo, mas na verdade, apenas Tim fazia isso, Grace estava distraída demais com os seus pensamentos. Tim questiona: 

— Você nem vai tocar no seu prato?

— Acho que estou sem fome. E conheci o rei dos caranguejos uma vez.

— Foi alguma peça de teatro? Você parece muito cansada.

— É, madruguei nas ruas.

— Nas ruas?! O que tem feito?

— Procurado por um amigo.

— “Amigo”, que bom, pensei que diria um cara.

— Ele é um cara. Mas ele morreu.

— Isso é horrível. Eu sinto muito.

— Obrigada. Mas a minha vida está toda errada, tudo está errado. Quer dizer... Por que nós estamos aqui? Não vejo sentido nisso.

— Quer ir a outro lugar?!

— Não!

— E o que quer dizer?

— Que o Doutor sumiu. Eu devia estar com ele agora.

— Eu sou doutor.

— É, estagiário, mas... É, ok. E continuando, ontem não foi ontem, o mundo está errado, tudo ao meu redor está errado.

— Me avisaram de que você era engraçada. Isso é alguma brincadeira?

— Errado! Muito errado. Você é um péssimo acompanhante, faz sempre a pergunta incorreta.

— Faço?! E qual é a certa?

— Primeiro, como o Doutor desapareceria?

— Tudo bem, como o Doutor desapareceria?

— Não sei, mas é o que eu estou tentando descobrir. Segundo, se o Doutor estiver morto então as ameaças alienígenas que existem por aí poderiam nos atingir?

— Poderiam?!

— É claro que sim! Regra 1, não seja tão lento. E terceiro, e se ao invés de morto o Doutor simplesmente tivesse deixado de existir, o que aconteceria?

— Aha... O nosso hospital ficaria mais cheio?

— Também, mas na verdade este mundo nem chegaria a idade da pedra.

— Mas doutor quem exatamente, de que doutor está falando?

— Da melhor pessoa que eu já conheci. Mas por onde ele passa, sempre deixa bagunça.

Em frente ao restaurante, um grupo que não havia mais do que 30 pessoas em um tumultuoso e barulhento protesto atormentava aquela rua. Pichações e colagens de cartazes perturbavam a frente do estabelecimento, que logo incomodou o gerente:

— Eu chamarei a polícia! Bando de arruaceiros.

— O que é aquilo? - Pergunta Grace a Tim.

— Mais um dos protestos idiotas do grupo dos tais, “os que se lembram”.

— Lembram?! Do que eles se lembram?

— Não sei, são só um bando de malucos. Acreditam em todas aquelas teorias idiotas que vemos na internet. E só passam por ruas como esta para chamar atenção.

— Acho que eu vi eles no jornal. Desde quando fazem isso?

— Do ano passado. Por que tanta curiosidade?

— Porque só um idiota ignoraria isso. - E dirigia-se Grace para fora.

— Não vá pra fora, eles são malucos! Não tem medo de se machucar?

Entre os vários protestantes, Grace se mostrava confiante, não tinha medo de ser agredida. Pois sabia que se eles lutavam por algo, era porque queriam que as pessoas os-ouvissem e não que fossem repudiadas.

— Quero falar com os organizadores? - Avisa a doutora. 

— E se eu for um deles? Quem disse que eu quero falar com você? - Pergunta um jovem de talvez 25 anos, encapuzado e de barba fechada.

— Porque como para muitos vocês são só um bando de malucos, para muitos eu também sou.

— Não faz parte do movimento da verdade.

— Não, mas também busco por ela.

— Do que está falando?

— Vocês se lembram de algo, certo? Eu também me lembro.

— E do que se lembra?

— Da verdade.

— Qual verdade?

— Do Doutor.

Antes de mais prolongações, os sons das sirenes da polícia ecoavam já perto, o estressado gerente havia tomado as providências.

— Temos que ir! Mas se você se lembra mesmo de algo, então é bem vinda. - E sem demoras, fugiam apressados.

— Como eu vou achar vocês? - Gritou.

— Busque!

E com os policiais já chegando, corria Grace para dentro.

— Grace, você é muito corajosa! - Elogia Tim. – Quer um champanhe para aliviar?

— Quero que feche a conta.

— Quer ir pra casa?

— Quero.

— Legal. - Disse tímido.

— Sozinha.

— Tudo bem. - Disse conformado. 

— Vou ver umas coisas na rede.

 

 


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Notas finais do capítulo

Pus este tal grupo dos que se lembram lá no jornal que a Grace estava vendo no capítulo anterior, acho que eles serão interessantes.
E o Tim, bem... Será quase como ou uma escada, terá as suas finalidades. Espero que isto não tenha causado tanto incômodo. Estava pensando em inventar que a Grace tinha um irmão detetive e que está investigando algumas coisas estranhas. Mas achei que mesmo sendo uma boa ideia tomaria um pouco da frente que quero dar para a Grace, e isto facilitaria demais no desenrolar da história, e acabaria muito rápido. E tenho a ideia de incluir alguém muito mais interessante mais pra frente, e terá a mesma função. Então vamos deixar o irmão da Grace na geladeira, ou talvez ao invés de detetive ele poderia ser algum dependente químico, seria muito interessante explorar isto dramaticamente. O que acham? E pensei também em fazer a Grace descobrir sobre o grupo dos que se lembram enquanto atendia uma paciente ferida pelos protestos deles, aí a Grace se interessaria e procuraria entender melhor, mas isto faria a história ficar um pouco corrida, e quero dar a ela um ritmo mais lento.
E caso não tenha entendido sobre a morte do Chang, ele acabou morrendo devido ao fato que no filme ele havia sido salvo involuntariamente pela materialização da TARDIS em sua frente, naquele momento em que ele e os seus comparsas estão sendo metralhados, e consequentemente o sétimo Doutor acaba sendo baleado.
E a Grace já está trabalhando no seu período correto de tempo, sei por causa da HQ, mas no filme ela havia ido embora do trabalho, por isso ela pergunta se ainda está trabalhando.
Mission Bernal é um hospital real de são Francisco, mas o nome exato é CPMC Mission Bernal Campus. E aquele restaurante que eles foram também existe de verdade, só não sei se no ano 2000 já existia, mas acho que não importa nem achei esta informação, também não sei se lá serve risoto de caranguejo kkkk.
E não posso deixar de comentar sobre a nova cara da nova história, o seu tom está bem diferente do volume 1, este novo capítulo me lembrou aquelas séries americanas de 2009/2010 para baixo.