Genderswap escrita por Ero Hime


Capítulo 2
A troca


Notas iniciais do capítulo

OI GENTE!
Eu amei que vocês gostaram do plot! É algo diferente, para mim, então eu estou gostando muito dessa recepção! Obrigada pelos comentários, em especial a Phoenix, que, como eu já disse, é incrível (ela vai se tornar minha pessoa preferida, tô falando sério).
Vou tentar trabalhar a fic com um tom mais irreverente, mesclando drama e comédia (ou tentando), então me digam o que estão achando! Espero que gostem desse capítulo também, obrigada por estarem acompanhando e lendo ♥



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Capítulo II

Se eu fosse você eu não era eu, pois seria outra pessoa e não a pessoa que sou e você seria uma outra pessoa pois não necessariamente eu sendo você faria com que você fosse eu, assim sendo, seriamos pessoas distintas do que somos hoje.

  

Mas que merda-

Naruto não entendia porque estava olhando para seu próprio rosto assustado – e, certamente, não sabia que ficava com uma cara tão ridícula quando seus olhos estavam saltados para fora das órbitas –. Era como uma visão perfeita do espelho, até os menores detalhes em sua aparência. A curvatura de seus ombros, como quando estava em estado de alerta, e a roupa amassada que ele, definitivamente, não notara antes de vestir. Embora seus olhos esquadrinhassem atentamente a imagem à sua frente, com dificuldade, por conta da pouca luminosidade, ele também estava ciente da repentina dor nas costas que lhe atingiu, como se carregasse um peso muito grande.

“Hinata, por que você está usando um bushin?”, era a pergunta mais lógica a se fazer. No entanto, assim que o som da sua voz reverberou pela rua vazia, ele engasgou com sua saliva, tossindo ruidosamente. Seu timbre estava mais alto, mais fino, contudo, era conhecida. Aquela foi a primeira vez que notou sua própria situação. Sobressaltado, olhou para baixo, e sua visão foi bloqueada por – bem, por um par de peitos. Peitos grandes, redondos e pesados, sustentados por um top apertado sob sua blusa roxa e também apertada. Imediatamente, seu rosto começou a queimar em brasa, e, erguendo as mãos até a altura dos olhos, encarou os dedos finos e delicados de unhas lixadas em meia lua. “Mas que porra?”, disse, ainda em voz baixa, o ouvido desacostumado com o timbre de Hinata.

Não se lembrava de terem sido atingidos por algum jutsu que explicasse a transformação, mas a primeira providência que tentou tomar foi desfazer o movimento. Não conseguiu. Sentiu que tudo que estava fazendo eram caretas, e, frustrado, bufou. Moveu os olhos para frente, encarando seu próprio rosto, que ainda não tinha se desfeito da máscara de pânico. “Eu não consigo desfazer o jutsu de transformação!”, exclamou, hesitante, e seus ombros estremeceram. Era estranho – aquele corpo era magro, mas o seu chakra era poderoso, incômodo, sobretudo na região do rosto. E suas costas doíam como o inferno.

Hinata conseguia distinguir o som da própria voz, mas parecia errado, e sua mente estava nublada. Seu Byakugan não funcionava, e ela sentia seu estômago revirar com uma quantidade exorbitante de poder – era difícil respirar. Alguma parte ainda consciente de seu raciocínio também ponderou estar sob a influência de algum jutsu de cópia, ou até mesmo um genjustu de confusão, mas, por mais que se esforçasse, não conseguia sair. Continuava a enxergar aqueles braços inchados e rudes e cheio de hematomas e cicatrizes deformadas, semi-cobertas pelo pesado casaco laranja. Recobrou os sentidos, procurando por pontos de luz, a escuridão começara a incomodá-la. A luz fraca do poste iluminou o corpo ainda no chão. Seus olhos a encararam, o rosto convertido em dubiez. Quando a última frase a atingiu, ela soltou um guincho de desespero, com aquela voz grave, e tropeçou, caindo de bunda.

“Hinata!”, a viu correr até ela, pairando acima de seu rosto com a expressão preocupada. O que mais a confundia era a duplicata, bem diante de seus olhos, e o medo paralisava seus movimentos racionais. “Olha, feche os olhos por um instante, ok?”, ouviu sua voz recomendando-a, como se estivesse em sua mente, e ela obedeceu, insegura. A escuridão total ajudou a recobrar os pensamentos, e, aos poucos, regulou sua respiração. Tentou realinhar a memória, entre o momento do barulho, da explosão, e do momento em que se viu levantar.

Levou a cabeça até as mãos, sentindo os fios ásperos e curtos demais, de cheiro amadeirado. Respirou fundo, e até mesmo o ar circulando por seus pulmões era como um desconhecido percorrendo-a. No entanto, ela tinha que se controlar. Era uma ninja, pelo amor de Deus! Estava acostumada a lidar com situações estranhas e confusas – já tinha visto muito para agir como um gatinho assustado.

“Tudo bem”, suspirou, abrindo os olhos devagar, e a pouca claridade ajudou para que sua visão se ajustasse melhor. Voltou a encarar seu próprio rosto, que esperava, ansioso. “Vamos com calma, está bem? Pelo começo”, falava mais sozinha, organizando os pensamentos de modo que não parecessem completa loucura, “Eu sou você. Você sou eu”. Tudo bem. Não tinha maneira daquilo não soar como completa loucura.

“E não é um jutsu”, completou sua voz, e ela suspirou. “Sim, não é um jutsu”, repetiu, pacientemente, “Já teríamos conseguido quebrar a essa altura”. Parou, em silêncio. Viu seu corpo sentar-se à sua frente, cruzando as pernas de maneira familiar – sim, Naruto costumava fazer aquilo o tempo todo –. “Tudo bem, isto é loucura!”, jogou os braços para cima, frustrada. “Estamos com os corpos trocados de verdade!”. Era irritante ver as reações em seu rosto, quando ela sabia que nunca reagiria daquele jeito. Tinha que controlar o desespero que fomentava em seu interior, grande parte por não saber o que estava acontecendo. Tinham que encontrar uma saída para aquilo, mas não conseguia se concentrar.

Naruto observava, em silêncio – em partes porque não conseguia pensar em nada, mas também porque estava com medo da expressão zangada que caía sobre ele –. Não estava verdadeiramente aflito. Já tinha vivenciado experiências suficientes para se espantar com aquela situação. Era tudo absurdamente estranho, mas precisava ficar calmo, até porque era particularmente engraçado ver uma versão histérica de si mesmo – ele jamais diria isso em voz alta –. Era inexplicável, contudo. Ele sentia que era ele mesmo, mas seus reflexos estavam diferentes, cada célula daquele corpo sentia de forma diferente. Tudo estava brilhante e nítido com aqueles olhos.

“O que vamos fazer agora? Como desfazemos?”, Hinata o despertou, ressoando sua voz em um tom que ele nunca usava – era colérico, quase hilário, de maneira bastante trágica –. “Bom, nós podemos falar com a vovó Tsunade, ela vai nos ajudar”, Naruto propôs, erguendo-se no chão e sacudindo as roupas, tentando lidar com o cabelo que entrava em sua boca, voando para todos os lados.

“Não!”, Hinata gritou, levantando-se em um salto e desequilibrando com o peso desigual dos ombros. Naruto, assustado, esticou-se para frente, tentando segurá-la, mas, com o corpo menor do que estava acostumado, pisou em falso, e, por muito pouco, não derrubou os dois novamente. Endireitou-se, usando seu corpo como aparato – aquilo ainda era estranho –.

“O que foi?”, assustou-se com o grito, e não entendeu porque ela parecia mais aterrorizada com a ideia do que com o que estava acontecendo com eles. “Não podemos avisar a ninguém!”, insistiu, e Naruto fez uma careta ao ouvir a própria voz subindo algumas oitavas. Sua audição também parecia mais sensível, porque sentiu uma pontada de dor de cabeça.

“Por que não?”, perguntou, sentindo-se ligeiramente ofendido, mas não soou como deveria, porque seu rosto assumiu uma careta nada agradável.

“A reunião com os líderes acontece em quatro dias, e foi muito difícil para a Hokage-sama conseguir fazer com que eles viessem até Konoha”, era estranho ouvir aquele tom inteligente e paciente na sua voz, “Se dissermos algo, eles vão cancelar a assembleia! Não podemos deixar isso acontecer”. Hinata estava apavorada, histérica, e moderadamente enjoada, mas a parte sensata que ainda não havia sido tomada pelo desespero a fez raciocinar rapidamente. Se o encontro fosse adiado, o clã Hyuuga sofreria sérios desentendimentos, e mesmo que odiasse a família em que nasceu, as vezes, ainda tinha um dever com eles.

Observou Naruto – ou o seu próprio rosto – converter-se em uma série de máscaras, passando pela confusão, concentração e, por fim, entendimento. “Você está certa”, respondeu, tentando coçar a nuca, mas acabou com os dedos enroscados no cabelo, puxando-o de supetão e sentindo o couro arder. “O que vamos fazer, então? Olha a nossa situação!”, apontou, agora com a entonação certa de aflição que os ouvidos de Hinata reconheceriam. Ela respirou fundo uma nova vez, acostumando-se a fazer aquilo naquele corpo. Tinha que avaliar a situação como um todo, como aprendera a fazer. Ver quais opções tinham, e analisar suas vantagens e empecilhos. Mesmo desorientada com seus movimentos, seriam fácil de se acostumar. Ainda detinha os conhecimentos que acumulara, mas era como se, caso desejasse, poderia realizar algum jutsu que nunca tentara antes, apenas porque Naruto sabia como fazê-lo. Desse modo, em poucos minutos, ponderou que era como se a essência, a alma, de cada um, tivesse se realocado no outro corpo. Ainda assim, estavam limitados às próprias deficiências – o que explicava porque ela tentara ativar o Byakugan e não conseguira –.

“Ok, nós vamos fingir que somos o outro até o dia da reunião”, propôs, apontando o que era mais óbvio, mas, quando seu próprio rosto a olhou como se ela fosse louca, não se sentiu muito confortável. “O quê?”, defendeu-se, “Não podemos dizer a ninguém! São só quatro dias, nós podemos ficar afastados a maior parte do tempo, e disfarçar até lá”, falou, como se fosse realmente simples.

“Sim, mas você não vai poder ir para casa com meu corpo, por exemplo”, Naruto retrucou, tentando cruzar os braços, mas a presença do busto não deixou que ele enlaçasse completamente os membros, e, por um instante, distraiu-se. Voltou antes que Hinata percebesse seus verdadeiros pensamentos, e sacudiu a cabeça. “E amanhã a vovó Tsunade disse que vai me treinar! As pessoas vão reparar que estamos estranhos”, apontou, e Hinata suspirou, admitindo que ele tinha razão.

“Eu não tinha pensado nisso”, mordeu a bochecha, fazendo um bico, e Naruto ignorou o quão estranho era ver as reações do seu rosto do lado de fora. “Mas não temos outra escolha. Durante o dia, nós ficamos juntos, e, pela noite, eu te ajudo a ir para a minha casa”, parou, subitamente, e Naruto assistiu seu rosto atingir tons escarlates.

Foi inusitado sentir a pele queimar, como tantas vezes antes, quando seus traços eram mais duros e rígidos. Todavia, foi inevitável – assim que se deu conta do outro lado da situação, a vergonha tomou conta dela, fervendo desde seu pescoço até a altura das maçãs. Justo quando Naruto tinha lhe dado um fora, ela propôs que ficassem juntos. Já era constrangedor falar com ele olhando para seu próprio corpo, obrigá-lo a ficar ao seu lado seria ridiculamente embaraçoso. Todos seus amigos já tinham ficado sabendo da situação – até mesmo para serem cuidadosos com o que falavam –, assim que o vissem juntos, o caos estaria instalado. Hinata sabia que Naruto era gentil demais para dizer que estava incomodado, e não queria forçar uma situação indiscreta, mas não via outra solução, se quisessem fazer aquilo der certo. Sequer sabia se seria revertido, e aquilo a assustava.

Naruto observou-se corar, mesmo a meia-luz, e se perguntou o que Hinata estava pensando. Mesmo assim, manteve os olhos desviados, lhe dando espaço. Sabia que deveria estar sendo difícil para ela, uma garota tímida, ainda mais depois das circunstâncias recentes que ele tinha criado. Aquele era o momento em que eles deveriam seguir caminhos diferentes, e era quando mais precisariam estar juntos. Soltou um gemido involuntário, chamando a atenção de Hinata, que sacudiu a cabeça, livrando-se momentaneamente de sentimentos desnecessários.

“Não podemos desaparecer do nada, ou vão desconfiar”, Naruto quebrou o silêncio desconfortável, tentando encontrar um timbre suave, e gostou de como sua voz soou. Hinata fungou, assentindo. “Eu te convidaria para ficar no meu apartamento, porque eu moro sozinho, mas seu pai...” deixou a frase morrer sozinha, e ela entendeu a condição implícita no ar. O garoto se assustou quando seu próprio rosto aqueceu. Não estava acostumado a corar tão facilmente.

“Não, não”, Hinata se apressou para negar, balançando a cabeça furiosamente, “Eu entendo”, ela olhou para cima, e a noite já havia caído completamente, o que significava que ela tinha perdido o jantar. Estremeceu. Naruto teria que voltar para sua casa em seu lugar, e pior, dar satisfações para Hiashi. “Provavelmente meu pai e minha irmã já jantaram, e meu pai vai perguntar porque eu demorei para voltar”, suspirou, e o garoto vacilou ao pensar na expressão severa e intimidadora do patriarca Hyuuga. “Eu vou te explicar como chegar no meu quarto”, corou, imaginando Naruto mexendo em suas coisas, “E, de manhã, antes de todo mundo acordar, eu te espero para que a gente planeje o que fazer”, de repente, sentiu-se exausta. Aquela situação ainda parecia como um pesadelo vívido, mas não podia arriscar. Tinha que levar adiante, ignorando a vergonha e o medo.

“Espere, vai me deixar sozinho na sua casa?”, Hinata quase riu diante da expressão amedrontada. “Ninguém vai notar que não sou eu”, o tranquilizou, ainda segurando a risada, “É só ignorar todo mundo. Ah! E precisamos nos acostumar a falar com os artigos certos, pelo menos na presença de outras pessoas”, constatou sabiamente, e Naruto fez uma cara de interrogação que a fez querer suspirar. “Falar no masculino e feminino”, explicou, e ele soltou uma exclamação de entendimento. “É melhor irmos agora”, disse, sem graça.

Arriscou dar um passo, e não tropeçou. Deu outro, acostumando-se com o comprimento das pernas, para não pisar em falso. Seus músculos eram fortes e bem definidos, até mesmo para um homem. Andou até a outra calçada, que ainda tinha as marcas da explosão da qual escaparam. Decidiu que investigaria no dia seguinte. Abaixou e pegou a sacola de gyoza, esquecida com a confusão. Voltou para Naruto, que a esperava balançando a perna. Seus olhos se encontraram por um segundo, e desviaram rapidamente, envergonhados. Começaram a andar pela rua curiosamente deserta, silenciosos, perdidos naquela atmosfera pesada. Hinata preferia afundar seu novo corpo masculino e pesado em um buraco fundo a aguentar mais um minuto daquela situação embaraçosa. Era vergonhoso admitir que estava mais preocupada com Naruto, ao seu lado, do que com o fato de encontrar-se fora de seu próprio corpo – estar com alguém que não queria sua presença era desconfortável, para não dizer doloroso. Demorou três dias para conseguir comer, e, de repente, teria que passar a semana toda com ele, quando nem conseguia controlar as batidas desenfreadas de seu coração – que sequer era dela! –.

Naruto, por outro lado, estava apreensivo, olhando de soslaio a todo momento. Hinata continuava exibindo uma expressão pensativa, mas estranhamente abatida. Era incômodo ter de olhar para cima para encarar o outro semblante, porém ele não se preocupava, realmente, com seu novo corpo. Conhecia os limites da garota, e ela deveria estar mais afetada do que demonstrara. Sentia-se mil vezes mais culpado que outrora, e seus membros formigavam com a ansiedade de estarem próximos demais. No período que mais precisava se dedicar a seu treinamento, aquilo acontecia. Era como uma piada de muito mau gosto – não seria a primeira vez que o destino brincava com a sua cara. Com todas suas preocupações, ainda havia uma parte, bem ínfima e irrelevante, que se perturbava com a súbita exposição aos hormônios daquele corpo. Tudo parecia ofuscante demais, e era como uma coceira em um lugar que ele não alcançava, fazendo sua cabeça doer e sendo acometido por uma repentina vontade de chorar.

Andaram, distraídos, por todo o caminho, até que Naruto avistou sombras arredondadas refletidas no chão – os portões da entrada principal –. Engoliu em seco, mas Hinata não seguiu em frente. Em vez disso, indicou para darem a volta no quarteirão, mergulhando em uma viela mal iluminada onde havia uma porta de madeira entreaberta. “Essa aqui é a entrada de funcionários para a casa principal”, explicou com a voz baixa, tornando-a rouca. “Lá dentro é cheio de quartos, corredores e salões. Você tem que memorizar o caminho. Entrando por aqui, vai ter um corredor estreito e duas portas. Você abre a da esquerda, e vai dar nos jardins do sul. Dali, você vai andar reto até encontrar as escadas. Provavelmente meu pai vai estar no escritório, a primeira porta depois de subir. Você entra, diz que ficou preso, quer dizer, presa na Academia. Ele não vai ligar muito”, ele sentiu um rápido tom de irritação, “Você sai e vai pelo corredor de novo até o final. É a penúltima porta à esquerda. Entendeu?”.

Naruto não tinha entendido nada. Que raio de casa tem tanto corredor, porta, escada, pelo amor de Deus! Mas assentiu, para acalmar a histeria que estava a um passo de chegar. “Esquerda, corredor, escada, escritório, Academia, quarto”, repetiu, confiante, e, pelo menos, seu rosto tranquilizou.

“Eu vou estar aqui assim que o sol nascer”, parecia mais calma. “É só fazer o caminho contrário para sair por essa porta, nenhum funcionário vai te ver. Acho que é isso” finalizou, hesitante. Naruto respirou fundo, apertando os punhos mais finos. “Vai dar tudo certo”, tranquilizou, sustentando o olhar. Hinata ficou ligeiramente aturdida, surpresa com a maneira que seus olhos brilhavam, como nunca tinha visto no espelho antes. “Nos vemos de manhã”, se despediu, empurrando a porta. Hinata assentiu, dando as costas. “Espera!”, Naruto chamou, e ela se virou, vendo seu corpo voltado para ela, “Você precisa de ajuda para chegar no meu apartamento?”, perguntou, confuso, e se surpreendeu quando a viu encolher os ombros, acanhada.

“Eu sei onde você mora. Boa noite”, deu as costas e virou a esquina quase correndo, deixando um Naruto desorientado para trás.

Sozinho, esperou alguns minutos, tomando coragem e, com a respiração presa, entrou. Era mesmo um corredor pequeno, escuro, e ouvia suas sandálias ecoarem no piso de madeira. Andou alguns passos, se acostumando, e avistou as duas entradas, uma à direita e uma quase à sua frente. Abriu a da esquerda, como orientado, e, quando entrou, teve de parar por alguns segundos para admirar a grandiosidade daquela construção. Dizer que aquilo era um jardim era menosprezar a obra – havia um lago que corria para uma saída no sub-solo, com peixes nadando em volta de algas. Pedras de decoração, bancos de concreto e bonsais. O ar era puro e úmido, diferente de tudo que ele já tinha visto. Aquela era a primeira vez que entrava na mansão Hyuuga, mas a primeira palavra que passou pela sua cabeça foi nobreza. Aquilo era a definição de tradicionalismo e império.

Caminhou, hesitante, pelo corredor mais longe. Diversas portas ao seu lado, de material clássico que Naruto vira poucas vezes – estava acostumado com seu apartamento simples e construído no século vinte e um –. Encontrou a escada, que subia, íngreme, para o segundo andar, e distraiu-se com as hastes de bambu autêntico. Passou pelas primeiras duas portas, mas uma voz de trovão interrompeu seus pensamentos.

“Hinata?”. Naruto tremeu, parando. A primeira prova de fogo seria naquele momento. Respirou fundo, voltando para o primeiro cômodo, com a porta apenas recostada. Observou sombras de luz de velas, e abriu, com a respiração presa. Hiashi estava sentado em um tatame, usando vestes que Naruto jamais o imaginaria usando – algo como um roupão de seda, com o brasão Hyuuga costurado na altura do peito, tão diferente das vestes luxuosas que arrastava pelas ruas de Konoha –. Naruto deu um passo vacilante para entrar, parando o mais distante, mas ele sequer ergueu os olhos. “Por que não voltou para casa a tempo do jantar?”, perguntou, analisando pergaminhos grossos, e Naruto engoliu em seco.

“Eu... fiquei presa na Academia”, sua voz saiu mais vacilante do que ele planejava, como se fosse culpada, e ele ergueu o rosto. Quando aquelas pérolas frias o atingiram, Naruto sentiu que ele lia todos seus pecados. “Desculpe-me... meu pai”, acrescentou rápido, mantendo a cabeça baixa, com a franja caindo como uma cortina em seus olhos. Foram os segundos mais demorados da sua vida, até que Hiashi, finalmente, voltou a prestar atenção em seus documentos.

“Chegue na hora amanhã”, disse apenas. Naruto esperou algum acréscimo, mas, quando percebeu que era a única coisa que conseguiria dele, saiu, de costas, até atingir o corredor, e fechou a porta. Sozinho, soltou o ar, que não sabia que estava preso por tanto tempo. Encostou na parede, com a mão sobre o peito, respirando fundo.

Voltou a andar, perdido em pensamentos – conhecia Hiashi de outros verões, mas saber que ele era frio até mesmo com a própria família era um pouco desconfortável –. O corredor parecia não ter fim, mas ele encontrou os dormitórios, como instruído. A decoração era tão limpa quanto possível, e a penúltima porta estava aberta, ao contrário da porta da frente.

Naruto entrou, fechando-a atrás de si, e seus olhos capturaram tantos detalhes quanto conseguiu em uma primeira visão. Era um quarto tradicional, como o resto da casa. Uma esteira de madeira no canto, sob um tatame de cor diferente do piso de madeira e dos fusamas. Uma divisória separava o que seria o armário, embutido. Prateleiras de madeira distribuíam-se, armazenando diplomas, livros de estudo e ferramentas ninjas, tudo impecavelmente organizado. Alguns porta-retratos, a maioria de Hinata com o que parecia ser sua irmã mais nova, Neji, com o time 8, e apenas uma do clã, com Hinata e Hiashi no centro da foto. Naruto rodou, observando o cômodo com uma espécie de fascínio. Era tudo muito limpo e organizado, e, fora aqueles detalhes, era bastante indistinto. Foi atraído, no entanto, por uma abertura, na altura exata de seus olhos. Era como uma janela, que deixava passar a luz da lua, e dava uma visão privilegiada para uma cerejeira construída nos fundos da propriedade. O contorno de suas folhas era refletido no chão, iluminado pela luz azulada. Naruto sentiu-se admirado, e mesmo a escuridão do cômodo era confortável. Tudo era muito delicado, como a própria Hinata.

Andou, se familiarizando com o lugar, e entrou no armário. Era como um closet, embora bastante menor, com as roupas organizadas em prateleiras e cuidadosamente dobradas. Havia muitas roupas iguais, os uniformes diários de treino, as blusas de malha e os coletes roxos. Shorts de tecido elástico que, sinceramente, pareciam incomodar muito, assim como o que vestia no momento. Além dos trajes, havia também quimonos floridos e roupas formais muito bonitas. Sapatos fechados nas prateleiras de baixo, e havia duas gavetas do lado em que estava. Abriu a de cima, sorrindo para várias fitas, laços e até mesmo joias, embora nunca tivesse visto Hinata usando nenhuma delas. Fechou e abriu a próxima – mas encarou dois segundos, fechando-a com tanta rapidez que todas as prateleiras estremeceram. Saiu do cômodo, tropeçando, com o rosto queimando tanto quanto possível.

Não acredito que eu vi a gaveta de calcinhas da Hinata!

Naruto estava com tanta vergonha que pensou que ia morrer. Não se lembrava de ser tão decoroso –claro que aquele tipo de situação o deixava sem graça, mas vivera o suficiente com o Ero Sennin para não ter que sentir o corpo todo aquecer vendo peças íntimas! Seria aquele corpo potencializando suas reações?

Ainda corado, assustou-se quando abriram o fusama, e, desesperado, se jogou na cama, encolhendo-se contra a parede, no canto mais escuro quanto possível. Era a irmã de Hinata – o que aumentou a aflição. Como se chamava mesmo?

“Onee! Onde você estava? Tive que aguentar o papai falando no jantar”, ela reclamou, se aproximando e sentando na beirada oposta. De onde estava, não podia ver com clareza a expressão apavorada que Naruto transfigurava para o rosto da Hyuuga. “Não acredito que você vai dormir sem comer de novo”, resmungou.

“Não se preocupe comigo... irmã”, acrescentou, sorrindo dissimuladamente, e a garota a olhou com estranheza. “Minha irmã, irmãzinha...” cantarolou, enrolando, e logo começaria a gaguejar “Irmã... que tem o nome tão parecido com o meu...”, aquilo estava patético. A garota ergueu a sobrancelha, com uma careta azeda.

“Eu não acho Hanabi tão parecido com Hinata assim”, bingo!, “Mas por que você está falando disso? Para de me enrolar, onee! Só vou embora quanto você superar aquele idiota”. Naruto parou de repente, atento. Fez sua melhor cara de culpada, e Hanabi não pareceu perceber nada diferente.

“Não é tão fácil assim”, respondeu, tentando moldar sua voz o mais sôfrega possível, mas só soou mais estranha. Hanabi soltou um grunhido selvagem. “Já ouvi isso antes, e nem faz tanto tempo”, retrucou, irritada, e Naruto se assustou com a brusquidez das palavras dela, “Quanto tempo mais você vai ficar sofrendo?”, sofrendo?, “Sem comer, sem dormir. Já não basta estar apaixonada por ele praticamente sua vida inteira, ter levado um fora, ainda tem que ficar remoendo isso pra sempre?”.

Naruto não respondeu, mordendo a bochecha, e percebeu que já estava machucado – talvez fosse um hábito –. De alguma maneira, seu peito se apertou com aquelas palavras, sendo inundado por uma culpa avassaladora. Ele não era a pessoa mais inteligente ou perceptiva que existia – ele não foi capaz de perceber os sentimentos de Hinata, não até que ela estivesse gritando, no meio do campo de batalha. Tampouco gostava de saber que ela sofrera de verdade, por culpa dele.

“Não era minha intenção”, murmurou, em voz alta, antes que percebesse. “O que disse, onee?”, Hanabi perguntou, com uma sobrancelha erguida, e Naruto teve um sobressalto, sorrindo amarelo. “Nada! Não foi nada. Está tudo bem. Olha, eu estou cansada, podemos conversar amanhã?”, pediu, soltando um bocejo voluntário. Hanabi a fitou por alguns segundos, e se levantou, parecendo desconfiada.

“Boa noite, onee”, saiu, deixando um Naruto aliviado para trás.

Ele se estendeu na esteira de madeira, que era surpreendentemente confortável. Era bom relaxar o corpo, mas sua cabeça estava cheia. As imagens de mais cedo repassavam, como em um filme, e ele queria descobrir o que estava acontecendo – e, principalmente, como reverter aquilo. Enquanto pensava, sentiu seus olhos se fecharem, e conseguiu encontrar uma posição confortável deitado de lado. Deixou-se adormecer, evitando pensar que estava, atualmente, preso em um corpo feminino, o da garota que ele, estupidamente, dispensara. E aquele não era nem o primeiro dia.


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Notas finais do capítulo

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