Chamas Azuis escrita por Caramelo


Capítulo 5
Entre Noite e Aurora


Notas iniciais do capítulo

Eai? Como é que estão meus queridos leitores? Eu não sumi não, viu? hehehe
Aqui vai mais um capitulo de Chamas Azuis, espero gostem.

Agora, mais uma vez, deixo vocês nas mãos de Jane:



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I

Abro os olhos ainda meio tonta e sem saber direito onde estou. Ouço vozes ecoando em minha cabeça, mas não consigo discernir o que dizem. Minha visão turva consegue absorver apenas algumas luzes em tom escarlate e umas formas estranhas se movendo diante de mim. Deslizo meus dedos buscando o chão de pedras do S&K e me surpreendo ao encontrar um tecido aveludado no lugar. Estou deitada em algo macio, coisa que não me acontecia fazia muito tempo.

Fecho os olhos novamente rendendo-me ao cansaço.

Tento pensar em um lugar onde costumava me esconder dos enfermeiros quando tinha nove anos. Ficava em um corredor escuro e bem distante das celas onde quase ninguém ia. Era como um cemitério de móveis. Jogavam tudo que estava quebrado ou velho demais para ser usado naquele lugar, desde cadeiras pequenas a grandes estantes de madeira. No final do corredor de entulhos, havia um armário antigo que era um perfeito esconderijo se você não ligasse para os ratos e cupins que lá viviam. Era silencioso e tranquilo dentro dele, me sentia segura. Ficava sentada em seu fundo mofado e respirava fundo para me acalmar em meio a escuridão.

Eu fugia para aquele lugar sempre que podia e passava horas lá dentro sem me importar com o que acontecia fora do pequeno armário de madeira maciça. Podia chorar e me lamentar sem que ninguém me ouvisse. Não havia espíritos, pessoas, nem qualquer coisa que pudesse me ferir lá dentro. Eram apenas eu e meus pensamentos... Saía daquele lugar somente quando a fome se tornava maior que o medo, o que não adiantava muito já que parte do meu castigo por desaparecer era ficar sem nada para comer. Ás vezes, passava quase três dias sem ingerir qualquer alimento. Mas, depois de um tempo, até que acabei me acostumando a comer muito pouco. Agora, ficar sem duas ou três refeições já não é mais complicado para mim.

Eu pensava que aquele poderia ser meu refugio para sempre, mas este "sempre" durou muito menos que o imaginado... Em pouco tempo, os enfermeiros descobriram meu pequeno esconderijo. Nem quero contar o que fizeram comigo depois disso... Quanto aquele corredor, eles destruíram tudo e o armário foi queimado até que sobrassem apenas cinzas.

Aquele era o meu lugar, era meu único abrigo, onde eu me sentia segura e, até mesmo isso, tiraram de mim... Mas, agora, por mais incrível que pareça, me sinto exatamente como me sentia naquela época. Não consigo explicar ao certo o porquê, mas tenho essa sensação. 

Em minha mente, tento refazer meus passos para tentar descobrir como vim parar aqui, seja lá onde for. A ultima coisa de que me lembro foi de ver dois olhos azuis encarando-me pouco antes de desmaiar. Depois apenas fleches confusos de memória vêm em minha cabeça e não consigo discernir se são verdadeiros ou apenas parte de minha imaginação. Vejo portas aleatórias, corredores infinitos onde nunca estive, ouço uma respiração ofegante, sinto mãos envolvendo meu corpo como se estivessem me carregando e, mais importante, dois olhos azuis intensos encarando-me.

Todas estas lembranças embaralham-se e confundem meus pensamentos.

Enquanto tento recordar e entender o que está acontecendo, sinto algo gelado tocar minhas têmporas. O toque é leve e suave, porém é o suficiente para fazer com que eu volte ao meus estado de alerta e, no mesmo instante, abro os olhos.

II

Minha visão continua um pouco turva no inicio, porém meus olhos acostumam-se aos poucos com o ambiente ao meu redor e começam a recobrar sua nitidez.

A primeira coisa que vejo ao recuperar a lucidez são os olhos verdes de um homem que jamais havia visto até este momento. Seu olhar é calmo e carinhoso e, apesar de ter certeza de que não o conheço, sinto que meus olhos já encaram outros exatamente iguais aos dele.

Percorro meus olhos pelo lugar e começo a absorver o meu entorno. Estou deitada encima de uma cama um pouco velha e de madeira. Aos pés da mesma, há um baú sujo quase que encostado na parece cinzenta atrás dele. Vejo, também uma mesa no canto oposto de onde estou, há alguns papeis em sua superfície, porém não consigo ler seu conteúdo.

Há algumas velas quase que derretidas espalhadas pelos cantos de forma que iluminam de baixo para cima o ambiente e deixam desenhos de sombras no teto tão cinzento quanto as paredes. Apenas uma vela parece ter sido acesa recentemente e esta está sobre a mesa ao lado dos papeis. Suas luzes avermelhadas evocam um tom mórbido para o lugar.

Volto meus olhos novamente para o homem negro de olhos esverdeados que parece estar me analisando. Sinto novamente o toque gelado em minhas têmporas e, pela primeira vez, percebo que ele está passando um pano úmido nos lugares onde alguns hematomas se encontram. Solto um gemido de dor quando ele aperta um pouco demais a área sensível.

— Ela acordou - ele anuncia de repente.

— Tem certeza dessa vez, Carter? - ouço outra voz ecoar pelo quarto. Parece cansada e um pouco impaciente. - Porque você já disse isso cinco vezes e até agora nada.

— Venha ver por si mesmo - retruca o primeiro um pouco incomodado com o comentário.

Ouço o som de algo batendo e o que parece ser alguém bufando, mas não consigo ver nada, presumo que o homem de olhos verdes esteja obstruindo meu campo de visão. Depois de apenas alguns segundos, o outro homem finalmente aparece e, assim que nossos olhares se cruzam, o reconheço quase que imediatamente. Jamais conseguiria esquecer aqueles olhos azuis...

— Você está certo... - afirma ele.

— É claro que estou - diz o primeiro em tom zombeteiro.

— Depois lidamos com sua síndrome de narcisismo - ele revira os olhos. - Agora há coisas mais importantes que satisfazer seu ego... - o homem volta-se novamente para mim ignorando os resmungos de seu parceiro. -  Você está bem?

Eu engulo em seco. Não tenho certeza se posso confiar neles, pois nem ao menos sei quem são.

— Vamos - insiste ele enquanto se abaixa e apoia os braços na ponta da cama perto de minhas pernas.

Ele me encara de um jeito que não sei explicar... Parece carinhoso e ao mesmo tempo autoritário, cativante, porém frio também. Talvez seja apenas um delírio meu.

— Olha, não posso ajuda-la se não souber o que sente - ele tenta outra vez. - Você quer alguma coisa? Deve estar com sede, não? 

Assim que ouço essas palavras, lembro de minha garganta seca. Faz muito tempo que não bebo nem ou menos um gole de água... E, por mais que doa admitir, ele está certo: estou morrendo de sede.

Ainda um pouco hesitante aceno com a cabeça confirmando.

— Certo - ele responde -, vou pegar água para você.

— Acho que ainda temos um pouco no cantil - informa o outro.

Dito isto, o homem de olhos azuis se levanta e caminha até seja lá onde esteja o cantil. Ele volta rapidamente e o entrega ao outro.

— Deixe-me ajuda-la... - diz ele enquanto levanta minha cabeça delicadamente, apenas o suficiente para que eu possa beber do cantil sem me afogar.

Bebo rapidamente grandes goles d'água até que esgote o pequeno estoque do cantil. Nunca pensei que daria tanto valor a um simples resto de água já morna.

— Agora se sente melhor? - pergunta o homem negro genuinamente preocupado, depois que coloca o cantil vazio no chão.

Aceno com a cabeça sem olhar em seus olhos.

— Você não fala ou só sabe ficar balançando a cabeça? - questiona o outro impacientemente de pé atrás do primeiro.

Encolho-me na cama um pouco incomodada. Pessoas assim me deixam nervosa... Não tenho uma boa experiência com impaciência, pois este parece ser um requisito para trabalhar no S&K.

— Não deve se importar com o que ele diz, está bem? - continua o primeiro como se percebesse minha angústia. - Ele nunca foi muito bom lidando com garotas... Na verdade, pessoas em geral. - ouço o outro bufar incomodado com o comentário e isto é o suficiente para que eu me sinta um pouco mais tranquila. - Eu me chamo Carter e ele é o Jared. Pode ficar calma, não vamos machucar você.

Apenas o encaro sem dizer uma palavra.

— Não adianta, Carter - reclama o homem... Quer dizer, Jared, afastando-se de nós e caminhando em direção a porta velha do quarto -, ela não vai falar com você.

— Você não está ajudando, sabia? - responde Carter.

Jared apenas dá de ombros enquanto escora-se na porta e cruza os braços observando o amigo.

— Então continue - diz ele -, não vou mais interromper.

Carter revira os olhos e volta-se novamente para mim. Seu olhar parece brilhar implorando para que eu fale com ele, para que eu confie nele... Mas não sei se posso. Eles não me parecem pessoas ruins, mas são uma dupla estranha, tenho que admitir. Há alguma coisa no olhar de ambos que me intriga.

— Você é a filha dos D'Lacy - continua Carter -, Jane, certo?

— Você sabe meu nome...? - pergunto imediatamente com a voz rouca e um pouco falhada.

Ambos se olham surpresos no mesmo instante. Presumo que não esperavam que eu falasse tão cedo e realmente não pretendia exprimir uma palavra sequer até então, mas há anos que ninguém se refere a mim desta forma, pois no S&K sou apenas a paciente 3077, filha de ninguém.

Encaro os olhos verdes de Carter tentando buscar uma resposta, tentado saber quem ele é e como sabe quem sou... Mas, infelizmente, estas respostas terão que esperar.

III

De repente uma batida pode ser ouvida do outro lado da porta. Todos voltamos nossa atenção para ela e, por um instante, esquecemos a pequena conversa que estávamos tendo. Jared faz sinal para que fiquemos em silêncio. Não entendo bem o porquê, mas obedeço. Ele se endireita e coloca sua mão na maçanete arredondada. Uma tensão reina no quarto durante os poucos segundos que ele leva para espiar pela abertura.

— Ah, é só você... - diz Jared quebrando completamente o suspense.

— Também é bom vê-lo outra vez, Jab - ouço uma voz familiar se pronunciar sarcasticamente atrás da porta. - Vamos, me deixe entrar. Isto está pesado...

— Já disse para não me chamar desse apelido ridículo - reclama Jared enquanto abre caminho para que quem esteja do outro lado possa passar.

Assim que ela entra no quarto a reconheço imediatamente. Seu rosto delicado, os cabelos cacheados presos em um coque alto no topo da cabeça e seus olhos verdes e brilhantes de um tom quase que único...

— Camélia!? - Mais exclamo que pergunto. 

A enfermeira apenas sorri ao me ver, ignorando completamente meu espanto. Ela segura uma bacia grande de madeira, já um pouco velha e mofada pela umidade, cheia de água em suas mãos. Algumas poucas gotas pingam de alguns lugares onde a madeira parece mais gasta deixando um pequeno rastro por onde a mulher passa.

— Então, como ela está? - pergunta Camélia aproximando-se de mim e de Carter e colocando a bacia no chão ao lado do homem. - A febre já baixou?

— Um pouco - responde Carter enquanto levanta-se do pequeno banco em que estava sentado e dá lugar para a enfermeira -, ela ficava alternando do estado de lucidez ao deliro há uma hora... Também estava balbuciando algumas palavras. Foi só recente que acordou.

— O que você está fazendo aqui... - pergunto interrompendo os dois. - Onde nós estamos?

Tento levantar-me para encara-los melhor, porém sinto como se estivesse levando vários golpes na cabeça ao fazê-lo. Minha mente volta a girar e sinto como se fosse desmaiar a qualquer segundo. Meu corpo inteiro parece latejar ao mesmo tempo. Camélia coloca uma de suas mãos sobre meu peito e outra em minha nuca para me ajudar a acomodar-me novamente na cama.

— Tente não fazer muito esforço - diz a enfermeira com voz materna -, você teve um dia longo...

— Um dia longo? - Jared segura uma risada. - É tudo que tem a dizer? Olhe para ela! Está acabada.

— Jared! - exclama Carter lançando um olhar fuzilador para o amigo que apenas revira os olhos entediado resmungando qualquer coisa e voltando a escorar-se na porta com os braços cruzados exatamente como fizera antes.

— Por que tem sempre que ser tão bruto? - Camélia pergunta de forma irritadiça.

Ignoro o resto do pequeno conflito que surge no cômodo. Concentro-me em minhas lembranças do que antecedeu este momento. Tudo começa a voltar aos poucos, todos os acontecimentos... Desde o raiar do dia até o anoitecer. Lembro-me do açoitamento, das torturas e, principalmente, das mortes inexplicáveis que sucederam-se. Tudo fica cada vez mais confuso e mais e mais perguntas surgem em minha mente, porém não encontro resposta para nenhuma delas.

— Já chega! - ordena Camélia encerrando a desavença - Há coisas mais importantes agora.

— Tem razão - concorda Carter recompondo-se.

— É claro - implica Jared ainda irritado -, os dois maduros têm que derrogar a discussão.

— Sim, Jared -  Carter responde. - Porque se dependesse de você...

— Eu disse chega! - desta vez é Camélia quem está irritada.

Todos ficam em silêncio por um momento. Camélia volta a me encarar.

— Sinto muito por ter que ver isto - continua a enfermeira recobrando sua postura serena. - Você deve estar confusa com tudo o que está acontecendo...

— Onde eu estou...? - pergunto antes de deixa-la terminar.

Apesar de ter medo da resposta, quero saber... Ainda estou no S&K, não é? Não tem como estar em outro lugar... E, se estou, significa que nenhum deles é confiável, pois a qualquer segundo posso ser levada de volta para uma das salas de Correção. Não posso voltar para aquele lugar, não consigo. Um panico toma conta de mim só de pensar nas torturas as quais já fui submetida e nas que ainda me aguardam. Tenho tanto medo de não ser forte, de não aguentar a dor e a agonia... Pois se eu sucumbir eles terão vencido e isto, eu não posso permitir.

O simples fato de Camélia estar aqui já é o suficiente para me desestabilizar. Ela estava lá quando o Sr. Terffiz e Benjamin foram mortos... Na verdade, foi a primeira além de mim a vê-los daquela forma. E se ela já souber sobre Grizelda? Então tudo estará acabado... Tenho certeza de que ela pensará que tudo é culpa minha, que eu a matei assim como os outros.

Camélia encara-me de forma hesitante como se soubesse o que estou pensando.

— Está no meu quarto - ela responde depois de alguns segundos confirmando meus piores temores -, no Sword&Katherine.

Mil pensamentos começam a rondar minha mente no mesmo instante. Penso em tudo que pode acontecer e no que está acontecendo neste momento. Nada disso faz sentido. Tudo aconteceu tão rápido... As mortes, as torturas! Tudo unicamente em um dia.

Quero gritar, chorar e dizer milhares de coisas, porém tudo que sai de meus lábios neste momento é apenas uma palavra... Uma única e crua palavra que jamais seria capaz de expressar tudo que sinto:

— Não...

Luto para conseguir sair de cima da cama. Não quero ficar aqui! Não importa qual seja o motivo que levou esses três a me trazerem para cá, só quero ir embora... Talvez os efeitos da dor de cabeça somados aos delírios febris não estejam fazendo-me pensar com clareza, mas tenho que tentar. Tudo que minha mente me diz é que tenho que sair deste lugar o mais rápido possível.

Camélia, alarmada, levanta-se imediata e abruptamente para me impedir de forma que derruba o banco em que estava sentada. O barulho do pequeno banquinho batendo contra o piso de pedras parece ecoar em minha mente e faz minha cabeça latejar. Deixo um gemido escapar enquanto a tontura causada pela febre toma conta de mim. Apoio meus braços na ponta da cama tentando ir para o chão e sinto as mãos de Camélia segurando-me para me fazer deitar novamente, mas não quero. Não posso ficar nem mais um segundo neste lugar!

— Espere - pede Camélia, mas já é tarde.

Perco completamente o controle de meus movimentos e tudo a minha volta começa a girar. Por um momento, tudo fica escuro e sinto meu corpo desabando em direção ao chão. Caio por cima das bacias de água que lá estavam, derramando seu conteúdo pelo quarto todo. Em uma delas a água parecia escarlate como se estivesse manchada com sangue e na outra havia apenas água limpa, presumo que esta seja a que Camélia trouxe à pouco. Quanto a outra, talvez tenha sido usada para limpar meus ferimentos, não sei ao certo. De qualquer forma, isto não é importante.

Vejo as sombras deixadas pelas velas se multiplicarem a medida que algumas delas se apagam. Tudo a minha volta começa a tomar um tom negro e escarlate. Cada detalhe do quarto parece estar desaparecendo e sendo substituído por formas assustadoras. Vejo o rosto de Grizelda encarando-me no escuro de forma amedrontadora, sua imagem está borrada como se fosse apenas fumaça... Então as paredes começam a derreter lembrando-me sangue sendo derramado. O chão de pedras molhado se transforma em um oceano em tons vermelhos e sinto como se estivesse presa dentro dele... Afundando cada vez mais e mais na profunda escuridão. Sendo esquecida por todos.

Os rostos vão ficando mais distantes e são substituídos por mãos que me puxam ainda mais para o fundo. Mãos pútridas e cinzentas que arranham meu corpo feito avalias... Elas me prendem como garras para que eu não escape. Tento gritar, mas algo tranca minha garganta e não consigo.

Agora já não consigo mais saber o que é real e o que é apenas alucinação... Tendo lembrar onde estou realmente, do que eu sei que é verdade. Sei que estou no S&K, que Camélia está aqui... Que Jared e Carter estão aqui. Os rostos não são reais, o oceano também não...

Tudo que consigo pensar neste instante é que preciso sair deste lugar e não me importa que seja completamente impossível conseguir tal façanha no estado em que estou. Não importa que, mesmo que escape destes três, jamais conseguirei passar pelos outros enfermeiros... Em minha mente, a única coisa que passa é o sentimento de terror, de impotência e não ligo que tudo isto seja em vão. Preciso tentar... Preciso sair deste inferno de lugar! Estou desesperada, não posso passar mais nem um dia sequer em uma cela.

Ouço as vozes de Jared e Carter aproximando-se de mim e Camélia que tenta me erguer do chão, mas não consigo entender o que dizem. Minha visão começa a ficar turva novamente, sinto o suor em minhas têmporas e o enjoo se intensificarem... A bile começa a subir pela minha garganta e, antes que perceba, coloco tudo para fora.

— Merda! - ouço alguém dizer enquanto meus sentidos começam a voltar lentamente e as alucinações a desaparecerem.

Então dois olhos azuis encaram-me enquanto sinto meu corpo sendo erguido de volta até a cama. Os lençóis macios envolvem meu corpo enquanto continuo tentando, inutilmente, ficar de pé.

— Fique calma - a mesma de voz de antes, um pouco nervosa e impaciente, pede enquanto alguém parece acariciar minha testa delicadamente.

Isto, por mais incrível que possa parecer, me acalma. Lembro-me das noites em que me sentia assustada por causa dos mortos que insistiam em invadir meu quarto e então, para que eu parasse de chorar, meu pai fazia exatamente o mesmo ato de acariciar minha testa perto de meus cabelos como um cafuné até que eu pegasse no sono... Suspiro segurando as lágrimas e mandando o pensamento para longe, pois sei que não é real. Seja lá quem for, não é meu pai quem está fazendo isto... E jamais será ele outra vez.

IV

Parecem passar horas até que eu volte completamente ao estado de lucidez. Vejo Camélia sentada novamente em seu banquinho próximo a cama com o mesmo pano úmido que Carter passava em minha cabeça quando despertei pela primeira vez no pequeno quarto cinzento. Jared está sentado em uma cadeira próxima ao baú que eu não havia visto antes e Carter está de pé atrás de Camélia. Todos estão me observando atentamente como se estivessem preparados para pular encima de mim caso eu tente escapar novamente ou tenha outra crise de alucinações.

Os três parecem exaustos e com toda certeza estão, pois eles passaram muito tempo tentando me acalmar depois do que aconteceu até que eu desmaiasse outra vez. Eles pareciam genuinamente preocupados e cheguei a sentir-me culpada por tentar escapar desta forma. Creio que devia ter dado chance para que eles se explicassem, mas não pude me conter. Fiquei tão assustada que apenas fiz a primeira coisa que passou pela minha cabeça... E, aqueles delírios, ajudaram para que eu ficasse completamente fora de mim.

— Acho que ela acordou - ouço Jared dizer interrompendo meu pequeno devaneio.

Observo que sua roupa está diferente também. Antes ele usava uma camisa branca por baixo de um casaco em tom marrom da mesma cor que suas calças, porém agora está vestindo apenas a camisa um pouco suada, o que o faz parecer mais jovem, de certa forma, e o deixa menos amedrontador... Parece apenas um garoto um pouco irritado demais.

O mais estranho é que eu não havia reparado antes o fato de que nem ele e nem Carter usam as roupas do S&K, apenas Camélia parece trabalhar aqui, o que me deixa ainda mais curiosa sobre este trio...

— Fique deitada, está bem? - pede Camélia com a voz cansada antes que eu tenha chance de dizer qualquer coisa. - Você não está em condições de se levantar no momento... Está desidratada e desnutrida, além de ter várias sequelas das "correções" pelas quais passou.

— Sem falar de que você está praticamente ardendo em febre - lembra Jared.

— Mas... - protesto com a voz fraca.

— Sem "mas" - desta vez é Carter quem me censura. - Você já não estava muito bem antes, agora com todo este alvoroço que fez, está ainda pior.

Sinto uma leve dormência nas costas, quando tento me mover ignorando os avisos. Minhas mãos estão tremendo e sinto muito frio. Varias partes do meu corpo parecem latejar de dor... Creio que eles têm razão, só irei piorar se tentar fazer qualquer coisa...

— Não se mova muito - diz Camélia -, quando caiu, alguns dos pontos que dei em seus ferimentos se abriram e tive que refazê-los, então é melhor ficar o mais quieta possível... Pelo menos por enquanto.

A enfermeira, sempre tão bonita, agora está com uma aparência péssima. Grandes bolsões de olheiras encontram-se abaixo de seus olhos verdes e seus cabelos estão bagunçados. Alguns cachos soltos caem pelos lados do coque quase que desfeito. Ela parece ter passado a noite em claro, assim como os dois homens que não estão com uma aparecia boa também. 

Eles não parecem pessoas ruins, tenho que admitir. Acho que estão realmente cuidando de mim... Só não entendo o porquê disto. Lembro de pouca coisa durante o curto ataque alucinações que tive, mas a imagem deles fazendo de tudo para que eu voltasse, para que eu não sucumbisse a pressão, ficou intacta em minha memória e isto é o suficiente para que eu os escute. Ainda não sei se posso confiar neles, mas presumo que não tenha escolha neste momento.

— Eu sei que está sendo difícil para você - continua a enfermeira -, mas queremos que acredite em nós... Não vamos fazer mal a você. Só queremos...

— Vocês não entendem... - digo me esforçando para não chorar. - Tenho que sair deste lugar...

— E acha que vai conseguir fugir sozinha neste estado? - debocha Jared - Não seja idiota.

Camélia lança um olhar de desgosto para o rapaz, este apenas dá de ombros.

— Por que eu estou aqui? - pergunto antes que comece outra discussão entre eles. - Por que estão cuidando de mim? Por que não me deixam ir?

— Porque vamos ajuda-la, gênio - Jared revira os olhos enquanto responde. - Não percebeu ainda que se fossemos entrega-la para aqueles "enfermeiros" já teríamos feito isto há muito tempo?

— Para me ajudar...? - pergunto quase que em um sussurro e não tenho certeza se eles me ouvem. - Não entendo...

— Eu vou explicar tudo, eu prometo... - começa Camélia - Mas cada coisa a seu tempo. Por enquanto tudo que precisa saber é que estamos aqui por você.

— O que quer dizer com isto? - questiono ainda mais confusa.

— Não é obvio? - responde Jared com um sorriso malicioso em seus lábios. - Vamos tira-la deste lugar.


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Notas finais do capítulo

Então queridos leitores, este foi mais um capitulo de Chamas Azuis, espero de coração que tenham gostado.

Vou tentar não demorar mais tanto quanto demorei para postar este...

Resolvi fazer um capitulo mais lite desta vez, mais reservado no suspense e no que Jane estava sentindo, contando um pouco mais sobre os traumas que a garota sofreu no S&K...

Isto é tudo, até o próximo capitulo.



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