Mais uma manhã no ginásio da Escola Stanford começava com a equipe de líderes de torcida dando o sangue e o suor nos treinos diários:

—1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, — contava Jenn, de acordo com os passos, enquanto os Lions repetiam a coreografia pela milésima vez, no ponto de vista deles — Não, tá horrível, de novo! 

—A gente tá aqui há horas, dá um intervalo! — reclamou um rapaz da equipe. 

—Ah, o bebezinho tá cansado, tá? — Jenn falou com voz infantil — quer moleza? Vai jogar basquete, querido. Tá implícito que, ao entrar na minha equipe, você tem que aguentar! — terminou com uma voz pesada. 

Antes que pudessem começar novamente a coreografia, o sinal tocou e Jenn disse friamente:

—Dispensados. 

—Pegou pesado com a galera hoje, hein, Jenn? — Tobby, melhor amigo de Jenn desde o jardim de infância, surgiu com sua jaqueta do time e seu ar amigável.

—Leve é que eu não vou pegar.

—Nunca... Depois da aula a gente vai sabe aonde?

—Você, não sei, mas eu vou treinar com os Lions. 

—Poxa Jenn, para de cobrar tanto, de si e deles. Abriu um drive in tão legal, não queria esperar até o fim de semana pra gente poder ir.

—Três dias não passam tão devagar assim. 

—Tudo bem... Ei, e o Chad, rola alguma coisa?

—Ele é um babaca, fica muito em cima, não aguento mais. 

—Hm... Tudo bem então.

—Deixa isso pra lá. Te vejo na aula de espanhol. 

—Te vejo lá. 

Os amigos fizeram seu cumprimento inventado há exatos 10 anos e saíram em direções opostas. Jenn estava cheia de coisas na cabeça, todas relacionadas à equipe de lideres de torcida a qual liderava. Os Lions significavam o mundo para Jenn, que dava tudo de si e fazia o impossível para serem a melhor equipe de líderes de torcida, tanto nos jogos quanto nas apresentações ou competições de equipes.

Distraída, pensando na coreografia para o jogo de sexta e na da competição a nível estadual, acabou chocando-se contra uma garota que vinha na direção oposta à dela, fazendo com que seus livros fossem ao chão.

—Olha por onde anda, garota! — Jenn gritou subitamente, mas quando viu a pobre menina recolhendo os livros do chão, ajudou-a.

Pegou um dos livros e entregou à menina de rabo-de-cavalo, que a encarou com aqueles enormes olhos castanhos e brilhantes:

—Obrigada. 

Jenn nada respondeu, só levantou e voltou a fazer seu caminho. 

*

Depois da aula findar, Jenn pôs sua roupa de treino e amarrou o cabelo no topo da cabeça, então partiu em direção à quadra. Ao chegar, deparou-se com toda sua equipe do lado de fora, sentada sobre o chão. 

—Que palhaçada é essa? Por que vocês não tão lá se aquecendo?

—Entra lá pra ver — uma garota respondeu. 

Jenn, indignada, abriu as portas do ginásio e deu de cara com um grupo de pessoas, cada uma com um livro na mão, sentados em cadeiras arrumadas em um círculo. 

—O que tá acontecendo?! — Jenn gritou ao ver a cena. 

Todas as pessoas da sala viraram simultaneamente e uma garota morena — a mesma que esbarrou mais cedo — levantou e aproximou-se de Jenn:

—Oi, sou a Charlie, uma das fundadoras... Você é do clube da leitura?

—Clube de quê? Não! Eu preciso do ginásio pra treinar com minha equipe — respondeu a líder de torcida, indignada. 

—Ah, não te avisaram? 

—Me avisaram o quê?

—O ginásio é nosso depois das aulas. É temporário, só até acharem um lugar mais apropriado. Foi só uma falta de comunicação, não precisa ficar brava desse jeito. 

—Aquela diretora nova... Ah, mas isso não vai ficar assim não.

—Vai sim.

—Não!

Jenn saiu furiosa, pisando forte em direção à sala da diretora, bateu na porta com agressividade e adentrou a sala após ouvir um "pode entrar". 

—Senhora Monroe, houve um engano terrível! No ginásio, onde eu treino com os Lions diariamente, tem um grupo de estudo ou sei lá o quê sentado em roda...

—Ah, puxa, senhorita James, você não foi contatada? As tardes do ginásio agora irão pertencer ao Clube da Leitura.

—Mas como assim? Eu preciso ensaiar lá com os Lions, o jogo já é essa semana e tem uma competição... Diretora, você tem que entender... 

—Senhorita James, todas as manhãs antes da aula sua equipe usa o espaço do ginásio, não acha que treino de manhã e à tarde é exagero?

—Não!

—De qualquer modo, o Clube da Leitura necessita de um local para seus encontros, e, por mais que não seja o mais adequado, é o que temos disponível no momento, nossa escola não é tão grande, sinto muito. 

—Eles pareciam bem, dividindo o porão com os outros... — Jenn fez uma pausa e começou a compreender — espera... Você tá dizendo que esse tal "Clube da Leitura" é tão importante quanto a minha equipe?

—E não é?

Jenn, vendo que era inútil argumentar, simplesmente saiu da sala com ar de derrota. Desde que a escola tinha ganhado uma nova diretora, muitas coisas haviam mudado, a maioria para melhor, mas essa mudança em particular tinha revoltado a garota. 

*

No dia seguinte, na hora do intervalo, Jenn ouviu seu nome pronunciado pela voz familiar da garota do maldito Clube da Leitura:

—Jennifer? 

—Ah, você... Qual seu nome mesmo, hein? — Jenn perguntou, mesmo lembrando-se perfeitamente do nome da garota.

—É Charlie. Bom, eu te chamei porque ontem notei que você ficou bem irritada com aquele mal entendido, acho que começamos com o pé esquerdo. Então eu quero te convidar pra uma festinha que vai ter na minha casa no sábado, só um pessoal mesmo... Pode levar alguém, se quiser — Charlie falou, entregando um convite todo bonitinho e colorido.

Jenn apenas deu um sorriso falso e saiu em direção à mesa, naquele momento ocupada apenas por Tobby, que, assim que a menina sentou, foi logo perguntando:

—Quem era aquela?

—Aquela? Ah.. A ridícula do clube de bosta que eu te falei.

—Ah, a nerdzinha, sei. O que ela queria?

—Me convidar pra uma fest... Ei, tive uma ideia!

*

No sábado, o dia da festa de Charlie, Jenn pôs seu plano de vingança em prática: a líder de torcida presumiu que a festa de Charlie era só um encontro com um bando de nerds idiotas pra falar sobre coisas idiotas, e o plano da garota consistia em, basicamente, levar várias pessoas, bebida, música alta e fazer daquilo uma "festa de verdade", constrangendo Charlie e destruindo a casa da garota. 

Quando Jenn e seu grupo de adolescentes chegaram à casa da "nerdzinha", como se referiam, levaram um susto:

—Ué, isso já é uma festa de verdade — Chad observou. 

—Então vamos deixar mais verdadeira ainda! — um rapaz gritou no meio do grupo e todos foram entrando. 

—Lamento seu plano ter falhado — Tobby disse, ao passar pela melhor amiga.

Jenn ficou estática olhando para a casa enquanto seus "amigos" entravam. Depois de voltar a si, decidiu seguir o fluxo, sendo, mais uma vez, derrotada por Charlie. 

—Que bom que você veio, Jenn, não achei que viria, muito menos que ia trazer meio mundo com você.

Jenn virou, furiosa, para sua anfitriã:

—Que tipo de palhaçada é essa?

—Do que você tá falando?

—Você! Você é nerd e tá dando uma festa assim... Aquele... Clube ser tão importante quanto minha equipe... Tá tudo de ponta cabeça.

Charlie olhou com certa compaixão para a menina de cabelos dourados:

—Acho que você tá muito presa a estereótipos, Jenn, tá tendo um choque de realidade. 

—Ai, eu preciso sentar... — Jenn disse, levando a mão à cabeça e se sentando no sofá. 

Charlie riu:

—Você quer beber alguma cois...

—Quero! — Jennifer interrompeu. 

Depois de beber um pouco, Jenn começou a se acalmar e a se acostumar com o "mundo sem estereótipos" da Charlie, logo a garota loira foi criando simpatia pela "nerdzinha" e voltando a reparar naquele brilho nos seus olhos castanhos que vira no dia que se esbarraram no corredor, além de em outras coisas:

—Seu cabelo fica bonito solto — observou o fato de, pela primeira vez, vê-la assim. 

Charlie sorriu. 

—Seu cabelo fica bonito preso — retrucou, lembrando da loira na tarde de dias atrás.

*

Na segunda de manhã, quando Jenn fechou a porta do armário depois de pegar seus livros, deparou-se com a figura insuportável de Chad, aquele garoto que não desistia dela mesmo depois de levar uns 5 foras:

—E aí Jenny? 

—É Jenn! E, Chad, eu não te quero, que saco, parece que você é louco! 

—Calma, aí, princesa, tá de TPM, é? — Jennifer revirou os olhos e saiu, mas Chad foi logo atrás — só vim te perguntar qual é a tua com aquela do cabelo castanho, deu pra ser amiga de nerd agora? 

A garota parou e voltou-se para o rapaz: 

—Sei lá, talvez. E o que tem? 

Chad lançou um olhar de desprezo e se retirou, provocando desprezo maior ainda em Jenn, que desde o sábado estava refazendo seus conceitos em relação aos nerds e a muitas outras coisas.

—Jenn! — a voz de Charlie ecoou nos ouvidos da líder de torcida fazendo seus ombros relaxarem. 

Quando Jennifer virou e olhou a sua "amiga" sentiu um leve aperto no coração, ela a achava linda, não conseguia deixar de sorrir ao ver aqueles olhos e cabelos castanhos, aquela pele morena dourada:

—Ah, é, oi — Jenn cumprimentou, gaguejando.

Charlie franziu as sobrancelhas:

—Tá tudo bem? Tá meio estranha...

—Eu? Ah, é, claro que não... Eu, ah... Eu preciso ir pra aula... É... Tchau. 

—Até mais. 

A loira saiu, deixando Charlie confusa com o que acabara de acontecer, entretanto Jenn já estava começando a compreender. 

Jennifer mandou uma mensagem pedindo pra Tobby ir até as arquibancadas para matarem a aula seguinte porque ela tinha um assunto urgente, exclusivo para o melhor amigo.

—Manda. 

—Então... Hoje aconteceu uma coisa muito, mas muito estranha. Na real, talvez esteja acontecendo há mais tempo, mas só vim me ligar agora... 

—Vai contar ou não vai? 

—Tudo bem... Eu fiquei nervosa quando fui falar com a Charlie hoje. 

Tobby arregalou os olhos e abriu um sorriso:

—Wow! Você só fica nervosa quando gosta de alguém, então você...

—Eu não sei, eu não sei. É tão estranho.

—Por quê? 

—Porque ela é uma menina, Tobby. Como assim eu gosto de menina? Até hoje eu gostava de caras, o que aconteceu?

—Sei lá, ué, você pode gostar dos dois, ou gostar de pessoas independente do gênero. 

—Você acha que eu sou... bi ou alguma coisa assim?

—Você é?

—Sei lá!

—Então eu que não vou saber, né? Mas acho que o ponto aqui é que você gosta da Charlie, isso é bom, conte pra ela. 

—Você acha que eu devia contar? E se ela não gostar de garotas?

—Ouvi o pessoal dizendo que ela tinha uma namorada na antiga escola. E sim, você devia falar. O "não" você já tem, agora vai atrás da humilhação. 

—Tobby!

O garoto começou a dar gargalhada e, depois de um tempo, foi acompanhado pela melhor amiga. 

* 

Jenn passou o resto da semana tentando contar a Charlie que gostava dela, mas toda vez que ia falar, as palavras entalavam na garganta e de lá não saíam, mas até que foi bom, pois passou bastante tempo com a "nerdzinha", o que fez seu sentimento tornar-se cada vez maior.

Foi na sexta que a líder de torcida enfim conseguiu tomar coragem:  

—Charlie, eu preciso te dizer uma coisa.

—Pode dizer. 

—É... Eu queria treinar à tarde com minha equipe na quarta.

—Tudo bem, a gente pode trocar os horários.

—Beleza... Ah, na verdade não era isso que eu queria falar, não tem nada a ver, é só que eu acho que gosto de você, pronto falei. 

Charlie abriu o sorriso mais lindo que Jenn já vira:

—E eu tenho certeza que gosto de você, Jenn, mas eu ficava meio sem jeito porque não sabia se você gostava de meninas, tipo, você é líder de torcida e... Olha quem tá presa a estereótipo agora. 

—Ah, mas é a primeira vez que isso acontece, pelos menos eu acho, né? Antes eu só... 

O falatório desgovernado da loira foi interrompido por um selinho da outra garota. Jenn olhou para Charlie com um sorrisinho bobo: 

—Você fica bonita de cabelo preso — observou o penteado daquela nerd.

—Você fica bonita de cabelo solto — Charlie respondeu, lembrando das ondas loiras e brilhantes que a encantaram na festa.

As duas garotas sorriram e enfim deram seu primeiro "beijo de verdade", tão verdadeiro quanto a festa de Charlie depois de Jenn chegar.