A garota se pendurava na janela, apertado o nariz contra a vidraça, como se aquilo dependesse sua vida de alguma forma.

O sol batia radiante no rosto da menina, tornando brilhante os fios dela.

Os olhos brilhavam observando o arco-íris que se formava no céu.

Tudo parecia tão em paz, tudo parecia repentinamente certo.

A dor ainda residia nela, firme e irredutível, e estar presa naquele quarto, do qual durante um final de semana ela finjiria ser seu, afinal, ninguém poderia sequer imaginar que a garota morava num sótão, faça me rir, mas estar presa lá, pelo menos lhe renderia um arco-íris, um pôr do sol, e uma noite diga-se, confortável.

A Morgenstern faria tudo para manter as aparências da família. "O jovem casal que cuidará da filha de Você-Sabe-Quem, a pobre menina que era filha do que não deve ser nomeado..." Era isso que saia em alguns jornais.

Ela nem ligava, afinal, por que uma criança de seis anos ligaria?

Na verdade, a maior surpresa que tivera, foi dali ver o pôr do sol, já o via pela clarabóia do último andar, mas acreditava que a mejera e troglodita que a "acolheram", detestavam esse tipo de coisa, coisas bonitas, alegres, inocentes ou doces, talvez fosse por isso que não gostassem da menina. Bom, de qualquer modo, ela nunca descobriria.

Ela ficou daquele jeito, até a lua tomar o lugar do sol, e as estrelas inundarem a escuridão da noite, até a mulher fria e calculista que se fazia de doce perante outros, a arrastar para o banheiro de mármore, extremamente chique e imponente da residência, e lhe dar um banho, a pequena acreditava que a mulher pudesse, a afogaria, mas muitas explicações teriam que surgir para que tal ato pudesse ser feito.

A colocará num vestido rosa de babados, extremamente pinicante, a pentiara com zelo, sem deixar sequer um fio solto ou frizado solto ao ar.

E mais um jantar havia se passado onde a menina colocara sua melhor máscara de alegria, e um sorriso meigo no rosto, uma perfeita atriz, como sua mãe já fora, assim como seu pai já fingiu ser.

Perfeita.

Mais uma noite, em que deitou-se naquela cama de lençóis de seda, travesseiro de pena de cisne, e tentou ter a melhor noite que podia, não tinha muitas como aquela.

Aquela era sua vida, fingir, atuar, viver sozinha, até sua fênix, que não era te fato sua, já que jamais poderia ter um bichinho naquela casa, aparecesse na janela para observá-la dormir, e cair por um oceano profundo, sozinha, sem ninguém para puxar-lhe a mão, e levá-la para a superfície.