Espinhos escrita por Arisusagi


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Olá pessoal, adivinha quem está escrevendo angst sobre relacionamentos bosta???? Desculpa, mas as circunstâncias atuais da minha vida não estão muito favoráveis pra eu escrever histórias de amor felizes. (Sou uma pessoa amarga que gosta de ver os outros sofrendo, hehe)
Dessa vez é original, acho que a primeira original explicitamente homem com homem que escrevo né.
História escrita principalmente durante meu estágio (rs) e com o apoio moral de NatKing, muito obg minha linda.
Como foi anteriormente mencionado, essa fanfic se trata de um RELACIONAMENTO BOSTA, e caso RELACIONAMENTOS BOSTAS te deixem triste por lembrar de coisas tristes, recomendo não ler.
Enfim, beijos e boa leitura.



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Olhando agora, vejo que nosso relacionamento já estava fadado ao fracasso desde o início.

Universidade é mesmo um negócio mágico, não é? Todo mundo fica solto, sem todas aquelas figuras de autoridade que nos cercavam nos tempos do colégio.

O ambiente perfeito pra dar merda.

Eu era só um simples moleque do interior que mal tinha pisado na capital, empolgado demais com minha nova vida fazendo o curso dos meus sonhos e morando a cinco horas de ônibus da minha cidade natal, longe da constante vigilância dos meus pais e familiares. A vida universitária era cor-de-rosa e eu estava muito empenhado em fazer com que esses anos fossem a melhor época da minha vida.

Ah, como sinto vontade de rir quando lembro disso.

Nos conhecemos em uma festa na faculdade, lá pelo meio do meu primeiro semestre. Os cabelos pretos raspados nas laterais, formando um quase moicano, e os óculos de armação redonda me atraíram instantaneamente. Era quase como se você tivesse toda a personalidade que eu jamais sonharia em ter. Você estava em um pedestal muito alto e muito distante de mim, mas eu estava bêbado o suficiente para escalá-lo até o topo.

Eu nem lembro ao certo o que aconteceu naquela festa, mas os amigos que estavam comigo me disseram que eu simplesmente me joguei em você e ficamos agarrados pelo resto da festa.

No dia seguinte, acordei com dor de cabeça e seu número salvo na minha lista de contatos.

Imediatamente, combinamos de sair juntos, sóbrios, para nos conhecermos melhor, no fim de semana seguinte. Até tive que deixar a viagem de volta para a casa dos meus pais para outra semana, com o pretexto de que tinha um trabalho em grupo para fazer.

Nos encontramos em um parque, e eu cheguei dez minutos depois do horário marcado porque me perdi no meio do caminho. Você nem se importou com meu pedido de desculpas, simplesmente começou a falar por cima de mim sobre como o ônibus estava lotado e o sol estava muito forte.

Nossa conversa seguiu praticamente do mesmo jeito, você falando muito mais do que eu. Não me importei naquele momento, estava muito empolgado para conhecer a pessoa tão única com quem havia me envolvido.

Seu nome era Miguel, você era cerca de três anos mais velho do que eu e morava sozinho aqui mesmo na capital, em um apartamento perto do campus. Trabalhava durante o dia e durante a noite estudava, estava no terceiro semestre de economia, mas se pudesse mesmo fazer o curso que queria, estaria fazendo ciências sociais. Seu principal hobbie era a fotografia, e nas horas vagas gostava de tocar violão e assistir filmes. Também gostava de ler as obras de alguns grandes pensadores, tipo Kant, Simmel e Weber, mas isso não era nada demais, era só para passar o tempo mesmo.

E eu era… o Fernando. Recém saído do ensino médio e recém chegado do interior, realizando meu sonho de cursar Letras Espanhol. Só. Senti-me tão burro e insignificante diante de toda a sua intelectualidade que engoli boa parte de quem eu era por medo de você rir de mim e desistir de me dar atenção (se é que aquilo podia ser considerado “atenção”).

Minha voz morreu na garganta quando você começou a falar sobre as profissões que eu poderia seguir com aquela graduação, mas que de todas elas talvez a pior fosse ser professor. O ensino estava sucateado, o salário dos professores da rede pública era horrível, só valeria a pena se eu lecionasse em escolas particulares.

E a cada constatação que você fazia, eu falava apenas um “eu sei” bem baixinho dentro de minha cabeça. Eram frases que já havia ouvido inúmeras vezes ao longo do meu ensino médio, fosse vinda dos meus parentes ou até dos meus professores da escola. Eu sabia qual futuro me aguardava assim que terminasse a graduação, mas não queria me sentir ainda mais estúpido por querer seguir meus sonhos.

“Na real, esse negócio de seguir seus sonhos não dá certo no capitalismo não.”  Você disse enquanto acendia um cigarro. “Você tem é que ter dinheiro. É assim que essa bosta desse mundo funciona. Admiro sua coragem de querer seguir nesse curso.”

A última parte me soou vagamente como um elogio, então decidi vê-la como tal.

Depois disso, ficamos mergulhados em um silêncio meio tenso. Você tragava seu cigarro enquanto mexia no celular, um pouco alheio ao meu leve nervosismo de querer continuar a conversa mas não saber como. Quando o cigarro finalmente acabou, você apagou a bituca na sola do seu coturno e a deixou no canto do banco em que estávamos sentados.

“Quer ficar?” Eu senti aquele famoso frio na barriga quando você fez essa pergunta. Não lembro nem se disse “sim” ou se só balancei a cabeça, mas no instante seguinte sua mão estava em minha nuca e seus lábios nos meus.

Beijar outro homem em um lugar público, com tantas pessoas olhando, era algo totalmente inimaginável para mim até um ano atrás. Fazer isso na cidade em que nasci e cresci, correndo o risco de ser visto por tantos conhecidos, parentes e conhecidos de parentes, era completamente fora de questão. Mas eu estava na capital, longe dos olhos atentos e preconceituosos de toda aquela gente, vivendo minha tão sonhada vida universitária.

Nos beijamos pelo que pareceram ser horas. O gosto de tabaco da sua boca era só mais um detalhe daquela situação tão perfeita, mas tão perfeita, que só podia ser um sonho.

Na volta pra casa, senti uma coisa estranha no peito, uma coisa que não sabia ao certo se era boa ou ruim. Preferi fingir que não existia, querendo ter a certeza de que você estava destinado a ser um amor para toda a minha vida.

Por mais que nunca tivesse admitido para ninguém, a minha fantasia de vida universitária cor-de-rosa também incluía um par amoroso, alguém com quem eu viveria um romance digno das novelas mexicanas que eu tanto amava. E no momento em que acordei depois daquela festa em que nos pegamos, eu decidi que você seria essa pessoa.

Por mais que nosso primeiro encontro estivesse cheio de sinais vermelhos, eu decidi seguir em frente, na teimosia de que você era a pessoa ideal para mim, a qual não consegui encontrar durante meu ensino médio.

Nos encontramos várias vezes depois disso, tanto em festas quanto em encontros assim como aquele. Eu sempre ficava ansioso para te ver, para te ouvir falando sobre qualquer assunto que fosse, e para sentir novamente o gosto da sua boca.

Conforme o tempo passava, eu ia ficando cada vez mais confortável para falar com você sobre meus assuntos pessoais. Você me escutava, com um ar meio desinteressado, mas escutava. Às vezes até me dava um conselho ou outro, sempre em um tom de quem constata o óbvio, aquele tom que alguns adultos usam para falar com crianças que demoram a entender algo. Entretanto, eu não me importava com isso. Só de ter alguém ouvindo minhas inseguranças e incertezas já estava ótimo, mesmo que logo em seguida você começasse a falar de algum assunto completamente não relacionado ao que eu disse.

Lembro-me claramente até hoje do dia em que finalmente te revelei minha pequena obsessão por novelas mexicanas, coisa que escondi a sete chaves de todos depois que comecei a faculdade. Você arqueou as sobrancelhas, surpreso, e deu uma leve risada. Logo em seguida, engatou em uma conversa (melhor dizendo, um monólogo) sobre o cinema latino-americano e sobre como esses países têm potencial de produzir ótimos filmes, mas, infelizmente, faltam incentivos.

Olhando agora, vejo como me sentia intimidado perto de você. Quando falávamos sobre qualquer assunto relacionado à cultura geral, você sempre falava com tanta desenvoltura, sempre soando tão culto, que eu, aquele já foi considerado o melhor aluno do terceiro ano do colégio em que estudei, sentia-me tão estúpido quanto um chimpanzé. Não sei se era proposital, não sei nem se você percebia, mas hoje vejo como isso me afetou durante o tempo em que nos relacionamos. Eu passei a vasculhar a internet tentando descobrir algo interessante que você não conhecesse, para poder te impressionar, e para não passar o tempo todo falando só sobre meus problemas enquanto estávamos juntos.

Olhando agora, também percebi como você praticamente não falava dos seus problemas pessoais para mim. Eu fui o único a me abrir, e acho que me abri até demais, enquanto você praticamente não me dava detalhes sobre sua vida. Eu não sabia seu nome completo, não sabia se você tinha irmãos, nem como era sua relação com a família. Só fui saber o nome da empresa onde você trabalha porque vi, por acaso, o crachá dentro da sua mochila. A única coisa que você me falava era sobre os filmes, músicas e livros que consumia, todos muito desconhecidos e complicados demais para a minha compreensão.

Não me culpo por não ter percebido antes o quanto estar com você me fazia mal. Eu sempre me foquei mais nas partes positivas de estar com você. Toda a parte ruim parecia irrelevante enquanto nos beijávamos, ou enquanto transavamos, ou até quando você me dava aqueles conselhos. Na verdade, era só desses momentos que eu lembrava naquela época. E, ah, como eu pensava neles.

De uma hora pra outra, você passou a ser a coisa em que eu mais pensava. Comecei a passar horas imaginando várias situações diferentes que poderíamos ter juntos. Fosse durante as aulas, ou até enquanto assistia a algum capítulo das minhas novelas mexicanas (as quais passei a assistir com cada vez menos frequência conforme o semestre progredia). Você estava sempre na minha cabeça, e eu não via problema nenhum nisso.

Sempre fui muito dramático, sabe, mesmo tentando reprimir isso durante toda a minha vida. Acho que é por isso que eu gosto tanto das novelas mexicanas. Elas têm todas essas emoções intensas que eu gostaria de expressar, mas que não posso deixar transparecer por causa das opiniões alheias.

Na minha cabeça, estávamos vivendo um daqueles romances fervorosos, cheios de intrigas e adversidades, mas que sempre tinham um final feliz. (Para mim, as intrigas e adversidades, a princípio, eram o fato de sermos dois homens e precisarmos esconder nossa relação do mundo. Nunca passou pela minha cabeça que eu estava metido em um amor unilateral.)

Os finais de semana, feriados e o período de férias que passei longe de você não foram o bastante para apagar esse fogo. Nos comunicávamos através de mensagens de texto, já que você não usava o Facebook nem o Whatsapp. Meu coração se enchia de alegria a cada vez que você me mandava um “estou indo dormir, boa noite” e eu só ficava ainda mais ansioso para te ver mais uma vez.

Foi só no fim do ano, cerca de seis meses depois da primeira vez que ficamos, que comecei a perceber que nossa relação na realidade era bem diferente da fantasia que eu havia inventado dentro da minha cabeça.

Era bem óbvio para todos o quanto eu estava apaixonado, por mais que achasse que estava disfarçando muito bem. Aparentemente, se apegar demais a uma pessoa não era algo bem visto nesse meio universitário, e eu não queria virar alvo de chacota por isso.

Todos sabiam que estávamos ficando, afinal, eu não desgrudava de você durante as festas, mas para mim, nossa relação era muito mais profunda do que as tais “ficadas” que tantas pessoas por aí tinham.

O problema é que era para mim.

Recordo-me perfeitamente da ocasião em que percebi isso. Foi em uma das diversas vezes em que fiquei até tarde na faculdade para conseguir te ver antes da sua aula. Estávamos jantando junto com mais um pessoal, a maioria seus amigos. Entre uma garfada de outra da comida insossa do restaurante universitário, uma garota, (Laís, terceiro ano de geografia), apontou o garfo para nós dois.

“Vocês estão namorando?” Ela disse, ainda com a boca cheia.

Enquanto eu me preparava para dizer um “bem, podemos dizer que sim”, você foi mais rápido e soltou um “não”, curto e grosso. Tive que me controlar muito para concordar, sem expressar qualquer descontentamento ou indignação, e me controlar mais ainda para não chorar no ônibus voltando para casa.

Era óbvio que não estávamos namorando. Nunca houve um pedido formal, e não tínhamos nenhuma aliança, nem um anel de coquinho que fosse. Claramente, não éramos nada além de ficantes.

Por que acreditei que aquilo fosse um namoro durante esse tempo todo?

Eu estava ficando só com você, apenas, exclusivamente. Mas será que você também estava ficando só comigo?

Enquanto descia em uma espiral de paranoias, lembrei-me de todos os fins de semana em que não nos víamos e quando eu te perguntava o que tinha feito, você só dizia “saí com uns amigos aí.” Será que no meio desses tais “amigos aí” não tinha algum ficante assim como eu?

Tenho vergonha de admitir, mas naquela noite, chorei até dormir, e fui para a aula no dia seguinte com o rosto vermelho e inchado.

Eu sabia que precisava conversar com você, porque afinal, como diziam os grandes gurus bem resolvidos dos textões do Facebook, a conversa era essencial em qualquer tipo de relação. Mas ao mesmo tempo, eu não queria demonstrar que estava apegado demais a você.

E enquanto estava preso nesse dilema, acabei recebendo ajuda de quem eu menos esperava: Laís, aquela mesma que fez a pergunta.

Ela veio me chamar no chat do Facebook porque percebeu que minha reação à sua resposta não tinha sido lá muito boa, e me aconselhou a prestar mais atenção em como você me tratava para ver se havia mesmo alguma chance de oficializarmos um namoro ou se era melhor desistir e me afastar.

Eu sei que você gosta muito dele, mas pelo o que eu conheço do Miguel, ele nunca quer nada sério. Fica esperto e não cria expectativa à toa.”

Essa mensagem me deu uma chacoalhada. Foi bom ter acordado um pouco para a vida.

Só que em vez de fazer o que ela aconselhou, preferi ignorar todo esse drama, já que estávamos no fim do semestre e eu tinha um monte de trabalhos e provas para fazer.

Consegui bloquear esse drama na minha cabeça durante as provas finais, e passei gloriosamente em todas as matérias do semestre.

Vi você apenas uma vez antes das férias de fim de ano. Foi em uma festa, então mal conversamos, e eu senti um peso estranho em meu peito enquanto te beijava. Não sei se você percebeu minha estranheza ou se era só por não querer mesmo, mas fiquei um pouco aliviado de não ter me convidado para ir ao seu apartamento depois.

Eu amava acordar deitado em seus braços, depois de transar, mas naquele momento, isso me faria mais mal do que bem.

Durante os longos três meses de férias de fim de ano, não te enviei uma mensagem sequer, mesmo sentindo muito a sua falta. E você também não fez questão nenhuma de me contatar.

Consegui aproveitar bem minhas férias, mesmo tendo uma crise de choro ou outra. Fiquei até orgulhoso de mim mesmo, vendo como eu era um rapaz maduro que finalmente havia superado uma paixonite boba.

Mas parece que quando as aulas voltaram, todo esse amadurecimento desapareceu e eu me vi preso em um misto de vontade e medo de te ver. Resolvi que era melhor evitar te ver por mais um tempo.

Só que, aparentemente, você percebeu meu plano e, pela primeira vez em muito tempo, me mandou uma mensagem pedindo para nos encontrarmos no campus, lá pela segunda semana de aula. E eu fui no local marcado, no horário combinado, morrendo de medo de sabe-se lá o quê e desejando desesperadamente que o mundo acabasse naquele mesmo instante para não ter que lidar com isso.

Quando te vi lá, sentado no banco de concreto, tragando seu cigarro, senti que estava prestes a me apaixonar de novo, só que dessa vez era muito mais doloroso porque eu sabia que não ia dar certo.

Ficamos sentados um ao lado do outro, em silêncio, até seu cigarro acabar e você o apagar no próprio banco, no pequeno espaço entre nós.

“Não dá pra continuar, né?” Você falou em um tom impaciente, quase como se estivesse com raiva, ou muito aborrecido, o que me deixou ainda mais intimidado.

Balancei a cabeça timidamente, fazendo um esforço sobre-humano para segurar as lágrimas. Você soltou um “tsk” e se levantou, jogando a bituca no chão.

Eu não falei nada, e você foi embora sem dizer mais nada também. Aí, comecei a chorar desesperadamente e tive que me esconder no banheiro mais próximo.

E depois disso, nunca mais nos falamos.

Hoje, quase um ano depois de tudo isso acontecer, vejo que o que tivemos foi um negócio besta, que com certeza não ia durar muito. Era óbvio, mas eu estava cego demais com minhas ilusões para enxergar.

Mesmo reconhecendo isso, não sinto vergonha do que senti nesse curto período em que tivemos juntos. Sou uma pessoa intensa, que sente tudo forte demais, e não vou negar o que sinto por causa das circunstâncias.

Só quis dizer isso tudo aqui, mesmo que você nunca fique sabendo, para provar para mim mesmo que o que eu senti foi real, e que nenhum de nós dois foi inteiramente culpado por essa curta relação ter me machucado do jeito que machucou.


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Notas finais do capítulo

Fala aí, o Miguel é ou não é um imenso cuzão?????
Fernando é iludidinho que nem eu, ah coitadinho.
(O que ele falou sobre as novelas mexicanas é 100% o que sinto sobre animes antigos cheios de rosas......................................... e sobre o anime de bicicleta)
Enfim, eis mais uma história original sobre desventuras amorosas de universitários brasileiros.
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