Oclusiva escrita por S Q, WSU


Capítulo 8
Nightmares (parte 1)


Notas iniciais do capítulo

Ilustração referente ao Pedro Mello. A música do capítulo pode tanto ser a do Omen, quanto do Amken ou até mesmo do Avenged Sevenfold, enfim, todas encaixam um pouco com este e também com o próximo.
Desejo que tenham uma boa leitura!



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Momentos Anteriores

Limite de São Paulo com Minas Gerais - Final da Tarde

 

     Guilherme dirigia a velha ambulância, Isabela no banco do carona.

— Bom, entramos em Minas. Acredito que na velocidade em que estamos, se não pegarmos trânsito, chegamos em Corsário daqui a umas 5 horas.

A menina continuava olhando impassível para a janela. Estava assim desde que cedera lugar à Guilherme no volante.

— Er… não que você precise de alguém que te diga, né? — Ele comentou sem-graça. Sentia-se um peso morto ali. Fora a habilitação, não tinha muito como ajudar Isabela, ou sequer fugir daquela situação, pois acabara de perder o emprego e não tinha como se manter em São Paulo. Quando Isabela lhe deixou entrar, fugiram sem rumo, tomando as rotas mais rápidas para escaparem da metrópole. Só mais tarde a garota lhe disse sem olhar nos olhos para tomar a rodovia que levava de volta à Bahia. Não explicou porque, mas Guilherme também não pediu. Era onde ficavam as casas de suas famílias, afinal. Nunca ia adivinhar o que Isabela realmente estava pretendendo e o quão difícil foi para ela decidir que devia seguir para aquele lado, apesar de tudo.

— Olha, eu duvido que esteja com mais raiva de mim do que eu, ok? Me botei na frente da ambulância com medo de me encalacrar no emprego por ter te liberado o carro, mas… ah, você já sabe que fui automaticamente demitido pela minha burrice! — Ele reclamou, mas sem tirar os olhos do painel.

— De nada! — pronunciou finalmente, irônica. E se calou novamente. Depois de alguns minutos, Guilherme suspirou:

— Eu só queria fazer a coisa certa.

Ela lançou o primeiro olhar direto para ele.

— Coisa certa? Há… Eu... queria poder te dar uma lição de moral aqui, mas infelizmente… não tenho moral para isso. — terminou, virando-se de volta para a rodovia com uma risada irônica.

Ele ergueu uma sobrancelha.

— Sabe, você é estranha! Q-quero dizer… analisando tudo o que eu sei sobre a sua pessoa o prudente seria manter distância. Mas… não sei, eu me sinto mais confortável contigo do que com a maioria das pessoas. Você não parece ser alguém ruim. Como foi acontecer isso tudo com sua vida?

Ela se virou pela segunda vez, zombando:

— Não pareço ser alguém ruim? Eu queimei a sua cara assim que a gente se conheceu! Acabei de ferrar com seu emprego! Na verdade eu poderia até tentar correr sozinha até lá, mas meu corpo não aguentaria a distância... De qualquer forma, não fico nem um pouco magoada se me deixar aqui na beira da estrada e seguir seu caminho. Não seria o primeiro a fazer algo do tipo.

— E ainda me deixou ir contigo depois de quase ferrar seus planos. Não é algo que se vê todo dia. Especialmente vindo de uma pessoa mais “poderosa”. — Ele interrompeu. Depois acrescentou, sorrindo. — Ok, acho que acabei de responder minhas dúvidas sobre seu caráter, sem querer.

Ela revirou os olhos. Reprimindo um sorrisinho.

— Então...que bom, pois preciso que confie em mim uma última vez. Talvez tenhamos que parar antes de Corsário.

Ele sorriu mais, tirando os olhos da estrada incomumente vazia por poucos segundos, a fim de fitar a imensidão negra e misteriosa que eram os olhos da garota quando não estavam sob efeito dos seus poderes.

— Talvez eu seja louco o suficiente para querer que essa não seja a última vez.

Ela fingiu que não ouviu emendando desafiadoramente:

— Espero que não fique tão desorientado como no hospital, porque a coisa vai ficar bem mais perigosa e sobrenatural. Acha que aguenta? Ainda dá tempo de fugir.

— Posso tentar me sair melhor. — declarou já concentrado de volta na estrada, estalando o pescoço.

 

 

 

Corsário

 

 Na noite anterior, Carol não tinha conseguido muitas informações sobre o paradeiro de Isabela, mas teve a confirmação de que estava na pista certa: a filha de Josefina realmente tinha poderes especiais e, como suspeitava, sua vida era um inferno por conta disso. A experiência que a agente tinha com corrompidos geneticamente era que para pessoas anônimas, muitas vezes, poderes são sinônimos de vidas estragadas. Ainda mais uma jovem pobre da periferia de Corsário. Se sentia cada vez mais feliz por ser uma policial e não uma “super mulher”, conforme lidava com casos envolvendo super-poderosos. Se sendo “normal”, já não conseguia conciliar seu tempo livre com sua profissão, imagina se tivesse alguma capacidade sobre-humana.

A menina que estava procurando devia ter mais de dez...

Sabia que se quisesse ir mais a fundo no peculiar caso, precisaria fazer uma visitinha à MutaGenic. Só havia um problema: Jonas. Infelizmente não daria conta do caso sozinha e nenhum como nenhum outro vigilante estava disponível para ajudá-la, não tinha muita opção, a não ser o aprendiz. Também não queria envolver os colegas fardados no caso, pois normalmente não tinham muita perícia para lidar com casos como os experimentos humanos. Ir sozinha lá também, certamente, não era uma opção. Envolver alguém de sua vida pessoal, simplesmente fora de cogitação. Acabou concluindo que o melhor era ficar numa estalagem perto de onde estava mesmo, e entrar em contato com o laboratório por telefone, ao menos por enquanto. Nesse meio tempo, algum dos vigilantes, fora Jonas, poderia ter algum momento de mínima lucidez e lhe ajudar de alguma forma com a MutaGenic.

Naquela noite, se dedicou a ir procurando mais informações sobre como agir, catando desde o registro do advogado atual do laboratório na internet e até da DP onde Matheus trabalhava na época em que derrotaram Anthony para ver se tinham algum registro útil. Quer dizer, na prática ela dava as ordens para Jonas e ele que fazia isso tudo, resmungando do tapete onde teria que adormecer.

— Não reclama. Deveria era ficar feliz por eu pagar uma noite para você dormir comigo.

Ele deu um sorriso safado em resposta.

— Quer ficar na rua?! Você entendeu muito bem o que eu disse!  — falou irritada, com seu celular na orelha. — Eles desligaram todos os telefones, não é possível!

Jonas já tinha voltado a resmungar:

— Cara, me deixa descansar, pelo amor de…

— Shh. Meu celular de trabalho. Quando chega mensagem a essa hora, normalmente não é coisa boa...

 

 

 

2:30 - Trevo entre a auto-estrada Linha Verde e a rodovia Fernão Dias

 

Carol dirigia com sangue nos olhos. O jovem sonolento, no banco do carona, estava com um pouco de pena do sujeito que fosse encará-la. De repente, começaram a avistar nuvens descontroladas de poeira negra. E um clarão que quase fez a agente perder o controle do carro.

— Talvez… o carinha não seja tão palhaço assim. — Jonas comentou. A mulher continuou a dirigir, ainda mais concentrada na estrada. Apenas pediu:

— Pega meu celular, ele está sem senha. Liga para o número da Ana e põe no viva-voz.

Ele obedeceu sem gracinhas. Estava aprendendo aos poucos a discernir quando não era momento.

— Querida, desculpe por te deixar sozinha mais uma noite. Se eu demorar para voltar, saiba que te amo.

No centro das nuvens negras, ou melhor, no olho de um verdadeiro furacão, encontrava- se Pedro Mello. Ele reunia todas as suas forças para deslocar os reféns consigo, até o barracão mais próximo que encontrasse. A ideia inicial era continuar o plano em algum lugar mais isolado dali, todavia, estava percebendo que não aguentaria, teria que parar antes e bolar uma nova tática. Por hora, se concentrava absurdamente em achar algum outro esconderijo naquele fim de mundo. Mas pelas condições desfavoráveis da situação, ia ter que se refugiar no mato do acostamento mesmo.

O carro de Trap tentava acelerar, mas do ponto onde estava, começou a bater com o vento absurdamente forte, causado pela movimentação fisicamente anôma-la mais a frente. Soltou um palavrão alto. A força do ar aos poucos começou a disputar com a do motor. Pedro percebeu que a estrada à sua frente não estava deserta. Também soltou um palavrão. A rodovia Fernão Dias completamente vazia estava bom demais para ser verdade.

— Quer saber? Para quê estou tentando deslocar esses palermas ainda?! — berrou nervoso.

A ventania parou do nada, e todos seus reféns, suspensos no ar por nuvens conjuradas de poeira, foram arremessados. O carro onde estavam os dois vigilantes também foi empurrado bruscamente para trás. Deu então um urro, concentrando toda a magia que possuía entre suas duas mãos. Em seguida, abriu os braços rapidamente criando uma espécie de explosão capaz de matar qualquer pessoa que estivesse muito próxima. Menos o executor, já que o impacto ia todo para fora. Com o circo de horror gerado por uma dezena de corpos inconscientes jogado no meio do asfalto, correu o mais rápido possível para dentro da mata, acreditando ser mais dificilmente seguido por aquele lado, sem olhar se havia deixado mortos ou não. Contava com seu fôlego, adquirido nas diversas vezes em que precisou fugir de agiotas, se embrenhando pelo mato por uns 5 minutos até considerar que já estava a uma distância boa de suas vítimas. Suspirou cansado se apoiando numa árvore. Eis que uma mulher surge de trás de uma moita bem ao seu lado, dando-lhe um soco na nuca.

— A lagartixa achou que tinha causado distração suficiente para sair fugindo sem ser notado?

Antes que pensasse em reagir, outra figura passou pendurada por teias do alto de uma árvore, como um Aracnídeo, e enroscou Pedro todo no material, deixando apenas uma breve brecha perto das narinas para não matá-lo sufocado de vez. Fora isso, parecia uma perfeita múmia.

— Boa, Arac. Eu poderia levar esse idiota para a delegacia mas sei de um lugar que deve funcionar para gente como ele: MutaGenic.

— Grande ideia! Acho que acabamos de dar alguma função útil para aquele bando de… — Jonas ia falando, mas a agente Trap já tinha dado as costas, carregando pelas pernas um Pedro quase mumificado. — Ei, me espera!

Chegando de volta à estrada se deram conta de que se recuperar do estrondo e capturar o delinquente encapetado era a parte mais fácil da missão.

— Tem muitos corpos aqui! O que vamos fazer?! — O jovem com habilidades aracnídeas perguntou desolado.

A mulher literalmente jogou Pedro na mala do carro e foi conferir a pulsação deles.

— Alguns ainda estão vivos. Mas não sei se aguentam até uma ambulância chegar!

O adolescente já fuçava no wikihow: “ como lidar com vários corpos no meio de uma estrada e não pirar”, em seu smartphone. Acabou descobrindo que não muito longe dali havia um hospital. Sugeriu que eles mesmo levassem as vítimas ainda vivas para lá. Carol sabia que era arriscado, inclusive pela sua ética profissional; deveria deixar os corpos lá até ambulância e perícia chegarem. Mas também sabia de toda a burocracia que estaria envolvida para abrir os chamados, e consequentemente, o tempo que o regulamento pedia. Olhou seu distintivo onde estava escrito “Carolina - Agente Especial 001 Treinamento Superior em Armadilhas - Trap”. Arriscaria o cargo que demorou tanto a conquistar dentro do Ministério da Defesa para tentar salvar alguns daqueles corpos? Respirou fundo.

— Me ajuda a pôr para dentro os que ainda estão vivos. Tá esperando o quê, moleque?!

 

 

 

MutaGenic - Unidade São Paulo - Momento Simultâneo

 

Yuri Ling andava de um lado para outro nervoso. Ansiava pelo relatório de seus funcionários, mas por enquanto, não podia fazer muito, a não ser esperar que alcançassem o ponto de confronto. A segurança da unidade de Corsário e Minas já haviam sido rigidamente ativadas assim como a própria de São Paulo, agora só restava esperar.

Olhou para o retrato da filha que tinha em cima da mesa de trabalho. Sabia que elas desaprovariam a ordem que dera. Desde o incidente de Isabela, por mais que tenha continuado a trabalhar na MutaGenic, prometera não se envolver com os experimentos humanos do laboratório. Ficou trabalhando na área de desenvolvimento tecnológico até Anthony abandonar o barco em suas mãos. Agora, como líder de uma enorme empresa, lotada de funcionários que dependiam de seu trabalho para sobreviver era inevitável lidar com essas questões deixadas pelo antigo chefe. Ao menos era isso que pensava para aliviar sua culpa.

Recebera um vídeo anônimo, horas antes, onde aparecia uma dezena de pessoas subjugadas à forças desconhecidas e sombrias, a agente Trap e o Aracnídeo também apareciam,ao fundo. Sabia que nunca teria uma chance tão grande de estudar e aprimorar pessoas que estiveram sob o efeito dessas magias ainda não explicadas pela ciência. Um corrompido original e uma pessoa normal mais habilidosa que a média em um apuro daqueles, também poderia vir a ser uma oportunidade única.

  Na descrição do vídeo aparecia o nome da rodovia onde estavam. Pelas notícias da TV parecia ser um vídeo real. Hesitou um pouco mas deu a ordem à Félix e Giovani.

— Esqueçam Isabela, por ora. Vistam os trajes de emergência e capturem o máximo possível de vítimas que conseguirem.

 

 

 

3:00

 

Conforme os quilômetros na estrada se passavam, a apreensão entre Jonas e Carol aumentava. O garoto já se perguntava se o GPS teria indicado a distância certa para o hospital, quando, com o carro cheio de pessoas desacordadas, ouviram o som surdo de algo se quebrando no bagageiro. Depois disso foram cinco segundos para Trap perder a direção. Pedro aproveitou o tempo imobilizado para absorver partículas negativas dos átomos que formavam o tecido ao seu redor, formando energia suficiente para rasgar a teia do garoto-aranha e assumir o controle do veículo através de uma fumaça negra conjurada que obedecia seus comandos para acelerar o carro. O ponteiro da velocidade foi subindo constantemente até chegar ao 800, o máximo, enquanto Mello ia pondo a cabeça para fora do capô traseiro, corroendo ele tal qual fez com as teias.

— Posso berrar de medo?! — questionou Jonas, assustado.

Estavam já fora dos limites da Bahia, dentro do estado de Minas Gerais, e se aproximavam de um perímetro onde passavam vários caminhões, todos buzinando com o carro desgovernado. Até Trap estava desorientada, sem saber se continuava tentando recuperar a direção ou se dava uma surra no recém-acordado. Estando o controle do veículo com Mello, não havia o que pudesse ser feito. Ele sorria satisfeito enquanto passava direto igual um foguete em frente ao hospital que finalmente aparecia; para onde os vigilantes levariam as vítimas, se ele não tivesse conseguido escapar.

— Ora, ora! Parece que arranjei mais dois reféns! E eu nem precisei ir atrás deles!

— Você foi capturado pela gente, seu palerma! — gritou Jonas, sem conseguir se levantar do banco muito bem, os cabelos balançando para trás — Só tá aparecendo! Acha que já não chamou bastante a atenção da polícia rodoviária, idiota?!

— Verdade. Bom você ter me lembrado. — disse rindo. — Mas eu sei me salvar de um acidente de trânsito.

Estalando os dedos, criou um campo de força ao seu redor e levou o carro com tudo contra um contêiner no acostamento. Sorte que Jonas, com sua super destreza, conseguiu lançar uma grande quantidade da teia que conseguia soltar com suas mãos, contra o bloco metálico, o suficiente para amortecer o impacto bem a tempo.

— Seu projeto de assassino! Argh! — O adolescente berrou ainda zonzo da descarga repentina de poder. Estava se soltando do cinto, assim como Carol, quando sentiu seus cabelos sendo fortemente puxados para trás, tudo se movendo e lhe arranhando. Demorou um tempo até entender que estava sendo arrastado. Pedro Mello se aproveitou do atordoamento dos dois e tirou-lhes do carro como tiraria sacos de lixo. — Você não deviam ter se colocado no meu caminho! Seus castigos serão os piores! — pronunciou batendo os braços e iniciando uma tortura tão forte quanto a que Isabela sofrera quando enfrentou-o antes do presídio de Guararé ruir. No fundo, ele também levava em consideração que podia pegar mais pesado com os vigilantes, afinal, não morreriam tão fácil quanto os civis pacatos.

Os dois berravam agonizantemente, suas piores dores e seus piores pesadelos materializados em seus SNCs.* Câimbras pelo corpo todo, taquicardia, pânico. Carol via Ana morta na sua frente; Jonas alucinava com seus amigos dando-lhe machadadas pelas costas. Pedro gargalhava doentiamente. Era louco ter tantas vidas em suas mãos, o poder que parecia mais difícil de se concretizar estava ali, acontecendo naquele instante.


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Notas finais do capítulo

*Sistema Nervoso Central - sigla científica.



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