Campo de Girassóis escrita por Ash Albiorix


Capítulo 2
Sobre mudanças


Notas iniciais do capítulo

Recomendação de musica para ouvir lendo: Ben Cocks - So Cold
https://youtu.be/ga94wVeFBac



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Fim de semana. Casa do meu pai.


Jonathan foi me buscar, e sinto que ficou feliz em ver que eu não estava mais hiperativo. 
— Como foi? - perguntou. 
— Normal. - eu nunca respondia nada além disso. 
—Como estão os bebês? 
Pensei naquelas coisinhas gordinhas se arrastando pela casa e meu humor se elevou um pouco.
— Bem. Engatinhando. 
— Como você tava lá? 
Dei de ombros. 
— Agitado. 
— Eles te trataram bem? 
— Sim. 
Deitei a cabeça no vidro e adormeci rápido. Não queria conversar, estava exausto.
Cheguei em casa e Gabriel estava em meu quarto me esperando. Ele vinha me ver quase todo dia, mas depois da briga que tivemos, Rosana começou a desaprovar as visitas dele. Mesmo assim, deixava ele entrar. 
— Dia bom? - perguntou, provavelmente por eu estar quieto.
—Dia ruim. - respondi, me jogando na cama. - Fiquei duas noites sem dormir, preciso de sono. 
— Precisa. Sua mãe ta estranha comigo. 
— É, eu sei.
— Quer jogar video game? 
— Não. Quero dormir. Amanhã tem escola.
— Eu sei. Posso dormir aqui? É muito mais perto, e ta tarde.
— Não sei se a Rosana vai deixar. 
— Ela nem vai reparar. 
Eu sabia que era verdade. Quando Jon chegava, ela dava boa noite pra ele e ia dormir. Às vezes ela vinha no meu quarto, falava uma coisa ou outra, mas era raridade. Hoje ela não veio, então Gabriel dormiu na cama de baixo. 
Eu estava esgotado e tinha a sensação que estava com febre, mas ignorei. Talvez estivesse doente. Eu tinha essa sensação que sempre estava doente, mas sempre estava com sono demais pra fazer alguma coisa a respeito.

Tive um sonho estranho, que parecia rodar na minha mente quando acordei. Sentei na cama, sentindo meu corpo gelado, e vi que estava tremendo um pouco. "Não pense sobre isso" falei pra mim mesmo. Já era de manhã e eu não podia de jeito nenhum faltar aula de novo, estava perto de reprovar por falta.
— Ta tudo bem? - Gabriel perguntou, o que era uma pergunta estranha de se fazer pra mim.
— Eu preciso de um banho.- foi tudo o que eu respondi.


Enquanto caminhávamos pra escola, eu estava me sentindo fora do ar, como se minha cabeça tivesse sido enfiada embaixo d'água, o que é normal pra mim, mas eu nunca me acostumo. Gabriel ficou em silêncio no caminho, porque me conhecia o suficiente pra saber que eu não iria prestar atenção em nada do que ele disesse. A companhia dele e o ar quentinho, nessa cidade quase que sempre fria, era reconfortante, mas o conforto acabou quando cheguei na escola.

Normalmente, eu era um aluno até que bom, essa era uma coisa que eu não tinha o que reclamar. Ficava quieto nas aulas, a não ser pelos constantes tiques nervosos que aconteciam de vez em quando, tirava notas razoáveis na maioria das vezes e, se não conseguisse pelas notas, me passavam por conceito. Mas eu tenho meus incidentes: aprendi a sossegar depois de ser expulso de duas escolas.
Eu já tinha uma advertência nessa escola, por causa do dia em que acabei chutando uma das cadeiras longe e comecei a gritar. Não sei o que deu em mim, mas sei que depois disso, todo mundo começou a me olhar esquisito. Não fez diferença, já estava acostumado, porém não poderia receber outra advertência, ou seria expulso. Estava indo bem... Até hoje.
Por algum motivo, aquele sonho não saia da minha cabeça. Eu via uma criança loira, de olhos verdes gritando, chorando e implorando por ajuda, e também via meu pai, batendo na criança. O rosto estava meio borrado, mas parecia meu irmão. Eu queria ajudar, mas só ficava ali parado, olhando. A imagem ficava passando de novo e de novo na minha mente, senti uma corrente de energia aleatória e pensei "Merda."
Respirei fundo. Vou prestar atenção na aula, não no sonho. Tudo bem, é fácil. Exceto que eu não conseguia controlar as imagens passando na minha mente.
Será que era real? Parecia tão real.
Lembrei de mim mesmo, naquele lugar. Aquela criança já foi eu. Mexi a cabeça pro lado, num tique involuntário. Segurei a cabeça com as duas mãos e apoiei na mesa, fechando os olhos e respirando fundo.
Ta tudo bem.
"Você não pode surtar aqui", lembrei pra mim mesmo.
Soltei um soluço reprimido na garganta. Estava chorando, e nem sabia porque. Era só uma sensação estranha, passando por todo meu corpo, que eu precisava colocar pra fora de alguma forma. Eu sabia que estava chorando alto, e sabia que estava todo mundo olhando, mas parecia não importar. Minha visão estava com manchas escuras e eu pensei que fosse desmaiar.
Senti uma mão nas minhas costas, e ouvi a voz de Gabriel, como se estivesse muito distante.
"Nick?" ele chamou. Não respondi, não importava. A professora veio e gentilmente sugeriu que eu fosse pra casa, Gabriel se ofereceu pra me levar. Eu me sentia fora do ar, então só levantei e ia sair, ainda chorando, até que ouvi uma risada, que reconheci ser de David, um garoto irritante que falava com todo mundo.
"Esse garoto deveria ser internado" ele disse, alto "Eu juro, nunca na minha vida, vi uma aberração tão grande. Todo dia é isso."
Eu olhei pra ele a tempo de ver sua namorada dar um riso baixo, mas o repreender. Senti ódio por todo o meu corpo, e então perdi o controle por uns instantes.
Quando vi, tinha derrubado David no chão, por cima dele o batendo.
Eu não sou muito bons em brigas, mas a adrenalina do momento me dejcou especialmente forte. Mal senti as revidadas do garoto, só sabia que toda minha energia acumulada estava se liberando. Não pensava em nada, só queria bater nele até seu rosto ficar irreconhecível.
Senti braços fortes me puxando pra trás, e me debati por uns instantes, a raiva fervendo em mim. Eu tremia. Então soltei meu peso, de uma vez, quase perdendo a consciência, mas me manti acordado. Talvez os socos de David tenham sido mais fortes do que pareceram na hora. Assim que me acalmei, a pessoa -que reconheci ser o professor de educacão física - me soltou e disse, baixo "Diretoria. Agora."
Olhei pra imagem de David no chão, inconsciente, sangue escorrendo de sua boca, e me senti um monstro. Lembrei dele falando. "Aberração". Bom, talvez eu seja mesmo.
Os próximos vinte minutos se passaram de forma confusa pra mim, como uma série de borrões. Eu estava lá, parado, silencioso, sem demonstrar emoção nenhuma, como se assistisse tudo de longe, anestesiado.
Me lembro da diretora, falando e falando e falando, então ligando pra minha mãe. Algo sobre expulsão. Minha mãe deveria assinar alguma coisa. Eu deveria procurar ajuda. Algo assim.
Rosana chegou lá gritando, o que me trouxe de volta pra realidade da pior forma.
— Como você pôde fazer isso, garoto? - chegou, olhando pra mim nervosa.
— Senhora? - a diretora chamou - Acho que nós precisamos conversar sobre...
— Agora não! - Rosana interrompeu, então me pegou pelo braço e foi andando até o carro.
A escola ficava a 10 minutos de casa, então estranhei ela ter ido com o carro, mas não falei nada. Não conseguia falar nada.
Assim que entramos no carro, ela começou a dissertar sobre como eu era um inútil e como não valorizava tudo que eles davam pra mim. Começou a contar sobre preços e tudo que ela e meu pai gastaram naquela escola pra eu ser expulso. Então disse:
— Sinceramente? Eu não te aguento mais. - aumentou a voz e gritou, no meio do trânsito - Eu não aguento mais, Nicolas!
Me senti enjoado. Olhei pela janela, não estávamos no caminho de casa.
— Pra onde a gente ta indo?
— Não interessa.
— Pra onde a gente ta indo? - gritei, juntando toda a energia que ainda tinha em mim. Estava começando a ficar ansioso.
Sinal vermelho. Ela parou e me olhou nos olhos, e meu coração doeu, literalmente. Aquele olhar era de pura decepção, ao invés do desprezo de sempre.
— A gente ta indo pra casa do seu pai. Ver se ele dá um jeito em você.
Não entendi.
— Como assim?
— Já disse: eu não aguento mais. Não quero mais saber, sinceramente.
As palavras não entravam na minha mente.
—Vamos ver se morando com seu pai - ela continuou - você para de causar problema.

Meu corpo todo tremeu, o enjoo aumentou.

— Não... - murmurei - não, você não pode... Rosana. Não. Por favor. - aumentei o tom - por favor!

Mas no fundo eu sabia que nada do que eu falasse adiantaria alguma coisa. As coisas, que ja estavam ruins pra mim, estavam prestes a ficar mil vezes piores. E não tinha nada que eu podia fazer.


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