Chamas Negras escrita por Benuzinha


Capítulo 5
A terrível pintura no céu




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/765778/chapter/5

Manigold acompanhou Elisa de volta ao Santuário e ela teve vontade de pedir a ele que dissesse a Regulus que a procurasse, caso o visse, mas mudou de ideia. Ele também não poderia ficar perdendo tempo com ela, no meio da guerra, só porque não queria ficar sozinha. Em vez disso, decidiu ir até a enfermaria, para ajudar a cuidar dos feridos que ainda lutavam pela vida. Iria em casa para comer alguma coisa e depois trabalharia tanto que não teria tempo para sentir solidão.

O céu estava límpido e ensolarado, pensou e um suspiro saiu de seus lábios no momento em que levantava o olhar para as nuvens e uma coisa muito estranha chamou sua atenção. Havia diversas imagens no céu, parecendo pinturas. Mas aquilo era impossível! Incrédula, Elisa esfregou os olhos e, quando os abriu, percebeu que não havia se enganado. Seria um sonho? Estava alucinando?
Sem que se desse conta, a jovem apertou o passo na direção da casa. Chamaria Regulus e perguntaria o que estava acontecendo afinal. Ao chegar finalmente, sentiu um grande alívio ao ver o Cavaleiro de Leão lá dentro.
— Regulus! – ela correu para perto dele.
— Elisa! Eu vim trazer mais comida para você. 
— Que bom, eu estava mesmo morrendo de fome. Sabe...
— O quê?
— Eu estava olhando para o céu e vi umas coisas estranhas. 
— As pinturas? – ele sentou em uma cadeira meio velha perto da janela.
— Isso! – ela respondeu, aliviada – Achei que estava ficando louca, o que é aquilo?
— É o que o Hades chamou de Lost Canvas. Você ainda não tinha visto? Isso já tem alguns dias.
— Não – ela respondeu e percebeu, mortificada, que recentemente não conseguira fazer uma coisa tão simples quanto olhar para o céu com atenção.
— Bom, as figuras também aumentaram de quantidade, talvez por isso você tenha visto agora. Hades está fazendo essa pintura e, assim que terminar, toda a vida na Terra vai acabar.
— O quê?! – o alívio desapareceu na mesma hora – Ele pode fazer isso?
— Na verdade sim – ele anuiu. – Ele é o deus do submundo.
— Isso é terrível – ela estremeceu.
— Mas vamos conseguir vencer essa guerra antes disso, tenho certeza – ele respondeu, confiante.
— É verdade! –concordou ela, querendo mesmo acreditar naquilo.
— Eu soube que você andou ajudando a cuidar dos feridos. – ele mudou de assunto.
— Sim. Eu não quis ficar aqui sem fazer nada para ajudar.
— Isso é muito bom mesmo.
— Eu queria ter notícias dos meus acompanhantes, o Andrew e o Thorgan. Fico pensando se eles sobreviveram.
— Eu posso tentar descobrir. – ele sorriu – Desde que você não resolva sair atrás deles para descobrir.
— Não vou, pode deixar.

Elisa sentiu um impulso de dizer que encontrara com Kagaho, mas se deteve. Da outra vez, Regulus dissera a ela para ter cuidado com o espectro. Talvez ele ficasse aborrecido se ela dissesse que saíra a sua procura, afinal, ele era um inimigo.

— Estou preocupado com Sísifo – ele agora olhava para fora pela janela.

— Sísifo é aquele de quem Aldebaran falou? Que é o seu mestre?

— Na verdade ele não é só meu mestre – Regulus voltou aqueles olhos brilhantes e incomuns para ela com intensidade. – Ele também é meu tio.

— É sério? – ela sorriu e então o fitou com preocupação – O que aconteceu com ele?

— Ele recebeu um ataque direto de Hades e desde então não acordou mais. Disseram que ele foi ferido na alma também.

— Minha nossa!

— E se ele não acordar?

— Não se preocupe, tenho certeza que ele vai conseguir – ela tentou animá-lo. - Se ele treinou você, então ele deve ser muito forte. Além disso, eu por acaso estava conversando hoje mesmo com o Cavaleiro de Câncer e ele disse...

— Você conversou com Manigold? – ele a interrompeu, um indício de sorriso voltando a surgir.

— Sim – ela sentiu o rosto queimar e pensou que não poderia dizer as circunstâncias do seu encontro com ele – Eu encontrei com ele enquanto estava dando uma volta por aí.

— E o que ele disse?

— Que Sísifo é um dos cavaleiros mais leais a Atena, tenho certeza que ele vai conseguir voltar para lutar ao lado de vocês nessa guerra.

— Tem razão – ele se levantou, mais animado. – Vou ver se precisam de mim. Se tiver alguma notícia dos seus amigos eu venho te falar, está bem?

— Sim – ela meneou a cabeça e o acompanhou até a porta.

— Até mais. E obrigado, Elisa.

Ver o sorriso radiante de Regulus fez com que ela se afeiçoasse ainda mais ao garoto, era como se a vida tivesse dado a ela um irmão mais novo de presente.

Depois de comer um pedaço de pão e mais algumas maçãs, ela saiu para a construção onde ficavam os feridos. Agora que reparara finalmente, perguntou a sim mesma como não vira antes aquele estranho quadro celeste.
—--------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

— Você é a mulher que foi resgatada pelo menino Regulus, não é?

Elisa olhou espantada para a mulher que falara, enquanto ambas trocavam as ataduras de um dos soldados machucados. Aquela era a primeira vez que alguém ali puxava assunto com ela.

— Sim – assentiu ela. – Ele me salvou de um espectro na floresta.

— Ele é mesmo um ótimo garoto – a mulher continuou, simpática.

— É verdade – Elisa concordou. – Ele é um ótimo cavaleiro também, mesmo sendo tão novo.

— Mas fico imaginando por que ele a trouxe para cá – um homem, que também ajudava a cuidar dos feridos, olhou para ela com desconfiança. – Afinal, você nem é daqui. Poderia muito bem tê-la deixado em Rodorio.

— Os motivos de Regulus eu não sei – o médico, chamado Konstantinos, se manifestou, aproximando-se. – Mas um terceiro par de mãos para me ajudar é muito bem vindo.

Aquilo encerrou o assunto e Elisa voltou com prazer a atenção para as tarefas. Seus conhecimentos de ervas medicinais, que aprendera com o pai, se mostraram muito úteis e ela se afastou dos outros para preparar mais alguns cataplasmas e infusões. 

— Não ligue para o Petros - a mulher voltou a se aproximar na hora em que pararam para comer.

— Está tudo bem, Melina, não precisa se preocupar comigo, eu sou mesmo uma estranha - Elisa respondeu com certa frieza.

— Se o Cavaleiro de Leão te trouxe para o Santuário, eu confio na decisão dele. Além disso, você veio aqui nos ajudar.

— Obrigada - Elisa relaxou.

— Estão todos muito nervosos com essa guerra.

— Eu entendo. É uma situação muito difícil, tantas pessoas morrendo.

— Hades foi capaz de invadir o próprio Santuário, estão todos bastante assustados.

— Eu sei... Eu nunca vi uma guerra tão de perto antes. Muito menos uma entre deuses.

— É verdade. – a mulher a fitou com simpatia enquanto colocava o prato já vazio de lado – Eu mesma, que nasci aqui, acho tudo bem assustador, imagino que para você deve ser ainda pior. Meu noivo é um dos soldados do Santuário e eu rezo dia e noite para que ele sobreviva.

— Seu noivo? – Elisa segurou a mão da outra e a observou com atenção. Melina devia ser mais jovem do que ela e mesmo assim parecia suportar aquilo tudo tão bem.

— Mas eu sempre soube que isso poderia acontecer, desde que nos conhecemos. Ele luta por Atena e por todas as pessoas da Terra, eu sei que ele é corajoso e daria a própria vida. Por isso eu tento dar o meu melhor aqui, ajudando no que posso – Melina se levantou e levou o prato para lavar na pequena tina no canto da cozinha e Elisa fez o mesmo.

— Você é muito corajosa – Elisa sorriu – E tenho certeza que seu noivo voltará e vocês farão um lindo casamento.

— É o que eu mais quero. 

Ao pôr do sol, Elisa voltou para casa e pensou que aquilo se tornava uma rotina, o que era ótimo, fazia com que ela sentisse que tinha algum propósito ali. Depois de comer alguma coisa, decidiu escrever mais um pouco de seus estudos. Muitas coisas de sua pesquisa ainda estavam em sua mente e pelo menos ela podia se distrair tentando passar tudo para o papel.Quando já era por volta de nove horas, seus olhos já pesavam o bastante para lembra-lhe da noite mal dormida e do dia cheio de trabalho e, no momento em que deitou na cama, o sono a venceu.

O dia seguinte repetiu praticamente os mesmos acontecimentos, com a diferença de que Regulus não aparecera pela manhã, mas pedira a alguém para levar seu desjejum. Melina a saudou com entusiasmo quando chegou, Petros porém, continuou a encará-la com desconfiança. O médico, que tinha trabalho em demasia, apenas a saudou rapidamente e lhe pediu para preparar mais alguns remédios.

Melina, dessa vez, havia perguntado a Elisa se ela conseguira conhecer Atena e, diante da negativa da jovem, contou como Sasha era gentil e boa para todos, e como Elisa adoraria conhecê-la. Aquilo aguçou a curiosidade da pesquisadora, como seria conhecer uma deusa? Quando ela sequer imaginou que poderia vir a conhecer uma?

Naquela noite, ela voltou a se dedicar com afinco ao rascunho de sua pesquisa. Após algumas horas de uma satisfatória produtividade, um pensamento traiçoeiro e insistente se esgueirou lentamente para dentro de sua cabeça. Como estaria ele naquele momento? Ainda estaria por perto? Ela agradecera e ele já dissera que estavam em lados diferentes. Manigold perguntara a ela se esperava conseguir fazê-lo mudar de lado. Ela respondera que não, contudo, um fiapo de esperança teimava em dizer que não deveria desistir.

Elisa suspirou pesadamente. Sua mente estava agora bem longe das salamandras. Na verdade, o que sentia naquele instante era uma vontade crescente de ir atrás de Kagaho outra vez. O que era uma coisa estúpida e irresponsável, afinal, ele era o inimigo e ela estava agora sob a proteção do Santuário. Tudo que deveria fazer era focar naquilo que era importante, para o caso de ter a sorte de sair dali com vida um dia, seus estudos.

Por isso, foi com muita recriminação a si mesma que Elisa se viu saindo de casa sob a luz da lua e andando rapidamente para a floresta, tentando ao máximo não chamar atenção. Pelos céus, o que ela tinha na cabeça afinal?

No entanto, assim que chegou na beira da mata, seu coração disparou e suas incertezas se dissiparam, substituídas por uma súbita onda de confiança. Dessa vez, conforme caminhava por entre os teixos, carvalhos e oliveiras, as sombras das árvores não a assustavam mais. Toda aquela determinação funcionou como um sinalizador para o espectro, que a encontrou sem que ela precisasse chamá-lo.

— O que está fazendo aqui? –ele perguntou, nada satisfeito.

— Eu queria ver você outra vez. – ela respondeu alegremente.

Um brilho de perplexidade passou pelos olhos dele, sendo logo substituídos por uma frieza mortal.

— Pensei que havíamos chegado à conclusão de que estamos em lados opostos.

— Na verdade eu... – ela começou a falar, mas se deteve ao ver a expressão dele tornar-se cada vez mais sombria.

O espectro se aproximou e a ergueu pela gola da túnica sem nenhuma delicadeza.

— Eu deveria acabar com você agora mesmo. Nós somos inimigos. Você não significa nada para mim, então por quê? – ele agora parecia falar consigo mesmo – Por que não consigo fazer isso?

— Porque você não é um monstro, Kagaho – ela respondeu corajosamente.

— Você não sabe nada sobre mim! – o espectro retrucou com aspereza.

— Mas eu sei que...

— O que você sabe? – ele perguntou com arrogância ao mesmo tempo em que a soltava.

— Que você tem compaixão.

— Só porque eu ajudei você a sair daqueles escombros?

— Exatamente! – ela respondeu, triunfante.

— Isso não quer dizer que eu pretendia ser seu amigo. – ele falou como se aquilo fosse óbvio.

— Você não sabe? “Há uma simpatia quase inevitável entre os bons entre si, que é o princípio da amizade instaurado pela natureza.” – ela recitou.

— O quê? – ele franziu o cenho, confuso.

— Uma citação do pensador romano Cícero – ela sorriu, travessa. – Como você foi bom comigo, foi você que semeou o começo da nossa amizade.

— Ah, pelos céus – ele jogou as mãos para o alto e sentou no tronco de uma árvore caída. – Eu desisto. Você é sempre assim tão insistente?

— Algumas vezes – trinou ela.

— Deve ser por isso que você conseguiu entrar no Santuário, mesmo não sendo nem daqui. 

— Na verdade eu consegui graças a você, também.

— A mim? – ele a olhou como se ela tivesse dito que era o sol que cantava quando o galo nascia no horizonte.

— Sim, eles ficaram muito interessados quando eu disse que era sua amiga.

— Mas eu já falei que... – ele meneou a cabeça – Esquece, eu desisto. Você disse para eles que nós somos amigos?

— Sim e me deixaram entrar mesmo assim. 

— Eu acho que não duvido mais nada de você. – ele franziu o cenho mas, dessa vez, não parecia irritado.

— Na verdade o Cavaleiro de Touro disse até que você não era assim tão ruim – em resposta, Kagaho apenas bufou. - Bem, eu queria te perguntar uma coisa.

— O quê? – ele a fitou com desconfiança.

— Por que você não ataca o Santuário, mesmo estando tão próximo?

— Porque fazer isso agora não é interessante para mim.

— Por quê?

— Quer mesmo que eu responda?

— Já sei... – ela levantou os ombros -“Isso não é da sua conta”.

— Até que você é esperta – ele lançou um olhar esnobe. – Se bem que eu gostaria de prestar umas contas com aquele Dohko de Libra.

— Dohko...– ela tentou se lembrar de onde ouvira aquele nome e a imagem do homem sem camisa carregando a pilastra veio a sua mente. – O que ele fez para você ter tanta raiva dele?

— Aquele idiota ousou ferir o imperador Hades – logo o cosmo de Kagaho começou a arder. – Mas a minha hora vai chegar e eu vou ter o prazer de queimá-lo até virar cinzas.

Ele terminou de falar e, estranhando o silêncio de Elisa, que não parara de falar desde que chegara, notou que ela se afastara dele, evitando as chamas que rodopiavam a sua volta devido a sua ira.

— Foi por isso que eu disse que não podemos ser amigos. – ele se levantou.

— Espera.

— É melhor você voltar logo para o Santuário. Eu nem sei por que fiquei perdendo meu tempo aqui.

— Espera um pouco...

— Vai embora – ele a fitou com desdém. – Seus amigos cavaleiros sabem que você está aqui comigo? 

— Não exatamente – ela se remexeu, desconfortável.

— Eu imaginei – ele cruzou os braços. – Você mesma sabe que não deveria estar aqui.

Elisa olhou bem para ele e, dessa vez, foi ela quem sentiu uma pontada de irritação. Ele a tratava como se fosse uma garota imatura. De fato, a decisão de ir ali talvez não fosse mesmo a coisa mais sensata que já fizera na vida, mas isso não dava a ele o direito de ficar ali olhando para ela com aquele ar de superioridade.

— Se você quiser continuar aqui é problema seu, eu não quero correr o risco de estragar meus planos por ficar aqui de papo – ele começou a se afastar. - Se resolverem prender você por andar à noite pela floresta às escondidas, não conte comigo para te ajudar.

— Eles não fariam isso – ela franziu o cenho.

— Eu não teria tanta certeza. Eles não são assim tão bonzinhos como você acha, esse lugar tem regras bem rígidas, eu se fosse você procuraria me informar melhor.

— Ah, está bem, eu vou embora.

Com um suspiro de contrariedade, ela se virou e sentiu uma rajada de vento em suas costas quando ele se afastou.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Chamas Negras" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.