Contos de uma Viajante do Tempo Vol 1 - James Dean escrita por Sofia Casanova


Capítulo 13
Capítulo 13




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30 de Setembro

Olívia estava confiante de que conseguira, por um golpe de sorte, salvar a vida de James. Estava cantando feliz no banho pela manhã e já pensava na possibilidade de acabar ficando e quem sabe engatar algum relacionamento com James apesar de não ter muitos sentimentos por ele mas poderia tentar.

I am singin in the shower

Oh, i am singin in the shower

What a glorious feeling

I am happy again

James apareceu em seu Porsche por volta das 10 horas e Rolf estava com ele, em outro Porsche. Olívia acenou para Rolf e entrou no carro de James. Como sempre, mexia no rádio do carro enquanto conversava.

— Se voltarmos a tempo – disse James – vamos a uma festa.

— E com que roupa devo ir?

— Qualquer uma. Você volta pra casa quando?

— Acho que só volto pra trancar o curso. Eu realmente estou a fim de ficar.

James começou a rir.

— Eu sabia que você ia mudar de ideia.

Eles passaram pela praia, o sol começou a queimar mais forte, o cheiro salgado tomou conta do carro e ela teve vontade de tomar banho de praia.

— Vamos marcar de ir pra praia de novo?

— Quando? – perguntou ele

— Você que diz o dia.

— Amanhã?

— Amanha, então!

— Você vai voltar para casa quando? Você vai precisar alugar uma casa por aqui pra voltar a trabalhar.

— Eu acho que semana que vem eu volto e depois que eu trancar o curso e venho para a California. Vou ligar pro Jack Warner ver se ele tem algo para mim.

Olívia adorava alisar os cabelos de James e puxava de leve a parte de trás.

— Esse seu cabelo cheio de Spray Care Liss é uma delicia de puxar.

Ficaram em silêncio por um momento, mas Olívia continuava a alisar os cabelos dele porém com a mente distante. Ela iria se adaptar de novo aos anos 50 . Ela tinha sérios pensamentos sobre ficar para sempre. Olívia sentia paz no coração por ter tirado James da rota da morte e queria aproveitar um dia após o outro sem preocupações.

Foi aí que aconteceu.

Olívia sentiu seu corpo ser jogado na direção de James mas ela não voou do Porsche por causa do sinto de segurança. Alguém havia batido na lateral do carro. Ela sentia muita dor na coxa e no abdômen e sua cabeça estava caída no peito quando veio outra batida. Ela não conseguia pensar muito, apenas sentiu que o carro rodara. Tateou com a mão procurando por James e quando encontrou sua mão, ficou inconsciente.

Ela acordou sentindo-se dormente. Havia algo ao redor do seu pescoço que não a permitia mexer. Sua cabeça doía e se sentia confusa. Ela não sabia onde estava, não ouvia som algum e não havia ninguém por perto. Tentou levantar a cabeça mas sentira muita dor no pescoço e na cabeça.Ela certificou-se que podia sentir os pés e as pernas. Olívia não sabia por quanto tempo ela ficara acordada e sozinha mas quando alguém finalmente apareceu seguiu o movimento no quarto com os olhos. Uma enfermeira entrou com uma bandeja de remédios e seringas e a olhava enquanto apoiava em uma mesa móvel e dobrável.

— Olá. – disse a enfermeira. – Como você está?

— Não sei. – disse Olívia. – Que ano estamos?

— Que ano? 1955. Você se lembra do que aconteceu?

— Eu estava com o James no carro. O que aconteceu comigo?

— Você sofreu um acidente. Machucou o pescoço e cortou a coxa direita.

— Eu estou com sede.

A enfermeira levantou a cama e a posicionou sentada. Saiu do quarto para pegar um copo. Voltou com agua e comprimidos.

— Tome. Vai ajudar na dor muscular.

Ela colocou cuidadosamente na boca de Olívia e a fez beber a água.

Olívia se sentia um caco de vidro.

— O acidente foi hoje?

— O acidente foi ontem. Você passou por uma cirurgia simples e acordou hoje.

— Eu estou com dor no pescoço.

— Você teve uma pequena distensão muscular. – ela preparava uma injeção. – Vou aplicar esse injeção aqui no seu quadril.

Ela virou Olívia e aplicou uma injeção que queimava e fazia doer até as sinapses nervosas cerebrais. Ninguém gosta de injeção na bunda.

— Estou me sentindo perdida.

— Você está desnorteada e é normal. Você vai se sentir melhor quando o efeito do choque passar.

Olívia estava se sentindo só e queria segurar a mão de alguém. Ela começou a pensar em Donald: será que ele iria vê-la? Será que ele soube do acidente? Olívia adormeceu em seus devaneios. Voltou a acordar e já estava escuro. Levantou-se da cama e tateou até encontrar o banheiro. Ao encontrar o interruptor deu de cara com sua própria imagem no espelho. O rosto inchado e com marcas de arranhões,pescoço enfaixado e com a pele oleosa de quem não tomava banho há pelo menos dois dias. Com dificuldade sentou-se na privada, não ignorando seu ritual sagrado de cobrir toda a privada com papel higiênico, com muita dificuldade devido ao corte na coxa. Ela havia levado um corte do quadril até o joelho. Haviam mais de 20 pontos. Antes de sair do banheiro, lavou o rosto com um sabonete de ervas que encontrara lá que tinha cheiro de naftalina e enxugou com uma toalha.

— Agora posso morrer linda.

Puxando de uma perna, ela saiu do quarto e viu luzes com baixa iluminação e um corredor vazio. Deixou a porta do quarto aberta e caminhou até encontrar alguém. Olívia andou por alguns minutos até que um enfermeiro a encontrou.

— Ei! O que a senhorita está fazendo fora da cama? Você não pode andar. – disse ele vindo em sua direção da outra extremidade do corredor.

— Eu estou com fome.

Ele a pegou pelo braço e a ajudou a caminhar de volta para a cama.

— Vou trazer algo para você comer, não saia da cama, se não seus pontos podem abrir.

Após o que pareceu 1 hora de espera para Olívia, finalmente alguém apareceu com uma sopa quente e café. A sopa estava insossa e com gosto de pimentão, mas ela comeu assim mesmo já que não tinha escolha. Após terminar a refeição, deixou a bandeja na mesa dobrável ao lado da cama, foi ao banheiro para lavar a boca, lavou o rosto mais uma vez e voltou a dormir. Acordou com o dia claro e alguém alisando sua mão.

— Como você está?

Olívia levou um tempo para reconhecer.

— Consegue me ouvir?

— Oi.- ela reconheceu quem era. – Estou feliz em te ver. Estava me sentindo tão sozinha e não sei há quantos dias estou aqui.

— Três dias.

— Eu estou confusa.Não me lembro de nada.

— Como você está?

— Me sinto um saco de bosta.

Ele riu.

— Te procurei em alguns hospitais até que fui na delegacia e me deram o endereço deste hospital. 

— Ei. – disse ela

— Oi?

— Antes que eu me esqueça... – ela tentou se mexer

— Não, se mexa, você não pode. O que você ia me dizer?

— Eu me lembrei do seu aniversário, Donald. Eu só não te encontrei mais eu me lembrei do seu aniversário. – ela apertou a mão dele – Feliz aniversário, atrasado.

Ele beijou a mão dela.

— Eu sei que você não esquece.

— Você está ocupado?

— Não. Porque ?

— Fica comigo? Estou me sentindo sozinha. Acho que James deve estar outro saco de bosta porque ele não veio me ver ainda. Obrigada por ter vindo me ver.

— Você esta sentindo dor?

—Não.

Aqueles olhos azuis irlandeses não piscavam.

— O médico disse que você vai ficar um tempo aqui já que está com esses pontos na perna. Posso trazer algumas revistas para você passar o tempo.

— Eu adoraria.

— Eu fui no seu hotel, avisar a senhoria de lá que você havia sofrido um acidente e que você voltaria mas ela disse que não podia manter suas coisas no quarto.

Olívia colocou uma das mãos na testa.

— Ah, meu Deus. Agora eu estou lascada.

— Mas eu já arranjei tudo. Aliás, porque você usa o nome Anne Masterson?

Ela o olhou desconfiada.

— Porque eu não queria que soubessem que a Olívia Weiss voltou pra Califórnia. Eu queria ficar nas sombras.

Ele não acreditou.

— Você vai ficar comigo, na casa que tenho perto das colinas. – disse ele mudando de assunto.

A casa onde eles ficavam juntos.

Olívia tentou dizer algo mas não conseguiu.

— Eu vou cuidar de você lá e te tirar daqui. Eu imaginei que você estivesse sozinha e agora tenho a certeza.

— Obrigada. – ela sussurrou .

Olívia tinha vergonha quando alguém fazia muito por ela. Ela achava que não seria capaz de contribuir à altura do favor.  No dia seguinte, Olívia estava com uma aparência melhor: havia tomado banho e já estava recuperando o humor e a fome. Ele voltou com jornais, flores e um hambúrguer. Ela estava desesperada para comer algo diferente.

— A cidade só fala do acidente que vocês sofreram.

—Humm.. então deve ter sido bem feio. – ela limpou a boca com guardanapo.- O James ainda não veio me ver. Você tem notícias dele ? Acho que ele deve ter sido transferido em outro hospital já que ele é artista, sei lá.

— Esqueci de pegar seu café. – ele se levantou e saiu do quarto. Olívia nem sempre gostava de comer Sanduiche com refrigerante.

Olívia terminou o Sanduiche, fechou sua embalagem de isopor e levantou-se para jogar a embalagem fora. A perna já estava melhor e ela podia andar sem medo. Ela estava feliz em saber que ficaria um tempo com Donald pois estava se sentindo só e abandonada. Voltou para a cama e pegou o jornal. E foi aí que tudo desmoronou.

Corpo de James Dean ainda não foi liberado

Olívia não havia entendido o que lera e continuou lendo.

Ator de 24 anos morre em acidente

Olívia procurou pela data do jornal: 04 de Outubro de 1955. Ela achava que estava em outra dimensão ou em outro ano ou talvez sua cabeça estivesse perdida. Olívia começou a chorar. Quando Donald entrou ela estava aos prantos. Ela havia descoberto.

Ele calmamente apoiou os dois copos de café na mesa dobrável e colocou a mão nas suas costas.

— Donald, eu falhei.

— Como assim?

— Eu salvei a vida dele, eu sei que salvei a vida dele. Não faz sentido ele ter morrido.

— Olívia...

— Donald, eu salvei a vida dele.

— Olívia, me escute. – ele tomou o rosto dela entre suas mãos – Você está sofrendo de Stress pós – traumático. Você está em choque e qualquer noticia ruim pode te abalar. James Dean chegou morto no hospital, ele quebrou o pescoço, as costelas e tinha sangue no pulmão.

— Você sabe como o acidente aconteceu?

— A polícia identificou o carro que bateu na lateral do carro de vocês como o do agente Bosco Niemens. Havia outro agente de James Dean no carro que os jornais apenas identificam como um passageiro. Parece que um outro Porsche bateu no carro de Bosco logo após a batida e foi fatal. Niemens e o outro passageiro morreram na hora assim como James.

Olívia estava aliviada com o que ouvira: o assassino de James também se enforcou com a mesma corda. Seu rosto ficou mais leve. Ela endireitou-se na cama, pegou seu copo de café e se acalmou. Depois de alguns minutos de silencio, ela olhou nos olhos de Donald e disse:

— Não foi acidente. Nós fomos pegos em uma emboscada.

— O que ?

Olívia omitiu o fato de ser viajante, mas contou que James havia dito que estava sendo seguido constantemente pelos agentes e contou das fotos nuas que viu dele e da ultima conversa que tivera com Bosco onde falavam de rituais e sexo com homens.

— James iria ser morto por causa de algum trato, por isso eu aceitei ir para Salinas com ele e mantê-lo longe o máximo possível. Não foi acidente, Donald. Ele foi assassinado. Eu quase fui assassinada.

— Olívia, preste atenção. – ele a segurou pelos braços e baixou o tom de voz – O que você está me contando é sério. Você foi quase morta por tentar salvar a vida dele e foi morta por alguém ligado a indústria de filmes. Preste atenção no que vou te falar: A polícia vai te interrogar ainda hoje porque eu os vi no quarto do rapaz que ficou vivo, um tal de Rudolf, Rodolf,  alguma coisa. Você vai dizer que não se lembra de nada, você me ouviu? Diga que você não viu o carro vindo, que James não estava em alta velocidade e que você só soube hoje do que aconteceu. Não diga nada do que você fez, e depois eu vou te tirar deste hospital.

Olivia consentiu com a cabeça sem dizer uma palavra.

***

Naquela mesma tarde, após o seu almoço solitário e sem sal mas com muita salada, a polícia entrou no seu quarto.

— Anne Masterson? – disse um policial

Olívia levantou os olhos do jornal rapidamente. Ela nem havia ouvido a porta se abrir.

— Sou o policial Carlson. Você pode conversar?

— Sim.

— Eu entendo que a senhorita está em um péssimo momento e sinto muito pela sua perda. Gostaríamos de fazer algumas perguntas sobre o ocorrido. – ele abriu seu caderno e pegou sua caneta. –  James Dean estava em alta velocidade?

— Não, senhor. Se tivesse eu teria brigado com ele.

— Você se lembra do carro que bateu em você?

— Não. Eu não o vi, eu estava ... – Olívia parou por um momento. O que ela estava fazendo? - ... bem... o James estava rindo com algo que eu falei mas eu não sei o que foi . – Os flashes vinham em sua memória: James rindo, praia, vento nos cabelos, rádio.

— O que mais você se lembra?

Olívia contou dos planos para irem a uma festa de noite, à praia no dia seguinte  e de falar do cabelo dele com spray.

— Depois, eu fui jogada para a esquerda e depois eu segurei a mão dele, ouvi outra batida e depois acordei aqui não sei quantos dias depois.

Olívia queria perguntar sobre as pessoas envolvidas no acidente mas imaginou que se Donald estivesse ali, ele reprovaria. Oficial Carlson perguntou se ela se lembrava de algo anormal naquele dia ou se eles estavam sendo seguidos. Olívia fingiu espanto.

— Perseguidos? Mas... então não foi acidente?

— Só uma pergunta não oficial.

— Ah... não... tudo estava normal. James não agiu estranho. Apenas Rolf estava atrás de nós no Porsche vermelho.

Quando o policial foi embora, Olívia foi tomar banho, desejando saber onde estavam suas roupas, se é que não ficaram perdidas na estrada, vai saber. Ao sair do banho, Donald estava sentado no sofá que havia no quarto. Ele levantou-se e mostrou-lhe um pacote.

— Trouxe sua roupa. A roupa do acidente. – ele andou em sua direção – Estão limpas. Vista-se e vamos embora daqui.

Olívia entrou outra vez no banheiro e abriu o pacote: blusa, saia, calcinha e soutien e sua sapatilha estampada de flores. Ela adoraria um desodorante. Ao sair do banheiro, viu Donald de pé, impaciente.

— Muito obrigada, eu não aguentava mais esta roupa do hospital.

— Consegue andar?

— Sim. O médico deu alta?

— Ele disse que se for para ir pra casa e não viajar, você pode ir embora.

Olívia apoiou-se nos braços de Donald para andar. Não andava devagar mas não podia se esforçar demais. Na saída, ele pegou a receita médica e retirou todos os remédios com a indicação de horários e o dia que deveria voltar para retirar os pontos. Outubro chegou fazendo frio e ainda era tarde ensolarada. Ele abriu a porta do carro para que ela se sentasse e colocou o seu cinto de segurança. Durante o percurso ela leu os horários de remédios e a bula para saber suas contraindicações: O antibiótico dava enxaqueca e o anti-inflamatório dava sono.

— Você vai ficar comigo lá em casa até se recuperar. – disse ele cortando o silêncio.- Transferi suas coisas do hotel para lá.

— Você está sendo muito atencioso comigo. Não sei como agradecer.

— Como foi o interrogatório ?

— Perguntaram se eu notei algo anormal no dia do acidente ou se James falou sobre estar sendo perseguido. Eu disse que não, porque realmente isso não aconteceu mesmo. Depois perguntou do que eu me lembrava. Segui seu conselho.

— Melhor assim.

— Acho que eles estão desconfiando de algo já que o próprio agente bateu no carro dele.

— Exato. Parece que esse agente já foi fichado antes por violência física a uma atriz há algum tempo.

— Donald, e a família do James? Eles não têm dinheiro para pagar a ida do caixão até Indiana.

— A Warner já tomou as frentes e já pagou as despesas. A Elizabeth Taylor teve um colapso nervoso quando soube do acidente e foi hospitalizada.

— A cidade deve ter parado.

— Parou mesmo. Os jovens estão fazendo peregrinação no local do acidente. Mas e você? Eu não perguntei como você está se sentindo.

— Estou me recuperando. Os pesadelos desses últimos dias estão se apagando da minha cabeça.

— O que você vai fazer depois que melhorar?

— James ficou me perguntando a mesma coisa a semana toda. Ele queria saber se eu ia embora ou se eu procuraria emprego aqui outra vez.

— E o que decidiu?

— Acho que vou ficar, eu preciso pagar a conta do hospital. Acabei de ver aqui a dívida: Vinte mil dólares. Preciso de outro contrato na Warner, Donald e pagar parcelada esta dívida aqui.

Olívia poderia sumir, mas ela não gostava de dar calote em ninguém e não existem motivos para não pagar a conta. Ela estava decidida a voltar para Warner.

— Você acha que consigo um contrato?

— Acredito que facilmente. Você já é figura carimbada lá, fez um excelente trabalho, Jack Warner gosta de você, Stanley Donen sempre pergunta se tenho notícias suas. Você possui um fã-clube entre os grandes lá dentro.

Olívia riu envergonhada. Era verdade que Jack Warner,um dos cabeças da indústria Warner Bros gostava dela, mas não em termos sexuais. Eles simplesmente se gostavam e Olívia era grata pelo contrato que conseguira com ele. Ela se reservou a sempre estar disposta com a Warner Bros para qualquer trabalho que eles precisassem e claro que ela era livre para rejeitar se não puder cumprir. Também, pedia a Deus domínio próprio para os dias maus quando ela vier a ser chamada atenção por qualquer falha ou quando eles errarem com ela e acabar sendo lesada por algum motivo: Não queria dar piti de estrela.  Diante das coisas horríveis que ouviu sobre o que se passava nos bastidores da MGM, Warner Bros era o céu.

Ao chegarem na casa de Donald, ela reconheceu O’Flynn, o cachorro de raça irlandesa que ela vira uma vez na internet quando ele estava com sua filha Donna no jardim. Era um cachorro grande mas para Olívia ele não era bonito: Muito pelo do tórax para cima e pelado até o traseiro. Eugene, o mordomo, apareceu na porta para recebê-los.

— Boa tarde, Eugene. – disse Olívia. – Bom ver o senhor de novo.

— Digo o mesmo, senhorita Weiss. Sinto muito pelo que aconteceu. Espero que se recupere logo.

— Obrigada.

Donald a ajudou a entrar na casa. Ela continuava  a mesma coisa e não esperava mais do que isso afinal, ela achava que aquela casa era parecida com Netherfield Park, a casa alugada por Mr. Bingley em Orgulho e Preconceito: Suntuosa, perfeitamente adequada e, como diz Senhora Bennet, com uma sala linda e com uma bela vista para o jardim. Porém, somente é visitada de quando em quando. Mas para Olívia, Donald não era Bingley, era Mr. Tilney de Abadia de Northanger. Oh, céus, porque aquele relacionamento não podia dar certo?

Olívia subiu sem dificuldades as escadas até seu quarto.

— Eu trouxe tudo o que estava lá. Perguntei a moça que trouxera tudo se ela tinha certeza de que não estava faltando nada. Ela me garantiu que pegara tudo, dentro do guarda roupa, no banheiro e nas cômodas.

— Eu não sei como agradecer o que você vem fazendo por mim. – Olívia o olhou com ternura. – Você tem me protegido muito desde sempre.

Donald, aproximou-se e segurou o rosto dela com as duas mãos e a beijou. Um beijo de intimidade e saudade.

— Você vai me pagar melhorando e aceitando a oferta de voltar a dublar.

— Aceito.

Ele a beijou de novo com um beijo francês. Eles estavam com saudades um do outro e se Olívia não estivesse naquelas condições ela não teria dúvidas de que fariam amor ali mesmo. Ainda com o rosto próximo ao dela, ele consultou o relógio.

— Eu vou pedir para servir um jantar leve para você às 18:00 horas.

— Mas, você vai jantar comigo?

— Sim, vou ficar aqui esta noite. – ele a beijou outra vez. – Não se atrase.

Quando Donald saiu do quarto, Olívia imediatamente procurou pelo seu computador e celular dentro da mala e ficou aliviada por tê-los encontrado lá junto de seus carregadores, assim como seu diário. Ela desarrumou pouca coisa de sua mala e tomou um banho demorado para tirar o cheiro de hospital. Após o banho, guardou a roupa que estava usando e uso um outro vestido. Tomou o remédio para dor e escreveu no seu diário o que havia acontecido. Olívia estava se achando estranhamente calma, mesmo após o choque da notícia da morte de James Dean. Algo dizia que talvez, apenas talvez, James morrera jovem porque era o tempo de morrer porem, aquilo que seria um suicídio, se transformou em um assassinato bem sucedido onde morreram a vítima e o agressor. A interferência de Olívia trouxe à tona quem era Bosco Niemens e com isso a justiça.

Eram 17:00 horas e Olívia começara a sentir frio. Ela se esquecera que naquela região alta e escondida da Califórnia, fazia frio. Donald esqueceu de ligar o aquecedor, com certeza. Arrumou sua roupa de dormir, organizou em fileiras os remédios que tomaria e desceu para esperar o jantar.Ao descer as escadas viu Donald no jardim de frente a casa fumando, com seu suéter azul e com as mãos nos bolsos.

“Eu não vou suportar machucar você e eu sei que vou machucar. Eu sei que não vou mudar mesmo se eu me casar com você.”

Ela se lembrou das palavras dele anos atrás. Ele era um homem tão bom, porque não podia dar certo? Ela sabia que ele tinha vícios e isso era o que matava o relacionamento. Ele havia confessado depois de esconder por muito tempo seu vício em álcool, cigarro, clube de lutas, jogos e admitiu que ficava estranho e alterado quando bebia. Olívia teve medo de perguntar o que significava “ficar estranho e alterado”.

Ela ficou no fim da escada, encostada no corrimão, observando-o.Eu falei observar? Eu quis dizer comendo com os olhos. Ela estava apaixonada por ele desde a primeira vez que o conhecera pessoalmente em 1952. Estava cegamente, tristemente e esperançosamente apaixonada e não tinha remédio se não sofrer, como antes. Ele havia sido sincero sobre não mudar seus maus hábitos e uma coisa que Olívia não iria tolerar era um marido abusivo, embriagado e que a deixava em casa sozinha, provavelmente atrás de algum amante já que só tinha marido no papel, enquanto jogava com um monte de macho em algum cassino ou gastava dinheiro em clube de lutas. Porque esse homem tinha que ser tão complicado? Pelo menos ele era sincero. Donald jogou o cigarro e virou-se para a porta e através dos vidros pegou-a na escada, observando-o. Ele entrou em casa e ela permanecera imóvel.Com as mãos nos bolsos, ele andou em sua direção. Aproximando-se dela, colocou as mãos em seus quadris.

— Você está melhor?

Ela  inclinou-se na direção do rosto dele para beijá-lo.

— Acabei de fumar. – disse ele

— Eca.- ela disse, dando um selinho – Aquele cigarro com cheiro de xixi de gato.

Ele riu.

Ela desceu o ultimo degrau da escada para abraça-lo. Eles tinham a mesma altura e 3 anos de diferença na idade mas para quem os via, pareciam dois adolescentes. Ele já havia se apaixonado antes, quando conhecera na adolescência aquela que viria ser sua esposa, Gwen, mas amar ele só amou uma : Olívia. Ele se conhecia muito bem e sabia que ele não conseguiria se sobrepor aos seus problemas com os vícios que ele adquirira no exército e ao longo da vida de casado. Ele ficava violento e costumava xingar seus agentes por causa de stress e bebida e ele não suportaria fazer isso com ela. Havia algo em Olívia que o fazia ter uma grande estima por si mesmo, ele se sentia mais homem, talvez porque ela era bonita e não dava valor a ninguém exceto a ele e ele precisava dessa exclusividade, desta adoração. Que homem não gosta disso? Ele conseguia dominá-la nos mínimos detalhes o que lhe era secretamente excitante: na escolha da roupa, no emprego, o que comer. A última vez que disse a Gwen o que ela não deveria fazer ela voou um copo de Whisky na parede. Ele tinha uma leve desconfiança de que Olívia nunca estivera com homem algum antes e ele tinha fantasias masculinas a respeito disso e dos avanços que ele adoraria ter mas porque na época em questão era ainda casado, mesmo vivendo em uma casa separada de Gwen, ele evitou fazer um estrago maior

Ele se aproveitava da fraqueza dela de estar, e ele sabia muito bem que ela estava, apaixonada para abraça-la e sentir seu corpo, além de caminhar sua mão por onde ele achava conveniente. Quando muitas vezes o clima esquentava ele falava dos seus desejos por ela e as vezes com palavras sujas e não escondia sua excitação. Certa vez, em desespero, depois de pedir que se casasse com ela e ele mais uma vez justificar o porquê do “Não”, ela se insinuara no que ele entendeu ser uma armadilha sexual onde, após consumado ele seria obrigado a ficar com ela para sempre. Só que ele tinha mais experiência do que ela em armadilhas sexuais e deixou que ela fizesse o que bem queria, se insinuasse o quanto quisesse e o provocasse o quanto achasse necessário mas no momento crítico em que ela o enlaçaria em sua armadilha infantil, ele a bloquearia. Era ela quem cairia na sua armadilha. Uma mulher implorando por sexo e criando armadilhas infantis para chamar atenção: ele estava no paraíso. Carinho sincero, amor e atenção ele só havia encontrado com ela. Tudo isso era o segredo só deles e de mais ninguém.

Após o jantar, eles ficaram deitados perto da lareira conversando sobre a volta dela e dos projetos dele. Ele queria colocar ela em um quadro de humor no novo programa dele. Ele estava pensando em fazer uma gag sobre Romeu e Julieta onde ele seria o apaixonado Romeu e ela uma Julieta desorientada que fazia piada e trocava Romeu por um guarda qualquer deixando ele enterrado vivo esperando por ela. Ela até achou a história  engraçada mas estava com medo de ficar estereotipada como Lucille Ball: uma ruiva linda mas que ninguém via mais do que uma humorista. Mesmo quando ela apareceu como um mulherão, chicoteando outras mulheres no filme Ziegfield Follies, ela não passava de uma velha humorista. O programa Colgate Hour havia tido apenas 2 temporadas com a participação de Gwen e ele fechou contrato para o The O’Connor Show. Hoje, talvez ninguém ache graça, mas na época era o que fazia dinheiro cair do céu e muitos riam. Eram estes programas o point para apresentar novos atores, cantores ou trazer atrizes consagradas para um quadro de humor como a belíssima Heidi Lamar do filme Sansão e Dalila. Ela ficou famosa por causa do quadro com Donald onde ele era um vendedor de equipamentos de limpeza e ela uma princesa adormecida que precisava ser beijada para acordar. Ao ser beijada por ele, ela acordava feliz até se deparar com ele.

—Ah... é você o príncipe?

— Sim, eu mesmo.

— Aff... vou voltar a dormir.

Olívia chegou a assistir alguns episódio do antigo programa mas preferiu não comentar. Ela pensou sobre a gag de Romeu e Julieta apesar de não gostar de aparecer mas ninguém a conhecia mesmo, então apenas faria algumas gracinhas e ia embora.

— Donald, eu preciso voltar a trabalhar logo. Eu não quero ficar de repouso por tanto tempo. Eu vou enlouquecer sem nada para fazer.

— Você precisa primeiro se certificar que não vai mais precisar de remédios e nem vai mancar e depois a gente vai na Warner. Talvez eles te emprestem para a MGM também.

Olívia só pensava na conta absurda do hospital. Mas para não deixa-la de molho sem nada para fazer, Donald confiou a ela suas correspondências, as contas e até os arquivos judiciais de divórcio, onde ele tinha que dar a Gwen nada mais que 100 mil por mês. Quando ela organizava as contas por data de vencimento, ela os entregava a Eugene que se encarregava de mandar pagar. Olívia sentia em seu coração que ela jamais se casaria com Donald e que ele a amava de verdade mas queria protegê-la dele mesmo nos seus piores dia mas seria ela capaz de amar profundamente outro homem e manter o mesmo nível de confiança e intimidade que tinha com ele? Ela tinha que preparar o coração para quando ele anunciasse a chegada de uma noiva.

Na segunda semana na casa de Donald, ela já andava sem dor e as marcas roxas do torax e quadris já haviam desaparecido parcialmente. Na terceira semana, Donald havia marcado com ela uma ida à Warner para falar com Jack. No carro dele, ela pegara um dos jornais e viu que ainda falavam de James Dean.

Porque James Dean nunca será esquecido.

 

(...) curiosamente no enterro de Dean, que aconteceu em 8 de Outubro em Fairmount, Indiana, não contou com a presença de ninguém de Hollywood. Foram seus amigos da escola que levaram o esquife para ser enterrado.

Olívia não permitiu espaço para culpa pois ela estava em péssimas condições para viajar. Estava aliviada em saber que seu nome não havia sido identificado em nenhum jornal como uma das sobreviventes mas acredita que não vai demorar para que descubram. Donald deixou Olívia entrar na sala de Jack Warner sozinha e pediu para que ela esperasse por ele no carro quando terminassem. Quando voltou para o carro, Donald já estava lá lendo alguns papéis. Olívia havia conseguido um trabalho de dublagem em alguns filmes pequenos que eram cantados. Ela agora teria que arrumar uma casa para ficar e deixar Donald seguir seu caminho. Ele já tinha feito demais por ela.

— Você já quer se livrar de mim ? – ele perguntou , divertindo-se.

— Não! Você sabe que não é isso. Mas eu não posso mais me valer de sua bondade. Você já fez muito por mim, cuidou de mim nos mínimos detalhes desde o acidente até agora. E também, eu preciso deixar você seguir sua vida.

Ele ficou em silêncio após a última frase dela. Ele sabia do que ela estava falando.

Olívia tinha 1 semana para procurar uma casa para alugar e sair de vez da casa dele. Ele a ajudou e indicou uma galeria de casas para alugar com primeiro andar que são grudadas umas nas outras. Algumas eram casas e outras eram apartamentos mas o bairro era de família e não era longe do trabalho. Ela se lembrou do filme Bonequinha de Luxo, o bairro e as casas pareciam os mesmos só que lá era Califórnia, não Nova York. No Domingo, Olívia se mudou para a casa que Donald havia indicado e mais uma vez veio a despedida mas desta vez não haveria dor como antes.

— Obrigada mais uma vez por todo bem que você me fez, Donald.

— Sempre a seu dispor.

— Vou tentar não sentir sua falta.

— Vai tentar me esquecer ?

— Não, sou vou fingir que não sinto sua falta. Mas eu realmente espero que você encontre alguém que te faça feliz, de verdade. Juro que não vou tentar mata-la se encontra-la na rua.

Ele riu.

— É, vou acreditar que você não tem ciúmes.

— Juro que não tenho.

Ela o abraçou e trocaram o que seria seu último beijo por toda a vida.


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