Campo de Girassóis escrita por Ash Albiorix


Capítulo 1
Sobre crises e assassinato




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/764867/chapter/1

Foi numa segunda-feira, olhando pro nada que decidi me dar de presente de aniversário de 18 anos o corpo do meu pai morto, e estava determinado dessa vez.


Parte 1: Preto.

Meu pai sempre diz que eu tenho uma imaginação fértil. Por ironia do destino, muita dessa imaginação começou a ser gasta imaginando como eu iria matá-lo. Analisar a estrutura da casa e as brechas que eu teria foi o principal motivo pelo qual concordei em passar todos os finais de semana lá. Eu vou, observo cada detalhe. Anoto, as vezes. Penso. Se Gabriel, meu melhor amigo, soubesse disso, provavelmente diria que eu estou obcecado, e por isso eu não conto para ele. Essa rotina tem se repetido há um longo tempo, no entanto, nunca tive coragem de fazer nada. Mas agora ia ser diferente.
Talvez eu o sufocasse com o travesseiro, enquanto Martha dormisse do lado dele. Eu provavelmente deveria matá-la também, mas o que aconteceria com os gêmeos? Nunca pensei em fazer nada com os bebês. Não, eles são as únicas pessoas na família que talvez gostem de mim, provavelmente porque não entendem as coisas ainda. Não que eu não ache o comportamento das pessoas justificável. Se eu tivesse um filho que nem eu, também desistiria. Também me ignoraria, como minha mãe fez nos últimos anos e, especificamente, nesse momento.
Sentados na mesa de jantar do nosso pequeno apartamento, Rosana perguntava para meu irmão Jonathan como foi o dia dele.
—Foi bom, mãe. - respondeu, distraído, comendo sua comida.
Eu batia a mão na mesa, lentamente. Eu tinha desses tiques, correntes de energia que surgiam do nada e precisavam ser gastas de alguma forma. Aumentou. Era como um choque. Comecei a bater a colher na mesa, e depois no prato, o ritmo aumentando. Rápido, mas não rápido o suficiente. Eles faziam o possível pra ignorar.
—Sabe aquela prova? - Jon continuou, depois dos dois trocarem um olhar confuso ao notar o que eu estava fazendo. – Eu acho que fui bem. Não sei, to confiante. 
O barulho da colher no prato vazio estava começando a me incomodar profundamente, minha respiração ficando pesada. Queria levantar, me mexer. Algo estava errado. 
—Você foi bem amor, certeza. É inteligente.
Algo estava muito errado.
As vozes deles foram sumindo.
Minha perna mexia junto agora também. Todo meu corpo estava cheio de energia. Eu provavelmente tremia.
Rosana olhou pra mim, furiosa. Tirou o prato da minha frente bruscamente, fazendo a colher bater no vidro da mesa. Encheu de comida, até que não sobrasse canto nenhum vazio.
— Come. – ordenou. 
A olhei, confuso, me sentindo perdido por ter sido interrompido. Não queria obedece-la, mas comer era algo pra fazer e eu precisava desesperadamente fazer alguma coisa, então comi o mais rápido possível. Às vezes, quando ela percebia que eu estava prestes a surtar ou quebrar algo, sua reação, além de ignorar, geralmente era me dar algo pra fazer.
Comi até vomitar. Sai correndo da mesa para o banheiro e passei mal enquanto eles conversavam sem minhas distrações por perto. 
—Nicolas. – alguém bateu na porta do banheiro depois de alguns minutos. Era Jon. – Nick, tudo bem?
Eu estava sentado no chão, respirando fundo e tentando me recuperar. Levantei devagar e abri a porta, o encarando. Senti puro ódio. Não respondi, apenas esbarrei em seu ombro e fui andando para o quarto. Não queria falar, não agora. 
Não pude deixar de ficar feliz quando fui até o quarto e vi Gabriel da janela, e então a campainha tocou.
—Jon! – gritei – Jon, vai abrir a porta pro Gabriel. 
Jonathan foi até perto de mim, os cabelos loiros quase cobrindo os olhos inchados de sono.
—Nick, ta tarde. – ele falava devagar comigo. Ainda pensava que falar devagar, de alguma forma, me acalmaria. Não acalmava.
—O que eu posso fazer? Eu não chamei ele. Vamos deixar ele lá fora? 
—Mamãe já falou que não quer mais vocês dois se vendo, Nick.
Ele repetia meu nome sempre que falava comigo, pra me fazer prestar atenção. Funcionava, de alguma forma.
—Ela não é minha mãe! – gritei, nervoso. Eu não sabia de onde a raiva repentina surgiu, mas estava lá. - Eu já te falei pra parar de falar isso.
—Porque eu pararia? Você nasceu dela. Ela é sua mãe. 
—Não é! – gritei. Estava chorando – Não é! - lembranças passavam pela minha mente- Mães não são assim. Ela só é sua mãe, Jonathan! 
Eu já devia ter acordado alguns vizinhos. Rosana deveria estar ignorando. Jon, no entanto, chegou um pouco mais perto. 
—Não me toca. – falei. – Vai se foder!
—Nick. – ele disse, sabia que o som do meu nome me acalmava. Me puxava pra realidade, de alguma forma. – Nick, ta tudo bem. Ta me ouvindo, Nicolas? Eu não vou te tocar. Ok? Você pode parar de se afastar. Eu só vou ficar aqui.
—Eu não quero você aqui!
Minha cara fechada contrastava com as lágrimas descendo.
—Mas eu vou ficar. Eu vou ficar porque alguém tem que cuidar de você, Nick. 
Joguei meu travesseiro longe.
—Eu não preciso de ninguém! – então joguei o cobertor, com força – Argh! Aaargh!
Tinha muita energia em mim. E muita raiva. Jonathan saiu, e eu senti um pequeno vazio. 
Ele voltou com um copo de água e outro de chá. 
—Qual você quer? 
Deixei Jon chegar perto de mim, aos poucos. Bebi o chá, na esperança que me acalmasse. Ele ficou sentado na minha cama até quando pensou que eu dormi. Mas eu não dormi aquela noite, geralmente não dormia às sextas. Me acalmei o suficiente pra ficar parado na cama, o que era um avanço. 
Chegou uma mensagem de Gabriel no celular. “Fui embora. Ouvi algumas coisas. Você é um fodido, sabia?”
Sim, eu sabia. Era a única coisa que tinha certeza. Alguns dias eram mais fodidos que outros. Comigo, nunca se sabe como o próximo dia vai ser.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Campo de Girassóis" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.