Zeros e Uns escrita por Creeper


Capítulo 1
Capítulo 0: Monótono


Notas iniciais do capítulo

Oláaaa, agradeço a quem se interessou e veio ler o primeiro capítulo, espero que gostem! Tenham uma boa leitura ^^!



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3hrs35 de 2 de agosto

 

— Acorda! Ei, acorda! — arregalei os olhos e comecei a balançá-lo.

— Me erra... — ele murmurou com um fio de saliva escorrendo pela boca escancarada. Queria que o remédio causasse aquele efeito em mim.

— Acorda, droga! — bati a sua cabeça na cabeceira da cama.

— Ah, que foi?! — ele esbravejou e levantou-se bruscamente.

— Olha aquilo! — apontei para o computador, eufórico.

André me encarou durante alguns segundos, incrédulo pelo motivo que lhe acordei. Devolvi seu olhar de maneira impaciente, gesticulando com a cabeça. Ele bufou e andou até o PC, analisando a tela sem ânimo nenhum.

Meu coração falhou uma batida ao vê-lo agarrar o mouse e clicar no botão de download.

— Você tá louco?! — tive de fazer um imenso esforço para não gritar. — E se for vírus?! — o empurrei e comecei a mover o mouse em direções aleatórias.

— Não é. — André bocejou. — Não viu o cadeado na barra de link? É seguro.

— Não! Não é um cadeado que vai me passar segurança! — surtei. — Nossas mães nos matam se pifarmos o PC... — murmurei preocupado.

— E isso aqui vai te acalmar, ô, lunático? — ele revirou os olhos e pegou seu notebook, esperei um tempo até o aparelho ligar para o desgraçado me mostrar um aplicativo que eu nunca havia visto em sua área de serviço. — Eu recebi um e-mail, essa tela apareceu, fiz o download e tudo continua em perfeito estado.

— E p-por que não me contou? — gaguejei sem graça. — Aliás, quando recebeu isso?!

— De manhã enquanto você estava no banho, não pensei que fosse algo importante. – André respondeu.

Fechei os olhos e respirei fundo, procurando manter a calma.

— É um jogo supostamente criado pelo governo que selecionou apenas os cem adolescentes mais capacitados do país e você pensa que não é importante?! — arregalei os olhos ao elevar um pouco o tom de voz.

Ele apenas deu de ombros e soltou uma risada abafada.

— Moleque, você me tira do sério às vezes. – pressionei o indicador e o polegar sobre os cantos inferiores de meus olhos cerrados e balancei a cabeça negativamente.

O download terminou, a janela se fechou sozinha e um novo atalho apareceu na área de serviço. Nós nos entreolhamos em silêncio.

— E agora? — engoli em seco.

— Não sei... Eu não abri. — André acendeu a luz, causando desconforto em minha vista.

— Vamos abrir juntos então.

6hrs40 de 1 de agosto

Dei uma última olhada no espelho antes de sair do banheiro cujo a porta era esmurrada por um meio-irmão muito chato e impaciente.

Ajeitei os cabelos castanhos para o lado com o auxílio de um pente e um frasco gel, o deixando bem estilo mauricinho.

Será que isso me deixa com cara de ‘ei, pode me bater se quiser!’?”, pensei ao contemplar o resultado.

Dei um suspiro cansado ao reparar nas olheiras fundas abaixo de meus olhos. O mel tinha um contraste legal com o roxo (só que não!). Céus, elas não desapareciam por nada!

— Lucas Andrade! Saía já daí! — André gritou estressado.

— Gostaria de saber por que você não é assim com os valentões... — abri a porta e encarei a mini fera de 1,65cm.

— Porque eles não cedem aos meus encantos como você! — ele inflou as bochechas e me empurrou para liberar a passagem.

— Eu vou ao colégio sem você se demorar muito para se arrumar. — avisei pegando minha mochila jogada no chão.

— Como se você sobrevivesse sem mim! — André mostrou a língua.

— Não seria ao contrário? — arqueei uma sobrancelha.

— Por que sempre tenta me oprimir lembrando que é você quem defende a dupla?! – meu irmão encolheu os ombros e cruzou os braços contra o peito magro.

Dei um sorriso de canto sincero, me sentindo até mesmo comovido.

— Sem você eu não seria nada. Afinal, quem eu iria proteger? Me sentiria um inútil sem sua existência. — falei suavemente.

— Melhorou. — André franziu as sobrancelhas, mas sorriu com satisfação e se trancou no banheiro.

Cenas como essa eram comuns todas as manhãs, afinal, eu e André viramos uma dupla inseparável desde que as nossas mães se casaram quando tínhamos doze anos.

No colégio, ele era mais reservado e isso abria brechas para os valentões mexerem com ele, como qualquer meio-irmão cinco meses mais velho eu me encarregava de protegê-lo. Não que eu já tivesse saído no soco com alguém, apenas dava as respostas que as pessoas mereciam ouvir.

— Querido, come esse bolo que eu que acabei de tirar do forno! — Marta praticamente ordenou com aquele seu costumeiro tom de voz cheio de suavidade.

— E toma seu achocolatado que é para ter bastante energia. — mamãe mandou enquanto pegava o liquidificador no alto da prateleira.

— Não estou com fome... — comentei com um sorriso fraco.

— Como não?! – Marta olhou-me preocupada. – O que você anda fazendo até tarde da noite? – colocou a mão sobre minha testa para checar minha temperatura.

— Estudando... — lhe dei um beijo no rosto e andei em direção à minha mãe. — Você vai cair daí... — comentei ao vê-la se equilibrar em uma cadeira não muito confiável.

— Não estou tão gorda assim, obrigada, Lucas. — ela revirou os olhos e esticou os bracinhos curtos.

— Está sim. — Marta riu colocando as mãos na cintura. — Mas continua linda! Um charme! – mandou uma piscadela para minha mãe.

— Dois bobos vocês, vão cuidar dos próprios quadris! —  mamãe ruborizou.

— Lucas, vem! — André apareceu na porta da cozinha, trazendo consigo o cheiro de seu perfume enjoativo (que eu, particularmente, odiava).

— Sem comer antes?! — Marta arregalou os olhos.

— Bom dia, mãezinha! É claro que eu vou encher o bucho, até parece que não me conhece! — ele sorriu ao vislumbrar o café da manhã sobre a mesa.

— É que esse bendito não quer se alimentar! — mamãe bufou e me lançou um olhar de repreensão.

— Ué, se ele não quer, eu quero. — André disse de maneira descontraída, pegando uma caneca com uma mão e preparando um pão com a outra.

— Esfomeado. — murmurei. — Temos que ir, então enfia tudo para dentro. — o apressei ao checar a hora em meu celular.

— Ah, leva uns pãezinhos de queijo para a Paulinha e diz que é a receita da avó dela. — minha mãe sugeriu e desistiu de tentar pegar o liquidificador.

— Pode deixar que eu entrego para ela. — André comentou de boca cheia.

Dei uma risada irônica e revirei os olhos, sabia muito bem que ele não entregaria coisa nenhuma.

xXx

Íamos de a pé mesmo, pois o colégio ficava a apenas duas quadras da nossa casa, era bem prático. André falava menos à medida em que nos aproximávamos de outros alunos, talvez ele tivesse medo de se expressar e não ser aceito, por isso optava por fingir-se de mudo e abaixar a cabeça.

É mais fácil ser um copo vazio que ninguém liga do que um copo cheio que todos querem derrubar.”, concluí.

Marta contou que ele era introvertido assim desde criança e que só veio começar a se manifestar quando me conheceu.

— Odeio a volta às aulas. – André murmurou quando paramos em frente ao portão que ainda estava fechado. – Você realmente passou a noite estudando? – me lançou um olhar desconfiado.

— Claro... – bocejei.

— Mentiroso! – ele franziu as sobrancelhas.

— Eu estava planejando o meu jogo novamente. – confessei.

— Sabia! – ele sussurrou. – Se as nossas mães descobrirem... – me beliscou.

— Não posso esperar até cursar a faculdade para começar. – cruzei os braços.

Fazia um mês desde que eu tentava escrever um roteiro para um jogo, pesquisava, anotava, juntava pedacinho por pedacinho... Mas nunca levava a lugar nenhum. Isso me tirava preciosas horas de sono, porém, esse detalhe era o menos importante.

Avistei Paulinha, a neta da tia da cantina, vindo em nossa direção com seus fones de ouvido e o rabo-de-cavalo rosa balançando de um lado para o outro conforme andava. André a encarava fixamente, mesmo sabendo que só diria o mais seco dos "ois" para a garota.

— E aí, garotos. – ela acenou e sorriu. – Bom vê-los depois das férias!

Alguém naquele fim de mundo gostava da gente. Ela nos viu como um porto seguro quando nós não a julgamos por ser pansexual enquanto o colégio inteiro a zombava por ter sido vista beijando uma garota. Pois é, éramos cercados por idiotas.

— Oi... – André disse em um tom rouco. – É b-bom te ver também. – não demorou muito para que as suas bochechas ficassem rosadas.

Apenas acenei com a cabeça e me encostei no muro, de soslaio pude identificar os olhares alheios direcionados ao nosso grupinho. Quando será que aquilo iria perder a graça?

xXx

Mordia a tampinha da caneta lentamente enquanto mantinha meu olhar fixo no ventilador acima da lousa.

Aos 15 anos passei por uma crise resumida a me cobrar demais e me castigar por ser incapaz. Passava dia e noite batendo na mesma tecla, sem nunca abrir os olhos para um novo caminho. Não me lembro bem de como aconteceu, eu apenas disse a mim mesmo: “eu quero criar um universo.”, a partir daí uni minhas capacidades de escrita e de desenho e me empenhei a criar um jogo. Os únicos que sabiam sobre isso eram André e Paulinha.

A tampinha que mordia acabou caindo e rolando para de baixo da carteira de meu meio-irmão, a qual estranhamente estava vazia.  Foi então que me dei conta de que André ainda não havia voltado do banheiro.

— Professora, posso ir beber água? – pedi preocupado.

Após receber permissão, fui diretamente até o banheiro e para a minha (não) surpresa a porta estava fechada.

Encostei o ouvido na madeira e segurei a maçaneta, tentando forçá-la para baixo em silêncio. Aos poucos consegui escutar algumas vozes.

— Como é ter duas mães? Quem é que te ensina a ser macho?

— Ou será que elas te obrigam a usar absorvente?

Por que todo opressor é burro? Isso nem faz sentido, biologicamente falando!”, franzi as sobrancelhas.

Risadas.

— Aposto que elas não te ensinam a gostar de mulher. Você é viado com certeza.

Risadas.

— Se ela gostava da outra fruta, por que foi engravidar?

Finalmente, eu cheguei ao meu limite. Cerrei os dentes e olhos. Eu ouvia diferentes vozes masculinas, mas nenhuma era a de André se defendendo.

Forcei a maçaneta novamente, tentando inutilmente abrir a porta. Tive de denunciar minha presença ao bater na madeira repetidas vezes.

— Olha, acho que é o seu namoradinho! Mesmo não sendo irmãos de sangue, isso ainda é tão nojento... – desprezaram. – Sua família é toda doente.

Risadas. Risadas. E mais risadas. Aquele som ecoava em minha mente, aquela ignorância deles era tão irritante.

Recuei alguns passos para tomar impulso, contudo, parei ao trombar em alguma coisa. Virei-me automaticamente para conferir em que havia batido e não me surpreendi ao dar de cara com mais um babaca.

Bem, eu viria a me surpreender em seguida. Fui bruscamente empurrado de volta, minhas costas foram de encontro a porta e duas mãos apoiaram-se na parede, uma de cada lado de minha cabeça.

— Ouvindo conversas alheias? Vem cá, vocês não sabem viver separados? — Matheus debochou.

Como eu disse... Era só mais um babaca. Mas um babaca que não um tinha bando, já que ele era estranho demais para alguém se aproximar, seu temperamento era difícil de entender.

— Diferente de você, eu ao menos tenho alguém. — arqueei uma sobrancelha. – E luto para protegê-lo. – franzi os lábios.

— O que está insinuando?! — Matheus franziu as sobrancelhas.

Arregalei os olhos ao escutar um som semelhante ao de um trinco abrindo. Respirei fundo, pousei a mão discretamente sobre a maçaneta, contei alguns segundos e...

— Estou apenas dizendo que você é só um solitário. Que com esse seu jeito ninguém suporta ficar perto de você. – falei sem medo.

De repente, a porta se abriu, deixando-me sem amparo e como consequência uma queda no chão gélido do banheiro. E como se isso já não bastasse, Matheus veio de brinde.

Em meio a dor, xinguei mentalmente aquele maldito em cima de mim, o maldito que abriu a porta e a maldição que estragou o meu plano.

— L-Lucas?! — ouvi a voz embargada de André e as risadas dos outros otários.

— Saí de cima de mim, seu idiota! — esbravejei em vão, pois Matheus parecia desacordado.

Como se eu tivesse tempo para ficar estirado no chão com um cara pesado me esmagando! Usei toda a minha força para empurrá-lo e levantei-me, dando tapinhas em minha roupa, tirando os amassados e a sujeira.

— Eu já entendi que vocês não conseguem se segurar, mas até para ajudar o irmãozinho você precisa estar se agarrando com um cara? Ainda mais com ele?! — as risadas não cessavam e minha cabeça já latejava.

Com as bochechas quentes e os olhos revirados, retruquei:

— Ao invés de se preocupar comigo, você deveria prestar mais atenção naquela sua namorada estranha. A vi limpando a boca depois de beijar um qualquer ali do lado. E adivinha: ela beijou você depois. — comentei.

— Do que você tá falando, seu esquisitão?! — o valentão de quinta estremeceu.

— Não sei, por que não pergunta para ela? – estalei a língua.

Os idiotas discutiram entre si, entretanto, eu não me esforcei para entender. Depois saíram correndo e xingando a garota de nomes super variados, iguaizinhos ao daquela profissional bem paga.

Suspirei pesadamente, me apoiei na parede e penteei meus cabelos para trás com os dedos. Eu detestava ter de fazer aquilo.

— Por que fez tudo isso?! Mentiu, não é?! — André perguntou com a voz rouca.

Dei de ombros e sorri de maneira contida, aos poucos fomos nos soltando e dando risadas baixas, ainda sob os efeitos da tensão.

— O que vamos fazer com ele? — questionou. — Tipo... Ele realmente desmaiou?!

Encaramos Matheus estirado sobre o chão nojento do banheiro. O sono devia estar bom.

— Não me importaria em deixá-lo aqui. — comentei.

— Eu também não.

— Mas... — suspirei novamente.

— Mas temos ética. — André revirou os olhos. — Agir como os outros não nos torna descolados, apenas nos torna mais um elo na corrente do mal.

— Nossas mães fizeram um bom trabalho nos educando. — dei uma risada abafada e me abaixei na frente do corpo inconsciente de Matheus.

— Pense que é um treinamento para quando matarmos todos os que mexem conosco. — ele sorriu travesso. — Tipo, entre mim e você, você quem carregaria os corpos... — apontou para mim.

— Sempre sobra para o mais forte. — pisquei um olho.

Passei o braço de Matheus por meus ombros e deixei seu corpo amparado ao lado do meu, ignorando o peso excessivo, o levei para a enfermaria acompanhado de André sob o pretexto de que o garoto havia batido a cabeça em uma parede.

xXx

 

12hrs10

 

Estávamos voltando para casa quando escutamos um choro histérico vindo de um beco. Pensamos ser alguém ferido, porém... Era uma garota do colégio. Que de algum modo estava ferida, mesmo que emocionalmente.

— E-Eu não fiz... Eu não fiz aquilo. — exclamou injustiçada.  

Não precisou de muito para que eu a reconhecesse como (ex) namorada de um dos valentões que estava mexendo com André no banheiro.

Eu a feri indiretamente, justo ela que não tinha nada a ver com a situação... Fui contra o meu princípio de nunca me favorecer às custas dos outros... Eu consegui ser mais babaca do que aqueles que perturbavam meu irmão.

O André ficou pior do que eu (ele sempre foi mais sensível), naquela noite ele não falou pelos cotovelos como de costume, apenas disse o necessário. Nossas mães notaram e tentaram conversar conosco, entretanto, não estávamos dispostos.

Não sabia que aquilo nos afetaria tanto. Se causar mal a alguém nos trazia aquele efeito, por que com os outros não era assim também? Seria preciso um de nós chorarmos para que tivessem um pouco de remorso?


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Notas finais do capítulo

E aí?! Curtiram? Me contem o que acharam pelos comentários, vou amar ler o que escreveram! Caso tenham se interessado, não se esqueçam de acompanhar e favoritar a história, por favor, vão deixar uma autora muito feliz e motivada XD!
Até o próximo capítulo!
Bjjjjs ♥.
—Tia Creeper.