The Sound That Night escrita por Arrriba


Capítulo 1
Try To Erase This From The Black Board


Notas iniciais do capítulo

Não vou me alongar aqui que eu ainda tenho que arrumar seus outros presentes, hahahaha!



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Acordou num sobressalto, pelos primeiros instantes atordoado o suficiente para não compreender o motivo daquele abrupto despertar. Apenas quando obteve consciência do suor que se espalhava ao longo do corpo — tornando oleosas as mechas castanhas de um comprimento mediano — percebeu que sonhara com aquilo de novo.

Sonhar, no entanto, não repercutia o termo em sua verdadeira conotação. Na verdade, tudo o que ele fazia era lembrar. Mesmo que dominado pela inconsciência onírica, cada imagem trazia consigo uma recordação tão vívida quanto possível...

...Fidedigna e inalterada ao seu próprio passado, apenas para torná-lo ainda mais difícil de suportar.

O dia em que Jeremy falou na aula.

Apertou com força os olhos azuis sob os dedos trêmulos, sentindo-se arrastar para aquela época cruel, de quase dois anos. Um ano e oito meses..., recordou com exatidão, como se lidasse com uma memória de no máximo uma semana. Como se conseguisse revivê-la em tempo real a cada segundo de seus dias arrastados, incapaz de freá-la ou mesmo ignorar o quanto aquela época ainda o afetava.

Sabia, afinal, que era ele provavelmente o maior culpado pela cadência de acontecimentos ocorridos na famigerada turma de 96.

Quase conseguia ouvir o exato compasso ininterrupto dos tiros que alvejaram seu passado. Estouros que mudaram não só o rumo de sua vida, mas a percepção de si mesmo naquele contexto que ele ajudara a criar.

Que ele desencadeara.

Era o típico popular cobiçado quando cursava o último ano da escola.

Conquistou o status sem esforço e o mais naturalmente possível, alavancado pela boa aparência que causava inveja aos colegas.

À época, não escondia de ninguém o quanto aquela condição privilegiada o agradava, sorvendo de bom grado cada vestígio de atenção que fosse direcionado a si. Era um rapaz presunçoso, o tipo de caráter que apenas crescia junto à habitual arrogância adolescente. Para ele, contudo, imperava apenas o sentimento raso de que era merecedor da atenção que recebia.

Diferente da grande maioria de otários que povoava sua turma.

O dia estava belo. O sol reinava sem qualquer oposição no céu bem azulado, convidando-os a se afastar ao máximo dos limites escolares. Promissor para alguma atividade ao ar livre, e ele apenas conseguia se concentrar no clima agradável. Quase era capaz de ouvir o som magnético de ondas quebrando à medida que se enfurnava no auditório concedido pela escola, usando-o para audições à sua banda.

Necessitavam de novos instrumentos para o conjunto de suas composições, e embora ele julgasse uma perda de tempo procurar naquele antro de perdedores, os outros dois membros — guitarrista e baterista — pareciam discordar daquela sua concepção cética, tomados por um tipo de convicção que ia além da capacidade de entendimento do líder.

A sala estava completamente lotada, sequer com assentos suficientes para abrigar todos os alunos que vieram assistir — e inclusive participar — da escolha do novo integrante.

— Porra, Vader, acorda! — O amigo que tocava guitarra bateu com a palma no topo da cabeça do vocalista, demonstrando irritação com seu olhar aéreo e desinteressado. Até mesmo o uso de seu apelido de longa data foi proferido com irritação, embora mantivesse o timbre sussurrado para que apenas os membros da equipe pudessem ouvi-lo — Metade da lista já veio e você nem abriu a boca nessa merda.

— Isso é perda de tempo — replicou sem muito humor, imaginando sua garota de biquíni, naquele exato momento curtindo a praia sem sua companhia — Aqui só tem otário. Por isso que a gente formou um trio quando começou a banda.

— E isso tem o quê? Uns três anos? — Foi a vez do baterista de traços asiáticos se pronunciar, parecendo irritado por mais uma vez conduzir aquela conversa — ‘Cê sabe que a gente ‘tá entrando na pior. Nossa música ficou piegas. Mais do mesmo.

O vocalista calou-se, engolindo aquele fato com alguma dificuldade. Era custoso admitir, mas eles não deixavam de ter razão. Precisavam de novas ideias, novos sons, para superar a inércia em que suas músicas se estagnavam. Estavam prestes a se formar no último ano do ensino médio, e assim que o diploma fosse entregue, o sucesso que a banda fazia entre os colegas terminaria junto ao período escolar.

Já ouvira casos assim, e sabia que ocorria aos montes, muito mais comuns do que gostaria de admitir a si mesmo.

Bandas extremamente populares no ambiente estudantil perdiam o status no momento em que a vida dos ex-alunos seguia por outro caminho, tornando-se nada além de um grupo falido de garagem, todo o talento de outrora revertido pela frustração do esquecimento.

Chuck Vedder* não admitiria esse tipo de destino para a banda que ele mesmo formara e tanto investira. Sabia, acima de tudo, que seu futuro estava na música, e faria o possível para mantê-lo intacto.

Mesmo que para isso precisasse lidar com os panacas de seu colégio.

— Chama o próximo então... — ele se rendeu, disposto a colaborar mais a despeito do próprio aborrecimento. Pareceu extremamente arrependido quando viu o rapaz magro e desajeitado que se colocou à frente deles no auditório.

O cabelo negro em formato de tigela estava salpicado pelo suor nervoso que escorria de sua testa já oleosa, e sua estatura alta e magricela parecia potencializar os movimentos estabanados de seus membros quase desproporcionais.

Vader bateu as palmas das mãos no rosto quando percebeu o instrumento empunhado pelo cara mais esquisito que já vira. O caralho de uma sanfona.

— Qual é o seu nome? — o guitarrista perguntou, também incapaz de esconder seu descontentamento apesar de dispensar um esforço genuíno em manter-se neutro. Deslizava um olhar incerto para o instrumento e o rapaz a se apresentar, mal sabendo distinguir qual dos dois conseguia desagradá-lo com maior potência.

O adolescente alto aproximou-se do microfone para responder, afoito, tropeçando no pedestal que o sustentava e quase caindo junto. Segurou o microfone no ar, fazendo um malabarismo ridículo a fim de recuperar o equilíbrio enquanto um som agudo percorreu todo o auditório.

— Jeremy... — anunciou com voz trêmula após o término da microfonia, os olhos escuros bem arregalados e hesitantes. Pigarreou, tentando comunicar-se com mais firmeza e novamente falhando — Jeremy Downs... Sou novo na cidade e...

— Então, “Jeremy Jeremy Downs”, estamos nos fodendo ‘pra biografia. Certeza que você se inscreveu na audição certa? Porque isso aqui não é o tipo de banda que parece precisar da merda de uma sanfona... — o vocalista irritou-se, arrancando risinhos maldosos da plateia.

— Acordeão... — o rapaz replicou num timbre incerto, imediatamente demonstrando arrependimento por aquela rápida correção. A timidez espalhava-se ao longo de cada centímetro em brasa de seu corpo, evidenciando-se com maior empenho no rubor que dominava a maçã do rosto fino, a postura de súbito encolhida, como se ele sentisse a necessidade de se desculpar ao contrariar o vocalista — Sei que... N-não parece bom, mas... o acordeão é um instrumento surpreendente...

“Puta que pariu, de onde veio esse cara?”

— Acaba logo com esse sofrimento, meu camarada — o líder da banda pediu, incapaz de dizer com certeza se o tal sofrimento era concernente ao rapaz tímido ou a si próprio.

Tomado por nada além de nervosismo após o fracasso de sua rápida apresentação, Jeremy pareceu atrapalhar-se ainda mais. Arriscou um conjunto de notas que pareceu levemente desafinado, e ao som unânime da plateia vaiando, o tremor em seus braços arrancou qualquer resquício de firmeza que pudesse ainda amparar o instrumento. Sozinho no palco, o menino interrompeu bruscamente a própria apresentação quando notou que sua performance tenderia apenas a piorar. Tentou respirar fundo e dar novo início às notas, contudo ficou paralisado quando um tomate voou de encontro ao palco e o acertou na fronte, manchando de vermelho tanto o rosto como parte de seu cabelo.

Uma gargalhada explosiva preencheu o ambiente, e bastou apenas isso para que um grupo de pessoas começasse a atirar ovos no rapaz, alguns deles tão podres que parecia plausível que o cheiro jamais o abandonasse.

O grupo que atirava a comida parecia exultado pela oportunidade de usá-la naquele contexto.

Como se finalmente despertasse para o presente, Jeremy começou a correr em direção à saída, arrancando uma nova e ainda mais potente saraivada de risos quando abriu ao máximo a sanfona, visando proteger a lateral de seu corpo que estava voltada ao grupo ainda arremessando ovos.

RUN, JERKEMY, RUN! — Chuck bradou também aos risos pouco controlados, e ao som de sua aprovação as vaias ao adolescente apenas se difundiram com mais ânimo pela extensão do auditório.

O rapaz — Jerkemy, como passou a ser chamado — em sua primeira semana na nova escola começou a sofrer perseguições constantes, tão rotineiras que não davam qualquer sinal de que abrandariam.

Dia após dia, seus agressores estavam certos de que a interação com o novato não passava de meras brincadeiras inofensivas. Justificaram-se assim quando, no dia seguinte à audição, o receberam na entrada do pátio com arremessos de uma nova leva de ovos apodrecidos, gritando em coro o cruel apelido.

Justificaram-se daquela mesma maneira quando constantemente o humilhavam no vestiário, algumas vezes até mesmo forçando sua cabeça para dentro de vasos sanitários sujos, apenas pelo prazer de vê-lo vomitar em seguida, enojado pelo cheiro.

Também justificaram-se brincalhões quando o bullying transpassou as horas de aula em mensagens cruéis, lotando a caixa de e-mail do garoto com dizeres sádicos, atormentando-o para além das horas convencionais em que o convívio em sala de aula era inevitável.

As rotuladas “brincadeiras inocentes” prosseguiram sem sinal de enfraquecer, cada vez mais extensas no amplo ambiente escolar. Mesmo considerando as agressões como inocentes, elas não impediram Jeremy a, seis meses depois, esconder consigo a arma do pai apenas pelo desejo urgente de se sentir seguro. Carregou-a por quase uma semana inteira, sempre mantendo a mochila bem próxima de seu peito para quando a tentação de usá-la se mostrasse opressiva demais.

Quando finalmente tirou-a da mochila, nada transcorreu da forma como ele conjecturara.

Apesar de se imaginar incontáveis vezes apertando o gatilho, nunca acreditou que de fato chegaria ao ponto de fazê-lo, e jamais conjecturou que, caso esse dia chegasse, seria na forma de atos tão irrefletidos, tão dissociados de sua consciência.

Sua última lembrança clara foi o momento em que passou pelos corredores de cabeça baixa, entrando na sala de aula com a pressa de quem teme um novo abuso. A partir de então, tudo se tornara parte do estopim que o levou a reagir.

Chuck lembrava cada movimento nos mínimos detalhes. E como gostaria de poder voltar àquela época e reparar tudo aquilo... Não só o dia do tiroteio em questão, mas cada atitude estúpida de todos à sua volta, sempre levando o garoto um pouco mais próximo daquele caminho sem volta.

O novato fechou a porta atrás de si com força exagerada, provocando um baque alto o suficiente para chamar a atenção de todos em sua direção. Transpirava num fluxo nada normal, como se experimentasse algo semelhante ao pânico apenas por ocupar o ambiente hostil. Permaneceu estático, profundamente aterrorizado por se colocar no cerne do interesse dos outros alunos. Não que normalmente já não fosse um alvo natural para a classe.

— Essa porta batendo foi muito mais afinada do que a porra daquela sanfona — Vedder zombou, satisfeito com os risos que conseguiu extrair dos colegas mesmo nos seus comentários mais sem graça. Jamais precisou se esforçar para que gostassem dele, e esse fato contribuía para fazer inflar sua prepotência. — Se tivesse se apresentado assim meses atrás, talvez conseguisse uma chance na banda, esquisitão...

O rapaz tremeu, a mão destra agora muito próxima ao zíper semi aberto da mochila surrada. Um olhar desfocado encarou a multidão, e era como se ninguém mais o habitasse.

— Já chega... — Jeremy sussurrou, ainda ausente. Sequer chegou a perceber os dedos escorregarem para dentro da abertura, alcançando conforto no cano da arma, e por alguns segundos descansando ali. As pequenas carícias ao objeto o fizeram sentir a diferença de temperatura com sua pele quente, e a já conhecida sensação da arma roubando o calor de seus dedos pareceu dar-lhe maior firmeza.

Chuck jamais manteria aquele sorriso esnobe se pudesse antever o que estava prestes a incidir sobre todos.

— O moleque agora deu ‘pra falar... — uma garota sorriu com malícia, feliz por sua contribuição. — Mais alto, Jerkemy. Por que não pega um microfone? — Ridicularizou-o numa nova referência à audição fracassada de cerca de seis meses atrás. Jeremy, contudo, parara de tremer, e os olhos sem vida focavam na menina, dessa vez sem titubear.

Gastou uns segundos extras naquela contemplação, ainda que não parecesse encarar nada específico.

— Eu disse já chega! — Repetiu em alto e bom som, apesar da leve falha na voz quase robótica. Muito dos alunos substituíram os sorrisos por feições confusas.

Era a primeira vez que Jeremy falava na classe.

Quando o rapaz começou a atirar em mira aleatória e sem qualquer sinal prévio, alguns ainda sorriam. Após os primeiros disparos e feridos, contudo, foi o terror que passou a tomar conta do ambiente, tendo por única exceção a adolescente que tripudiara por último de si. Ela morreu no exato instante em que uma bala perfurou seu olho direito, manchando de rubro os fios loiros ao sair na extremidade oposta, dando a rápida impressão de algumas mechas ruivas. Ainda mantinha o sorriso cruel no rosto quando a vida abandonou seu olhar, quase tão morto quanto o de Jeremy.

Enquanto a maioria dos alunos tentava em pânico alcançar a saída, Chuck agachou-se, conseguindo poupar-se com aquela simples atitude e tornando-se capaz de ver os pares de pernas caindo a cada novo estrondo.

Esforçou-se ao máximo para não reconhecer nenhuma delas.

Quando já se perguntava quantas balas ainda poderiam restar, a professora que daria o primeiro período de aula entrou na sala com rapidez, a feição assustada pelos estrondos contínuos. Não teve tempo sequer de processar o que acontecia ali.

Jeremy a acertou por puro reflexo no pescoço, só então interrompendo por alguns instantes a enxurrada de tiros. Olhou em volta à medida que portava uma expressão um pouco mais desperta, parecendo dar-se conta de seus atos plenamente apenas naquele átimo de segundo transcorrido.

Mudando a direção do cano, Jeremy não hesitou em explodir a própria cabeça naquele último ruído que precedeu o sepulcral silêncio. Sangue e massa cefálica borrifaram o quadro negro num tom estranho, o único contraste que se instalaria ali naquele dia.

A única lição gravada na lousa, aquela que ninguém tomaria nota, mas que jamais abandonaria suas memórias.

Sem saber, Chuck ajudara a libertar um leão. E sentia-se, ainda, como o único responsável pelo ocorrido.

Percebeu a respiração presa em seus pulmões quando tentou em vão preenchê-los com ar fresco. A angustiante nitidez daquelas recordações sempre vinha acompanhada da mais forte ansiedade já experimentada por ele, e o remorso o atingia em dobro.

Em dobro, mas não em partes iguais. Porque a outra face de seu pesar era ainda mais visceral.

Tornou a se sentar na cama, escondendo o rosto exausto entre as mãos muito magras. Não foi capaz de mensurar quanto tempo gastou na árdua batalha que acalmar sua respiração havia se tornado, e tentando não refletir sobre o fato de aquela tarefa parecer mais penosa a cada dia transcorrido. Relanceou um olhar ao canto empoeirado de seu quarto, inevitavelmente encarando o violão que há tempos não tocava.

Disposto a punir-se, pegou o instrumento, passando a mão ao longo dele como um afago cauteloso. Ajeitou-o em seu colo com pouca identificação, como se sentisse o seu peso pela primeira vez, gastando alguns minutos na afinação das cordas que por meses foram negligenciadas. Quando se deu por satisfeito, tocou as primeiras notas da música que vinha compondo há mais de um ano. Elas saíram tímidas de início, mas foram ganhando força com o transcorrer da canção.

Cantou-a, tentando sem qualquer esforço abranger cada nuance do próprio desconforto. Merecia senti-lo. Merecia ser engolido por ele, ser preenchido a tal ponto que poderia reviver intensamente os danos que causou.

Oh where, oh where, can my baby be? The lord took her away from me. She's gone to heaven so I got to be good, so I can see my baby when I leave this world… — fechou os olhos, sentindo-os quente. A ardência era líquida, e sem demora transbordou para o seu rosto quando o motivo daquela composição veio à tona.

Não queria se entregar a novas lembranças, contudo elas retumbaram com potência em sua mente, exigindo passagem. Sem escolha, Chuck libertou-as.

Emma não pertencia à sua turma, e ele nem ao menos sentiu remorso por pensar naquilo repetidas vezes durante o ataque, percebendo apenas o alívio que aquela conjectura causava. Sua menina estava a salvo e ele precisaria se apegar àquela bênção se quisesse ter alguma chance de superar o ocorrido. Emma estava bem e, portanto, ele também ficaria! Tinha de ficar!

We were out on a date in my daddy's car, we hadn't driven very far — Hesitou, a estrofe seguinte se mostrando um verdadeiro desafio. Não poderia, afinal, expôr a verdade naquela música. Precisou camuflá-la em versos falsos, que ele cantou com o cuidado de um vigarista prestes a ludibriar — There in the road straight ahead a car was stalled, the engine was dead. I couldn't stop, so I swerved to the right, I'll never forget the sound that night! The screaming tires, the busting glass, the painful scream that I heard last… — Cantou as fraudes criadas apenas com o intuito de protegê-lo, não suportando revelar que não havia nenhum carro quebrado na estrada. E que tampouco causara o acidente por tentar desviar de outro veículo.

Tremeu quando o real motivo veio à tona, pouco empático ao sofrimento que já o dominava.

Havia passado cerca de três meses desde que Jeremy falou pela primeira e última vez na sala de aula. Após o trágico ocorrido, Emma se preocupava a cada dia mais com a saúde mental de Chuck, sempre desconfiada de que ele estava prestes a desmoronar dentro da própria angústia.

Disposto a tranquilizá-la, passou a esconder de todos o quanto aquele evento tivera consequências traumáticas em si. Com o tempo, tornou-se convincente. Travestia a culpa profunda em consternação, demonstrando apenas passar por um processo saudável de luto pelos colegas assassinados. Nunca contou a ninguém sobre os ataques de pânico que sem prévio aviso o inundavam nos momentos noturnos de solidão, ou mesmo o fato de se tornar incapaz de dormir mais de duas horas por noite. E quando dormia, eram os estrondos daquele dia que vinham despertá-lo...

...Ou a lembrança dos olhos inabitáveis de Jeremy. Ainda mais vazios do que as vidas roubadas.

Disposto a persuadir Emma de que estava superando o ocorrido, um dia decidiu surpreendê-la em frente à casa da garota com um largo buquê de tulipas roxas, convicto de que se conseguisse fazê-la acreditar em sua farsa, talvez com o tempo a trapaça se tornasse fato. Convenceu a namorada a sair com ele para o cinema, tudo planejado para correr da forma mais inofensiva possível. Para que assim pudesse retomar um pouco de normalidade em sua vida.

Porém, mais uma vez provou uma dose daquilo que seu egoísmo era capaz de criar. Ou melhor, de destruir.

Quando, após a sessão, Chuck a levava de volta para casa, teve um apagão completo de consciência enquanto dirigia. Não soube o tempo exato que durou, nem mesmo se Emma chegou a perceber o que precedeu o acidente.

Só soube que, quando acordou, já era tarde demais.

Emma jazia ao seu lado, o rosto coberto pelo próprio sangue e a vida esvaindo-se com rapidez do rosto que tanto amava.

Oh where, oh where, can my baby be? The lord took her away from me. She's gone to heaven so I've got to be good, so I can see my baby when I leave this world… — entoou o refrão uma segunda vez, plenamente ciente de que se de fato houvesse um paraíso, ele jamais o alcançaria, não importando o quanto se esforçasse para ser bom dali por diante. Simplesmente não pertencia até mesmo à ideia de um lugar desses. Para ele, não existia redenção.

Jamais reveria sua menina, e talvez esse fosse o preço a se pagar pelo que fizera com Jeremy.

When I woke up, the rain was pourin’ down, there were people standing all around — chorava com um pouco mais de potência agora que confrontava versos reais, que lhe traziam memórias tão palpáveis quanto as cordas daquele maldito violão. — Something warm rolling through my eyes, but somehow I found my baby that night. I lifted her head, she looked at me and said: “Hold me darlin’ just a little while!”, I held her close I kissed her - our last kiss, I found the love that I knew I had miss. Well now she's gone even though I hold her tight, I lost my love, my life that night… — Envolveu-se com o violão como há meses não conseguia, todo entregue à melodia que seus dedos ágeis criavam, finalmente exteriorizando cada aspecto vil criado pela dor naqueles versos.

Oh where, oh where, can my baby be? The lord took her away from me. She's gone to heaven so I've got to be good, so I can see my baby when I leave this world... — Por mais que o cântico tivesse chegado ao fim, gastou ainda algum tempo brincando com os próximos acordes, querendo estender ao máximo aquele breve momento com Emma...

...O único momento que seria capaz de compartilhar com sua garota.

Apenas enquanto durasse aquela canção.


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Notas finais do capítulo

*No site não é permitido escrever sobre pessoas reais, por isso mudei o nome do seu divo pra Chuck (escolhi esse nome porque descobri que a música Last Kiss pode ter sido inspirada na história de um tal de Chuck Downs. Aqui o link: https://gavetadebagunca.wordpress.com/2014/10/06/pearl-jam-last-kiss-a-historia-por-tras-da-cancao/ )

É isso, hermana! Feliz aniversário! ♥
E obrigada a você que leu até aqui. Espero que tenham gostado!



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