Oclusiva escrita por S Q, WSU


Capítulo 1
Welcome To The Jungle


Notas iniciais do capítulo

Muita gente deve estar se perguntando: como a S Q dos romances fofinhos resolveu publicar uma história dessas? Bem, eu sempre tive curiosidade de testar minha escrita fora da "área de conforto". Foi um desafio, mas também se tornou um trabalho muito gratificante. Espero que gostem tanto quanto eu gostei de escrever ^^

PS: para os apaixonados por música, como eu (XD) montei uma playlist no youtube com referências musicais que ouvi para escrever. O link é esse aqui: https://www.youtube.com/playlist?list=PL_qm5KkTs6rAYYd32Xlyh69Cm-yixlFn-



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ISABELA SOUZA DA SILVA. 20 anos. Desempregada. 1,65 m. 54kg. Pele clara, cabelo e olhos negros.

Agressão física, moral e verbal. Cela 4 - 2 DP de Corsário.

As algemas geladas arranhavam seus pulsos. De cada um de seus lados havia um policial lhe guiando para a quarta cela da delegacia na região central da cidade. Seu novo lar; ao menos até ser removida para um presídio definitivo. Ela sabia que podia tentar escapar, mas ignorava todas as informações que passavam freneticamente em seu cérebro super acelerado. Apenas fez a mesma coisa que resumiam seus últimos dez  anos: se desligar dali e simplesmente continuar existindo.

 

 

 

Junho de 2007

 

Em Corsário existia um colégio de referência, conhecido por suas aprovações em vestibulares dificílimos e ótimas instalações, onde havia ginásios e laboratórios de primeira. Alunos de outros municípios próximos sonhavam com uma vaga no CIC - Centro Integrado de Corsário. Era lá que a pequena Isabela havia conseguido ser aprovada como bolsista, e no momento, estudava seu quarto ano. Fora alguns colegas chatos, ela se dava muito bem lá dentro, sendo uma das alunas mais brilhantes do estabelecimento. Sua vida, no geral, era normal: brincava, estudava, passeava... Não podia sequer imaginar que em menos de um mês seria tida como uma aberração.

Tudo aconteceu quando a escola levou seus alunos a passeio para conhecer uma empresa especializada  em estudos científicos, MutaGenic. O estudo público em foco pelos cientistas de lá, na época, envolvia pesquisas sobre a interação entre diferentes elementos da tabela periódica. Haviam frascos com misturas bem perigosas no interior dos laboratórios como mercúrio e xenônio líquidos juntos. Não é preciso dizer que o contato de tais substâncias com um ser humano podia ser mortal. Por isso, a excursão não envolvia a área laboratorial; os estudantes passavam pelos jardins e depois eram diretamente levados aos auditórios. O que o chefe das pesquisas com os elementos não contava, era que um dos alunos mais velhos ia conseguir burlar as travas das portas da área restrita aos funcionários e sairia com um tubo de ensaio na mão para zoar e jogar em algum dos "pirralhos do fundamental".

No caso, a criança atingida bem nos olhos foi Isabela.

O delinquente em questão se chamava Pedro Mello; tinha dezessete anos na época, foi expulso e ninguém do colégio teve mais notícias dele. Já o cientista Ling e seus subalternos não sofreram sanções da comunidade científica, porque o caso foi tido como um "acidente". Eles até tiveram uma ordem por parte do superior na época, Anthony, para estudar a menina, a fim de “ajudá-la com possíveis efeitos colaterais”, mas seus pais acharam melhor poupá-la dos olhares fofoqueiros e alegaram que não era preciso, pois a filha estava bem de saúde. O pai, sendo um homem influente no mundo dos negócios, conseguia o que queria.

Porém, a garotinha nunca mais foi a mesma.

Sua mente funcionava cada vez mais aceleradamente, num ritmo assustador e incontrolável: uma semana após o acidente ela deduziu sozinha, sem nunca ter ouvido falar, a fórmula de Bháskara. Seus cabelos começaram a soltar faíscas a todo momento e para onde ela olhava acontecia alguma coisa:  se mirava um armário, conseguia ver tudo que havia dentro; se olhava algo que não gostava, soltava uma descarga elétrica naquela direção. Os responsáveis dela resolveram afastá-la da escola quando numa aula de educação física conseguiu correr a aproximadamente 50 km/h. Os professores ficaram muito preocupados, os colegas temiam e se afastavam da menina.

Dona Josefina da Silva, sua mãe, era uma pessoa muito pouco instruída que dependia da pensão do ex-marido. Este, empresário ocupadíssimo e pai ausente, ficou preocupado apenas com a imagem da empresa dele associada à filha problemática. Por isso o homem pressionou Josefina para conter a menina a qualquer custo e a mulher tomou para si a função de educá-la severamente. Acima de qualquer coisa, ela devia controlar seus "ataques transtornados" e não deveria se expor enquanto fosse "perigoso". Desde então, Isabela cresceu sendo repreendida e isolada de todos em seu quarto, enquanto tentava conter os poderes que ficavam cada vez mais fortes e lhe aterrorizavam dia e noite.

 

 

Fevereiro de 2018

 

Todos os dias eram iguais. Isabela dormia a maior parte do tempo possível para tentar esquecer sua existência. Apenas quando seu estômago implorava por comida, ou a bexiga estava prestes a estourar, ela se levantava. Não que tivesse sono para isso tudo. Simplesmente era mais fácil continuar na cama e ver qualquer idiotice na televisão do que encarar sua realidade. Quando se via no espelho encontrava abatidos olhos negros, um cabelo igualmente escuro completamente despenteado e a pele excessivamente pálida. Não fazia a menor ideia de quando pegara sol pela última vez. Soltava uma risada irônica ao pensar nisso e seguia o que estava fazendo (normalmente voltava a ver algum programa idiota pela enésima vez ou ia comer um pacote de cereais).

Se não dependesse completamente da mãe, não viveria nessa rotina tida por ela mesma como “insuportável” , mas todas as vezes que tentou sair para achar um emprego ou cuidar da própria vida, destruía a primeira coisa que olhasse na rua. Não que em casa isso não acontecesse, o estado das paredes e dos móveis no kitnet entregava que alguém, no mínimo, doente mental morava ali. Só que aquele era o ambiente mais conhecido por ela, portanto, tinha decorado para onde podia olhar e quais móveis eram menos inflamáveis. Aliás, numa das últimas vezes em que vira o pai, foi para instalarem um isolante eletrostático nas paredes, material caríssimo e raro feito em laboratório; mistura de Nomex e borracha. Por isso, não tinha outra saída a não ser continuar escondida com aquela vida medíocre e encarar tudo como uma grande piada, não querendo se matar justamente para ver até onde a desgraça iria.

E, no peculiar dia 28 de Fevereiro, estava em mais uma dessas manhãs (ou poderia ser tarde, noite, era tudo igual), quando, mudando de canal na TV, ouviu uma notícia que lhe chamou atenção. Era sobre seu pai; que a despeito de Isabela e Josefina que viviam numa perigosa comunidade controlada por milícia; havia enriquecido nos últimos anos, expandindo suas lojas de departamento. Parecia ter tido um escândalo em um luxuoso evento de sua firma. Ela aumentou o volume:

Kátia Souza, atual esposa do empresário Romário Souza, da rede Glam's, está internada em estado crítico no Hospital São Tarcísio. Ela foi brutalmente agredida durante um coquetail da empresa. Testemunhas contam que uma mulher encapuzada, aparentemente ex-esposa de Romário teria tido um surto durante a festa.

Não precisava de mais informação nenhuma. Por mais que não desejasse, a cabeça de Isabela já havia processado tudo: a mãe não parava em casa nos últimos dias. Teve uma briga considerável pelo telefone com o ex-marido por causa de pensão. Não conseguia achar emprego há anos. Kátia, sua madrasta, havia tentado se intrometer nos assuntos entre o ex-casal, visivelmente contra o pagamento mensal da quantia. Josefina andava muito estressada. Era óbvio para a jovem que a dona de casa chegara ao limite e fora acertar contas. Sem perceber, começou a calcular o que devia estar acontecendo em voz alta:

— Só que ela não é de ser vingativa. Certamente deve ter ido negociar e ter sido terrivelmente mal recepcionada. Já estava no limite, quebrou alguma coisa em cima dela, fez um barraco falando alguns palavrões e pronto: chegamos a essa situação. — Nesse momento ela se deu conta do que estava fazendo — Argh! Eu sei que não devia estar elocubrando, mas não dá para não fazer nada depois de ver isso.

A mente começou então a rodopiar mais freneticamente que nunca. Ela se esforçava monstruosamente para que sua cabeça ficasse em paz, chegando a dar urros de agonia, mas quanto mais tentava segurar, pior a situação ficava. Sem pensar e pensando tudo ao mesmo tempo, ela saiu correndo sem saber para onde ia. Quando deu por si, estava em frente à empresa do pai. Devia ter super acelerado  de novo para chegar ali tão depressa, mas uma imagem travou qualquer confusão interna que quisesse se re-estabelecer: sua estava mãe sendo levada num camburão.

— Parem! Não levem ela!

— Desculpa, garota. — disse o oficial que ia dirigir o veículo. — Mas a menos que apareça outro culpado para esse crime ela precisará ficar detida.

Sua cabeça, imediatamente, ligou alguns fatos:

— Somos parecidas. Não sei viver sozinha em casa, minha vida já é uma droga. Saindo de lá, sou menos uma despesa. Talvez faça menos estrago na cadeia. Não quero minha mãe naquele lugar. Outro suspeito e ela é liberada. Fui eu! Eu que ataquei Kátia Souza! Bati, xinguei, humilhei...

— Garota… tem noção que você está arruinando sua vida? — disse um dos policiais.

— Hey, eu estou me confessando aqui! O senhor não vai me levar?! — “E de qualquer forma, minha vida já está arruinada há 10 anos”. Pensou.

Cerca de 2 horas depois, o pedido acabou sendo atendido e já estava sendo arrastada para sua cela. Olhava o tempo todo para baixo, com o cabelo na cara para evitar qualquer estrago. Como estava usando um casaco impermeável com capuz, ninguém conseguia perceber a alteração da ponta dos seus fios que, para dentro do casaco, faiscavam sem parar, de nervoso.

Quando foi para trás das grades, achou que finalmente acabaria a tortura e poderia parar de se conter, mas haviam outras duas pessoas na cela para lhe perturbar. Em especial, uma mulher, que Isabela identificou ter sua mesma idade pelo biotipo.

— E aí, presa pelo quê? — falou a moça num chiste jocoso. Ela era baixinha, magra, loira de olhos azuis e se não estivesse ali dentro dificilmente alguém pensaria que era bandida.

— Não quero falar sobre isso. Poderia me deixar à vontade?

— Não tem do que se envergonhar, colega! Aqui todo mundo fez merda. Eu por exemplo, sou traficante. — disse de maneira vaga. Um rapaz, preso numa cela em frente à sua; naquela pequena e mal-cuidada delegacia, deu um pulo de lá, assustado com a forma banal com que aquilo foi dito. A loira percebeu, mas continuou como se nada tivesse acontecido — Já tive várias passadas por aqui, mas nunca deu em nada. Meu pai é rico, sempre conseguiu me safar. Se for uma boa colega de cela posso te retribuir, se é que me entende...

Isabela deu apenas uma gargalhada debochada e não disse mais nada.

A loira não entendeu muito bem a resposta da morena, mas a última estava mais preocupada com uma estranha falta de ar que começou a tomar conta de si, de repente. Não era apenas pânico para conter os poderes na frente de outras pessoas. Havia alguma força sinistra naquele lugar.

Completamente diferente de tudo que ela já sentiu na vida. Ou sequer imaginou sentir.

 

 

 Próximo Dali

 

— Segunda DP de Corsário. Ok, é aqui. Deixa eu ver as horas... seis e meia da tarde? Sim, é melhor eu começar a me preparar agora. — Uma figura encapuzada sussurrava para si, olhando furtivamente para os lados. Precisava verificar se a rua estava vazia. Para seu azar, estava mais movimentada que de costume.

Comentou ironicamente consigo:

— Ótimo, já começamos bem.

Apertou nervoso a maleta com os materiais de que precisava. Nunca se envolvera com nada sobrenatural, nem com superstição, mas sua situação atual pedia medidas drásticas. Ainda assim, sentia-se um pouco inseguro, haja vista seu histórico de vida que poderia lhe dar um certificado PHD em fazer merda. De qualquer forma, não tinha ideia de como podia realizar aquilo em um lugar tão movimentado.

— Do lado da delegacia. Tinham que ter me indicado a encruzilhada ao lado da delegacia! — resmungou.

Começou a procurar desesperadamente por um canto na rua onde pudesse iniciar seus trabalhos, até que achou um beco atrás de um pé sujo na rua transversal à que se encontrava.

— Vai ter que servir.

 

 

 

Laboratório MutaGenic -  18:30

 

Os últimos funcionários acabavam de retirar os jalecos e voltavam para seus lares. Fora os vigias, apenas o cientista responsável pela instituição atualmente, Ling, continuava no local. Ele assumira o posto através de uma espécie de seleção, após o fracasso da operação Colonizadores, que, desarticulada pelo Temerário, visava secretamente, enviar adolescentes modificados geneticamente para Mercúrio. Agora estava em seu gabinete, revirando suas pastas pessoais. Dentro delas haviam reportagens, fotos, fichas policiais, além de laudos e relatórios de seus experimentos particulares, mas nada que atendesse seus interesses até agora.

Até agora.

— Isabela, Isabela. Sabia que uma garota não podia desaparecer do mapa tão fácil assim. Não sem deixar um atestado de óbito. — disse o velho cientista num sorriso de lado, enquanto via a notícia que acabava de sair na internet sobre o caso de agressão envolvendo a esposa do presidente da rede Glam's .

 A matéria dizia que a filha mais velha do empresário havia se entregado, informando o nome completo da meliante e onde estava presa, aguardando julgamento. Ling sabia que só podia ser a garota acidentalmente atingida por um dos experimentos do laboratório há mais de dez anos, pois verificara constantemente em suas buscas pelo paradeiro da menina e no registro de habitantes de Corsário só havia uma Isabela de Souza da Silva, especificamente, filha de um dono de lojas de departamento.

 


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Notas finais do capítulo

A MutaGenic e o episódio citado aparecem em "O Temerário - PAR" também do WSU.



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