Chamas Negras escrita por Benuzinha


Capítulo 3
Rumo ao Santuário




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Elisa sabia que, andando por dentro da floresta a oeste, poderia chegar até a montanha que diziam ser o Santuário e que, se era mesmo onde viviam os cavaleiros, deveria estar sofrendo com aquela estranha guerra também. Se seguisse para o leste, poderia encontrar um caminho para Atenas e sair de vez daquela confusão.

O caminho pela floresta era difícil, a mata era bem fechada e ela andava tentando fazer o mínimo de barulho possível, para o caso de haver algum espectro por ali também. Uma pesada neblina começou a surgir e aquilo a deixou ainda mais nervosa, era difícil até mesmo respirar. Será que ela pegara o caminho errado?

— O que está fazendo aqui?

A frase, por mais que fosse inofensiva, a fez dar um grito tão alto que o pareceu ecoar pela floresta inteira.

— Por que veio para a floresta se está com tanto medo?

Ainda trêmula pelo susto, Elisa percebeu finalmente que aquele era o espectro que a salvara.

— O que tem nessa floresta agora? – conseguiu perguntar por fim.

— Essa floresta está cheia de espectros, prontos para invadir o Santuário.

— Mas por quê? – perguntou ela, num sussurro – O que está acontecendo aqui?

— Ah, você não sabe? – ele a fitou por um instante – Você não é daqui, é?

— Não. – ela meneou a cabeça – O que são espectros?

— Nós espectros servimos ao imperador Hades.

— Hades? Você diz Hades, deus do submundo?

— Isso mesmo.

— Meu Deus... – ela apenas conseguiu manter os olhos arregalados – E por que esta guerra?

— Porque meu senhor Hades está lutando contra Athena.

— Então o que eles disseram era verdade... – ela estava definitivamente atônita. Toda aquela história de deuses mitológicos era real!

— Se quiser continuar vivendo por mais algum tempo, sugiro que dê meia volta e saia daqui.

— Eu achei que seguindo esse caminho para Atenas...

— Eu não faria isso, meus companheiros não pensariam duas vezes antes de acabar com você. Sua melhor opção é ir para o Santuário. Isso é, se uma simples mortal como você conseguir entrar lá, é claro. – ele deu uma risada cruel.

Em silêncio, Elisa começou a seguir na direção de onde viera e que levaria até o Santuário mas, no último instante, se virou para ele novamente:

— Quem é você? – perguntou.

— Kagaho de Benu. – chamas negras rodearam seu corpo e ele a fitou com superioridade – A estrela celeste da violência.

O espectro ainda saboreou por um instante o choque no semblante dela ao ouvi-lo dizer aquilo. Ele sabia que para uma simples humana que nunca sequer ouvira falar sobre a guerra santa, aquela demonstração causaria aquele efeito e certamente aumentaria o medo que ela sentia dele.

— Então você também destruiu a vila?

— Não. – ele respondeu com simplicidade – Meu dever é apenas proteger o imperador. Eu vivo para mantê-lo em segurança, nada mais me importa. – ele abriu as asas de sua sapuris - Bom, não tenho mais tempo para perder aqui de papo com você.

Após dizer aquilo, Kagaho voou para longe dela. Tentando não se deixar abater, Elisa iniciou o caminho de volta. Ela seguiria pela floresta até o vilarejo de Rodorio, que era o mais próximo do Santuário e de lá pediria mais informações sobre o que fazer. Entretanto, a noite logo cairia e o melhor a fazer seria procurar um local seguro para pernoitar por ali mesmo.

Por sorte, ela sabia exatamente onde ficava um ponto onde poderia se abrigar. Uma gruta que ficava a poucos metros de onde estava agora seria perfeita para se esconder. Apesar de pequena, a pequena caverna era até confortável para seu tamanho e ela se escondeu ali.

Seu primeiro pensamento foi em seu pai, que estava provavelmente despreocupado na Bélgica, lendo talvez a última carta que mandara para ele e decerto nem imaginava a loucura em que se metera. O segundo foi em Andrew, Juliet e seu pai, o dono da hospedaria. Será que haviam sobrevivido? Ainda agora era difícil digerir tudo que acontecera. Uma guerra santa entre dois deuses... aquilo era mesmo real?

No dia seguinte, assim que acordou, Elisa notou que era definitivamente real. Desta forma, o melhor a fazer seria caminhar o mais rapidamente possível e foi o que fez. Segundo seus cálculos, deveria andar durante o dia inteiro para chegar até outra gruta que ficava a meio caminho entre a vila destruída e a montanha que cercava o Santuário. O que ela não esperava era que a temperatura caísse drasticamente.

Durante o dia, o exercício fizera com que ela não sentisse os efeitos da mudança no clima, entretanto, à noite, quando entrou na gruta, a falta de um cobertor ou um manto mais reforçado foi um grande problema. Seu primeiro pensamento foi acender uma fogueira, mas ela logo o descartou. Aquilo poderia chamar a atenção de algum espectro e aquele seria um erro fatal. Não, tudo que podia fazer era se encolher e rezar para aguentar o frio até o nascer do sol.

Logo começou a chover e ela pensou se a situação tinha como piorar. Seus lábios e as pontas de seus dedos das mãos e dos pés estavam roxos por causa da temperatura e seu corpo não parava de tremer. Talvez fosse melhor acender a fogueira e se arriscar do que morrer congelada.

— Se continuar assim vai acabar morrendo. – alguém falou da entrada da gruta.

Elisa arregalou os olhos com o susto antes de finalmente reconhecer o dono daquela voz.

— Kagaho. – o alívio soou evidente em sua voz. Ele estava recostado despretensiosamente na entrada.

— Você não deveria ficar aliviada em me ver. – ele ergueu uma sobrancelha – Porque ainda está aqui?

— Não tenho mais para onde ir, não é?– murmurou ela, ainda encolhida – Estou tentando chegar no Santuário, mas me perdi.

— E porque não acendeu uma fogueira para se aquecer?

— Porque isso chamaria muita atenção. – ela estremeceu ainda mais.

— Até que nisso você foi sensata.

Ele deu de ombros e olhou para o céu distraidamente. Nesse momento, Elisa sentiu um estranho calor, que, por mais incrível que aquilo soasse, parecia emanar dele. Era um pouco pesado demais para ser reconfortante, no entanto, não chegava a ser sufocante e foi o suficiente para afastar o frio intenso. Seu corpo logo relaxou e, com um suspiro de satisfação, ela fechou os olhos. Seu primeiro impulso fora perguntar se era ele quem estava fazendo aquilo, mas, logo ela entendeu que, se o fizesse, ele provavelmente iria embora. Era melhor aceitar aquela estranha gentileza em silêncio e, talvez um dia, se ela sobrevivesse, poderia lhe agradecer.

Na manhã seguinte, ao acordar, Elisa notou que o espectro estava sentado agora mais próximo a ela, recostado na parede de pedra, com o mesmo ar distante da noite anterior, como se estivesse com a mente perdida em pensamentos. Neste momento, com a luz do dia, ela percebeu que ele estava bem machucado, como se tivesse entrado em uma briga realmente feia. Será que ele lutara com algum cavaleiro? Será que o matara?

— Engraçado. – comentou por fim.

— O quê? – ele a olhou com desconfiança.

— Seu sangue... é vermelho.

— Esperava que fosse preto? – ele deu uma risada sarcástica e a fitou demoradamente - O imperador Hades gosta desse tom rubro. É um de seus preferidos.

Aquela resposta lhe deu um arrepio e ela imaginou que fora essa a intenção dele.

— Está muito machucado? – a pergunta saiu de seus lábios quase que por vontade própria.

— Não. – ele a encarou, surpreso pela pergunta – Já estou me recuperando.

— O que aconteceu?

— E por que acha que eu devo te responder? – ele falou com grosseria.

— É verdade, você não precisa. – ela deu de ombros e olhou para a entrada da caverna, iluminada pelos tímidos raios de sol que começavam a despontar por entre a camada de nuvens.

— Estamos em uma guerra. – disse ele por fim – Lutas acontecem o tempo todo. - Ele se ergueu num rompante - Não quero falar sobre isso, agora.

Sem dizer mais nada, ele saiu da caverna, deixando-a sozinha. No entanto, Elisa não pôde evitar sorrir para si mesma. O irritadiço espectro, da maneira dele, não a deixara sem resposta. E, na realidade, ela também não devia ficar muito mais ali parada. Se pretendia mesmo sobreviver, deveria voltara caminhar sem perder mais tempo. Após juntar seus poucos pertences e comer mais um pouco dos suprimentos que trouxera, a jovem reiniciou sua jornada rumo ao Santuário. Se sua memória estivesse certa, deveria continuar andando na direção oeste até chegar no pé de uma enorme montanha. Por sorte, ela sabia que naquele caminho havia outra gruta que serviria muito bem para pernoitar outra vez. Havia caminhado já um bom pedaço quando notou algo estranho. A floresta parecia ter sido palco de uma violenta batalha naquele local, a vegetação estava bastante danificada e algumas árvores menores haviam sido completamente derrubadas. Como não havia nenhum som de luta, ela imaginou que o que quer que fosse já havia terminado e decidiu se aproximar.

A visão a fez estremecer de repulsa. Um corpo jazia ali, coberto de sangue e de ferimentos horríveis. Alguns animais cercavam o cadáver e ela notou que se tratava de uma mulher. Ou pelo menos alguém do sexo feminino, já que ela também tinha traços não humanos. A criatura possuía um belo par de asas prateadas e suas mãos eram adornadas por garras afiadas como de um animal selvagem. Será que também estava do lado de Athena e por isso fora morta por algum espectro? Será que fora Kagaho?

Sendo ou não obra dele aquela carnificina, Elisa sabia que era melhor sair dali o mais rápido possível e, com um último olhar de pesar para aquela pobre criatura, ela se afastou.

Enquanto andava, Elisa repassou o trajeto que faria. Seguiria voltando pelo leste até chegar ao vilarejo destruído, seguiria pela floresta, contornando-o e continuaria em frente, até chegar ao vilarejo de Rodorio, que era o mais próximo do Santuário. De lá, pediria informações aos moradores sobre como chegar lá. Isso se houvesse uma maneira, é claro...

Além disso, talvez ela tivesse alguma notícia do que acontecera com os moradores de Gaius e, claro, Andrew. Thorgan provavelmente ainda demoraria cerca de uma semana para voltar e, até lá, ela não precisaria se preocupar com ele. Talvez, se conseguisse mandar uma mensagem para Atenas, poderia prevenir o amigo sobre o perigo que corria ao voltar e que seria melhor esperar por lá mesmo.

Conforme planejara, Elisa conseguiu chegar em Gaius por volta do meio dia. A cidade continuava completamente deserta e ela preferiu não arriscar de passar por dentro dela e encontrar algum espectro que estivesse esperando aparecer algum desavisado por ali.

Ao passar pelo ponto onde costumava procurar salamandras para seus estudos, a jovem pesquisadora sentiu uma onda de tristeza. Toda sua pesquisa se perdera junto com a hospedaria. Logo em seguida um sorriso sarcástico se abriu em seu rosto, talvez nem sequer saísse dali com vida, portanto, perder suas anotações não faria nenhuma diferença.

Dali ela tinha certeza que poderia chegar em Rodorio antes do fim do dia. Com uma chama de esperança, Elisa avançou pela floresta, sabendo que logo não estaria mais tão sozinha.

Entretanto, conforme caminhava, a jovem pesquisadora teve a impressão que apenas dava voltas, sem realmente sair do lugar. A trilha, que antes ela sabia seguir com tranquilidade, agora tornara-se densa e sombria, como um labirinto.Além disso, caminhar parecia muito mais desgastante, ela sentia como se estivesse se arrastando em areia movediça. Ela imaginou se aquela sensação sufocante era devido à presença de Hades e seus espectros, porque era como se a própria luz do sol fosse menos radiante, como se o mundo fosse acabar...

Sacudindo a cabeça para espantar aqueles sentimentos negativos, Elisa continuou em frente. No entanto, quando mais andava, mais perdida ficava. Um sentimento de desespero se apossou dela quando notou, desconcertada, que o sol já estava se pondo e ela sequer sabia onde estava e muito menos quanto tempo levaria para chegar ao seu destino. Por fim, quando percebeu que não chegaria a lugar nenhum e que estava tão escuro que não havia mais como continuar, ela decidiu parar em qualquer lugar e esperar até o dia amanhecer. Não havia nenhuma gruta por ali, nem nada que pudesse servir como um bom esconderijo e aquilo significava que provavelmente era melhor manter-se alerta durante a noite. Novamente, conforme a luz desvanecia, a temperatura caía rapidamente e ela se viu presa entre o dilema de acender uma fogueira e ser descoberta ou morrer pelo frio. Acender o fogo ali, no meio da floresta, provavelmente chamaria a atenção de alguém... E, depois do que vira mais cedo, ela não queria arriscar um encontro com um espectro de jeito nenhum.

Quando uma pesada onda de calor tomou conta do ambiente, Elisa soube que Kagaho a encontrara novamente. A cena que vira mais cedo ainda estava gravada em sua mente e ela não conseguiu disfarçar a estranheza ao fitá-lo. Ele percebeu que havia alguma coisa diferente com ela e a encarou com certa hostilidade.

— Não encontrou nenhum buraco para se esconder essa noite? – a voz dele soou mais ácida do que o normal.

— Não... – murmurou ela, fazendo com que ele a estudasse mais atentamente - Foi você que matou aquela mulher? – perguntou ela por fim.

— Que mulher? – ele franziu o cenho.

— Na floresta... Aquela com asas prateadas.

Em resposta, ele apenas ficou em um silêncio interrogativo.

— Então não foi você? – a voz dela soou muito mais leve.

— Do que está falando? –ele a olhava como se tivesse perdido o juízo.

— É que hoje, enquanto eu caminhava pela floresta, eu vi uma mulher morta. Ela tinha asas e parecia ter lutado com alguém, eu imagino que tenha sido... – ela hesitou – um espectro.

— E então você ficou o dia todo se perguntando se tinha sido eu. – o olhar dele tornara-se incisivo novamente – Sabe, bem poderia ter sido eu. Por acaso não foi.Onde ela está?

Elisa explicou a direção de onde a encontrara e ele saiu, com sua velocidade sobre-humana, desaparecendo antes que ela pudesse perguntar o motivo e antes que ela tivesse tempo para sentir sua falta, ele já havia retornado.

— Acho que já a vi andando por aqui, mas não tenho certeza. Não tinha percebido que ela tinha asas, por isso fiquei curioso.

— Coitada... – ela meneou a cabeça - acha que foi mesmo um espectro?

— Sem dúvidas, posso até arriscar quem foi.

— E o que ela era?

— Alguma criatura mística da floresta, imagino. Como essa mata aqui rodeia o Santuário, ela deve ter se aliado a Athena.

— Ela estava tão machucada... – Elisa estremeceu – Acho que estou um pouco assustada.

Ele não respondeu nada, mas ela sentiu que o calor que ele emanava tornara-se um pouco mais brando, menos pesado do que o usual, muito mais... como ela poderia dizer... reconfortante. Ou próximo disso.

— É por isso que eu disse para você sair daqui. – ao contrário de seu cosmo, sua voz soou ríspida – Mas você simplesmente se embrenha cada vez mais na floresta em vez disso.

— Eu estou tentando! – ela finalmente respondeu com uma centelha de emoção ardendo em seus olhos – Estou tentando sair desse lugar, mas eu não sou como vocês, sou só uma garota comum.

— Talvez não seja tão comum assim. – ele ergueu as sobrancelhas de uma maneira um pouco arrogante – Na verdade não achei que fosse durar tanto.

— Não sei se agradeço por isso. – ela sorriu,mas logo voltou a ficar séria – Porque eu não consegui achar o caminho até Rodorio? Parece que eu fiquei andando em círculos a tarde toda.

— Você é uma humana comum. – ele disse – Os espectros estão chegando cada vez mais perto do Santuário e Atena ergueu uma barreira. Todo esse choque de poder é o bastante para afetar até mesmo um cavaleiro.

— É por isso que eu parecia estar tão sem forças... – ela pensou que aquilo fazia mesmo sentido, afinal e se surpreendeu quando ele sentou a seu lado – Kagaho... – disse após algum tempo e percebeu como era estranho chamá-lo pelo nome, quase como se fossem amigos.

— O que foi?

— Como você consegue fazer essas coisas?

— Que coisas? – ele parecia confuso com a pergunta.

— Essas chamas, o calor... é alguma magia? – Elisa sentia-se tola ao perguntar aquilo, mas já não aguentava mais de curiosidade.

—Bom, na verdade nós chamamos de cosmo.

— Cosmo? – ela arregalou os olhos.

— Sim, a energia que deu origem ao universo. Todos temos um mini universo dentro de nós.

— E como você conseguiu? – ela estava cada vez mais assombrada.

— Eu consegui graças a minha estrela. – ele ergueu uma das mãos, com a palma virada para cima e, bem no centro, surgiu uma minúscula chama negra – E uso meu cosmo para fazer essas chamas.

— Será que eu tenho um universo em mim? – ela brincou.

— Todos têm. – ele a encarou com seriedade - Se você recebesse treinamento adequado, aprenderia a controlá-lo.

— Os cavaleiros também recebem o poder das estrelas?

— Sim, mas eles precisam passar por um treinamento. Nós espectros não.

— Que tipo de treinamento?

— Isso eu não sei, eu não sou um deles. – ele deu de ombros – Mas imagino que seja bem pesado. Numa luta, que elevar seu cosmo mais alto vence.

— Eu, que sou uma pesquisadora, nunca imaginaria uma coisa dessas. – ela meneou a cabeça.

— Vocês humanos comuns não sabem de nada. – ele fez uma expressão de superioridade – Há muito mais nesse universo do que vocês imaginam, são apenas peões nas mãos dos deuses.

— Começo a acreditar nisso... – ela o fitou com atenção – Você é humano?

— Mais ou menos... –respondeu ele, evasivo.

— Como assim? – ela o fitou com renovado interesse.

— Eu nasci como um humano.

— E o que aconteceu?

— Você faz perguntas demais. – observou ele, seco.

— É um péssimo defeito. – ela deu um sorriso constrangido.

— É melhor tentar dormir. – ele disse, apenas e ela percebeu que ele pretendia passar a noite ali com ela outra vez – Se ainda pretende chegar no Santuário, ande na direção sudoeste até chegar na beira de um córrego, de lá eu tenho certeza que não se perderá mais.

— Obrigada. – ela tentou disfarçar a perplexidade com aquela ajuda inesperada, sem muito sucesso.

Ele não respondeu mais e ela estendeu a manta no chão e se deitou.

— A propósito... – falou após alguns instantes, sem olhar para ele.

— Hm?

— Meu nome... É Elisa.

Novamente ele não respondeu, mas ela sabia que ele ouvira. De qualquer maneira, pensou dando de ombros, não fazia mesmo sentido ele saber seu nome, já que sequer poderiam ser amigos, no entanto... Não havia mal algum em ser educada, certo?

Na manhã seguinte, Kagaho já havia partido quando Elisa despertou. Mais animada agora que ele lhe ensinara qual direção deveria seguir, ela se ergueu e, após comer a última de suas provisões, retomou a caminhada. Agora que ele indicara o caminho, era como se a floresta subitamente parecesse menos assombrada e ela conseguiu seguir a trilha que ele dissera com muito mais destreza.

Andava já há algum tempo quando um ruído às suas costas chamou sua atenção.

— Kagaho, é você? – ela se voltou e a visão de um vulto por entre as árvores fez seu estômago se contrair.

— Não, eu não sou o Kagaho. – uma voz desagradável respondeu.

Aquilo fez o sangue dela gelar, mas não havia mais como fugir. Em uma fração de segundo, o estranho já estava a poucos centímetros.

— Como você conhece o espectro de Benu? – ele a estudou atentamente – Você parece ser só uma garota qualquer.

— Eu... – aquele homem parecia ser um espectro também, pensou ela, será que traria problemas para Kagaho se dissesse a verdade? - Na verdade eu só esbarrei com ele uma vez e...

— E ele não matou você? – o espectro a interrompeu. Definitivamente ele não parecia gostar muito daquela ideia.

— Ah... – ela não sabia mais o que dizer.

— Tudo bem, eu verificarei isso depois com a senhora Pandora. Mas não fique triste, se o Kagaho quiser mesmo, poderá visitá-la no mundo dos mortos.

Antes que Elisa pudesse esboçar qualquer reação, ele a golpeou com força, derrubando-a no chão. Num rompante de coragem, ela se levantou e conseguiu se esconder atrás de uma árvore, no entanto, ele logo a encontrou e a derrubou novamente. Ele a ergueu pelo pescoço e, sem piedade, acertou um pesado soco em seu rosto, fazendo-a cair atordoada no chão da floresta.

Quando já perdia as esperanças, uma explosão de luz o lançou para longe dela e Elisa viu o espetro que a atacara ser derrotado após um curto combate.

— Kagaho? – perguntou ela, esperançosa, ao ver seu salvador se aproximar.

— Não mesmo! – exclamou o rapaz e ela finalmente conseguiu vê-lo bem – Eu sou Regulus, um Cavaleiro de Athena!

— Um cavaleiro! – foi a vez dela exclamar, retesando-se um pouco.

— Não precisa me olhar com esse ar assustado. – ele sorriu - Acho que vou ter que levá-la comigo para o Santuário. – comentou, enquanto a erguia no colo – Como você conhece o espectro que lutou com Aldebaran?

— Com quem? – perguntou ela, confusa.

— O Cavaleiro de Touro. Ele até mesmo o cegou de um olho com suas chamas negras.

— Eu... é uma história longa.

— Tudo bem, você pode me contar com calma quando chegarmos.

Elisa fechou os olhos e suspirou, ainda um pouco trêmula. Em resposta, uma onda de calor a envolveu lentamente, aquecendo-a. No entanto, aquilo era muito diferente da que sentira perto de Kagaho. O calor que Regulus emanava era agradável e acolhedor, como o sol da manhã. Ela relaxou nos braços dele e pensou no que ele dissera. Será que fora lutando contra esse cavaleiro de Touro que Kagaho ficara tão ferido? Mas, pelo menos, apesar de ter perdido um olho, ele sobrevivera e talvez por isso que o espectro parecera tão irritado.

Enquanto Regulus, o Cavaleiro de Leão, levava a pesquisadora para o Santuário, Kagaho observava a cena do alto de uma árvore. Será que se o cavaleiro de ouro não interferisse, ele teria interrompido o espectro? Ele olhou para o punho que mantivera cerrado com força. Ele teria sido mesmo capaz de enfrentar o companheiro para salvar a humana?


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