Desafio aceito escrita por AroisuK


Capítulo 1
O que poderia dar errado?




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— Tem certeza disso, bro? Sabe que ainda dá tempo de desistir. — Lembrou-o Kirishima, querendo dar uma segunda chance ao seu amigo para amarelar com o desafio, coisa que não pareceu dar certo, pois o olhar de Kaminari nunca esteve tão determinado antes como naquele momento.

— E ficar três semanas inteiras limpando o seu quarto e fazendo suas tarefas? Nem morto. — Respondeu confiante, pulando dentro do carrinho de supermercado e apertando o capacete em sua cabeça, apenas para garantir que estava bem preso. — Pode mandar bala.

Com um sinal positivo, Kirishima foi correndo para trás do carrinho, fechando a mão em um punho forte e endurecendo ela o máximo possível, e então, com todas as forças, o ruivo socou o objeto, que desceu desgovernado montanha abaixo. A vida inteira de Kaminari passou pelos seus olhos, igual a um filme, um filme péssimo, diga-se de passagem, o que o fez repensar se aquela foi mesmo uma boa ideia. Pois, bem, caso morresse com a queda, morreria de forma amargurada se lembrando de todas as revistas pornográficas que o Mineta ainda estava devendo de empresta-lo.

Um pouco antes de chegar ao pé da montanha uma pedra acabou entrando no caminho das rodas, fazendo o carrinho tombar e cair rodando com Kaminari dentro, o que, claro, despertou o desespero em Kirishima, que saiu correndo do pico da montanha atrás dele, mesmo que não conseguisse alcança-lo por conta da diferença de velocidade.

No final, o carrinho apenas parou depois de bater violentamente em uma árvore, e Kaminari, tonto demais por ter girado igual a um peão, nem ao menos conseguiu se concentrar nos próprios pensamentos sem ficar enjoado, tampouco tirar aquele objeto de cima de si para se levantar.

— Cara! Tu ‘tá legal?! — Perguntou Kirishima preocupado, retirando o carrinho de cima do amigo. — Essa foi uma queda feia, tu ‘tá mesmo bem?

— Melhor do que eu apenas dois de mim... — Respondeu, ainda meio tonto e vendo as coisas ao seu redor girarem. Então balançou a cabeça, restaurando o equilíbrio e conseguindo se levantar com a ajuda de Kirishima. — Isso foi radical! Você precisa experimentar isso!

— E acabar batendo contra uma árvore e ficar com essa cara de otário o resto do dia? Não, obrigado. — Respondeu Kirishima, vendo a expressão emburrada que se formou no rosto do amigo.

— Aposto cinco tarefas e duas lições de casa que você não consegue descer essa montanha com o carrinho. — Disse, provocando o ruivo, e esse acabou fazendo uma cara de “Ah, não, você não disse isso” bem nítida. — E ainda por cima com as duas mãos amarradas atrás das costas.

— Ah, é? Pois eu aposto dez tarefas e seis lições de casa que eu consigo. — Respondeu, sério e determinado.

Eles se encararam com um olhar sereno por alguns segundos, e então, um sorriso maroto cresceu em ambos os rostos. Logo eles pegaram o carrinho e começaram a subir a montanha novamente, prontos para quebrarem alguns ossos em nome do tão aclamado desafio.

No começo, aquela era uma brincadeira inocente inventada por Kaminari. Pequenos desafios em troca de pequenos favores, era essa a forma que o loiro encontrou para conseguir se enturmar com os outros estudantes, porém, tudo mudou quando Kirishima apareceu e levou as coisas, digamos, para um lado mais sério. Claro que não demorou para os desafios chegarem a um nível que apenas ele e Kirishima tinham coragem de fazer, se transformando em uma competição pessoal.

E o desafio da descida de carrinho na montanha acabou com a derrota de Kaminari, perdendo por ter deixado o carrinho tombar e sair rodando pela quinta vez, sem contar nos vários arranhões e hematomas que conseguiu ao redor do corpo. Nessas horas o loiro só pensava no quanto Kirishima era sortudo por possuir uma individualidade que o protegesse o tempo todo, mas não apenas nisso, mas em como ela era útil para esses tipos de desafios. Isso foi igual a vez em que eles apostaram quem conseguiria ficar com uma das pimentas de Bakugou na boca por mais tempo, e o maldito do Kirishima, não aguentando, endureceu a boca inteira para suportar o sabor picante, enquanto Kaminari sofria com o gosto até não aguentar mais e precisar beber quase um litro inteiro de leite. Outro exemplo era de quanto eles apostaram quem conseguiria ficar com mais prendedores de roupa pelo corpo e, novamente, Kirishima ganhou, endurecendo até as partes mais improváveis para cumprir com o desafio, enquanto Kaminari permanecia com o rosto, dedos das mãos e outras áreas menos nobres doloridas pela pressão dos prendedores de roupa.

De certa forma, Kaminari sentia raiva por todas as vezes em que o ruivo ganhou dele nos desafios por conta de sua individualidade, pois parecia mais uma trapaça e não uma vitória honesta, não que fosse contra as regras deles usarem as individualidades quando possível, mas mesmo com esse lembrete a sensação de traição não deixaria o loiro em paz tão cedo.

— Isso não é justo. — Comentou Kaminari, segurando um saquinho com gelo por cima do seu olho roxo, causado pela segunda ou terceira queda dele, ao mesmo tempo em que resmungava e repensava em suas escolhas de vida. — Se eu também tivesse uma individualidade de endurecimento era certeza que teria ganhado.

— Mas a escolha do desafio foi sua, e não minha. — Respondeu Kirishima enquanto bebia seu suco, e isso só fez com que Kaminari sentisse ainda mais raiva dele, sem contar o fato de que o seu rosto não possuía um único arranhão sequer. — Se não quer se machucar, da próxima escolha um desafio do qual não se machuque.

O loiro não respondeu, soltando apenas um bufar irritado. Sentados juntos na mesa de um café, Kirishima passava quais seriam as tarefas e deveres de casa dele que agora estariam sobre a responsabilidade de Kaminari, que apenas ouvia tudo com desagrado e dor, muita dor, tanto que ele até temia levar uma bronca do professor Aizawa quando esse o visse mais tarde.

Porém, bem no fundo, ele não se impostava tanto assim com aqueles machucados ou com a derrota do desafio, não, apenas olhar para aqueles olhos vermelhos transbordando de alegria e orgulho era mais do que suficiente para trazer sua energia e o seu espirito competitivo de volta à tona, mesmo que fosse obrigado a ouvir por meia hora a vitória de Kirishima sendo esfregada na sua cara.

A verdade era que ele gostava de passar os finais de semana com o ruivo, não se importando se ao final do dia acabava todo machucado ou não, pois quando chegava a noite, eles comemoravam sempre da mesma forma: tomando picolé do lado de fora dos dormitórios, ou na varanda de um dos quartos, e sempre falando algo relacionado ao Crimson Riot. Essa era a rotina deles aos finais de semana.

Não era como se Kaminari gostasse de Kirishima ou algo assim, ele apenas apreciava e muito a companhia do ruivo.

— Se esse é o caso, bebê chorão, vou te dar mais uma chance... — Disse Kirishima, tirando o loiro de seus devaneios, confuso por um momento, chegando a pensar na hipótese de que o amigo estava se referindo aos seus pensamentos. — Que tal mais um desafio até amanhã? Se conseguir cumprir retiro todas as apostas, incluindo as lições de casa.

— Sério mesmo?... Espera aí, você está brincando com a minha cara, não está? — A desconfiança de Kaminari era clara, e Kirishima apenas conseguiu dar um sorrisinho com isso, o que aumentou ainda mais a inquietação do loiro. — Eu sabia! Qual é a pegadinha?!

— Não tem pegadinha nenhuma. — Respondeu Kirishima, terminando de tomar o suco de seu copo. — Eu vou mesmo retirar todas as apostas, mas apenas se você conseguir cumprir com o desafio.

— E qual é a desse desafio? — Perguntou Kaminari, ainda tentando ler as intenções do seu amigo por trás daquela “boa vontade” e “piedade” enquanto imaginava do que o tal desafio se tratava.

Kirishima, no entanto, apenas alargou o sorriso, mostrando os seus dentes pontudos que estranhamente o deixavam com um ar mais infantil do que deveriam.

— Você vai descobrir. — Disse por fim, deixando Kaminari com uma pulga atrás da orelha.

 

Mesmo com uma autorização, os alunos da Yuuei eram proibidos de permanecerem fora da escola no período da noite, e aqueles dois não eram uma exceção. Voltaram assim que começou a anoitecer, e Kaminari foi direto para a enfermaria com a intenção de ouvir o mínimo de perguntas e sermões possíveis, deixando com que só levasse bronca da Recovery Girl e, muito provavelmente, do professor Aizawa na segunda-feira.

Agora, completamente recuperado, e exausto, mas recuperado, Denki se encontrava jogado no sofá da sala, pronto para assistir algum programa idiota na TV até o sono bater e decidir ir dormir, porém, não era isso que iria acontecer, já que Mineta estava pronto para conversar com o loiro sobre algo envolvendo teor sexual. Ah, se apenas se tratasse desse tipo de conversa Kaminari estaria aliviado, mas não, e, sendo um completo cara-de-pau como o garoto com bolas roxas na cabeça era, óbvio que o loiro seria constrangido no meio da conversa.

Tinha momentos em que ele mesmo se perguntava por que era amigo do Mineta.

— Fala a verdade: você “joga o outro time”, não joga? — Comentou, discreto, mas ao mesmo tempo deixando claro o sentido daquela frase. Contudo, Kaminari apenas deu de ombros, fingindo não entender o que Mineta queria dizer com aquilo.

— Eu nem gosto de esportes para estar em um time. — Se fez de desentendido, forçando Mineta a ser mais direto.

— Você sabe o que eu quero dizer, não se faça de idiota, está na cara que você gosta de garotos. Caso contrario não passaria tanto tempo assim com o Kirishima. — Respondeu, contudo, o loiro não deu muita atenção, continuando com seu foco na TV enquanto trocava de canal a cada três segundos. — Vamos, me conta, o que tem entre vocês dois, hein? Prometo não contar a ninguém da nossa sala.

— Nós não temos nada, já disse, e eu nem gosto de homens pra começo de conversa. — Finalmente Kaminari conseguiu encontrar algo do qual gostasse na TV, ignorando por completo as perguntas e insinuações de Mineta.

Porém ele não se convenceu com aquela resposta e o dar de ombros de Kaminari. Na verdade, não era apenas o garoto-uva que começou a questionar a sexualidade do seu colega de classe, assim como Sero, Ashiro e, curiosamente, também Uraraka tinham suas dúvidas, sem contar que Hagakure jurava de pé junto que Kirishima e Kaminari eram um casal com um romance proibido, típico de Romeu e Julieta.

De qualquer forma, aquela não era a primeira vez que o loiro ouvia esse tipo de pergunta vindo de seus colegas de classe, seja de forma discreta ou o mais invasivo possível. Na verdade, se podia dizer que já estava acostumado com esse tipo de questionamento e, de qualquer forma, não se importava com o que os seus amigos pensavam ou não, afinal não iria mudar em nada sua vida. Mesmo que confirmasse mais de mil vezes a sua sexualidade, todos ao seu redor continuariam a questiona-lo, então só restava ignorar e seguir fingindo que não entendia o que as outras pessoas queriam dizer quando faziam perguntas para ele.

Estaria mentindo se dissesse que aquilo não o irritou nas primeiras semanas, desde que começou a sair mais com Kirishima parecia que as perguntas só aumentaram, o que era estranho se levasse em conta de que nunca, em nenhuma vez, Kaminari viu ou ouviu sobre alguém abordando Kirishima sobre sua sexualidade. Talvez apenas fosse óbvio, mas tão óbvio, que perguntar fosse uma perda de tempo, e por isso os alunos da 1-A foram atrás de Kaminari, cujo a sexualidade, mesmo confirmada, ainda era um tanto duvidosa.

O loiro bufou de frustração por não conseguir prestar atenção em seu programa, graças a Mineta, que não calava a boca, e sempre insistia nas mesmas coisas, tirando Kaminari do sério. Então, simplesmente desligou a TV e se levantou do sofá da sala, decidindo ir dormir mais cedo naquele sábado, já que a sua paciência era bem mais importante que qualquer filme de comédia romântica do Adam Sandler. Não, ele não precisava ficar ouvindo duzentas vezes as mesmas perguntas de Mineta.

Quando Denki já estava na curva do corredor a caminho dos dormitórios, Kirishima apareceu por acaso, quase trombando com ele, e foi então que o loiro se lembrou do tal “desafio” que o ruivo mencionou mais cedo, aproveitando a oportunidade para conversar a sós com ele.

Aquele foi o pior erro de Kaminari naquele dia, perdendo talvez apenas para a ideia de descer uma montanha em cima de um carrinho de supermercado.

 

— Eu não vou fazer isso. — Reclamou, Denki, enquanto tentava fugir para longe, porém, Kirishima o impedia de realizar esse feito, o segurando com seus braços fortes.

— Ah, mas você vai. Eu não desperdicei a minha piedade te dando outra chance se você não vai cumprir com sua palavra. — Disse Kirishima, empurrando Kaminari para frente. — Seja homem e pare de recuar! Apenas covardes fogem do perigo, e eu não vou deixar que nenhum amigo meu se transforme em um covarde!

— Mas isso não é covardia, e sim amor a própria vida. Qualé, Kiri, eu não sou um suicida! — Dito isso, Kirishima o empurrou mais rápido até a porta de saída da Alliance, no entanto, Kaminari conseguiu se segurar no batente da porta, envolvendo seus braços e cravando as unhas para não se soltar. — Não, não, não, não, não, não! Eu não vou fazer isso! Você sabe como um rosto fica desfigurado depois de ser explodido?! Então, não quero perder o meu lindo rosto!

— Larga de ser medroso, é só um beijo! Não é como se você fosse mandado para um campo minado.

— Bom, se o Bakugou não é a encarnação de um campo minado, então ele é uma bomba nuclear inteira! — Kirishima se apressava em desgrudar o loiro do batente da porta antes que Bakugou atravessasse os portões da Yuuei, mas Kaminari, quando queria, era grudento demais, e ele não se soltaria tão cedo daquele batente nem que jogassem ácido por cima. — Desista, nem fodendo que vou beijar aquele cara problemático. Aliás, por que eu tenho que beijar justamente ele? Por que não pode ser alguém morto-vivo como o Todoroki ou fofinho igual o Midoriya?

— Porque quem ditou o desafio fui eu e você vai cumpri-lo!

— É mesmo? E por que eu cumpriria? — Após dizer isso, Kirishima o largou, fazendo Kaminari cair no chão igual um saco de batatas, e então o ruivo começou a caminhar novamente para dentro. — Onde você vai?

— Tenho um saco de roupa suja de duas semanas no meu quarto, cinco matérias acumuladas com, pelo menos, dez exercícios em cada, sem contar no trabalho que preciso entregar para o professor Aizawa na próxima semana. Então saia dai e se apresse em fazer todas essas tarefas antes do domingo acabar... — Antes que Kirishima pudesse terminar de dizer todas as tarefas, Kaminari já havia se levantado e agora corria apressado atrás de Bakugou, e o ruivo só reparou nisso quando olhou para trás e percebeu que seu amigo não estava mais no chão.

Kaminari poderia ter pavor, e até de medo, do temperamento hostil, instável, e extremamente agressivo de Bakugou, mas bastava comparar ele com o fedor das roupas sujas de Kirishima que Denki iria preferir o loiro explosivo, e aquela comparação só piorava se Kaminari se lembrasse do chulé que tinham as meias suadas do ruivo.

Talvez ter a cara completamente explodida não fosse tão ruim assim.

Denki estava a poucos passos de distancia de Bakugou e Todoroki, se aproximando determinado e diminuindo sua determinação cada vez que se aproximava, conseguindo tempo suficiente para repensar naquela ideia e ver o quanto ela era péssima, contudo, já era tarde demais para se afastar antes que Bakugou percebesse a sua aproximação. Quando o rei das explosões assassinas olhou para ele, Kaminari percebeu que não haveria tempo para recuar, mas também estava congelado demais para avançar. O que ele deveria fazer?

— Pikachu com Down? Que porra tu quer? — Questionou Bakugou, com um timbre irritado, ainda que mantendo um tom normal de voz. Todoroki, que estava do seu lado, se mantinha calado, observando tudo. — Tu veio aqui só pra me atrasar ou vai desembuchar logo?

Kaminari engoliu em seco, era agora ou nunca.

 

— Me lembre de nunca mais cumprir com um desafio seu que envolva o Bakugou. — Com um saco de gelo no olho, Kaminari se lamuriava, repensava em o quão azarado era e em como parecia que o universo gostava de zoar com a sua cara.

— Mas não foi o Midoriya que socou seu outro olho?

— Exatamente! — A voz sobressaltada de Kaminari assustou Kirishima por um momento, que apenas observava seu amigo desabafar com indignação. — Sério, de todas as horas, por que justamente ele foi aparecer naquele momento?! E como caralhos eu iria saber que ele sente ciúmes daquele cara problemático?! E por que o Bakugou, que sempre briga com todo mundo, foi inventar de ficar corado e com vergonha, sem reação nenhuma, apenas com a simples droga de um beijo?! E como eu iria saber que eles estavam na droga de uma relação secreta?! E por que caralhos voadores esse tipo de coisa só acontece comigo?! — E então bateu a testa contra a mesa da cozinha, permanecendo ali, em estado depressivo — Eu só quero morrer...

Kirishima, com dó do amigo, começou a fazer carinho nos cabelos loiros e bagunçados de Kaminari, na esperança disso o fazer se acalmar, nem que fosse um pouco.

— Calma, pense pelo lado positivo. — Tentou anima-lo, e então Kaminari levantou o rosto, mostrando uma expressão nada agradável e um tanto hostil, incomum para alguém como ele. — Pelo menos você não tem nenhuma tarefa e vai ter o resto do dia livre.

— Dia livre pra que? Pra ficar ouvindo pelos cantos que agora sou conhecido como o talarico zarolho?

Kirishima iria protestar contra isso, até ouvir uma risada abafada de Mineta e Sero, que estavam passando e pegaram o momento perfeito do desabafo de Kaminari, mas saíram rápido assim que viram o olhar penetrante de Kirishima, não ousando ficarem ali por mais tempo.

— Sobre a parte do zarolho eu não sei, mas sobre o talarico eu ainda posso falar com o Midoriya e explicar tudo que aconteceu. — Kaminari soltou um som abafado, claramente receoso com a hipótese de falar com o menino de sardas, ainda mais por que os seus dois olhos continuavam doendo. — Confia em mim, ele não vai ficar com raiva de você se ouvir a história toda.

Kaminari ainda tinha certas dúvidas quanto a isso, mas, por hora, ele resolveu se concentrar apenas em seu olho roxo e em mostrar todas as tarefas que passaria para Kirishima. Tirando essas duas coisas, ele teria o resto do dia livre fazendo exatamente nada, o que, na situação em que se encontrava, era um saco.

Então por isso ele resolveu passar seu tempo enchendo o saco de Kirishima, mesmo com esse estando completamente ocupado.

Não era apenas pelo tédio, mas sim como uma espécie de “vingança” por Kirishima não ter calado a boca em todas as vezes que Kaminari estava lotado de tarefas por causa dos desafios e mesmo assim dava corda para o ruivo continuar a puxar assunto. Mas ele, ao contrario do loiro, não parecia se incomodar nenhum pouco com a companhia ou sequer se atrapalhava com suas tarefas, e isso frustrava Kaminari.

Kirishima não era do tipo mais inteligente, mas pelo menos cumpria com a sua palavra, e Kaminari não se surpreenderia se ele terminasse todas aquelas tarefas antes de anoitecer. Não podia negar que também se sentia um pouco culpado por colocar essa responsabilidade toda nas costas dele, mas aquela era uma das regras dos desafios: deixar com que o seu oponente cumprisse com as apostas sem nenhum tipo de ajuda.

Porém, não era apenas pela possibilidade de Kaminari se livrar dos deveres de casa de uma forma rápida, mas sim porque passava um tempo com Kirishima. Ele não sabia explicar os motivos, apenas que apreciava, e muito, ficar perto do amigo, e esse tipo de passa tempo ultrapassava o sentimento de amizade.

E apenas agora, deitado de ponta cabeça na cama de Kirishima, observando esse fazer as lições de casa em sua escrivaninha, Kaminari notou isso. Seria estranho se ele falasse algo a respeito? Ou acabaria estragando tudo e Kirishima fosse querer passar seu tempo com outra pessoa? Ou então o ruivo iria acabar zoando com sua cara e não levaria nenhuma das suas emoções a sério? Em qualquer hipótese, Kaminari preferiria ficar em silêncio do que abrir a boca e acabar mudando a relação que tinham agora.

— Então... como ‘tá o seu olho? — Perguntou Kirishima, quebrando o silêncio daquele quarto, ainda sem desfocar a atenção das questões de biologia.

— Um pouco melhor, não ‘tá ardendo tanto. — Respondeu, ouvindo Kirishima responder com um “hm” baixo. — ‘Tá muito difícil de fazer as tarefas? Quer ajuda?

— “Regra numero cinco: nunca ajude o seu oponente com os desafios que lhe são propostos.” — Lembrou Kirishima praticamente imitando o representante de classe quando esse repreendia um dos alunos por quebrar alguma regra. Kaminari não pode evitar de rir com esse fato, e então Kirishima se virou para ele. — Não precisa se preocupar comigo, eu me viro.

— Eu não ‘tô preocupado, só que... — Parou, hesitante por um momento, pensando nas palavras que iria dizer. — Só ‘tô entediado, a gente poderia fazer alguma coisa.

— Conversar já não é alguma coisa?

— Sim, mas, outro tipo de coisa. — Respondeu, tentando não parecer muito vago. — Sabe, qualquer outra coisa, e não apenas ficar conversando.

Kirishima parou o que estava fazendo, ficando pensativo por algum tempo, e Kaminari tentou ler sua expressão, para saber o que se passava na cabeça do ruivo. Qualquer coisa que não fosse uma simples conversa, ou um desafio, estava de bom tamanho.

— Que tal mais um desafio? — Kaminari quis estapear a própria cara com aquela sugestão. Não, não era esse tipo de coisa que ele queria. — Qualé, não vai ser igual aos outros desafios e esse vai ser mais legal, prometo.

— Ok, mas... você já ‘tá se afogando em tarefas até o pescoço, não temos o que apostar.

E foi nesse ponto, nesse exato ponto, que Kaminari descobriu que o ruivo não era tão inocente quanto pensava. A verdade era que; dois adolescentes, sozinhos em um quarto, faltando menos de uma hora para anoitecer, era a receita perfeita para todo tipo de coisa acontecer, não importando se fossem do mesmo sexo ou não.

E a proposta do desafio veio baseado em um jogo de Uno: quem perdesse, precisaria trocar uma das suas peças de roupa por uma do sexo oposto, até que o perdedor, depois de estar completamente vestido com roupas femininas, iria caminhar pela Alliance inteira como se nada estivesse acontecendo. E aquele desafio não era apenas interessante por conta da punição que o perdedor recebia, como também o numero de cartas ultrapassava o usual do Uno, começando com vinte cartas cada jogador.

E Kaminari nem ao menos questionou em como Kirishima conseguiu convencer a Momo a criar um conjunto inteiro para os dois. Uma coisa não se podia negar: Kirishima possuía facilidade para convencer as pessoas a fazer o que ele quer.

O jogo começou: vinte cartas para cada. Kaminari jogou a primeira carta, Kirishima jogou em seguida, depois Kaminari, depois Kirishima. Até que chegou o momento em que um deles jogou uma carta de compra, e como eles não queriam perder aquele jogo, o outro lançou uma outra carta de compra, seguida de outra, e de outra, e de mais uma.

Até todas as cartas de compra pararam em Kaminari, e como Kirishima só possuía uma carta, o ruivo ganhou aquela partida.

Com um semblante frustrado, Kaminari retirou a camiseta que usava, colocando o menor dos dois sutiãs (obviamente para ele) que tinha dentro daqueles dois conjuntos.

Seguiram com a segunda rodada, e Kaminari estava pronto para dar o troco.

 

— Kirishima! Seu pau no cu! Onde caralhos você colocou o me...

Bakugou, como de costume, invadiu o quarto do ruivo sem bater, querendo algo com Kirishima, mas, naquele momento em especifico, essa tinha sido uma péssima escolha.

Acontece que Katsuki não imaginava que Kaminari estivasse com Kirishima naquele momento, tampouco que o loiro estivesse por cima dele, e vestindo uma saia? E um sutiã? E uma bota salto-alto que Bakugou jurava ter visto a garota-emo vestindo antes? Não reagiu com aquilo, apenas ficou paralisado encarando aquela cena com os olhos arregalados, igual a Kirishima e Kaminari, que não sabiam como reagir, esperando que Bakugou simplesmente saísse do quarto.

— E-espera! N-não é o que está pensando! — Tentou se explicar Kirishima, de forma rápida, mas acabando por gaguejar mais e embolar as palavras do que realmente dizer algo.

— D-deixa pra lá... eu peço outro carregador para a... a burguesa. — Disse, fechando a porta, e saindo de fininho, enquanto sua mente pensava no que caralhos havia acabado de ver.

Naquela hora, Kaminari conseguiu ficar tão vermelho quanto o próprio cabelo de Kirishima, envergonhado demais para fazer qualquer coisa depois do momento constrangedor que acabou de passar, e isso incluía em continuar com o desafio.

Não, aquilo não era apenas por Bakugou ter pego o Kaminari em uma hora errada, vestindo roupas de mulher, em cima do Kirishima, e sim porque, justamente naquele momento, na droga daquele momento, finalmente conseguiu reunir coragem o suficiente para falar com o ruivo sobre o que sentia, de quase conseguir beija-lo, de quase tudo dar certo. Mas não, o destino tinha que zoar com a cara de Denki, mostrar em o quão patético ele era, e de como toda aquela situação toda era ridícula.

Ele se sentia errado depois de repensar no que estava fazendo. Se aproveitar de Kirishima, após os dois caírem, enquanto ele tentar ajudar o Kaminari a colocar uma simples saia por cima do salto? No que estava pensando? Ele era estupido?

O clima que ficou no quarto de Kirishima depois de Bakugou ir embora não era nenhum pouco agradável, ainda mais por nenhum dos dois saber o que fazer exatamente. Se por um lado Kaminari se sentia vergonha, por outro Kirishima estava perplexo, ainda digerindo tudo que o loiro havia falando e no que estavam prestes a fazer se Bakugou não tivesse praticamente arrombado a porta de seu quarto.

Será que era uma boa ideia falar sobre isso?

— Kami-...

— Eu vou pro meu quarto. — Disse de forma ríspida, se levantando e quase caindo, de novo, por conta do salto, sem coragem alguma para encarar o rosto de Kirishima.

Nunca Kaminari se sentiu tão humilhado como daquela forma, e olha que ele já fez muitas coisas humilhantes com aqueles desafios, mas eles nunca atingiram o seu emocional antes, e ele não sabia o que fazer, ou como agir naturalmente nesse tipo de situação. Para ser sincero, ele queria sumir, ou então esquecer que aquele dia aconteceu.

— Espera, por favor. — Kirishima tratou de se levantar rapidamente, segurando no pulso de Denki para impedi-lo de ir embora. — A gente pode falar sobre isso, ‘tá tudo bem se a gente falar sobre isso?

Não, não estava tudo bem, Kaminari se sentia um estupido e idiota por gostar de Kirishima, como se tivesse acabado de estragar toda a amizade que construíram até ali, e um imprestável por não conseguir, nem fazer uma declaração decente, e nem encarar o melhor amigo após a vergonha que acabaram de passar.

A sensação que tinha era de que iria desmoronar, esperando que Kirishima passasse a odiá-lo depois daquilo, ou de julga-lo pelas atitudes que tomou graças ao momento e as suas emoções. Qualquer coisa, nem fosse o ruivo o expulsando do quarto, seria melhor do que o silêncio torturante que se formou entre os dois.

Mas não foi a quebra do silêncio, ou qualquer fala de Kirishima, que convenceu Kaminari de que estava tudo bem, e sim um abraço, não muito forte, mas definitivamente aconchegante, do qual o loiro não esperava receber no momento. Se não fosse pela vergonha, ele ousaria se virar para encarar o ruivo, porém preferiu ficar ali, sentindo o calor que o contato com o corpo de Kirishima proporcionava, e se sentia mais calmo com isso.

— E eu aqui achando que você apenas topava fazer os desafios porquê gostava de se machucar. — Brincou Kirishima, tentando descontrair e confortar o amigo depois de tudo. — Eu... não sabia que você sentia esse tipo de coisa por mim. — Disse, apoiando a testa entre os ombros e a nuca de Denki, quase que em um gesto infantil e envergonhado. — Me desculpa por esse último desafio idiota, eu posso te compensar de algum modo?

— “Regra numero oito: nunca se lamente por como o seu oponente ficou depois de um desafio.” — Lembrou-o Kaminari, dando uma risada fraca, e então só assim criou coragem para virar o rosto na direção de Kirishima, esse que o olhava com uma carinha de cão arrependido. — Mas... acho que você ainda pode fazer algo por mim.

 

Aquele foi, de longe, o final de semana mais estranho, cansativo, conturbado, e cheio de dramas e mal-entendido que Denki já chegou a ter durante, e para, uma vida inteira, mas, pelo menos ele estava livre dos deveres de casa e dos trabalhos da escola durante três semanas inteiras. Sem contar, claro, que o céu daquela noite era bonito demais para não ser apreciado por dois adolescentes sozinhos em uma varanda.

Era surpreendente como Kirishima conseguiu uma autorização do professor Aizawa para comprar sorvete naquela hora da noite, e em como ele também conseguiu achar uma loja que estivesse aberta. O fato era que Kirishima conseguia ser um homem cheio de truques, e Kaminari não se surpreenderia se um dia o ruivo aparecesse com algum protótipo de foguete da Nasa só por ter pedido para o dono do protótipo.

Sendo apenas sorte ou um truque do ruivo para conseguir o que queria, isso não importava, aquela noite, naquela varanda, era bonita demais para ser desperdiçada com perguntas idiotas. Apenas o silêncio, não mais considerado algo incomodo, era o bastante para que os dois se sentissem felizes e em sincronia, sem que precisassem trocar uma única palavra.

No final das contas, a relação deles não mudou, mesmo depois de tanta coisa esquisita ter acontecido no espaço de tempo de um dia, e Denki ficou satisfeito e aliviado com isso, como se um enorme peso, do qual não sabia que estava carregando, tivesse ido embora.

— Sabe, ainda tem mais uma coisa que você poderia fazer por mim. — Disse, chamando a atenção de Kirishima, do qual não tinha mais nada além do palito de picolé em sua boca. — Em todas as apostas que fizemos você nunca pediu para me beijar caso eu perdesse em algum desafio.

— E isso é uma reclamação ou uma sugestão? — Brincou Kirishima, sentando mais perto do amigo. — Como você vivia dizendo que gostava apenas de garotas eu não poderia pedir algo assim.

— Bem, não está errado... — Respondeu, encostando a cabeça no ombro de Kirishima. — Mas eu também gosto de você, então acho que esse tipo de coisa conta.

Kirishima não tentou questionar a lógica de Kaminari, passando o braço sobre o seu ombro, e apoiando a própria cabeça na cabeça de Denki.

— Então, vamos ver... — Começou Kirishima, encarando o céu estrelado. — Se cair uma chuva de estrelas cadente, eu começo a sair com você.

— Isso não é nenhum pouco just-... — Antes que Kaminari pudesse terminar a sua reclamação, uma chuva de estrelas começava a cair do céu, deixando aquela noite um milhão de vezes mais bonita do que já estava, e o loiro só conseguiu ficar pasmo com a adivinhação de Kirishima. — Como você...

— Eu li a previsão do tempo para essa noite. — Respondeu, e Kaminari não sabia se fazia uma cara indignada, alegre, brava, ou todas ao mesmo tempo, acabando por dar um tapa leve na nuca de Kirishima. — Ai!

— Isso é trapaça! — Disse, vendo o ruivo rir da sua expressão confusa. — É sério!

Antes que pudesse dizer qualquer coisa a mais, Kirishima se aproximou de Kaminari, o beijando de maneira doce e suave, porém, quando decidiu se afastar, Denki o puxou para perto de novo, continuando com o beijo, e o intensificando cada vez mais. Até que, por fim, se separaram, e Kaminari pode ver de perto aqueles olhos vermelhos intensos, sedutores, e que imploravam para receber mais contato e carinho do loiro.

Denki só conseguiu pensar em como Kirishima era adorável.

— Se eu te pedir, você passa o resto da noite comigo? — Perguntou Kirishima, quase que em um apelo, para que Kaminari ficasse com ele.

— Você não precisava me pedir, sabe que a minha resposta é sim. — Dito isso, Denki se aproximou mais uma vez de Eijirou, e suas costas acabaram escorregando da parede e indo parar no chão, mas sem interromper aquele beijo, ou se importar se alguém os veria se pegando naquela varanda.

Não demorou para que Eijirou o tirasse do chão, pegando Denki em seu colo e o levando para dentro do quarto. Colocou o loiro na cama com certo cuidado, como se ele fosse uma boneca de porcelana, e então continuaram com os beijos até que a necessidade de tirar suas roupas falasse mais alto, mas, ainda assim, tomando o devido cuidado para não acordarem os colegas dos quartos ao lado.

Definitivamente, aquele foi o final de semana mais estranho que Kaminari já teve, contudo, pelo menos nos dias seguintes, os dias em que iria passar com o seu namorado, seja com desafios, aproveitando o tempo juntos, ou estudando, acabaram se tornando os mais especiais de sua vida.


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