Charlotte a Herdeira da Trapaça escrita por MJ Triluna


Capítulo 3
Capítulo II - Um estranho na floresta


Notas iniciais do capítulo

Mais um cap da versão reescrita de Charlotte! Yeah! atualmente o volume um está praticamente terminado, faltando revisão e mais alguns poucos capítulos para o "final" dos primeiros arcos da história. Espero que gostem, obrigado pela atenção e boa leitura a todos (as)!



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Despertou com um barulho estranho, como se enormes correntes fossem arrastadas, mas ao se erguer bruscamente na cama não viu nada além da cortina balançando com a brisa e a luz do sol entrando. Deu mais uma olhada no quarto coçando os olhos, tentando se convencer que aquele barulho havia sido coisa de sua cabeça. Ultimamente havia se tornado comum acordar daquele jeito, sua cabeça estava cheia e resultava em pesadelos — Era o que ela acreditava.

Por vezes sonhava com lobos e cobras, o que não era nada bom para descansar, algumas outras vezes via pessoas barbadas lutando, até mesmo um homem que parecia minúsculo quando comparado ao oponente, uma cobra tão gigantesca que devia ser do tamanho de uma montanha, lutando até o último suspiro.

Bocejou, sonolenta, tentando tirar aqueles estranhos pesadelos de sua cabeça. Ela colocava a culpa desses sonhos tão fantasiosos nas pesquisas que vinha fazendo ultimamente, desde que vira as estranhas criaturas na floresta e um sujeito louco montado num falcão gigante, pesquisava sem parar em busca do quê estava acontecendo.

Todavia, tudo que encontrava não fazia sentido algum, ou eram meras alusões a livros de conto fantástico. Mas naquela situação? Ela não tinha ideia do que fazer, afinal, Charlie não tinha fé nem mesmo no Deus judaico-cristão, como poderia crer que estava vendo criaturas mitológicas? Não. Devia estar doente, com algo sério, o certo seria buscar um médico enquanto ainda havia tempo.

Se levantou esticando os ossos doloridos. Não se importando com a roupa amarrotada seguiu para o banheiro, lavou o rosto apreciando as olheiras que a última semana de pesadelos e pesquisas lhe tinha proporcionado; suspirou querendo encontrar uma resposta para aquilo tudo.

Precisava de ar fresco, um lugar para ficar só consigo mesma e quem sabe calar seus pensamentos. Olhou seu pijama e chegou a conclusão que não dava para sair de casa com ele, vestiu uma roupa simples e saiu de casa na ponta dos pés. Estava de castigo e não podia ser pega saindo àquela hora da manhã. Assim que pôs os pés fora da antiga casa em estilo vitoriano, encheu os pulmões com o ar selvagem da manhã, sentindo um peso estranho no peito.

A paisagem estava linda e selvagem, o vento frio balançava as copas das árvores, o sol leve que surgia aos poucos dando bom dia ao mundo contracenava com o verde das folhas e pastos; tudo estava lindo. A natureza ostenta uma perfeição e um exotismo que praticamente ninguém compreende, tem vida e sentimentos. Pode levar um dia, como um ano, ou até uma era, mas ela sempre encontra um jeito de tomar o que é seu por direito de volta.

Logo se viu envolta em árvores altas, tinha entrado na mata sem nem perceber, mas estava na trilha e conhecia aquele lugar, acabava numa clareira belíssima, um bom lugar pra ficar sozinha e niilista. Chegando lá deu uma checada no ambiente e não vendo nada atípico prosseguiu.

Ela estava no meio da clareira pensando em coisas avulsas quando uma raposa apareceu, devia ter o triplo do tamanho de uma raposa comum e rosnava alto, por algum motivo que Charlotte desconhecia, ela só conseguia olhar o animal nas enormes íris azuis. Seu instinto dizia para correr para casa, mas se lembrou que o animal iria segui-la e isso poderia ocasionar em maiores danos. Na possibilidade ínfima de chegar a casa ela estaria condenando seus familiares, afinal, um animal daquele tamanho não devia ser fácil de parar.

— Não há raposas na Dakota do Sul — falou consigo mesma tentando se acalmar. Examinou ao seu redor, os pinheiros altos poderiam servir de abrigo, mas quanto tempo levaria para a raposa desistir? Ou conseguir subir na árvore? Ela não sabia do que um animal daquele tamanho é capaz. — Não há raposas na Dakota do Sul — repetiu, fechando os olhos pelo choque, os abriu para dar de cara com a raposa avançando em sua direção. — Péssima ideia! — gritou e se atirou no primeiro pinheiro que viu pela frente.

Escalou tão rápido que não teve tempo de pensar em nada além disso. A árvore chacoalhou a fazendo se agarrar mais no tronco. Olhando para baixo viu a raposa se erguendo e pulando, tentando alcançar onde ela estava.

— Péssima ideia — balbuciou, ela não estava na copa e por isso só via mais árvores ao seu redor, não tinha visão de onde sua casa estava — Vai pro inferno, 'capirota'! Você não devia estar aqui! Cai fora! — Não havia muito o que fazer e graças ao choque e a adrenalina do momento ela resolveu que gritar era um boa opção.

O animal regougou em resposta, o barulho assustou mais ainda a garota. Como ela se defenderia? Não tinha nada para revidar, não tinha para onde fugir, a impotência a assolava.

Então, talvez por culpa da adrenalina ou do que quer que fosse que fazia uma chama tremular nas íris castanhas da garota, ela simplesmente se apoiou de maneira desengonçada num galho e se atirou na outra árvore. Quando colidiu contra a madeira selvagem, não acreditou que tinha feito aquilo e, pior ainda, tinha funcionado.

Ao espiar para baixo viu a raposa sentada tão quieta que parecia um cão doméstico, teve a impressão de que os olhos do animal transmitiam alegria. O animal sumiu com o vento, como folhas de outono somem ao caírem das árvores. Charlotte piscou diversas vezes tentando entender o que havia acontecido ao enorme vulpino que há alguns segundos atrás queria fazer dela seu café da manhã.

— Que diabos uma garota faz a essa hora, sozinha, e em cima de um pinheiro?! — disse uma voz com tom zombeteiro, ela não olhou para baixo novamente, tinha medo de despencar caso o fizesse.

Assim que desceu da árvore, examinou os arranhões nos braços, ela só percebeu a ardência no local agora que estava salva. Dirigiu o olhar para a clareira e sentado sob uma pedra, estava o proprietário da voz que parecia se divertir com a situação.

— Como ele chegou ali? — murmurou, afinal só havia a trilha por onde ela veio.

— Você sabe... É um tanto perigoso andar sozinha na floresta, subir em árvores ainda mais — zombou, ele aparentava ter seus trinta anos e ostentava um olhar superior e brincalhão ao mesmo tempo. Sua presença causava arrepios a espinha de Charlotte.

— Que seja — ralhou fitando o sujeito, ela não o conhecia e era bem familiarizada com os rostos dos trabalhadores da propriedade e dos entornos, perguntas rondavam a cabeça da garota que começava a crer que tinha alucinado com aquela raposa.

— Ficar com cara de quem chupou limão não vai arrumar explicações para as coisas que você vê — provocou, seu olhar continuava com aquele mesclado de superioridade em conjunto a travessuras, mas agora tinha algo mais, um brilho manipulador.

— Como você...

— Há muitas coisas que você não sabe, criança. — Apoiou o queixo com a mão erguendo as sobrancelhas, uma expressão tipicamente provocadora. Aquilo tudo irritava a loira; além de ela não saber nada do sujeito, ele a estava manipulando na cara-de-pau

— Certo, cara estranho e sábio da floresta — desdenhou, elevando seu tom ao máximo que podia. — Fique ai, sabendo de cada folha que cai de cada árvore. — Imitou uma voz de idoso. — Porque eu tô caindo fora!

— Sarcasmo, sempre a mesma arma... — falou calmo enquanto ela dava as costas. Já não era comum encontrar alguém no meio do nada, aquilo ultrapassou a linha do estranho e chegou na do surreal. — Continue assim, vai precisar disso. Mas se prepare porque coisas piores que um teste virão, bem piores. Ache aqueles que são como você e use seu instinto de liderança. Você nasceu para algo bem maior do que lutar para viver cada dia. — Ela se virou bruscamente mais surpresa do que assustada. — Cuidado com lobos disfarçados de ovelhas, coração, nunca confie em ninguém, assim as coisas ficam bem mais fáceis...

— Certo. Isso perdeu a graça, quem diabos é você?! — Ela não gostava que alguém tocasse em suas cicatrizes e aquele desconhecido tinha lhe dado uma facada em uma grande.

—A pergunta certa, Charlie, é quem é você — Sumiu simples e rapidamente, a deixando mais certa de que estava louca do que antes.

"Que porra está havendo com minha cabeça?!" Ponderou de queixo caído.

Depois de tanta coisa estranha, arrumar alguns machucados e um milhão de questões sem resposta a loira resolveu voltar para casa; o que poderia fazer afinal? Se contasse a qualquer um sobre aquilo com toda certeza a achariam louca, porque gente normal não vê coisas que aparecem e somem do nada. Ia contra tudo que ela acreditava. Contra as leis da física, contra qualquer base científica, ela não sabia o quê ao certo, mas de algum modo ela simplesmente sabia que não estava louca, que aquilo tudo era muito real.

***

Nesse última semana de férias ela sempre ia a clareira, o que pode ser considerado irresponsável e perigoso por muita gente, mas para ela não. Uma curiosidade sem precedentes e uma confiança que viera do além a dominavam e todo santo dia ela ia lá falar com o tal homem do qual ela nem mesmo sabia o nome. Ele lhe contava de coisas mágicas, mundos terríveis e cheios de criaturas abomináveis, mas nunca deixava nada sobre ele mesmo escapar.

Ela fazia perguntas normais, soltando uma complexa ora ou outra para tentar pegar o sujeito em contradição, mas ele parecia notar isso com uma facilidade enorme. Ela não era especialista em interrogatórios muito menos no comportamento humano, mas aquele sujeito com toda certeza tinha o porte de um estelionatário de primeira, do tipo que passava num polígrafo limpo, mentindo com uma facilidade e habilidade invejáveis.

Ela não tinha certeza de nada que ele lhe contava, mesmo assim, sabia que ele era do tipo apto a mentir na sua cara e te fazer acreditar que você que era o doido da história. O tipo de pessoa que pode se tornar perigosa quando usa seus dons para o que não deve.

Ele nunca falou em si, sobre os lugares que conhecia, nada. Ele podia falar dos lugares, das criaturas, das pessoas, dos animais e até do clima, mas nunca falava como se ele estivesse estado lá. Claro que para saber tanto ele esteve lá, mas ele executava sua lábia com tanta maestria que parecia estar contando histórias de um livro qualquer.

Isso incomodava a loira que, por algum motivo desconhecido até por ela, confiava no sujeito sem explicação ou razão. Simplesmente tinha essa coisa na cabeça que podia deixar sua vida nas mãos do estranho da floresta que tudo acabaria bem.

Teve suas interpretações do que estava havendo com sua vida interrompidas por alguém batendo na porta de seu quarto, de certo não eram seus irmãos dos quais desconheciam qualquer senso de educação.

— Pode entrar — respondeu olhando a situação de sua cama.

Haviam mais livros na cama do que na prateleira, alguns papéis com anotações sem muito sentido em meio a eles e um campo minado de bolas de papel pelo quarto todo. E ainda, escondido no guarda roupas fechado, uma das portas virou quadro de investigações improvisado por dentro, cheio de anotações, trechos de livros, imagens retiradas da internet. Nada faria sentido para alguém com um pingo de sanidade, mas para ela era uma investigação promissora.

— Char... — Seu pai parou olhando a situação do ambiente. Ele não costumava entrar ali, mas tinha quase certeza que ela não era de deixar seu quarto numa situação daquelas — Passou um furacão aqui dentro?

Ela abriu a boca, mas resolveu não responder.

— De qualquer jeito, tem um amigo meu lá embaixo e quero que você conheça ele — Comentou ainda examinando a bagunça, enquanto coçava o queixo.

— Agora sou peça de exposição — resmungou para si. — Já vou.

— E arrume esse quarto antes que você toque fogo na casa com tanto papel, isso é desperdício! — E saiu fechando a porta, ainda intrigado pela repentina mudança de comportamento da filha. Ela nunca foi de deixar nada muito organizado, mas também não era naquela situação.

Sua cama mais parecia uma biblioteca, juntou todas as anotações em cima da cama, empilhou os livros onde devia ter um travesseiro, tirou o que um dia foi comida de cima das cobertas, pendurou os post-its mais relevantes no seu quadro de investigações dentro do armário, prendeu o cabelo de qualquer jeito por preguiça de penteá-los e saiu do quarto em busca de dizer um "oi" para a visita e voltar logo.

Ela estava ali fazendo tudo aquilo, mas sua cabeça estava longe tentando associar as informações. Seus irmãos não tocaram no assunto do que viram e ela decidiu não puxar assunto, mas queria descobrir a verdade, a luz por detrás de todo aquele mistério rondando tudo aquilo.

Sentado no sofá tinha um sujeito de porte mediano, com um físico detonado e com odor intragável de bebida que ela reconheceu de longe. Seu pai estava sentado no sofá da frente conversando com ele, ela parou semicerrando os olhos para o pai. Detestava qualquer um que bebesse, graças a sua mãe criou uma repulsa enorme por bebidas alcóolicas e aquele sujeito necessitava de comida, um banho daqueles e uma bela xícara de café.

Seu pai sabia disso, então porque Diabos quis apresentá-la a um cachaceiro?

Mas algo lhe chamou a atenção no braço do homem uma tatuagem que parecia um P pontudo estava bem aparente e de cabeça para baixo. Ela tinha visto aquele símbolo em algum lugar, mas não sabia onde. Tinha processado tanta informação nos últimos dias que raramente conseguia raciocinar direito, efeito de noites sem dormir direito.

— Charlie, esse é Aaron O'Connel, ele é professor na escola que você vai estudar e...

— Agora tem cota para os alcóolatras anônimos nas escolas? — ralhou cruzando os braços, o homem não tinha lhe agradado nem um pouco e acabou a lembrando da mãe, o que o tornou bem mais repugnante a seus olhos.

— A garota tem um gênio forte, deve ter puxado o pai — Brincou, a deixando confusa pelo tom de ironia na palavra "pai".

Phelipe era sinônimo de boa educação, não via como ele cortaria alguém daquele jeito por mais irritante que fosse a presença da pessoa.

— Charlotte — chamou em tom de aviso, não havia opção senão aturar o bafo de cana do tal professor.

Mas ela não era do tipo que abaixa a cabeça para um estranho dentro da casa dela, nem que fosse um amigo de seu pai. Alcoólatras nem eram seres humanos no mundo dela, eles talvez um dia foram e com muito esforço poderiam voltar a ser; mas ali sob efeito do álcool? Deixavam de ser, venderiam a própria mãe em troca de uma garrafa de bebida.

Sacou o celular do bolso, indo na direção deles com indiferença, prestando atenção na tela e procurando um arquivo específico.

— Desprazer em conhecê-lo. — falou entediada, logo abrindo o arquivo que procurava no celular.— Olha que maravilha, um fígado com cirrose, não é lindo? Tenho uma ideia, vamos falar mal de suicidas enquanto nos matamos com álcool. Faz TODO o sentido. — falava com tanta seriedade que quem não a conhecesse acreditaria que ela estava falando sério sobre aquilo. — Você tem fetiche por dependentes? — Se virou para o pai, irritada, voltando para o seu quarto antes que a mandassem fazê-lo.

— Essa vai ser difícil de dobrar — comentou Aaron com um sorriso de canto, assim que ouviu a porta do quarto bater. — Tem fibra, o que é compreensível devido às circunstâncias...

— Bem compreensível, ela está a altura do poder que tem. — comentou Phelipe ainda incrédulo da cena digna do teatro que a filha fizera. — O problema é se ele aparecer.

— Acha que ele sequer sabe que a tirou de NY? O homem não aparece há anos, meu amigo, já vai longe e digamos que ele não é conhecido por se importar com muita coisa além dele. — Aaron falava calmo, vislumbres do passado lhe vinham em mente.

— Mas se aparecer? Ela não é do tipo que tolera mentiras, Aaron, você acha demais essa cena? Veja o que ela faz quando alguém mente pra ela...

— Então use do que vocês têm. — Se levantou. — Adolescentes, por mais prudentes que sejam, são bem manipuláveis. — E foi em direção a porta, abriu ela e olhou por cima dos ombros. — Ela é problema seu dê um jeito, não vamos aceitar... Isso vagando descontrolado por aí! — E bateu a porta com força, deixando Phelipe tenso em sua sala de estar.


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Notas finais do capítulo

Obrigada por ler até aqui! Gostou da história? Favorita, quer me dizer algo sobre o cap pode comentar sem medo * 0 * até a próxima, terráqueos!



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