Campo de Girassóis escrita por Ash Albiorix


Capítulo 7
Sobre sumiços e recomeços




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Quando acordei de manhã, tudo doía e eu me sentia embaixo d’água. Olhei pra cima, confuso. Onde estou? Ah. Casa da Isa. Olhei pro lado e dei de cara com uma Isabelly adormecida no tapete, os cabelos todo embolados e jogados no rosto. Não acredito que ela dormiu ali, não parecia confortável. Me esforcei pra sentar, e o mínimo barulho fez Isa acordar. A menina se espreguiçou, a cara inchada de sono, e eu quase ri do quão adorável ela parecia.
—Você... – falei, sonolento – você dormiu aqui?
Ela bocejou.
—Bom dia. Como você ta?
—Melhor. Minha cabeça dói.
—É, você chorou bastante ontem.
Eu fiz uma careta, envergonhado.
—A gente pode fingir que isso nunca aconteceu?
—Pode, claro. Mas quando quiser conversar sobre, já sabe.
Abri um pequeno sorriso, que foi o máximo que consegui fazer. Estava agradecido, mas ainda me sentia péssimo e queria ir pra casa e continuar dormindo.
—Isa, acho que eu vou pra casa agora.
—Tudo bem. Quer que eu te leve lá?
—Com esse cabelo? Vai assustar meus irmãos.
Ela me empurrou com o cotovelo.
—Engraçadinho. – ironizou.
Mas eu aceitei que ela fosse comigo. Em parte porque achava que poderia desmaiar a qualquer momento, mas também porque adorava a companhia de Isabelly. Tudo nela deixava meu mundo mais leve.
Quando cheguei, Martha estava dando café pros gêmeos, e os dois começaram a fazer bagunça assim que me viram. Eu me distraí com eles e tropecei, estava fraco.
—Ta tudo bem? – Martha perguntou.
—Mais ou menos. Eu to me sentindo estranho. Será que posso ficar em casa hoje? Por favor.
Ela considerou por uns segundos, mas cedeu. Fui pro meu quarto e, assim que deitei na cama, tudo voltou. Tudo que tinha acontecido voltou pra me assombrar. Chorei bem baixo, torcendo pra Martha não estar ouvindo, e a cada soluço, uma onda de dor se espalhava pelo meu corpo.
Pensei que fosse coisa da minha cabeça, mas a dor foi aumentando. Fui dormir na esperança de que melhorasse, mas continuou lá. Vinha do meu ombro, e se espalhava pelas costas e peito. Eu queria me encolher e ficar lá pra sempre. Me remexi, gemendo de dor, tentando levantar pra ver o que tinha acontecido. A dor era bem no lugar onde meu pai tinha acertado o copo daquela vez, então talvez fosse só minha mente brincando comigo. Me senti enjoado assim que levantei, mas fui cambaleando até a sala, e me joguei no sofá.
—Martha. – chamei, rouco. Ela estava no quarto, mas o silêncio proporcionado pelas crianças dormindo permitiu que me ouvisse.
—O que foi? – então me analisou – Você não parece bem.
—Meu ombro. – murmurei. Minha mão pressionava o lugar que doía, então a soltei devagar. – Vê se tem algo aqui.
Ela sentou do meu lado e, devagar, levantou a manga da minha blusa.
Ficou em silêncio por alguns segundos e então disse:
—Nick, a gente precisa te levar no médico.
A olhei, confuso.
—O que? Por quê?
—Isso tá infeccionado. E não é pouco. Você já tava sentindo dor há quanto tempo?
—Há um tempinho - assumi- mas era insignificante.
Ela balançou a cabeça. Eu conseguia sentir seu olhar de julgamento.
—Você devia ter falado algo antes.
—Eu sei. Desculpa.
Então ela pareceu mais preocupada ainda.
—Seu pai levou o carro. Como eu vou te levar pro hospital?
—A gente pode esperar. Não ta doendo tanto assim. – menti. A dor estava aumentando exponencialmente, e agora estava queimando. Mas não queria deixa-la muito preocupada.
Então levou a mão até meu rosto, devagar, e depois meu pescoço. O toque dela não me assustava, e isso também era novo.
—Você está com febre.
Isso explicava porque eu estava tão cansado e tonto.
—Eu vou na minha amiga pegar o carro emprestado, aproveito e vejo se ela pode olhar as crianças. Você fica aí?
Concordei com a cabeça, e deitei no sofá. Fiquei imóvel, respirando fundo pra dissipar a dor, até que Martha voltou, com a chave do carro.
—Vamos?
Me remexi, reclamando.
—Eu quero dormir.
—Você dorme no carro.
—A gente precisa mesmo ir?
—Sim.
Fazia tempos que eu não via um hospital, e não me trazia boas lembranças. Além de tudo, eu estava cansado demais pra levantar, tudo isso se embolando com a tristeza, dando uma vontade absurda de chorar. Mas eu sabia que tinha que ir, então fui, Martha atenciosa comigo, me ajudando o tempo todo. Foi aí que eu percebi que, inconscientemente, tinha formado nela uma imagem maternal que eu nunca tive, e isso me assustava. E se eu perdesse ela? Ela é casada com meu pai, afinal de contas. Está do lado dele. Parecia que a onda de pensamentos fazia a dor aumentar, mas eu estava tão cansado que dormi.

Quando cheguei na emergência, como um relógio cronometrado, comecei a vomitar e ai desmaiei. Acordei numa cama, confortável, apesar de tudo parecer pesado. Martha estava sentada num sofá, o olhar distante, como se estivesse quase dormindo. Assim que viu que eu acordei, levantou e puxou uma cadeira pro lado da cama.
— Como você ta? - perguntou. Parecia cansada.
—Melhor. A dor parou. - o que era verdade mas, em compensação, eu me sentia exausto e confuso.
— Você vai ter que tomar antibióticos por uns dias. - avisou. - Deve ir embora hoje de noite, vão te manter aqui um tempinho aqui pra ver como você reage.
— Ah...- falei, decepcionado. Tinha esperança de que isso seria uma desculpa pra passar a noite fora de casa. - Você vai ficar aqui?
A ideia de ficar sozinho me dava medo.
— Vou, vou sim. Você quer que eu avise a alguém que você ta no hospital? Sua mãe, talvez?
Me encolhi, me sentindo sozinho.
— Não.
Mas, no fim, cedi e pedi pra ela ligar pra Jonathan, que não me atendia no telefone faziam semanas. Talvez um número desconhecido ele atendesse.
Dito e feito.
— Alo? Jonathan? - ela disse. Meu coração acelerou e eu tentei sentar, mas fiquei tonto e desisti. - É a Martha. Isso. É sobre seu irmão. Eu to com ele no hospital...não, não, ele ta bem. Ele se machucou no ombro e infeccionou, foi só isso, mas pensei que você gostar de saber.
E então ela deu o endereço do hospital a ele, desligou e me disse:
— Seu irmão ta vindo te ver.
Me assustei.
— O que? Sério?
Sorri, de uma forma que não sorria faz tempo.
— Você deveria rir mais. Tem um belo sorriso.- Martha comentou.
Eu sabia. A parte engraçada é que eu, olhando de longe, pareço uma pessoa muito feliz. As pessoas tem mania de associar bonito com feliz, o que estava muito longe disso. Não quero parecer esnobe nem nada, mas eu sabia que as pessoas me consideravam bonito, com meus olhos azuis e cabelos ondulados. Numa outra realidade, eu seria o cara que todo mundo seria amigo, mas nessa, eu sou quem eles fogem. Minha loucura sempre faz um bom trabalho em ofuscar minhas qualidades.
Esperei ansiosamente Jonathan chegar. Eu estava realmente feliz, quase conseguia esquecer o cansaço e o enjoo por causa dos antibióticos. Quase conseguia esquecer que ele me ignorou por semanas.
Mas minha felicidade foi interrompida.
Uma enfermeira entrou no quarto, negra com belos cabelos pretos em um coque e um sorriso de quem estava realmente feliz. Foi legal comigo, perguntou como eu estava, me examinou e me deu remédio. Tudo isso conversando comigo. Então, quando acabou, ao invés de ir embora, ela disse:
— Eu queria conversar com você sobre essas marcas. Você faz algum tipo de tratamento psicológico ou psiquiatrico?
— Que marcas? - perguntei, confuso. Ela puxou meu pulso delicadamente, e então eu lembrei. Fazia tempos que minha raiva não extrapolava ao ponto de eu descontar em mim mesmo, mas as marcas brancas de cicatrizes continuavam lá. Nos meus pulsos, na barriga, por todo lugar. Lemgrei de sua pergunta e respondi: - Não. Não faço.
— Ontem quando chegou você estava bastante desequilibrado. Pensamos que fosse por causa da febre, mas vendo as marcas... vamos encaminhar você pro psiquiatra do hospital, pra uma conversa rápida.
— Não! - foi minha resposta imediata. Depois me recompus - Não precisa.
— Se não precisar mesmo, o Dr. Souza vai saber. Você vai gostar dele, não se preocupa.
— Mas... - tentei contestar,porém sabia que seria em vão. A enfermeira estava decidida a me fazer conversar com o psiquiatra. Talvez fosse o protocolo do hospital pra esse tipo de coisa.
Talvez ela estivesse certa.
Mas eu não queria. O que eu falaria? Minhas mãos tremiam só de pensar.
Assim que ela saiu, Jhonatan chegou e Martha nos deixou sozinhos. Eu tinha muitas coisas pra falar, mas a única coisa que saiu foi:
— Jon, eu to com medo.
— De que?
O garoto tinha sentado onde Martha estava, numa posição jogada, típica dele.
— Eles vão me fazer falar com um psiquiatra.
— Por que?
— Porque tem algo de errado comigo. E não precisa de mais de 5 minutos ao meu lado pra ver isso.
— Nick... Talvez isso seja bom. Talvez eles possam te ajudar. Não é isso que você quer?
Fiquei em silêncio.
Sim, era isso que eu queria. Eu queria ajuda. Não só queria, mas precisava. Era estranho admitir, mas sabia que era verdade.
Poucos minutos depois, um senhor alto de cabelos brancos e jaleco entrou no quarto.
—Olá, meninos. Eu sou o doutor Luciano Souza. Podem me chamar de Luciano. Vim conversar com o... - leu a ficha - Nicolas Fontes. Certo?

E foi ali. Na hora, passou despercebido, e foi até meio ruim, mas aquele foi o exato momento em que as coisas começaram a mudar. Pra melhor. Toda a minha vida tinha sido uma bagunça, e estava na hora de começar a arrumar.


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