Pequenos Contos escrita por Tah Madeira


Capítulo 9
Memória (parte 6)


Notas iniciais do capítulo

Demorei, mas voltei e um novo capítulo desse conto, que nem mais é pequeno....

Obrigada pelos comentários, leio e tento responder a todos, não sabem o bem que isso faz.

Espero que gostem.

Boa leitura



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(Por Aurélio)

—Como assim Ema? — o que sua filha estava querendo dizer, ele parecia saber, sente que já sabe o que a menina quer dizer, mas necessita ouvir da boca dela.

— Papai vamos para casa— ela revira os olhos ao ver a cara de desagrado do pai— Está bem vamos para a casa de dona Julieta. — nem espera por uma resposta dele, e já vai saindo.

—Eu levo vocês.— o inglês aparece e se aproxima dos dois.

— Não precisa Darcy, daqui até a mansão é perto, e uma caminhada vai  nos fazer bem e nos dar tempo, só avisa a Ernesto, obrigada — diz a baronesinha, entrelaçando o braço no do  pai.— Vamos papai.

A noite é fresca, mas o seu rosto arde conforme vai ouvindo os acontecimentos dos últimos meses, a falência da família, a ocultação da situação para que ela não viesse  a sofrer, mas a forma como Ema descobriu foi pior trazendo sentimentos de raiva e impotência de volta, estão no portão da mansão quando ele a questiona.

— Então elas nos expulsou mesmo?

— Papai, dona Julieta antes era outra pessoa, tinha outros pensamentos, uma visão da vida que hoje, posso afirmar que não faz mais parte dela e que dia a dia ela vem tentando mudar e se redimir.

— Então é isso o que sou, que essa ajuda vem sendo um processo de resgate, uma forma de absolvição?

    — Não é bem assim, vocês dois...— ela pensa no pedido que a Rainha do Café fez a ela e resolve se calar, não iria quebrar aquela promessa, deixaria que ela mesma contasse a verdade para seu pai.— Tem coisas que só ela pode dizer e novamente eu peço, fale com ela.

— Pode estar certa que eu farei, quero saber de tudo e mais ainda o porque eu aceitar a ajuda de quem gravemente nos humilhou.— ele entra na casa — Você deveria ter me contado tudo Ema....

 

( Por Julieta)

 

Não sabia de onde vinha aquela inquietação, era algo que oprimia o peito e tirava a concentração de qualquer coisa que fosse fazer, após chegar da consulta de Aurélio, tentou relaxar com um banho, o que não teve efeito, apesar da tranquilidade momentânea que água trouxe ainda sentia um desassossego, a jantar sozinha, só serviu para comer pouco, tentar trabalhar só fez que números e contratos a entediar mais, ler o livro que estava gostando não surtiu efeito, pois a cada página lida era esquecida logo em seguida, acabou por abandonar o livro sobre a mesa do escritório, a sensação que  deveria ter ido ao jantar nãos sai de sua cabeça, era isso o que estava a deixando inquieta, o que poderia acontecer lá sem a sua presença?

Sua pergunta é logo respondida pela porta da frente que bate e passos  são acompanhados de vozes alteradas, Ema e Aurélio quem entram.

— Você deveria ter me contado Ema, essas coisas não se omitem de um pai.

— Claro assim como você e o vovô me falaram sobre a nossa situação— ela sabia que tinha sido um golpe baixo o pai nem se lembrava do que ela falava  e o sentindo que queria dar aquilo, Julieta dá uns passos em direção a sala, mas assim que os olhos de Aurélio batem com os delas, Julieta vê ressentimento e raiva naquele olhar, algo fora do comum para aquele homem, então tem a certeza que aconteceu alguma coisa.

— Está tudo bem? — seu olhar vai de um para  o outro, ele com passos rápidos se aproxima dela.

— Não sei diga a senhora, como pode tomar a fazenda, nos expulsar de nossa casa que pelo que contam de uma forma tão fria e impessoal, e  o principal porque estou aqui? — levo minha mão em meu coração, meu olhar desvia do dela para ir de encontro ao de Ema, em uma pergunta silenciosa, que ela entende e responde.

— Sinto muito dona Julieta, Camilo se exaltou e falou mais que devia, sem tato nenhum— ela pede desculpas, mas quem deveria fazer isso era eu, meu filho fere os outros querendo me punir e tinha ido longe demais ao envolver inocentes.

— Tudo bem Ema— meus olhos voltam encarar os de Aurélio, a raiva ainda está ali, assim como a dúvida e a angústia, era hora de falar tudo o que ele iria querer saber.— Ema deixa eu falar com o seu pai a sós.— tento sorrir para ela, querendo passar tranquilidade, mas meu interior treme com a possível reação negativa  que ele possa vir a ter.— Vamos até o escritório.— dou as costas, ele me segue, a porta é fechada após a sua entrada.— Eu não queria que você soubesse desse modo, Camilo não podia ter feito isso.— começo a falar assim que sentei em minha cadeira,faço um gesto para que ele sente no lugar em frente, mas Aurélio permanece em pé, olhando diretamente para mim sem querer perder um gesto ou palavra.

— Então é verdade.— seus braços se cruzam em frente ao corpo, como quem quer se proteger de algo que possa vir a machucar.

— Sim, a fazenda Ouro Verde estava cheia de dívidas, seu pai fez maus negócios nos últimos tempo, e colocou a fazenda como garantia, eu e meu sócio compramos, sabíamos que vocês não iriam conseguir quitar as premissas a tempo, tentamos negociar, seu pai não aceitou .... —  a voz falha nesse ponto ao lembrar e agora perceber o quanto foi dura, sem conseguir olhar em seu rosto prossigo— E... eu fui intransigente, não dei mais prazos, e cruel no dia em que vocês tiveram que sair de casa. Ema não sabia da situação de vocês, e foi por minhas palavras e atitudes que ela veio a descobrir — por fim levanto o meu olhar e percebo a decepção estampada em sua face, nem mesmo naquele fatídico dia o vi  assim, era vergonhoso esse relato, porém necessário.— Aurélio, quero que saiba que estou arrependida pela como forma agi, hoje você não lembra, mas já pedi desculpas a Ema, a você pela minha crueldade.— levanto e tento me aproximar, ele dá um passo atrás, isso doí, mas entendo sua reação, quantas vezes fui eu a dar aquela passo atrás, não querendo o seu contato— Sei que não justifica, mas antes o meu mundo era só os negócios e proteger Camilo, mesmo do meu modo torto, era como eu via a vida, que se os negócios iam bem e meu filho seguro então estava tudo certo na minha vida, não precisava de mais nada, essas eram as únicas coisas que me faziam sentir viva, assim achava eu...

— O que mudou?— a voz dele soou rouca, baixa demais, se eu não estivesse atenta a qualquer movimento ou ruído, eu não teria ouvido.

— Não foi o que mudou, mas quem me fez mudar— o olho e rapidamente penso em como eu mudei depois da entrada dele em minha vida, mesmo que no começo não queria e muito menos admitia, penso  em tudo o que vivemos nesse pouco tempo. Ele quem gradativamente provocou as mudanças, resgatando um pouco do que fui um dia antes de Osório me matar em vida, ainda agora sem suas memória Aurélio confundia meus pensamentos e fazia com que eu fosse cada vez menos dona das minhas emoções, pois me pego dizendo— Você quem fez eu mudar— ele senta no braço do sofá, os braços ainda cruzados sobre o peito, seus olhos olham além de mim, era tão atípico vê-lo em silêncio estarmos frete e a frente e ele não manter seus olhos direcionados a mim.

— Ema disse basicamente a mesma coisa, que você mudou por mim, porque? — agora sim ele foca seu olhar em mim, não havia mais fugas, nem subterfúgios, era dizer a verdade e esperar para ver,  dou mais um passo ele não tem para onde ir, sentado onde está, com receio, porém tentada demais a continuar, estico minha mão sobre seu rosto e o acaricio, seus olhos se fecham, meu peito acelera quando sua mão cobre a minha, estar do outro lado era bom, observar o quanto o toque de quem se ama mexe com  você, com o sua fisionomia, como aquele contato era recebido, permanecemos segundos assim, observo sua respiração calma, minha mão desce e vai até seu peito, seu coração, sua mão permanece sobre a minha, certa vez ele disse que me levava ali, será se eu ainda estava?

— Porque nós estamos noivos.

 

(Por Aurélio)

 

A consciência te saber que há algo dentro de si e não saber  distinguir, chega ser angustiante, caminhar com Julieta para o escritório foi só uma das vezes em que sentia aquilo, estava chateado pela revelação que Camilo fez, mas mais pela forma como ele fez, eu sabia que tudo aquilo já tinha acontecido, que perdemos a fazenda, Ema tinha mencionado por cima,sem detalhes, agora tudo, ou uma parte foi exposto, e a mulher a minha frente quem a tomou e quem tinha as respostas que pairavam em minha cabeça.

Ao ouvir seu relato, mesmo sabendo que já tinha ocorrido a muito tempo eu não poderia deixar de sentir um pouco de raiva, era como reviver o sentimento de como aconteceu na primeira vez, uma fúria e uma vontade de culpar alguém, e inconscientemente era ela quem eu culpava,não meu pai por sua má administração, ou a mim por minha omissão,  talvez como ocorreu quando houve a situação.

Percebe  que a voz dela falha, arrependimento? Provavelmente sim, mas ao vê-la se aproximar de mim dou um passo atrás, eu a feri, posso ver em seu olhar que ficou mais  triste, sentei no braço do sofá, a imensidão daquele olhar faz com que eu perca um pouco o equilíbrio, sentimentos conflituosos cansam, nunca ouvi falar de esgotamento emocional mas acho que estava começando a ter, tem sido dias tensos e cansativos, e esse abatimento vem mais forte ainda  ao sentir sua proximidade e sua pequena mão em meu rosto, tão delicada, tão suave, consigo sentir um doce perfume, talvez vindo dos seus pulsos, mulheres tendem a perfumar aquela área, mal devem saber os efeitos que isso nos causam, meus olhos instintivamente fechei, minha mão sem eu comandar cobre a dela, minha respiração se acalma ao seu toque, sem abrir os olhos percebo a mão dela descer,  passar por meu pescoço, um leve contato e meu corpo arrepia e meu coração acelera, sua mão descansa em meu peito, segundos passam, tenho uma imensa vontade de puxá-la e deixá-la mais perto de mim, sentir de perto aquele doce perfume, sei que esse cheiro, seu cheiro, deve ser mais forte na parte do seu pescoço, perto de sua orelha, que minha mão cobre perfeitamente a sua cintura, que seu beijá-la na nuca ela vai se arrepiar, como eu sei? mais perguntas sem resposta, assim pensava eu até ouvir o que ela tinha a dizer.

— Porque nós estamos noivos.— ela fala, sem falhar, meus olhos enfim abrem e a observam, os olhos dela estão marejados, a respiração um pouco acelerada, suas bochechas coradas. Algumas coisas começam a fazer sentido, estar ali, ver seguidamente a preocupação no olhar dela, o desejo de a ter por perto, e principalmente meu coração acelerar um pouco mais ao ouvi-la falar "noivos", mas são batidas de felicidade, porém a razão sobrepõe à emoção, como noivos após o relato dela sobre a forma que tomou a  fazenda.

— Noivos? Você e eu? — sei que é uma pergunta irracional, quando todo o meu ser parece querer gritar de felicidade.— Não pode ser.— novamente a machuquei, sua mão sai debaixo de mim e deixa meu corpo, ela vira seu corpo, não consigo decifrar o que vai em seu rosto, mas sua voz sai clara.

— Sei que é inacreditável mesmo você ouvir isso de  mim, após ouvir o que disse que fiz para a sua família, mas você queria ouvir a verdade ...— ela se vira para mim, há lágrimas molhando seu rosto, Julieta abre os braços e se eu não fosse forte o suficiente eu poderia facilmente me encaixar ali— E essa é a verdade estamos noivos, você fez o pedido um dia antes do acidente, sei que deve ser perturbador vindo de uma mulher assim, como eu — fala apontando o próprio corpo, eu só consigo pensar assim como? Linda, forte, poderosa, que erra, admite seus erros e sofre por eles, era como se já tivesse dito aquelas palavras, mas não sou capaz de repetir, ela continua a falar— Mas é real— ela fica olhando a espera de algo que eu não sei, mas dura pouco aquela postura, seus passos se aproximam de mim, suas mãos em meus ombros, seu rosto próximo ao meu— Diga alguma coisa, Aurélio.— pede tão delicadamente, que tenho receio de dizer algo e vê-la novamente se quebrar em minha frente, como sei que aconteceu outra vez, o sonho dela chorando em meus braços parece tão real, ainda mais naquele momento, passo a ter cada vez mais certeza de não ter sido um sonho e sim uma lembrança.

— Eu não sei o que dizer— meus olhos se fecham e dou  um passo a frente, mais perto, mais tentado, minha mão encontra lugar naquele pequeno corpo, parece se encaixar muito bem, poderia jurar que foi moldado para as minhas mãos, seu suspiro me desperta— Só posso dizer que algumas coisas, sentimentos e sensações começam a fazer sentido, que sei porque sonho com você, e anseio em tê-la por perto, que ao tocar você é como encerrar uma busca, que o seu beijo ontem fez vibrar e querer mais do seu toque e gosto. — encosto minha testa na dela, sua respiração se acelera, a minha também, sei que posso machucá-la, mas preciso ser sincero, — Por mais que eu sinta tudo isso, falta algo, você entende?— ela apenas afirma com um leve balançar de cabeça— As memórias de ter vivido com você são primordiais, mas não um impedimento, só peço tempo.— a pequena mão se movimenta de meus ombros e vão em meu rosto.

— Olhe para mim— tenho medo do que vou ver ao abrir os olhos, mas seguindo seu pedido eu os abro.

 

 

(Por Julieta)

 

Falar que estamos em um relacionamento foi difícil, mas libertador, não sabia  a reação dele, mas o conhecendo, mesmo que ele venha esquecer disso, eu não o esqueci, e do quão bom e gentil ele é,  se Aurélio foi capaz de se apaixonar pela fera aqui existente, como ele mesmo disse, ele iria gostar dessa nova Julieta que ajudou a se reencontrar.

Dei passos incerto até encontrá-lo, apoiei minhas mão em seus ombros, agora sabia que era impossível ficar perto e sem o tocá-lo, peço para que Aurélio diga algo, aquele silêncio me incomoda, tenho apreensão pelo que vou ouvir, mas preciso. Ele demora a falar, sei que escolhe as palavras, não quer ser como eu fui e machucar dizendo coisas que vão doer, seu passo a frente encontra meu corpo, suas mãos em minha cintura, como sempre, repousam delicadamente eu suspiro com a familiaridade daquele gesto, suas palavras mesmo que não seja o que eu desejava ouvir, ainda assim  me acalmam, ele diz de seus sentimentos, sensações e que tem sonhado comigo, dando-me mais certeza que sãos as lembranças querendo sair, sua testa encostada na minha, adoro isso, esse contato tão singelo e profundo, confessa que falta algo, sei que sim, e por fim pede o que eu mesmo já pedi, tempo.

—Olhe para mim— pedi, ele demora a fazer, mas o faz, por segundos meus olhos se perdem naqueles olhos, aquele mar tranquilo e sereno, como negar um pedido de quem tanto fez por mim, um pedido de quem eu aprendi a amar— Certa vez  eu confessei não estar pronta para nós, para o amor e tudo o que ele trazia— toco em seu rosto, parecia ser eu agora quem não conseguia para de fazer tal gesto, abro um sorriso— Você com essa sua paciência e porque não persistência, não desistiu de nós, sem desrespeitar meu espaço e tempo, então vou retribuir uma ação tão nobre e dar o que pede— pela primeira vez ele esboça um pequeno sorriso —  E vou roubar a sua frase “eu espero o tempo que for, desde que esteja ao seu lado” .

— Eu disse isso? —ele perguntou,  faço que sim, seu sorriso abre mais, e por instantes tenho meu Aurélio de volta— Bem a minha cara mesmo — suspiro aliviada, permanecemos nos olhando, sem saber o que falar ou fazer, por fim diminui a pequena distância entre nós, rostos tão próximos novamente como na noite anterior, ele pisca, eu ofego.

— Boa noite Aurélio— aproximo mais meu rosto, não perdendo o foco daquela boca que desejo novamente beijar, porém deposito um beijo em sua bochecha, demorando segundos a mais naquele rosto, me afasto.

— Boa noite Julieta. — sai em direção as escadas sem olhar para trás, não queria correr riscos de olhá-lo e perder com a razão e faltar com a palavra.


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