Campo de Girassóis escrita por Ash Albiorix


Capítulo 17
Sobre despedidas




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Minha primeira reação ao ver minha mãe explodindo os próprios miolos foi cair no chão, involuntariamente. Caí agachado e Isabelly me segurou, tremendo. Eu estava de costas pra confusão, mas conseguia ouvir os gritos e a movimentação.
Senti meu estômago revirar e a imagem voltar a minha mente.
Eu tremia, e Isa também.
Todos estávamos assustados.
Levantei, devagar e observei a situação, ainda agarrado em Isa, pra protegê-la mas também porque estava assustado. Martha foi até mim, em silêncio. Jonathan estava agarrado ao corpo de Rosana, chorando convulsivamente. Um segurança tentou tirá-lo, mas mal conseguiu chegar perto.
Eu sabia que precisava ir lá. Olhei pra Isabelly e ela concordou com a cabeça, me encorajando.
Rogério foi levado pela ambulância rapidamente, mas Rosana não. Não havia esperança pra ela, já estava morta.
Fui andando devagar, segurando minha ansiedade que ameaçava atacar.
Me abaixei do lado de Jon, evitando olhar pra minha mãe.
Encostei no braço dele, devagar.
— Jonathan. - chamei.
Ele me olhou, soluçando, seus olhos apertados.
— Vem aqui. - murmurei, o puxando pra perto devagar. Ele não resistiu, apenas me deixou abraça-lo. O virei de costas pra Rosana e assisti enquanto a levaram pra longe. Eu também estava chorando. Meus sentimentos não podiam estar mais confusos.
Rosana morreu instantaneamente e Rogério teve uma hemorragia no caminho pro hospital.
Meus pais foram mortos, na minha frente.
— E como você se sente em relação a isso? - doutora Eliane, a psicóloga, me perguntou. Poucos dias depois do acontecido, me levaram a psicóloga. Jon também foi em uma, visto que estava mais arrasado que eu.
— Eu me sinto esquisito. Culpado.
— Por que?
— Porque eu nunca gostei deles. Eu fico até feliz por Rogério ter morrido e se sentir assim sobre a morte de alguém é só... Muito ruim.
— E sobre sua mãe?
Balancei a cabeça, confuso.
— Eu... Eu não sei. Ela nunca agiu como uma mãe pra mim, mas... - funguei, sentindo os olhos encherem de lágrimas - Mas ela era minha mãe, sabe? E algo em mim... - limpei as lágrimas com as costas da mão - Algo em mim esperava algum dia se reconciliar com ela.
— Você mencionou que ela tinha te pedido desculpas. Você aceitou?
—Não, e me arrependo. Não sei se é porque ela está morta agora, eu só sinto que... Não sei, talvez tivesse esperança pra ela. E o fato de não ter tido me faz pensar que talvez não tenha esperança pra mim.
Os pensamentos suicidas nunca estiveram tão presentes na minha vida. Eu me sentia compilado a um final trágico, já que todos na minha família tiveram um. Era quase como se eu estivesse destinado a me matar.
— Nicolas, você não é sua família. Suas decisões te levaram a caminhos muito diferentes.
—A única pessoa que restou foi meu irmão.
— Eu reparei que uma moça te trouxe até aqui e está esperando na recepção, junto com uma garota. Quem são?
— Minha madrasta. E minha melhor amiga.
— E quanto a sua madrasta? Ela faz parte da sua família também.
— Mas ela era ligada a mim por causa do meu pai. Agora que ele morreu, parece que não tenho mais ligação real com ela.
Então a psicóloga me atingiu com a pergunta:
— Você tem medo dela te abandonar?
Comecei a chorar, evitando olhar diretamente nos olhos de Eliane.
— Eu tenho medo de todos me abandonarem. - admiti. - Eu me abandonaria. Eu venho com tantos problemas que... - solucei - nem sei como eles me aturam. E eu amo Isabelly, a garota que está lá fora, e eu quero muito algo com ela mas... Mas eu tenho tanto medo. Eu tenho medo de contato físico e medo de contato emocional, eu tenho medo de tudo. E se Martha me abandonar, eu... Eu nem sei. - o choro ficou mais forte - Pode parecer desrespeitoso, já que minha mãe ta morta agora, mas Martha... Foi a única mãe que eu tive. De verdade.
—Você passou por um trauma. - doutora Eliane disse quando eu me acalmei um pouco - É normal que esses sentimentos estejam presentes em você. Além do mais, você tem um transtorno. Tudo isso é complexo, mas você está aqui, tentando melhorar. Você se abriu e eu percebo o quanto foi difícil se abrir pra alguém com todas essas restrições. É por isso que você precisa trabalhar pra chegar em um lugar que você goste, que se sinta confortável. E com trabalhar eu digo continuar vindo as consultas, tomar seus remédios, fazer o que estiver a seu alcance pra amenizar os efeitos negativos que sua infância teve em você e construir sua própria vida. Seu próprio caminho. Transtorno bipolar é altamente tratável, transtorno de estresse pós traumático também. Essa é nossa primeira consulta, mas muitas outras estão por vir. E você está no caminho certo buscando ajuda, Nicolas. Já é um grande passo e deveria estar orgulhoso de si mesmo.

Sai de lá me sentindo vazio- vazio bom. Como se tivesse colocado tudo pra fora. Isabelly e Martha estavam na sala de espera, e eu suspirei e limpei o rosto ao vê-las lá. Isa abriu os braços e me envolveu num abraço. Numa coragem súbita, e pensando no que doutora Eliane me falou, eu disse pra ela:
— Acho que to pronto pra gente marcar aquele encontro.
Eu queria construir meu próprio caminho. E com Isabelly do meu lado.
Isabelly sorriu, o sorriso enrugando seus olhos. Ela estava genuinamente feliz e eu queria apertá-la e agarrá-la.

No entanto, minha alegria se dissipou quando, no mesmo dia, tive que ir ao velório de Rosana.
— Eu não estou pronto. - confessei a Martha, sentado no sofá, meus ombros tensos.
A campainha tocou e eu abri a porta pra Isabelly, que estava com um vestido preto. Quis falar que ela estava linda, mas não sabia se seria apropriado, então guardei pra mim.
— Como você ta? - Isa perguntou. Eu suspirei, não tinha resposta pra aquilo. - Martha vai?
— Não. - ela respondeu. - Vou ir me despedir de Rogério. Eu sei que ele fez muitas coisas ruins, mas... Não sei, eu sinto que preciso.
— Ta tudo bem, não estamos te julgando. - Isabelly respondeu, e olhou pra mim pra se certificar que eu concordava, ao que eu dei de ombros.
Fomos no carro em silêncio total. Deixamos os bebes com o pai de Isa, que estava em casa, pegamos Jonathan e fomos.
Jon continuava arrasado, os olhos com olheiras fundas e a mão levemente trêmula.
— Jonathan? - Martha chamou.
— Oi?- ele disse, se apoiando no banco da frente, onde Isabelly estava.
—Como você ta indo?
Ele respirou fundo.
— Ainda é difícil de processar tudo que aconteceu. E aquela casa... Me lembra tanto ela.
— Você não quer passar uns dias com a gente?
O olhar de Jonathan se iluminou um pouco, mas então ele se retraiu.
— Eu não quero incomodar. - falou, encostando no banco de novo.
— Ta tudo bem. Tenho certeza que o Nicolas também ta precisando de companhia. Eu de ajuda com os gêmeos.
—Ah... Tudo bem então.
A faculdade de Jonathan não era longe da nossa casa, então não o atrapalharia, embora eu soubesse que ele não estava indo a faculdade.

Chegando lá, eu fiquei do lado de fora da capela vazia onde o corpo de Rosana estava. Na do lado, estava Rogério, ao que Martha foi até lá.
Isabelly olhou pra mim, como se esperasse que eu falasse algo.
— Eu to com medo. - admiti.
— Eu também. - Jonathan respondeu.
—Coragem, garotos. - Isa disse baixo, carinhosamente. - Nick, você quer que eu espere aqui fora?
Eu a olhei, estreitando os olhos e procurei o braço dela.
— Por favor, vem comigo.

Me lembrei do enterro de minha vó, que não tinha sido nada parecido com aquele. No de vovó, estava cheio de pessoas e um pastor, e cantaram músicas religiosas. No de Rosana, apenas tinha aquele vazio enorme, o silêncio preenchendo a sala. Era triste o fato de que o vazio foi tudo que ela deixou pra trás. Jonathan foi o primeiro a ir até ela. Ele falou algumas coisas baixo e chorou um pouco, então voltou e se sentou com a gente.
— A gente não deveria... Sei lá, falar algo? - Jon falou.
— Eu não sei o que dizer, me desculpa.
— Eu posso?
Balancei a cabeça afirmativamente. Pensei que ele fosse se levantar e fazer algo formal, mas se virou pra mim e começou, mas logo se arrependeu.
— Eu não consigo.
— Meninos? - Isa chamou - Vocês não precisam fazer isso. Eu sei que vocês queriam que fosse diferente, mas o que ela tem são vocês. A gente. E o que a gente pode fazer é, talvez, sentar aqui e lembrar as partes boas. Vocês podem me contar, já que eu não sei muita coisa.
Me esforcei pra pensar numa parte boa do meu relacionamento com ela, mas não consegui. Então lembrei de algo.
— A comida dela era muito boa.
Jonathan soltou uma pequena risada.
— Era mesmo. - então balançou a cabeça e disse- Eu me sinto mal em sentar aqui e falar como ela foi uma boa mãe pra mim. Porque, apesar de tudo, do controle, da obsessão com meu pai, ela foi. Ela me protegeu. E isso não é justo com você, Nicolas.
Era um velório regado a raiva. Eu balancei a cabeça, mais do que nunca me lembrando do fato de que ela se matou.
— Ela pagou seus pecados. - respondi. - Infelizmente não da forma que deveria ter sido.
Ficamos sentados conversando sobre Rosana, e eu fiz o máximo pra deixar minhas mágoas de lado. No final, mandei eles irem na frente e fiquei lá.
Andei até o corpo da minha mãe, tremendo. Rosana parecia a Rosana de sempre, com sua expressão neutra. Me toquei que já não lembrava mais como era o sorriso dela.
— Oi mãe. - murmurei. - Acho que a gente precisa conversar. - falar como se ela estivesse ouvindo ajudava. - Me desculpa por não ter tido tempo de fazer as pazes com você, desculpa mesmo. Eu não sei se seu pedido foi sincero, nem sei se você fez o que fez por causa de mim. Eu espero que não. Eu queria que tivéssemos mais tempo, mãe.
Era fácil chamá-la de mãe quando ela não estava me ouvindo.
— Eu não vou mentir, ainda estou chateado. Não sei o que fazer pra te perdoar, mas o importante é que estou disposto a perdoá-la. Talvez guardar mágoa não seja o melhor caminho a se percorrer. Eu me lembro de uma época... Em que você foi boa comigo, sabe? Próximo aos meus 7 anos, você passou alguns meses cuidando de mim. Eu não sei o que aconteceu, nunca fui capaz de entender. Mas acho que, em parte, perder o grande amor da sua vida e logo em seguida passar pelo que você passou é o suficiente pra enlouquecer qualquer um. Eu entendo porque passei pela mesma coisa. Mas eu fui sortudo em achar ajuda. Me pergunto como você era antes de tudo isso. Com Jonathan e seu primeiro marido, será que era feliz? Será que era apenas uma jovem loira e bonita que cantava pro filho e beijava o marido antes de dormir? Talvez um dia você tenha sido feliz. - senti um aperto no peito e lágrimas escorrendo pelos meus olhos. - Eu sinto muito pelo o que o mundo fez com você e sinto muito pelo que você fez comigo. Espero que agora você encontre paz. Você merecia mais.


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