Zeros e Uns escrita por Creeper


Capítulo 6
Capítulo 5: Jogador fora de cena


Notas iniciais do capítulo

Hi! Feriadão, decidi postar um capítulo para vocês! E então, como estão se sentindo hoje? Contem aqui para a tia.
Tenham uma boa leitura, espero que gostem!



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16hrs05 de 11 de agosto

 

— Seu pai não vai achar que você usa drogas ou algo assim? Suas olheiras estão horríveis, parece eu no começo do mês. – fiz uma careta ao encarar o rosto de André.

— Eu passo as noites em claro tentando esquecer a Paulinha. – André murmurou lavando o rosto.

— Mas passar as noites ajudando o irmão aqui que é bom, nada né. – cruzei os braços.

— Prioridades. – ele mostrou a língua.

Enquanto André conversava com os outros jogadores de Quod Creature, eu tentava ignorar meu horrível projeto e me forçava a dormir, mesmo que ficasse horas me remexendo na cama até conseguir sentir sono.

— Mas então... O que faremos? – perguntei receoso, apontando com a cabeça para a mala no final do corredor.

Em poucas horas, André entraria em um ônibus que o levaria ao interior para passar o Dia dos Pais com o seu pai, nada mais justo. O problema era que lá não havia sinal, internet ou qualquer aparelho tecnológico.

Com o passar dos dias, a tensão do Quod Creature foi sumindo e até que foi se tornando algo um pouco divertido, enxergava aquilo como um teste inofensivo. Creio que aprendi a entrar na atmosfera positiva de André.

— Estive pensando nisso... – André segurou o queixo, pensativo. – Você vai ter que jogar por mim. – afirmou seriamente.

Eu e André disputávamos o quarto lugar no ranking do jogo e meu irmão estava adorando a popularidade que isso lhe trazia. Ver o brilho em seu olhar e seu sorriso animado me deixava tranquilo, pois assim ele não teria tempo para pensar no inferno escolar ou na Paulinha.

— E acha que vai dar certo? E se descobrirem? – mordi o lábio inferior, um pouco incerto.

— Vamos ter que arriscar. Se der merda, provavelmente nós dois estaremos desclassificados. – engoliu em seco.

Tínhamos nosso lema de que nada era tão ruim se estávamos juntos, principalmente se estávamos ferrados juntos. É bom ter mais alguém para se estar no fundo do poço, você sente-se amparado mesmo estando na merda.

— Como vou sobreviver sem você? – brinquei.

Costumava sentir um leve aperto no peito todas as vezes que André ia para a casa de seu pai nas datas comemorativas. Sentia-me sozinho, como se uma pequena parte de mim houvesse sido retirada.

— Não quero você dormindo tarde, mocinho! – ele riu. – E nem conversando com as minhas garotas. – cruzou os braços.

— Como se eu estivesse interessado nelas. – dei uma risada irônica.

 

xXx

 

Após levar André até a rodoviária, ajudei nossas mães a prepararem o jantar: massas de panqueca salgada e frango desfiado para o recheio.

Aos sábados, comíamos assistindo televisão, normalmente era algum programa de humor pastelão.

Sabia que mamãe e Marta procuravam me dar todo o carinho possível durante a ausência de André, compravam sorvete e me enchiam de beijos. Não era ruim, porém, não conseguia deixar de pensar que mamãe se sentia culpada e isso a machucava.

Ficamos preguiçosos no sofá por algumas horas, até que eu me desse conta de que Quod Creature estava prestes a começar e lavasse a louça com certa rapidez, torcendo para não ter deixado nada sujo.

 

21hrs05

 

Arranjei um espaço na escrivaninha para o notebook de André, confesso que ficou um pouco apertado, mas era o jeito.

Engoli em seco e respirei fundo diversas vezes, um pouco apreensivo. As câmeras estavam cobertas, janela e porta fechadas. Não havia o que temer.

Fiquei confuso e lento com as duas telas em minha frente. Era difícil manusear as mãos e ler ao mesmo tempo, principalmente porque a ordem das questões era diferente nos distintos aparelhos. Amaldiçoei os criadores filhos da mãe daquele jogo miserável.

Suei mais do que o comum e meus olhos arderam conforme os semicerrava para tentar ler as perguntas. Foi um sufoco terminar a primeira rodada, quase chegando perto dos 40 minutos.

Aproveitei o primeiro intervalo para tomar um banho, minhas roupas estavam grudando ao corpo de tanto suor. Liguei o ventilador de teto, pinguei colírio nos olhos e me deitei um pouco para descansar.

Às vezes, sentia-me insuficiente e inútil por estar evitando o projeto de meu jogo. Todavia, eu não podia encará-lo sem antes me organizar. E até que isso estava me rendendo boas horas de sono, mesmo que ao fundo eu escutasse uma voz em minha cabeça: “eu preciso produzir”.

Antes que eu cochilasse, voltei a sentar-me na cadeira giratória e bebi uma grande caneca de café. Mamãe estava monitorando minhas ingestões de cafeína, pois estava preocupada com meu sistema biológico, por isso ela só fazia determinada quantidade de café por dia e confiava que eu não iria preparar mais. Sabia que a vida que levava não era saudável e mesmo que eu agisse como um nóia em abstinência, deveria honrar a confiança de minha mãe.

A segunda rodada foi ainda mais difícil e tive certeza de que não ganharia nem 30 pontos ali. Revezava entre responder as perguntas no computador ou no notebook, coisa que diminuía minha eficácia. No mínimo, levei menos tempo do que na anterior.

Quis morrer com o quebra-cabeças infernal de 200 peças. Levar um tiro arderia menos que os meus olhos e dedos naquele instante.

Naquele dia, as questões tratavam do passado, dessa vez mil anos lá atrás. Podia dizer que minhas notas em história eram ótimas, tanto que não tive muita dificuldade no “certo ou errado”, pois trazia perguntas curtas que eu já sabia das respostas.

Como de praxe, a última pergunta quebrava minha cabeça e me fazia querer arrancar fio por fio de meu cabelo oleoso. Os criadores de Quod Creature eram brisadões nas filosofias.

 

Você está vivendo ou apenas existindo?

 

O que era viver? Sentir a chuva molhando sua pele, o sol esquentando seu rosto e o vento balançando seu cabelo? Guardar boas memórias?

E existir? Era apenas roubar oxigênio?

Senti minha fase dos 15 anos voltando. Viver era fazer algo que fizesse sua existência valer a pena: produzir. Produzir para que soubessem qual era o seu nome, quem era você. Produzir para ser reconhecido e lembrado. Isso era viver.

Digitei com receio: “Existindo. Essa rotina que venho levando não pode ser chamada de vida.

Afundei o rosto nas mãos, impulsionei a cadeira para trás e contive um grito de descontentamento. De tempos em tempos, eu me sentia ridículo pelos meus pensamentos bagunçados.

Agarrei meu celular e liguei para André, rezando para que ele estivesse em um lugar alto ou habitável para obter sinal. Senti um baque ao ouvir sua voz do outro lado da linha, acompanhada de um chiado irritante.

— Você está vivendo ou apenas existindo?

— Tomando no c... — ele riu nervoso.

Escrevi enquanto escutava, trocando a linguagem chula por: “Algo entre os dois, aonde tudo é um vórtice confuso de sentimentos e feridas”.

— Tá muito boca suja, moleque. – girei o assento da cadeira, dando um leve sorriso.

André riu e continuou:

— Como estão as coisas?

— Estou morto, nunca mais me peça para fazer isso! – suspirei cansado. – E aí?

— Tudo tranquilo, exceto pelo fato dos pernilongos me comendo vivo e de uma vaca mugindo na minha janela. – comentou divertido.

— Não volte para cá com carrapatos ou eu te expulso do quarto. – olhei para a sua cama vazia com aquela colcha besta de Naruto.

O chiado ficou mais alto e incomodativo, tornando quase inaudível a voz de André.

— Vou ter que desligar, isso aqui tá uma porcaria! — falou entre o barulho. — Tchau, boa noite!— praticamente gritou.

— Boa noite... – sussurrei, mas a ligação já havia sido encerrada.

Voltei meu olhar cansado para os monitores, constatando que havíamos caído sete posições. Cerrei os dentes, um tanto frustrado, mas nada surpreso. André iria surtar.

Antes que eu fechasse o jogo, uma notificação de mensagem surgiu, deixando-me atento e perplexo.

 

Zero,: Essas perguntas da última rodada me jogam em crises existenciais.

 

Ele não havia falado comigo desde aquele dia quando ficou offline de repente, não lhe mandei mensagens, mesmo que tivesse me incomodado com sua ausência.

 

Sem Saída: Né. Elas me trazem um desconforto.

 

Zero,: Várias pessoas caíram de posição. O que terá acontecido?

 

Ele tinha o dom de começar um assunto sem ter terminado outro.

 

Sem Saída: Talvez por causa do Dia Dos Pais. Algumas pessoas costumam viajar.

 

Zero,: Hum, e você não?

 

Sem Saída: Não.

 

Zero,: Não tem pai?

 

Eu tinha um pai. Um pai que pagava pensão de vez em quando. Um pai que não fazia questão de ter minha guarda. Um pai que começou a gritar muito com mamãe.

Acho que não ter criado um laço forte entre pai e filho tenha sido mais fácil para mim aceitar a separação de meus pais. Eu não ia mais chorar ou escutar a mamãe chorando escondido quando ele gritava.

Minha mãe soube a hora de acabar, por mais que ela o amasse, ela precisava dar um fim naquilo antes que se tornasse algo grave. Fomos morar com minha avó durante dois anos, até mamãe conhecer Marta. Ainda me lembro do dia em que ela estava me levando para conhecê-la pela primeira vez.

 

“– Ela é uma amiga muito especial da mamãe. – ela disse com cautela, os olhos fixos na rua, as mãos firmes no volante. – Sabe, eu tenho um amor muito grande por ela.

 

— Legal. – falei baixinho, observando as árvores passando pela janela.

 

— Talvez... Algum dia... Nós vamos morar junto com ela e com o filho dela. C-Claro, se você estiver de acordo. Seria divertido, não seria? – mamãe estava nervosa.

 

— Eu não sei. – encolhi os ombros. – Gosto de morar com a vovó.

 

— Eu sei, querido. Mas... A mamãe precisa seguir a vida, longe do teto da vovó. Preciso voltar a expandir meu horizonte. – ela murmurou.

 

Gostava da atenção da minha mãe completamente dedicada a mim na casa da vovó, mas escutá-la dizer aquilo com aquele tom de voz tão triste me fez sentir-me egoísta.

 

— O filho dela tem a sua idade, ele é super legal e vai adorar brincar contigo! – mamãe comentou alegre.

 

— Tenho doze anos, não tem essa de brincar. – a olhei de soslaio.

 

É, eu era um adolescentezinho chato e metido à maduro.

 

Após um longo silêncio, mamãe respirou fundo e perguntou com hesitação:

 

— Você é inteligente, sabe do que estou falando. Você não se importa da mamãe amar uma mulher?

 

Levantei as sobrancelhas levemente e tombei a cabeça.

 

— Se ela for melhor que o pai e te fizer feliz, tudo bem... Eu acho. – dei de ombros.

 

E então eu pude ver lágrimas rolarem por suas bochechas rosadas e um sorriso esperançoso surgir no canto de seus lábios.”

 

Me perdi em memórias e acabei deixando “Zero,” sem uma resposta.

 

Zero,: Eu também não tenho. Quer dizer, tenho, mas ele é meio bêbado e some uns tempos.

 

Arregalei os olhos, surpreso por um estranho estar se abrindo dessa maneira comigo. Achei a situação um pouco triste e não achei justo deixá-lo sem uma explicação.

 

Sem Saída: Meus pais são divorciados. E não tem espaço para mim na vida de meu pai.

 

Zero,: Que saco.

 

Zero,: Você tem insônia ou algo assim?

 

Sem Saída: Por aí, mas estou dormindo mais desde abandonei um projeto.

 

Zero,: Qual projeto?

 

Estava o achando demasiado curioso, todavia, me sentia sozinho sem o André. “Zero,” estava sendo uma boa companhia.

 

Sem Saída: Apenas um jogo.

 

Zero,: Como este?

 

Sem Saída: Longe disso, ele ainda não tem forma.

 

Zero,: Entendo.

 

Sem Saída: E você? Acordado por quê?

 

Zero,: É final de semana e... Eu tenho alguns problemas de sono.

 

Estava prestes a digitar que iria dormir, contudo, ele enviou outra mensagem, uma que chamou minha atenção.

 

Zero,: As conversas devem ser supervisionadas, mas não deve haver problema em dizer algo que eles já saibam.

 

Zero,: Tipo... Você acha que eles nos observam?

 

Certo, eu havia me livrado dessa sensação perturbadora, não precisava de mais ninguém para pirar na batatinha junto comigo, principalmente quando eu estava sozinho. Lembrei-me da atmosfera de André e fiquei pensando nela, ignorando o arrepio que percorreu meu corpo.

 

Sem Saída: Hum, não.

 

Não espalhe o terror.

 

Zero,: Qual será o objetivo desse jogo? Acho meio difícil eles apenas nos testarem e deixarem por isso mesmo. Eles vão fazer alguma coisa.

 

Sem que eu percebesse, minhas mãos estavam tremendo, meu maxilar estava tenso e eu ouvia um zumbido agonizante.

Com o suor caindo sobre o teclado, digitei lentamente:

 

Sem Saída: Acho que não deveríamos falar sobre isso.

 

Zero,: Oh, temos um covarde aqui?

 

Rangi os dentes e soltei o ar por entre eles.

 

Sem Saída: Se eu sou covarde, você é pirado.

 

Zero,: Talvez.

 

Dei um pequeno sorriso de canto e revirei os olhos.

De repente, um som alto assustou-me, até que eu me desse conta de que se tratava de uma notificação. Sem receios, a abri.

 

Sem Saída, você está convidado para o 1º Encontro Oficial de Jogadores do Quod Creature, que será realizado no dia 18 de agosto, das 12:15 às 19:15 horas.

Obs.: Os criadores do jogo não comparecerão, a socialização e cronograma serão feitos por vocês.

 

Para informações do local, clique aqui.

 

Sabia que André adoraria aquilo, pois ele poderia finalmente encontrar as gatas virtuais dele. Confesso que até eu fiquei um pouco empolgado, mesmo não curtindo lugares com muita gente. O único obstáculo era o local do encontro, que seria no primeiro andar de um shopping em outra cidade.

 

Zero,: Um encontro, interessante. Será que verei você lá?


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Notas finais do capítulo

E aí, gostaram SZ? Por favor, não me deixem flopar, comentem o que acharam! Bora interagir, pessoal! :3 TuT
Enfim, até semana que vem!
Abraços.
—Creeper.



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