Chamas Negras escrita por Benuzinha


Capítulo 4
Em lados opostos




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— Acordou finalmente?

Elisa olhou para o jovem que a encarava com tranqüilidade. Era o mesmo que a salvara e parecia menos intimidador agora que estava sem o elmo dourado.

— Você parece bem. Você dormiu enquanto eu te trazia para cá.

— Estou me sentindo bem melhor, obrigada. Que lugar é esse?

— Estamos no Santuário. Essa é a minha casa.

— O Santuário...

— Você parece uma garota comum e que nem é daqui, como veio parar nessa confusão toda?

Pacientemente, Regulus ouviu Elisa contar toda a história, desde quando chegara na vila atrás das salamandras até o dia em que a encontrara aquele espectro na floresta.

— Bom, a situação é bastante delicada. No momento, pedirei que fique no Santuário, você ficará segura aqui. Depois que a guerra acabar, pedirei a você que venha comigo conversar com o mestre.

— Tudo bem. – ela assentiu.

— Ah, e tome cuidado com esse Kagaho. Não esqueça que ele é um espectro, não confie demais nele.

— Eu... vou tomar. – ele parecia tão jovem, pensou ela. E já agia como um adulto no meio daquela guerra.

— Bom, já passei o meu sermão. Você deve estar com fome, não é? Vou trazer algo para você comer. – ele disse enquanto se encaminhava para a cozinha – Depois o Hasgard... ou melhor, o Aldebaran quer falar com você.

— Comigo? - ela quase se levantou da cama para ir atrás dele, mas sentiu uma tontura e resolveu ficar ali mesmo – Ele é o cavaleiro que lutou contra o Kagaho, não é?

— É, mas não precisa ficar com medo. – ele colocou a cabeça na porta – O Has... Aldebaran não vai fazer nenhum interrogatório, pode ficar tranqüila.

— Não vou mesmo. – a voz profunda do Touro ecoou, fazendo-a sobressaltar-se.

— Aldebaran! – Regulus saudou o companheiro.

— Resolvi dar uma passada para ver como ela estava.

— Deu sorte, ela acabou de acordar.

— Ótimo! – ele a fitou com interesse.Ela olhou para o enorme cavaleiro com um temor que foi muito difícil disfarçar.

— Ah... eu... – ela hesitou, olhando de um para o outro – Muito prazer.

— O prazer é todo meu, mocinha. – ele abriu um largo sorriso, que contrastava com a feia cicatriz em seu olho direito – Qual o seu nome?

— Elisa.

— Eu sou Aldebaran, como já deve ser percebido. Bom... Pelo que o Regulus me falou, você tem uma ligação importante com o espectro de Benu.

— É...

— Não precisa ter medo de me dizer. – ele a encorajou.

— Eu acho que tenho sim... alguma ligação.

— Então quer dizer que aquele espectro mal-educado arrumou uma amiga?

— Sim. – ela achou curioso aquele cavaleiro enorme se referir a um inimigo mortal como "mal-educado".

— Hahaha! – ele explodiu numa sonora risada – Eu sabia! Sabia que ele não é como os outros espectros!

— Você... acha mesmo isso? – ela agora estava boquiaberta.

— Sim, desde a primeira vez que o vi. A verdade é que eu acabei até gostando daquele garoto.

— Então... – uma suspeita acabara de se formar em sua mente – Foi por isso que você poupou a vida dele?

— Como sabe disso? – o olhar de Aldebaran tornou-se penetrante – Imagino que ele não tenha te contado.

— Não mesmo. – ela conseguiu sorrir, finalmente relaxando um pouco – Mas é que ele voltou tão machucado. – seu semblante voltou a se fechar – Como se tivesse ficado mesmo muito próximo da morte.

— Você é perspicaz. – aprovou ele – Eu não o matei porque sinto que ele tem potencial. Tenho certeza que no fim conseguiremos salvá-lo.

— Eu também acho! – ela o encarou fervorosamente.

— Pois bem. Agora, porque não me conta sobre como se conheceram?

Elisa não se importou de contar novamente toda a história para o Cavaleiro de Touro, que a escutava com profundo interesse.

— E foi assim que o Regulus me trouxe para cá. – disse a jovem, após terminar toda a narrativa.

— Muito bem, Regulus. – Aldebaran o cumprimentou com um tapinha nas costas – Sísifo realmente acertou quando o tornou seu pupilo.

— Não foi nada. – o garoto deu um sorriso jovial, enquanto trazia a comida que preparara para ela – Aqui está Elisa.

— Obrigada.

— Eu vou indo. – Aldebaran disse por fim – Tenho muito que fazer ainda, vou deixá-la em suas mãos, Regulus.

— Pode deixar que ela estará segura comigo.

Ouvir aquele diálogo a deixou mais tranquila. Ele sentiu que ficaria segura ali, finalmente poderia relaxar e descansar um pouco, sem temer esbarrar em um espectro a qualquer momento. Ali era o reduto de Atena, afinal. E se Aldebaran pudera deixar Kagaho naquele estado... bem, então os cavaleiros podiam sim combater os espectros de igual para igual, o que significava que eram bastante poderosos também. Seus pensamentos pessimistas sobre ao rumos daquela guerra santa começaram a ceder espaço para uma luminosa esperança. 

— Depois que as coisas se acalmarem um pouco eu a levarei até o Grande Mestre. Agora ele está bastante ocupado organizando a frente de batalha contra Hades.

— Eu espero não estar atrapalhando você. – ela olhou para o cavaleiro com preocupação.

— Não, está tudo bem. Se for o caso eu a coloco presa em alguma masmorra até ter tempo para lidar com você de novo.

Ao ouvir aquilo, Elisa parou o garfo a meio caminho da boca, chocada.

— Era brincadeira! – Regulus riu com gosto – Coma tranqüila, está bem? Eu vou sair um pouco para ajudar na reconstrução do que o Hades destruiu dois dias atrás. Ficou a maior bagunça.

— Regulus... Muito obrigada por ter me salvado. Eu ainda não te agradeci apropriadamente. – ela se levantou e segurou as mãos do cavaleiro – Eu lhe devo minha vida.

— Não diga isso, eu fiz apenas o meu dever que é proteger as pessoas. – ele apertou as mãos dela de volta e então se afastou – Se precisar de alguma coisa é só me chamar.

Quando terminou de comer, Elisa foi até a janela da casa de Regulus e olhou para fora, pensando se deveria dar uma volta quando percebeu que estava no meio de uma montanha! Como ela poderia chamá-lo, se era praticamente impossível sair dali? Olhando com atenção, ela conseguiu ver que havia outras casas como aquela, doze no total. A voz de Juliet veio subitamente à sua cabeça. "Ele é um dos mais poderosos, a elite dos cavaleiros". Será que o Albafica morava em alguma delas?

Sem muito o que fazer, Karla ficou apenas olhando para a floresta mais adiante, pensando no que faria dali pra frente. Sobreviveria àquela guerra? Conseguiria voltar para casa? Com uma súbita inspiração, ela olhou em volta e logo encontrou em uma mesa, tinta, papel e pena. Escreveria tudo que pudesse lembrar da pesquisa que conseguira realizar até ali e, se conseguisse sobreviver àquilo tudo, levaria adiante sem medo. A vida era muito curta e frágil e ela devia aproveitá-la ao máximo para realizar seus sonhos.

Quando Regulus voltou, já de noite, a encontrou dormindo na mesa, ainda segurando a pena com a mão direita. Aquilo o tranqüilizou de que ela realmente era quem dizia ser. Na manhã seguinte, Elisa acordou na cama dele e sorriu ao vê-lo dormindo na cadeira. Assim que se levantou, ele acordou imediatamente.

— Bom dia. – disse ele, ainda sonolento.

— Bom dia. Estou me sentindo culpada por fazê-lo dormir na cadeira.

— Já dormi em locais piores. – ele deu de ombros – Vamos comer alguma coisa, estou cheio de fome e há muitas coisas para fazer no Santuário. Aliás, consegui uma casa lá embaixo para você.

— Que bom! Eu confesso que fiquei assustada quando olhei pela janela e vi que estamos no meio de uma montanha.

— É que na verdade essa minha casa também é parte importante na estratégia de defesa do Santuário. Qualquer um que quiser chegar até Atena precisa passar por mim e mais onze dos mais fortes cavaleiros do Santuário, os Cavaleiros de Ouro.

— Os Cavaleiros de Ouro... – Elisa repetiu – Você diz os mais fortes... Por acaso um de vocês se chama Albafica? – ela se sentiu meio boba por perguntar.

— Sim... Ele era muito poderoso.

— Era? Isso quer dizer que ele... – ela não conseguiu continuar.

— Albafica se sacrificou para matar um dos três espectros mais fortes do exército de Hades. – a voz de Regulus era triste – Mas por que perguntou por ele? Você o conheceu?

— Rapidamente apenas, quando estava ainda na vila de Gaius. A filha do dono da hospedaria me falou muito bem dele, é uma pena que... - ela novamente não terminou a frase.

— É mesmo. Mas é uma guerra, não é? – ele fitou a parede – Talvez eu seja o próximo, não há como saber... Mas chega desse papo tão triste. Vamos comer e eu vou te levar para a casa onde poderá ficar nos próximos dias. Ela está vazia agora, mas é bem confortável.

Depois que Regulus a deixou em sua nova casa temporária, Elisa decidiu que não conseguiria ficar parada e começou a andar a esmo pelo Santuário. Por todo o lado ela via pessoas andando para lá e para cá, ocupadas em reconstruir o lugar. Quando passou próximo a dois cavaleiros que carregavam juntos enormes pilastras nas costas, ela decidiu que não aguentaria ficar apenas esperando.

—· Com licença! - ela se aproximou.

— Sim? -  o mais alto deles, que estava sem camisa, a olhou com curiosidade, sem parar de andar - Quem é você?

— Eu vim do vilarejo de Gaius... Fui atacada por um espectro na floresta e Regulus me salvou.

— Espera... o quê? Ah, claro... Eu fiquei sabendo. - havia agora um brilho de interesse em seu olhar e ele parou de andar - Você é a menina que conhece o espectro de Benu.

— Sou Elisa. - ela agora já não se sentia tão intimidada ao lidar com os cavaleiros. - O Kagaho me ajudou quando eu estava perdida na floresta. - E sentiu que ele tinha uma vontade grande de continuar fazendo perguntas, mas se conteve.

— Interessante. Eu sou Dohko. E o que posso fazer por você? - perguntou ele por fim.

— Eu gostaria de ajudar. - ela o encarou com firmeza.

· Bem... - ele olhou para o outro e depositou a pilastra no chão - Carregue isso para mim até aquele ponto ali.

— Eu... Ah... - ela hesitou e se aproximou do pesado objeto.

— Espere! - ele ergueu novamente a pilastra, antes que ela a tocasse - Era só uma brincadeira! Sabe cuidar de feridos? Há bastantes deles precisando de cuidados. 

— Sim! - ela anuiu, feliz - Meu pai é médico e botânico, ele me ensinou muitas coisas.

— Ótimo! Venha conosco, eu vou lhe mostrar onde estão os feridos.

Enquanto caminhava com eles, Elisa notou que o outro rapaz mantivera-se calado o tempo todo, com uma expressão melancólica. Já o outro, que falara com ela, parecia menos impactado pelos efeitos da guerra. Olhando com atenção, pôde notar que a parte de baixo de suas vestes eram uma armadura... uma armadura de ouro! Seria ele um dos cavaleiros da elite sobre os quais Regulus lhe falara? Talvez fosse por isso que ele tivesse toda aquela aura de imponência e altivez.

— É aqui. - disse ele por fim, apontando para uma casa onde havia algumas pessoas entrando e saindo apressadas.

— Obrigada.   

Ela observou os dois continuarem se andando até serem interceptados por outro rapaz. Após um longo suspiro, a jovem juntou coragem e se aproximou da casa. Por sorte, o médico que estava trabalhando lá dentro ficou muito feliz por ter mais um par de mãos para ajudar e logo a deixou entrar.

O dia passou muito rápido lá dentro e, tirando uma breve parada para o almoço, Elisa quase não teve tempo para sair. Quando o sol começou a se por, o médico a liberou para que pudesse descansar e, apesar de protestar de início, Elisa acabou aceitando. Seu corpo ainda sentia um pouco os efeitos dos golpes do espectro. 

No caminho de volta para casa, Elisa viu que alguns soldados treinavam. Um deles chamou sua atenção e ela o reconheceu como sendo o rapaz triste que conhecera mais cedo. Ele parecia melhor agora, enquanto treinava com seus companheiros. Alguns morcegos passaram voando muito próximos, assustando-a.

— Mas  que susto! - ela resmungou baixinho - Ainda não é nem de noite e vocês já saíram?

Quando voltou a atenção para a luta, um sorriso surgiu em seu rosto. Aldebaran estava lá! Quando já começava a se aproximar, um sono muito pesado se abateu sobre ela. Sem que pudesse evitar, a jovem caiu pesadamente no chão.

Algum tempo mais tarde, Elisa acordou, confusa e com a mente ainda enevoada. Não havia mais nenhum morcego voando agora e ela olhou para onde estavam os soldados mais cedo. Foi então que ela teve que conter um grito em sua garganta. Kagaho estava lá! Ele falava alguma coisa com o garoto-triste. Ao olhar melhor para a cena, quando outra coisa chamou sua atenção, Aldebaran estava caído no chão. Imediatamente seu rosto se voltou para a direção de Kagaho e, mesmo tentando convencer a si mesma que não fora ele o responsável por aquilo, era assustador vê-lo ali, parecendo verdadeiramente o espectro que era.

  - Foi você que matou Aldebaran! - ela ouviu o menino gritar.

Kagaho, que falava mais baixo, parecia negar aquilo. Havia outros espectros mortos no chão, provavelmente Aldebaran perecera lutando com eles. Mas o que o então ele fazia ali? Esforçando-se para compreender, ela o ouviu dizer algo que dava a entender que os espectros estavam atrás daquele garoto e que outros poderiam vir em seu encalço. 

Após se afastar de Tenma, o espectro de Benu virou de costas e voou para fora do Santuário. Abatida, Elisa olhou na direção de Aldebaran. Havia outras pessoas com ele agora e elas choravam sua morte. De repente, ela se sentiu uma intrusa ali. Cabisbaixa, começou a voltar na direção da casa onde Regulus a deixara. Aquela guerra era mesmo terrível, Aldebaran parecia ser um homem tão bom, mas isso não o impedira de morrer.

Ao chegar na casa, Elisa viu que havia comida e um bilhete deixado por Regulus. Ele também era um ótimo garoto. Mas também lutaria... Lutaria e talvez não sobrevivesse. Como ela queria poder protegê-lo daquilo tudo. No entanto, mal podia proteger a si mesma.

A noite passou lentamente e ela quase não conseguiu dormir. De manhã bem cedo, desistindo de tentar pregar os olhos mais uma vez, ela se levantou e caminhou até a porta, uma ideia surgiu em sua mente, uma ideia insensata, mas a verdade é que era difícil pensar com clareza após uma noite em claro e um evento trágico como o que vira na noite anterior. Suas pernas pareceram levá-la por conta própria para fora da casa, para fora dos limites do Santuário. Das poucas pessoas que já haviam acordado, ninguém parecia reparar nela, todos ocupados  demais decidindo quais rumos tomar naquela sangrenta guerra santa.

Quando chegou no limite entre a floresta e o Santuário, ela parou, respirou fundo e, sem pensar mais, correu para o interior da mata. O local ainda estava frio devido ao ar da noite, mesmo com o sol já brilhando e num impulso, Elisa gritou o nome dele. O silêncio sepulcral foi sua única resposta e, após dar mais alguns passos vacilantes para dentro da mata, a garota hesitou, preocupada. Quando já estava prestes a voltar, um barulho atrás de si a fez sentir o estômago gelado.

— Você? – Kagaho a fitava com indisfarsável espanto – O que está fazendo aqui?

— Eu te vi ontem... - agora que estava novamente cara a cara com ele, ela não sabia bem como agir. 

— Ontem? No Santuário? Então conseguiu entrar lá, finalmente.

— Sim, graças ao Regulus... O Cavaleiro de Leão. – ela reuniu coragem para continuar – Eu vim aqui para te agradecer. Obrigada por tudo que fez por mim, Kagaho, eu não teria conseguido sozinha.

— Eu não fiz nada. – ele respondeu na mesma hora – Você conseguiu sobreviver por seus próprios méritos.

— Mesmo assim. Você foi uma boa companhia quando eu estava sozinha na floresta.

— Entendo. - ele a olhava com certa frieza – Foi só por isso que me chamou? Ou tem alguma coisa importante para me dizer?

— Não. – ela segurou a mão dele entre as suas e ele, pego de surpresa com o gesto, não esboçou reação – Kagaho... Não lute contra Athena... Eu sei que você não é mau.

— Você não sabe nada de mim. – uma centelha de irritação brilhou nos olhos do espectro.

— Mas você não é como os outros, eu sei que você quer defender Hades por algum motivo, mas...

— Para de me tratar como um maldito cavaleiro! – vociferou ele, fazendo com que ela o soltasse e recuasse – Eu já disse para você que não me importo em ser bom ou mau. A única coisa que me interessa é o imperador. Se ele me mandasse matar você, eu o faria na mesma hora, entendeu?

Elisa manteve-se imóvel, apenas observando. O cosmo dele agora ardia e até mesmo ela podia sentir a aura de violência. Entretanto, não era realmente dirigida para ela.

— Não me olha com essa cara. – a irritação dele só aumentava, a despeito da expressão de doce paciência estampada no rosto de Elisa - O Cavaleiro de Touro fazia a mesma coisa e, veja só, ele está morto.

— Mas não foi você que o matou. – ela meneou a cabeça.

— E de que isso importa? Eu não apareci para salvá-lo, não é? Nós somos inimigos, estamos de lados diferentes.

— E por que estava falando com aquele cavaleiro? Por que estava avisando a ele do perigo?

— Isso não é da sua conta. – ele já estava controlado novamente, a expressão gélida - Se quer saber, eu poderia muito bem ter feito isso só para desestabilizar o Pégaso.

— Não seria do seu feitio fazer isso. – teimou ela.

Ele a encarou com exasperação. Aquela garota podia ser tão cabeça-dura quanto o Cavaleiro de Touro!

— Eu só vim aqui para pagar minha dívida com o Touro. Agora estamos quites, portanto não tenho mais nada a fazer nesse lugar.

Aquela declaração a pegou de surpresa. Naquele momento, nenhum dos dois percebeu que uma terceira pessoa acabara de chegar, acompanhando aquela interessante discussão entre um espectro que falava em honrar uma dívida com um cavaleiro e uma garota que não era do Santuário.

— E o que vai fazer agora?

— Vou fazer o que tenho que fazer e que por acaso não é da sua conta, Elisa.

Ela não respondeu, simplesmente porque sabia que ele estava certo, afinal, eles sequer poderiam ser chamados de amigos.

— Acho que estamos mesmo em lados opostos. – disse por fim.

— É bom que tenha entendido finalmente.

— Mas isso não quer dizer que concordo. – retrucou ela.

— Infelizmente nem tudo na vida é do jeito que a gente gostaria que fosse.

Ele por fim virou de costas e se afastou, desaparecendo no céu estrelado enquanto ela cruzava os braços, sentindo a queda na temperatura agora que ele saíra.

— Acho que você é mesmo uma garota estranha.

A voz masculina, vinda de algum lugar atrás dela, fez Elisa dar um salto para trás, dando de cara com um cavaleiro de ouro que ela não conhecia.

— Então você é mesmo amiguinha desse espectro? – ele inclinou a cabeça para um lado – Não precisa me olhar com essa cara de pânico, eu não estou desconfiando de você. Eu estava aqui por acaso, fazendo uma ronda e um soldado da minha tropa veio me dizer que tinha acabado de ver alguém se esgueirando para fora do Santuário. Eu achei que o cabeça dura do Pégaso tinha conseguido fugir da cela que eu coloquei ele mais cedo e vim e acabei vendo vocês. – e apontou com o queixo na direção onde Kagaho estivera.

— Eu... – ela não conseguia pensar em nada para dizer.

— Você ainda não me conhece, não é? Sou Manigold, o Cavaleiro de Ouro de Câncer. Mas eu ouvi falar de você, a garota amiguinha do espectro chamado Kagaho. Infelizmente, eu peguei só o finzinho dessa conversa tão interessante de vocês. – ele deu de ombros – Pelo que eu reparei, você gosta bastante dele.

— Ele me ajudou. – ela respondeu quase que automaticamente - Eu teria morrido se não fosse por ele.

— Ah, é mesmo? – ele parecia genuinamente interessado – Essa é uma coisa que eu não imaginava, mas Aldebaran tinha algum interesse por ele, até que isso faz sentido.– ele a observou por um instante antes de continuar - Creio que seja difícil levar essa relação para frente, já que ele está do lado de Hades, que deseja acabar com a humanidade, essas coisas. – ele ergueu as mãos.

— Eu sei, mas... o Kagaho... – ela o encarou com firmeza – O Kagaho não é mau, eu sei que não.

— E acha que pode fazê-lo mudar de lado? - Manigold ergueu as sobrancelhas.

— Não. – ela suspirou – Mas...

De repente, como se alguma coisa se soltasse dentro dela, Elisa sentiu os olhos se encherem de lágrimas.

— Eu não quero que ele morra. – murmurou por fim.

— Ai não... – ele arregalou os olhos e se aproximou, sem jeito – Não fica assim, eu não quis fazer você chorar.

— Não é culpa sua, é que... É que eu sei que estamos em lados diferentes e... que deveríamos ser inimigos, mas... – ela o abraçou com força – Eu não queria que fosse assim, eu não quero que ele lute com vocês...

— Calma... – ele deu tapinhas na jovem, um pouco sem jeito, tentando confortá-la.

— Porque eu não posso torcer por ele... Não quero que ele e Hades vençam mas... também não quero que ele morra.

— Eu entendo. – murmurou ele.

— Vocês não tem medo de morrer? – ela perguntou, os olhos pareciam muito grandes em seu rosto.

— Na verdade eu não tenho. – ele respondeu com indiferença – E imagino que meus companheiros também não. Para dizer a verdade – um sorriso enviesado surgiu em seu rosto – eu provavelmente não vou sobreviver a essa guerra.

— Por quê? – os olhos dela ficaram ainda maiores.

— Normalmente quase todo mundo morre na guerra santa. – ele não parecia nem remotamente preocupado – Meu mestre Sage esteve presente na última há 200 anos e, dos cavaleiros de ouro, foi o único sobrevivente.

— Meu Deus... – ela levou uma das mãos à boca.

— Está tudo bem. É o destino dos cavaleiros, nossa missão na Terra é lutar por Atena.

— Atena deve ser uma ótima deusa.

— Por quê? – ele agora parecia surpreso e curioso com a afirmação dela.

— Por ter cavaleiros tão bons e tão dedicados a ela.

— Ora... – ele ficou bastante sem graça – Você até poderia dizer isso do Sísifo ou do Aldebaran, mas eu não...

— Você foi muito gentil comigo, sem nem me conhecer. - ela insistiu.

— Acho que você vai gostar de conhecer Atena. – ele fez um muxoxo - Ela também é assim toda sentimental.

— Vocês são muito corajosos... Entram nessa guerra dispostos a dar a vida...

— É o nosso destino... Mas eu gosto de saber que vim para esse mundo com um propósito. Dizem que algumas vezes a mesma alma acompanha a armadura por diversas gerações. A de Câncer pelo jeito não, porque o mestre Sage está ainda bem vivo. Às vezes eu penso no fato dele ter virado o grande mestre, se o meu destino fosse esse... - ele fez uma careta - por sorte, o mais cotado para isso é o Sísifo. Eu não tem a menor vontade de fazer esse papel. Provavelmente eu estaria bem lá embaixo da lista, junto com o Kardia, aquele alucinado.

Elisa o observou rir, fascinada e percebeu que ele estava mesmo sendo sincero. Não havia ambição ou inveja em sua voz, pelo contrário, parecia haver um certo alívio por saber que tal responsabilidade não cairia sobre ele. Além disso, ele parecia estar dizendo aquilo tudo mais para si  mesmo do que para ela. Principalmente porque ela não fazia ideia de quem eram aquelas pessoas sobre as quais ele estava falando.

— Imagino que seja difícil saber que seu destino é assim tão duro e incerto.

— Na verdade não ligo muito para isso, como eu já disse, não tenho medo de morrer. E, além do mais, Atena é realmente uma ótima deusa. – ele sorriu – Por ela vale a pena.

Ambos ficaram em silêncio por alguns instantes, digerindo aquela estranha conversa.

— Bom, garota, está na hora de voltar. A guerra não para e eu tenho muitos problemas para resolver ainda, como aquele cabeçudo do cavaleiro de Pégaso.

 - Sim, vamos. - ela o acompanhou, pensativa - Ainda tenho pacientes para ajudar a cuidar.

— Você ainda não me disse seu nome, garota.

— Elisa.

— Espero que você seja uma das sobreviventes para contar essa história, Elisa.

 


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