Campo de Girassóis escrita por Ash Albiorix


Capítulo 14
Sobre confronto




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/764867/chapter/14

—Nicolas, pega seus irmãos e a Carol e vai pro quarto. – Martha ordenou. Ela tinha um tom de voz autoritário que eu ousaria questionar. Peguei os bebês no colo e Caroline foi andando na frente, grandinha o suficiente pra entender o que estava acontecendo. Atrapalhado com os dois bebês, fui devagar até o quarto. Devagar o suficiente pra ouvir Martha sussurrar:
“Ana, chama a polícia. Ele tem uma arma.”
Um calafrio percorreu meu corpo.
Se acalma, repeti pra mim mesmo.
As crianças.
—Carol, vem cá. Senta aqui no chão. – falei.
Mantive os três sentados no chão comigo, e fiquei de costas pra porta, na frente deles, os protegendo. Algo em mim estava preparado pra Rogério entrar e sair atirando em todo mundo. Então lembrei dela: Isabelly. No mesmo prédio de Rogério, que agora arrumou uma porcaria de uma arma.
Peguei o telefone e mandei:
“Isa, longa história, mas você precisa ficar fora de casa hoje. Você e seu pai. Eu te amo, te amo demais”.
Ao fundo, conseguia ouvir as duas no telefone com a polícia. Rogério ainda batia no portão. De repente, ouvi um tiro.
—Se vocês não abrirem, eu atiro em alguém daqui! – gritou.
Ele não conseguia vê-las, então não teria como atirar diretamente em alguém de dentro da casa. Nem poderia saber que tinha alguém se não fosse pelas luzes acessas.
Ouvi o barulho da porta. Merda, ela estava indo abrir pra ele.
—É o tio Rog? – Carol perguntou. Eu assenti com a cabeça, agarrado nos gêmeos como se fossem minha última esperança. Os dois estavam quietos no meu colo, quase como se pressentissem o perigo.
—A gente não gosta dele. – a menina completou, e eu teria rido se não fosse a situação.
Tudo ficou um silêncio absoluto, quebrado apenas pelo barulho de passos correndo escada acima.
—Cadê ele?- Rogério chegou gritando.
—Ele não ta aqui. – Martha possuía um tom agressivo, desafiador.
Meu pai aumentou o tom de voz.
—Cadê ele, porra?
Ouvi um barulho e então um guincho de dor. O cachorro latiu.
Um tiro.
Naquele momento, fui tomado por um impulso- e não sei dizer se de coragem ou de loucura.
—Carol, - falei cautelosamente – você vai fazer um favor pra mim.
—O quê?- a garota perguntou, tensa.
—Pega os bebês e se esconde em baixo da cama. Você consegue fazer isso?
Ela assentiu. Gabi chorou assim que a tirei do meu colo, e Carolina, esperta, tampou a boca da bebê. Ela carregou os dois até embaixo da cama e me olhou antes de se esconder e no meio do lençol. Fiquei surpreso com a inteligência da garota e, ao mesmo tempo, desejei que essa inteligência não tivesse que ser usada pra se esconder de situações que crianças nunca deveriam ser expostas.
Saí do quarto de cabeça erguida, e me certifiquei de trancar a porta atrás de mim.
Andei até a sala cautelosamente, adrenalina fluindo pelo meu corpo.
—Aqui. – falei. – Pode parar de torturar elas. Eu to aqui.
Ana estava abaixada segurando o cachorro, que a obedecia silenciosamente. Martha não parava de, disfarçadamente, olhar para o quarto, preocupada com os bebês. Eu conseguia ouvir um chorinho abafado, mas Rogério parecia não ouvir.

Nos encaramos e, pela primeira vez em muito tempo, tive coragem de olhá-lo bem nos olhos. Lá estava ele, o homem que me destruiu, parado na minha frente apontando uma arma pra mim. E lá estava eu, punhos firmes e olhar feroz, como se não estivesse à beira de levar um tiro.
—O que você quer? – falei, agressivo. Ele parecia ligeiramente desconcertado, como se nunca tivesse me visto ferver de raiva daquele jeito. Talvez não tivesse mesmo.
Mas era minha vez de resistir.
—Você não tem medo de morrer não? – ele falou, soltando um riso irônico.
—Não. – respondi firme. – Não, não tenho.
Avancei dois passos pra perto dele. Estava dando tempo pra polícia chegar e o distraindo de perturbar Martha e Ana. Mas eu também estava o enfrentando, do jeito que sabia.
—Sabe por que você ta aqui? – falei, e fui interrompido:
—Porque você descumpriu nosso trato.
—Não. É porque você viu que, não importa o que fizer, você não vai me destruir. Não vai! – gritei, e lágrimas de ódio desceram do meu rosto, mas eu mantive a expressão firme.
Ele encostou a arma na minha testa. Era fria e quase me fez recuar, mas continuei lá, como se meus pés estivessem firmados no chão.
Rogério riu.
—Eu vou te matar, garoto.
Ajeitou a arma.
—Então atira. – o desafiei.
Engatilhou.
Nesse momento, duas coisas aconteceram. Enquanto Rogério apertava o botão da arma apontada na minha cabeça, Ana soltou o cachorro. Marley correu até lá e cravou os dentes na mão de Rogério, o puxando pra longe. Ele caiu no momento que apertou o gatilho, e tiro foi no meu ombro, me empurrando pra trás.
Cai no chão, apertando o ferimento. Soltei um grito, quase animalesco. A dor não se parecia com nada do que tinha sentido antes, fazendo não só meu ombro mas tudo ao redor queimar.
Marley se posicionava em cima de Rogério, o contendo. Ele tentava atirar, mas aparentemente o peso do cachorro o imobilizou.
Menos de um minuto depois a polícia chegou e Ana chamou o cachorro, que foi obediente até ela. Rogério foi algemado e levado.
—As crianças. – murmurei. A dor estava começando a piorar e eu sentia uma poça de sangue se formando ao meu redor. – Argh!
Martha foi correndo até mim ao ouvir o grito. Ela chorava.
—Já chamamos uma ambulância. – um policial avisou. – Estão chegando.
—Você foi muito corajoso – ela disse – mas, pelo amor de Deus nunca mais faz nada parecido!
Aquilo tinha tom de bronca. Se eu tivesse raciocinando direito, processaria melhor o fato de que fiz besteira.
Senti que ia desmaiar e Martha me deitou em seu colo. Continuava chorando, e eu sabia que provavelmente era pelo susto. Afinal, tudo estava bem.
Certo?
Minha visão ficou borrada.
A dor foi se dissipando à medida que minha consciência ia falhando.
—Nick. Não. Olha pra mim. Ta tudo bem, okay?
Me esforcei pra concordar, mas não consegui.
Apaguei.
Acordei algumas vezes na ambulância, a dor ainda tão forte quando antes. Eu gritaria se conseguisse.
Acordei novamente num hospital, um que eu não conhecia ainda. Parecia ser de noite e Martha estava dormindo. Meu ombro ainda doía e a agulha em minha mão me dava um leve desconforto, minha cabeça latejando. Me sentia fraco e aéreo. Tive medo de ter ficado inconsciente por muito tempo, como da última vez, mas reparei que Martha ainda usava as mesmas roupas. Não ousei tentar levantar.
—Martha? - chamei, o mais alto que minha condição permitiu. Ela acordou devagar e seus olhos estavam vermelhos e inchados. Parecia aliviada ao me olhar.
—Que bom que você acordou.
Não estava conseguindo raciocinar direito.
—Eu... Me sinto esquisito.
—Você perdeu muito sangue. Mas a bala não atingiu nada importante e eles já retiraram. Seu braço vai voltar ao normal, você vai ficar bem.
Foi só quando ela mencionou que eu percebi que não conseguia mover o braço, ou era atingido por uma onda de dor no ombro. Virei minha cabeça pro lado e senti os olhos pesados. Estava exausto.
—Rogério foi preso. – Martha murmurou, quase num tom de lamento. Por alguns momentos, tinha esquecido que ele era o marido dela. Aquilo estava sendo tão pesado pra Martha quanto pra mim. Talvez até mais.
—Isso é...bom.
Ela concordou com a cabeça. Eu me sentia aliviado.
— Pode dormir, você deve estar cansado. - Martha falou, e então me senti culpado.
—Sinto muito por ter surtado lá. – falei. – Eu não sei o que deu em mim.
Ela balançou a cabeça.
—Não vou te julgar por aquilo. Estávamos sendo ameaçados, não tem como agir num juízo completo. No final, tudo deu certo. Rogério foi preso por porte de arma ilegal e tentativa de homicídio. Seu ombro vai melhorar logo e aí vai ficar tudo bem.

Eu concordei. Era uma sensação de paz e, ao mesmo tempo, eu sentia muito por minha família ser daquele jeito. Queria que as coisas fossem diferentes.

— Você sabe da Isa? - perguntei.
— Ela me ligou. Ficou preocupada com a sua mensagem. Disse que iria passar aqui ainda hoje. Eu liguei pra Jonathan e ele disse que vem amanhã de manhã antes da faculdade.

Queria esperar Isa, mas logo dormi. Me sentia exausto, e, conforme ia passando o tempo, a dor ia surgindo. Acordei com mãos carinhosas mexendo no meu cabelo. Sorri, sem nem precisar abrir o olho pra saber que era Isabelly.
— Bom dia, Superman. - ela disse, e eu sorri.
— Superman? - questionei, abrindo os olhos. Minha cabeça ainda doía e fiquei com medo de tentar mexer o braço, ainda lembrando da dor de ontem.
— Falaram que você salvou todo mundo ontem.
—Sendo estúpido. - me remexi, desconfortável - Que horas são?
— Não sei, mas já ta de manhã. Você dormiu a noite toda dessa vez.
— Dessa vez? - questionei. Ela soltou um sorriso triste.
— Não sei se você estava consciente o suficiente pra se lembrar, mas da última vez que você tava no hospital... As noites foram péssimas.
— Eu me lembro. Os pesadelos.
— É.
— Mas você dormiu bem dessa vez, isso que importa.
— Mas ainda estou tão cansado. - falei, fazendo um leve drama. Ela riu ao perceber.
— Nick, eu vou pra escola daqui a pouco. Tudo bem? Jonathan já chega.
Concordei com a cabeça e fechei os olhos. Ela voltou a passar a mão no meu cabelo e eu caí no sono.

Foram dias de muita dor e muito sono, e muita Isabelly me mimando. Eu prometi a ela que, quando saísse dali, ia a levar num encontro- o que me motivou ainda mais a melhorar.
Eu estava no hospital, tudo estava uma bagunça e, no entando, eu estava bem. Me sentia leve, talvez os remédios estivessem fazendo um efeito melhor do que o esperado. Doutor Luciano até me elogiou.
Parecia que tudo estava se encaixando. Exceto Jonathan- não, Jon não. Tinha algo de errado e eu não sabia o quê.
Ele passava no hospital, mal falava comigo e já saia. Também não olhava diretamente nos meus olhos, era como se tivesse uma barreira entre nós. Nos primeiros dias, não tive coragem de questionar. Mas, conforme a dor foi diminuindo e minha energia voltando, me determinei a tirar de Jon o que o estava incomodando.
— Espera. - falei, quando ele estava saindo, dizendo que tinha um monte de coisas pra fazer.
— O que?
— Senta aí, cara.
— Eu te disse, eu tenho que...
— Eu sei que você ta mentindo. - o interrompi, rudemente. Ele me olhou, em silêncio. - Senta aí. - repeti.
Ele sentou no sofá que ficava do lado da cama, e apoiou o cabeça entre os braços. Eu estava forte o suficiente pra sentar, desde que não colocasse força no braço ruim, então me sentei.
— Me conta o que foi. - pedi, com a voz infantil de um legítimo irmão mais novo.
— Eu só preciso processar algumas coisas.
— Que coisas?
— Nick, isso vai ser difícil pra você. É por isso que não quero te contar.
— Você se distanciando também é difícil pra mim.
Ele respirou, relutante. Então disse:
— Eu estivesse conversando com a mamãe... - ele disse.
E foi assim que começou a conversa que mudaria toda a perspectiva que eu tinha sobre mim mesmo até aquele momento.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

É, gente...ta acabando. Deve ter, mais ou menos, mais uns dois ou três capitulos. Não sei dizer se estou feliz ou triste ahsjsjsj



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Campo de Girassóis" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.