Charlotte a Herdeira da Trapaça escrita por MJ Triluna


Capítulo 6
Capítulo V — Coelhinho Indefeso


Notas iniciais do capítulo

Olá terráqueos! Como estão sendo as férias de vocês? Eu não sumi em vão, ontem recebi minha nota do enem e tudo indica que ela vai me por na faculdade através do sisu que abre dia 22 lol ESTOU SUPER FELIZASSA, obrigado pela paciência e boa leitura a todos (as) :*



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Arthur contemplou no espelho por longos minutos alguns hematomas em sua face, irritado consigo mesmo e tentando pôr, de algum modo, a culpa daquilo tudo em Charlotte, a loira destrambelhada que metia o nariz onde não era chamada.

Ele não conhecia o tal guarda-costas oficial da garota, mas teve dó do sujeito mesmo assim. Ele mal tinha conhecido a figura petulante e sem noção de perigo que é Charlotte, mas já imaginava a quantidade de esporros e agressões que seu guarda-costas devera ter sofrido ao correr dos anos graças à ela.

Mesmo assim, tinha que colocar alguma informação naquela cabeça demasiadamente curiosa para que talvez, com sorte, ela parasse de se meter em tanta confusão.

A hora que tinha combinado de encontrá-la se aproximava e as palavras de Kai ainda ecoam em sua cabeça “Você fez essa bagunça, e se qualquer coisa acontecer com ela, um fio de cabelo dela cair por isso, você vai preferir não ter nascido, Parker”.

***

Charlotte estava encostada numa árvore, mexendo no celular ansiosa; queria as tais respostas. Aquele dia na escola tinha sido especialmente irritante, Mark e Dakota a fuzilaram de perguntas sobre o porquê de ela não ter ido esperá-los em frente a escola. A versão que ela lhes disse foi que não cairia numa pegadinha imbecil para calouros, fazia mais sentido que explicar que tinha sido sequestrada por um falcão gigante.

A lua iluminava muito bem a noite naquele dia; constatou olhando para o céu aberto e de lua minguante. A hora parecia não passar, o farfalhar das folhas das árvores já começava a incomodá-la, assim como a fria brisa da noite. O medo de seu pai notar que ela não está dormindo no quarto também lhe martelava a cabeça. Bagunçou os próprios cabelos, para notar que Júpiter, o falcão gigante, e seu dono já estavam na frente dela, com direito a um olhar divertido vindo de Arthur.

— Vamos logo — chamou, não parecendo animado para ir a lugar algum —, não temos a noite toda!

Ela franziu o cenho, não gostando das “ordens”, mas sua curiosidade falou mais e alto que a vontade de derrubar Arthur de seu falcão e chutar seus documentos até que ele ficasse estéreo. Logo se encontrava montada no falcão que levantava voo, dessa vez sem nenhum nervosismo, ela apenas sentia o vento e via as luzes tão pequenas lá embaixo.

— Então. — Quebrou o silêncio. — Vai me dizer para onde estamos indo ou está me sequestrando de novo?

— Para à escola.

Charlotte soltou um riso contido, entonado de deboche. Estava rindo da ironia que só ela viu na situação, as respostas estavam aonde? Na escola, o lugar onde supostamente você é preparado para tudo na vida.

— Acha que é brincadeira? — perguntou arqueando uma sobrancelha.

— Não. É só que, é engraçado — explicou, ainda apreciando a vista ao seu redor. — Pelo menos, eu estou preparada pra qualquer coisa que seja, afinal, estou voando num maldito falcão peregrino gigante! Leis do Universo? Pra que?

— Você ainda não viu nada, louca — brincou, soltando uma praga logo em seguida por Júpiter parar abruptamente.

— Que… — Foi tudo que ele ouviu antes de fechar os olhos, e começar a ver o mundo através dos olhos de um falcão.

Ouvia as batidas de corações, ouvia sangue correndo em veias, enxergava cada pássaro em cada árvore ao redor, viu cada inseto voando na noite, cada coruja a espreita esperando a chance de conseguir comida, cada pessoa que circulava ao redor. Viu tudo, inclusive a enorme barreira mágica à sua frente, irradiando como o sol do meio dia. Era uma barreira simples, apenas para rastrear.

Conhecia aquele tipo de magia, graças a sua irmã, mas seria impossível passar por aquilo despercebido montado num falcão gigante.

— Ei, imbecil! — Charlotte gritava, batendo nas costas dele, irritada. — Pode parando de brincar de estátua…

— Calada! — vociferou.

— Quem voc…

— EU JÁ DISSE PRA CALAR A PORRA DA BOCA! — esbravejou, se levantando no falcão e deixou a garota um tanto desequilibrada. — Porcaria! — Xingou, procurando alguma fresta na enorme barreira que se estendia ao redor da cidade.

Ele começou a falar numa língua que Charlotte não tinha ideia de qual seria, tudo que ela notou foi o falcão confirmando as coisas, o que a deixou mais confusa ainda.

— DÁ PRA PARAR DE FAZER MACUMBA AQUI?! — gritou, frustrada e confusa.

Ela foi ignorada, ele continuava falando naquela língua que não era estranha aos ouvidos dela. As palavras eram belas, pareciam uma canção, a mais bela língua que já tinha ouvido.

Ficou perdida com aquela língua que estranhamente soava familiar a seus ouvidos, como se acordasse uma memória há muito adormecida. Se perdeu nas próprias memórias, um flash de uma memória longínqua, uma canção naquela mesma língua, vinda de um grande homem a segurando no colo, de olhos azuis calmos como o mar. A canção era tão leve, tão natural, que a tirou da realidade, fazendo-a se sentir leve, longe dali, num pacífico campo verde ao lado do homem que cantava a música, paz.

— Charlotte, se levante — ordenou, a tirando de seu transe. — Precisamos fazer uma loucura aqui.

— Hã? — Balançou a cabeça, piscando simultaneamente. — Quê? Para. Você primeiro começa a gritar comigo feito um troglodita e agora quer que eu fique em pé numa ave instável em pleno ar? É isso mesmo que eu entendi?!

— Exato, levante logo e feche os olhos, porque senão você vai ter outro dos seus ataques de pânico — falou direto, a fitando por cima dos ombros.

— Como?... Eu não vou levantar, nem ferrando! Vou cair se fizer isso, não gosto da ideia de virar uma mancha vermelha no chão.

— Certo, você quem sabe, vamos cair de qualquer jeito — Abriu um sorriso despreocupado.

— Com… — Ela não teve tempo de terminar a frase.

Num piscar de olhos, o falcão girou, Arthur se deixou cair enquanto ela gritava tanto que poderia romper suas cordas vocais, sem avistar a ave no céu escuro da noite, Charlotte entrou em desespero e não conseguia pensar em nada além da morte iminente. Em meio a gritos, lágrimas e saliva voando para todo lado, ela sentiu um braço envolver sua cintura, segurando firme.

— A parte divertida nem começou. — Ouviu a voz de Arthur tão calma que não parecia que estavam em queda livre.

O vento forte contra seu rosto fez seus olhos arderem e secarem tão rápido que ela não conseguia mais fechá-los. Também estava em pânico e atordoada, notou uma luz se movendo lá embaixo Um carro, supôs, e sua rota de queda era exatamente em cima do carro, imaginou, dada a velocidade do veículo e a da queda.

Sempre a disseram que nos últimos minutos de vida duma pessoa ela vê como um filme diante de seus olhos tudo que viveu. Seu único pensamento racional naquele instante era socar a cara de quem pensou nisso.

E então, quando estava tão próxima do carro que pôde reconhecê-lo como a pickup de seu pai, uma sombra rápida passou por debaixo deles. Ela sentiu um forte tranco na cintura, uma vontade de vomitar, e o vento finalmente a tinha permitido fechar os olhos.

— Respire, você está viva — falou se dando a liberdade de rir da situação em que ela se encontrava.

Ela não formulou nenhuma frase, nem mesmo xingou e bateu em Arthur, ou mesmo praguejou alguém. Permaneceu imóvel, com o corpo tão mole que o rapaz teve que manter-se segurando-a por todo o resto do trajeto. Quando Júpiter pousou numa área arborizada e discreta próxima à escola, ele começou a analisar a situação em que ela se encontrava com mais atenção.

Notou o suor frio, os olhos aterrorizados, mãos e pés trêmulos, lágrimas incessantes e a mais completa falta de noção de qualquer coisa que acontecia ao seu redor.

Se xingou internamente, não sabia que diabos a garota estava tendo, mas não era bom.

— Charlie? — Arriscou chamá-la pelo apelido, o fez repetidas vezes, mas sem reação.

Desceu do falcão com dificuldade graças ao peso morto, então começou a balançar a garota pelos ombros, chamando-a pelo nome.

— Que porra foi essa? — Sua voz era tão baixa que se não estivessem tão próximos seria impossível ouvir, ele riu ao notar que mesmo em estado de pânico a boca dela continuava limpa como sempre.

Soltou um suspiro do mais puro alívio, nos últimos segundos tinha tido um vislumbre do assustador sorriso de Kai enquanto o matava da maneira mais lenta e dolorosa possível. Para sorte dele, apesar de tudo, ela estava bem, viva e xingando como sempre.

— Eu te disse — zombou —, uma loucura.

Ela começou a balbuciar palavras avulsas, sobre tudo que tinha acontecido e também sobre a experiência nada agradável de viver longos minutos de choque. Enquanto isso, Arthur olha em volta, procurando por qualquer sinal de terem sido notados ao atravessar a barreira, ao mesmo tempo que bolava um plano de como se aproximar da reunião com uma loira em estado de choque.

Não tinha trazido consigo nada além de algumas de suas armas brancas, esqueceu-se que só ele podia ver através dos olhos de seu falcão e que assim não iria provar nada a alguém tão cético.


Tombou o corpo para trás, soltando os ombros, afundando as mãos dentro dos bolsos e soltando um longo suspiro. Tinha arruinado tudo. Pelo menos todas as chances de convencer Charlotte a não se aproximar de pessoas tão perigosas, não havia confiança ali para ela levar a palavra dele como suficiente.

— Ei seu filho duma puta! — gritou se levantando, com as pernas trêmulas e um semblante demoníaco. — Quem em nome de John Lennon você pensa que é?! Para fazer uma coisa dessas e nem me explicar! Hein?!

— Pare de gritar — respondeu absorto em seus pensamentos —, eu avisei. Você que não quis ouvir, de qualquer jeito, o que você tem nessa mochila?

Apontou para a mochila que por algum milagre ainda se encontrava nas costas dela, ignorando totalmente a revolta e a garota bufando de ódio a sua frente.

— Não importa, porque vou quebrar tua cara seu desgraçado! — bradou marchando na direção dele.

E ela realmente tentou, fazendo Arthur rir enquanto segurava os dois pulsos dela e usava uma de suas pernas para prevenir que ela não tentaria um golpe baixo.

— Vamos lá, gracinha, você pode bem mais que isso — Sorriu desdenhoso. — Pare de showzinho, estamos contra o tempo, então é bom que tenha o que precisamos nessa mochila surrada!

Ela se soltou, rosnando como um animal, mordendo os próprios dentes de raiva e com um brilho vermelho nos olhos que ela era incapaz de notar. Estava irritada não por ter passado por aquela maluquice, estava irritada por um imbecil qualquer tê-la visto no meio do que ela chamava “segundos infinitos” quando sua ansiedade falava mais alto que qualquer racionalidade, e ela se encontrava com tanto pânico que se tornava praticamente um vegetal ambulante.

“Você é frágil, não se ponha em risco” As palavras do psicólogo da antiga escola ecoam em sua mente, a fazendo soltar um riso de escárnio. Parecia que sua vida era um risco por si só às vezes.

Engoliu a raiva, a frustração e a vergonha de ter sido vista em tão deplorável estado.

— Trouxe umas coisas, como não sabia onde e para quê você ia me levar me prepare do melhor jeito que pude — explicou, passando a fitar a árvore mais próxima como distração. — Tem tanta coisa que acho que dá pra viver umas semanas só com essa mochila.

Deu risada de si mesma e tirou a mochila das costas, começando a tirar todo tipo de coisa de dentro da mesma, haviam copos dobráveis, armas brancas, uma corda pequena, um único pé de meia, um celular com todos os cabos, fones de ouvido, uma lata de coca-cola cheia de algo que ele preferiu não perguntar o que era depois de associar o cheiro a ácido.

— Que diabos? — indagou rindo, enquanto se perguntava como tudo aquilo cabia numa mochila pequena.

— Essa é minha mochila de emergência — Deu de ombros. — Tenho que pôr mais umas coisas, já que agora além das minhas paranóias com apocalipses e desastres naturais eu tenho que ficar pensando se um dragão vai ou não brotar na minha cara…

— Você vive em que planeta?

Ela ignorou a pergunta e começou a puxar mais cabos de sua mochila que parecia ser um buraco negro.

— Eu imaginei que teríamos que espionar alguém, ou sei lá, se fosse só aquele bêbado irritante poderia ser mais simples, todavia, eu me preparei — Estendeu seu notebook, um headphone e vários aparatos tecnológicos que Arthur não sabia o que eram.

— Novamente: Você vive em que planeta? — brincou tentando encontrar algum tipo de câmera no emaranhado de cabos.

***

Os dois estavam completamente centrados no monitor, imóveis e nervosos. Charlotte tinha puxado uma camêra de sua mochila e feito uma gambiarra para que Júpiter pudesse usá-la para gravar ao vivo o que estivesse no ângulo de vista da mesma, Arthur teve muito trabalho em deixar ele na posição certa, mas finalmente conseguiam ver um grupo de adultos sentados de cara amarrada, reclamando dos que estavam atrasados.

Se a garota não estivesse tão focada nas imagens e sons à sua frente, estaria rindo do fato da tal reunião secreta acontecer no porão da escola, o lugar mais fácil de se entrar em todo o prédio.

O tédio começava a se instalar quando os atrasados chegaram, fazendo os olhos de Charlotte quase saltarem da órbita, havia um homem loiro, mas ele não importava, junto a ele vinha ninguém mais, ninguém menos. Que seu pai, Phelipe vinha logo atrás do homem loiro, acompanhado por Aaron que segurava uma garrafa de cerveja na mão.

Por mais séria que a situação parecesse, ele não se separava de uma garrafa.

Charlotte já detestava o homem desde que bateu os olhos nele e sentiu o intragável odor de álcool, agora tinha ódio da figura, quem quer que fossem todas aquelas pessoas, segundo Arthur eram aqueles que a queriam morta ou numa coleira.

“O que ele faz aqui?” se perguntava internamente, segurando um sentimento de traição no peito, aquele era o homem que sempre esteve lá por ela, era impossível que soubesse quem aquelas pessoas realmente eram, talvez o estivessem usando como isca.

Se dizia veemente que Phelipe nunca trairia sua confiança, nunca.

— Então, como está a garota do momento? — indagou uma senhora, que aparentava ser muito gentil.

— Bem longe do clubinho do Aaron — Zombou o homem loiro que estava se sentando numa cadeira.

— Isso é problema e se ela já sabe demais?

— Impossível, demos a sorte dela não bater com o garoto-problema — respondeu Aaron, bebericando o líquido em sua garrafa. — Mark e Dakota estão quase trazendo-a, é questão de tempo.

— Garoto-problema? — Phelipe arqueou a sobrancelha, curioso.

— Parker — A senhora respondeu com uma face torcida — Tudo começou com eles e ainda continuam dando problemas, Arthur Elijah Parker, filho de Samantha Parker.

— A Samantha sempre foi problema — afirmou Phelipe, franzindo o cenho.

— Demos um jeito na irmã dele, mas ele ainda é uma pedra no sapato — Suspirou Aaron. — Apesar da sorte que temos da cachinhos dourados não apreciar a presença do Parker, ela me odeia, deve ter um ótimo instinto para isso.

Charlotte queria socá-lo através da tela de seu notebook, gritar com todos aqueles que falavam da vida dela como se fosse uma marionete, assim como a de Arthur que transparece pura irritação, rancor corria por seus olhos, fazendo-a se perguntar como eles teriam “dado um jeito” na irmã dele.

— Ela não odeia você, especificamente — explicou Phelipe —, Rachel deixou muitos traumas naquela garota sorridente. Um deles é repugnar álcool, já que toda vez que aquela ruiva dos infernos passava da terceira dose fazia as crianças de saco de pancadas. Mas a Charlie é mais esperta, sempre foi, escondia os irmãos e aguentava sozinha…

— Ela não é fácil de dobrar — acrescentou a senhora. — Não sabemos o que exatamente nenhum deles é, mesmo que tenham o dom vai além disso, mas ela em especial… Tem algo muito mais ali.

— Seja específica, Grace — exigiu um homem negro que até então se mantinha calado.

— Todos são perigosos, com o treinamento certo. Os Parkers são exemplo disso, mas ela vai além, preciso tocá-la para entender, mas é algo natural e não se brinca com as forças da natureza.

— Acrescente o fato de que ela teve uma vida de merda e deve saber muito bem se cuidar sozinha — resmungou o loiro.

— Não vejo como chegar nela.

Phelipe estalou a língua, sorridente.

— Vocês são cegos? — brincou. — Ela sempre escondeu os irmãos do perigo, os protegeu, morreria por eles. Se ela realmente acha que isso pode ser perigoso ou um trote, como foi a desculpa que deu aos Callaghan, nunca vai deixar os irmãos chegarem perto, não sozinhos pelo menos…

Os olhos dela já marejaram, não sabia porquê, não sabia como, mas tinha as provas que almejava. Não estava louca, não era paranóia sua cabeça mandando trancar a porta toda vez que os passos do pai ecoavam no corredor, era um instinto de sobrevivência ligado sem ela ter noção.

Phelipe era uma ameaça, ela não sabia nada além disso.

Nunca imaginou que seu pai faria mal à ela, ou mesmo aos seus irmãos. Quem era realmente o homem que a criou? Não teve tempo de pensar.

— Ora… Ora… Temos um inseto me subestimando aqui — A voz de Grace era macabra e no mesmo instante, Arthur caiu grunhindo de dor no chão.

— JÚPITER! — O rapaz gritou se erguendo ignorando a dor, e pegando o saco de pano de onde Charlotte tinha retirado seu notebook.

O falcão aparece caído no chão, grasnava de dor e seu corpo inteiro se contorcia juntamente ao de Arthur, que apesar da dor se arrastou até o companheiro e o colocou dentro do saco antes que qualquer coisa acontecesse. Para poder levar a câmera pequena e deixá-la no ângulo certo, o falcão tinha ficado do tamanho de um canário.

Charlotte não entendia nada da situação, muito menos quando o rapaz sinalizou para que ela não pronunciasse uma palavra. Ele demonstrava que ia tombar de dor a qualquer instante, ela se levantou num pulo, guardando todas as coisas de sua mochila num minuto e segurando a lata de coca-cola que continha ácido de cozinha dentro como se aquilo dependesse de sua vida.

— Temos algum espertinho novo na cidade? — A voz de Grace ecoava através do falcão que se encontrava dentro do saco — Um totem tão pequeno, explica por que foi burro em se aproximar… Boa sorte tentando escapar dos meus cães, escória, quem quer que seja. Comece a rezar, é seu último dia de vida.

O cérebro de Charlotte estava à mil enquanto ela se pôs a segurar Arthur que ia tombando para frente, notou um desenho em seu braço brilhando, parecia um F torto e brilhava tão intenso que incomodava os olhos.

“Cães, faro, correr” foram as três palavras que seu instinto gritou.

Passou o braço do rapaz por cima de seus ombros, sentindo o corpo do mesmo fraco e tinha certeza que o líquido que corria por boa parte do corpo dele era sangue. Não entendia como aquilo era possível, mas começou a correr. Suas pernas se moviam por conta própria, sua mente estava ocupada demais pensando no que fazer e para onde ir com o peso de Arthur tombando em cima dela.

Logo se viu numa rua de comércio da cidade, não sabia como, mas teve certeza que a pequena loja do outro lado da rua não tinha câmeras e que precisava de algo que tinha ali, ainda não ouvia barulho de cães ou qualquer som senão alguns produzidos pelas casas locais, achou um bom sinal.

Se sentiu mais feliz do que deveria ao destravar a porta da loja, as luzes estavam apagadas, todavia a luz dos refrigeradores dava uma mínima iluminação ao ambiente, andou pelo lugar esguia e se mantendo abaixada, mesmo que algo afirmasse em sua cabeça que não havia câmeras, ela preferia não botar sua mão no fogo.

Puxou um balde da prateleira de baixo, abriu o primeiro freezer que passou pela frente, abria latas de coca-cola freneticamente jogando o refrigerante dentro do balde, então abriu o freezer ao lado e pegou uma garrafa torcendo o nariz, cerveja. Despejou o conteúdo de cinco garrafas dentro do balde junto a coca-cola, nem ela mesma sabia porque diabos estava fazendo aquilo.

Saiu da loja tão rápido quanto entrou, vendo que Arthur continuava agonizando na árvore onde ela o tinha deixado. Levava o balde em mãos, se aborrecendo pela cheiro intragável de bebida, continuou a rota até o outro lado da rua e sem cerimônia alguma jogou metade daquele líquido asqueroso de dentro do balde nele.

O rapaz gemeu de dor, o álcool em contato com as feridas não foi uma boa experiência e o cheiro da coca-cola o deixava mais confuso ainda.

Charlotte tirou a mochila por um instante e a contragosto jogou o resto do líquido na própria cabeça.

— Por que diabos estou fazendo isso? — resmungou consigo mesma, pegando sua mochila de volta.

Teve trabalho para levantar Arthur, mas os latidos que começaram a quebrar a silenciosa noite indicavam que eles não tinham muito tempo.

Arrastando o peso do rapaz e da sua mochila de emergência, ela se pôs a correr o mais rápido que suas pernas permitiam em direção a mata fechada. Não conhecia a cidade o suficiente para saber onde estava e para onde estava indo, todavia, há alguns dias tinha descoberto que aquela floresta tinha algo de estranho.

Era como se as árvores tivessem consciência suficiente para atordoar uma mente e levá-la onde bem entendessem, descobriu isso depois de entrar por todas as direções possíveis a cavalo na mata e sempre parava na mesma clareira onde ela costuma encontrar o estranho sujeito.

Rezava para que aquela maldita sensação de tormenta mental a guiasse através da floresta escura e cheia de perigos, incluindo cães em seu encalço.

A mata rasteira lhe arranhava as pernas, assim como galhos altos faziam de sua cabeça saco de pancadas a todo instante, não enxergava um palmo à sua frente, mas continuava correndo ouvindo os gemidos de dor de Arthur e Júpiter junto a protestos por algum galho batendo neles, que consistiam em sons guturais de dor.

Da cidade até sua casa havia uma boa distância, mas seu cérebro não parou para pensar em descanso, nem mesmo na dor que aflige seus tornozelos e ombros pelo peso extra, ou nos diversos cortes e arranhões por todo o corpo.

Perdera a noção de tempo no momento que tinha jogado meio balde de coca-cola com cerveja na própria cabeça, tendo que se segurar para não vomitar com o tão odioso odor.

E então caiu, tossiu pela forte pancada que conseguiu nas costas, notou que Arthur caiu ao seu lado ainda com o estranho F torto brilhando em seu braço.

— Puta merda — praguejou se sentando e colocando uma mão na nuca, estava molhada mas não havia como saber se tinha batido a cabeça forte ao ponto de sangrar ou se eram apenas restos de coca-cola e cerveja persistente em seus cabelos.

Olhou em volta e se permitiu sorrir, a maluquice de seu plano tinha dado sorte, a floresta a tinha levado direto para clareira e ela só tinha caído por tropeçar na bendita pedra onde o estranho desconhecido fica sentado.

— Você realmente não é dotada de senso de perigo, não é mesmo? — indagou a conhecida voz brincalhona. — Já saiu da área em que a pessoa que conjurou o feitiço estava, não se preocupe, aliás já saiu dela há um bom tempo. Deve ter matado o outro ai com umas pauladas na cabeça.

— Espera… VOCÊ ESTAVA VENDO E NÃO FEZ NADA?! — gritou fazendo Arthur se sentar num pulo, ofegante e irritado com as dores por todo o corpo.

— Aprenda a lutar suas próprias batalhas, coração — Foi a única resposta que veio antes do sujeito sumir novamente.

Ela tinha vontade de socá-lo toda vez que ele pagava de Mestre dos Magos, o símbolo estranho no braço de Arthur ainda brilhava, com menos intensidade e Júpiter tinha desaparecido de dentro do saco de pano onde tinha ficado por todo o trajeto.

— Como em nome de Odin você sabia que álcool faz isso? — indagou fechando os olhos, tentando remontar o que tinha ocorrido em sua cabeça. — E qual foi a da coca-cola?!

— Álcool deixa qualquer um fedendo ué, mesmo cães treinados não poderiam te farejar se você estiver fedendo a qualquer bêbado de meio de rua — Deu de ombros. — E não tem nada no Universo que Coca-Cola não mate, faça se decompor e mais umas coisas legais.

— Você não tem noção do que fez? — Ficou boquiaberto. — Retiro o que disse, ele estava certo. Você não é um coelinho indefeso.


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Notas finais do capítulo

Obrigada pela atenção!!! É um prazer ter cada um de vocês aqui, desde os leitores fantasma a aqueles que tiram um tempinho pra comentar ♥ O clima tá esquentando, bora que vou tacar gasolina nesse incêndio!!! Gostou? Me conta! A tia não morde quem favorita ou comenta :3



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