Pequenos Contos escrita por Tah Madeira


Capítulo 1
Confiar.


Notas iniciais do capítulo

A história é narrada a partir do capítulo em que Olegário conta os podres de Susana.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/764263/chapter/1

“Você pode ter dinheiro, luxo, influência. Mas a única amiga que teve em vida fui eu. A única que suportou sua companhia modorrenta e sorumbática. Mas me farei presente, esteja certa! Porque faço questão de me vingar de cada um de vocês, por essa terrível e injusta humilhação. Desejo sorte. Vocês vão precisar.”

As palavras de Susana, ou melhor Genésia ainda ecoa em minha cabeça, não entendo como fui me iludir tanto por uma pessoa, eu que após sofrer o que sofri com Osório, prometi a mim mesma jamais deixar me envolver por pessoas que só querem se aproveitar de mim, falhei, mais uma vez e fui usada.

Olegário saiu a pouco de meu escritório, apesar de sua atitude ser nobre, não posso esquecer como ele veio parar aqui e o quanto ajudou Susana, não posso permitir que ele permaneça ao meu lado, não mesmo, preciso tirar de perto de mim pessoas assim.

Sinto o ar mais leve, talvez por não ter mais aqueles três aqui, mas minuto a minuto não posso deixar de pensar em como fui burra, entretanto também não sou inocente, cometi meus erros, há mais um grande deslize que cometi contra Camilo e ainda precisa ser revelado, e não posso deixar de sentir um frio na espinha ao lembrar do que fui capaz, e de o ter horas atrás pedindo por um recomeço entre nós, deixei passar a oportunidade, e volto a ter medo de perdê-lo, mais uma vez, pois sei que vai ser difícil ele me perdoar.

Vou até a janela, começa a anoitecer, tem uns últimos raios de sol a iluminar o jardim, o dia começou tão calmo, tão tranquilo, estava feliz, tinha visto Aurélio aquela manhã, nos beijamos aquele petulante teve a ousadia de me beijar no jardim, onde qualquer um poderia ver, sem juízo, mas passo os dedos em meus lábios e por um segundo consigo sentir o toque dele junto a mim, depois graças a matéria de Elisabeta, Camilo veio até a mim e conseguimos nos entender, era um dia feliz, estava sendo até Olegário começar a falar e expor o segredos sujos de Susana.

Novamente ao lembrar de tudo penso em suas palavras para mim ao deixar a mansão, “única amiga” será se foi de fato? “Companhia modorrenta” “única que suportou”, por que aquelas palavras marcaram tanto, e de certo modo doía, eu fui daquele jeito mesmo, eu fazia questão de me manter afastada de todos, até do meu próprio filho a quem eu não conseguia demonstrar afeto, não sem pensar em como ele foi concebido violentamente, então por que aquelas palavras me machucavam tanto?

Noto que o céu já começa a ter a primeiras estrelas, ouço a porta abrir e fechar, mas não me viro, pelo perfume que o acompanha já sei quem é, até que Aurélio demorou a vir atrás de mim.

— Saiba que você não está sozinha, não mais. – ouço seus passos e o sinto mais próximo, sua mão em minha nuca, talvez um teste para ver como vou reagir a sua presença, eu dou a mim mesma uns segundos, respiro fundo e inclino a minha cabeça para trás, sentindo melhor aquele toque, Aurélio dá mais um passo e já o sinto em minhas costas, mas limita seus toques em minha nuca descendo para um dos meus ombros, dando leves apertadas, era bom e fecho os olhos. – Sei que ouviu coisas difíceis e que precisa de seu tempo para digerir tudo.

— Você não sabe como – enfim digo, penso em abrir os olhos, mas desisto quando a sua outra mão se concentra no meu outro ombro, ficamos um pouco em silêncio – Mas eu devo ter merecido, dizem que tudo que fazemos um dia volta para nós, seja para o bem como para o mal, então... – ele para as mãos e me faz virar para ele, viro, mas não me permito olhar em seus olhos.

— Não diga isso.

— Aurélio, eu fui tão perversa quanto Susana, ela quis prejudicar a mim, nós duas quando nos conhecemos já éramos mulheres feitas, eu não posso apagar as coisas que fiz a Camilo, ao meu próprio filho, sangue do meu sangue... – eu não consigo continuar pois a voz falha e a vergonha tomou conta de mim ao lembrar, baixo a cabeça.

—Olhe para mim– ele diz e suavemente levanta a minha cabeça com um sutil toque de seus dedos em meu queixo, eu vejo aquele olhar já tão conhecido, cheio de carinho, eu não o merecia –Você sabe os erros que cometeu, e vem lutando para corrigi-los, eu sei disso, acredito que fez coisas querendo o melhor para o seu filho, o que julgou ser o melhor para ele, quanto a Susana ela foi ardilosa, pensado em seu próprio benefício, hoje foi revelado que é a Rainha do Café por seus méritos, que ao contrário do que todos pensavam fez fortuna e não a herdou, sinto que passou por muito mais que o jornal contou. – ele fala tão simples, como tivesse conhecimento do meu passado, e eu começo a chorar sem perceber e querer, ao lembrar do que passei, ele toca meu rosto querendo secar as lágrimas, mas parece ser uma missão quase impossível pois não consigo mais parar de chorar. – Eu entrei aqui dizendo que não está mais sozinha, pois é a mais pura verdade, eu não vou mais sair do seu lado, nem que você queira, eu não deixo mais você.– ouvindo tais palavras em um impulso me jogo em seus braços, apertando ele de encontro ao meu corpo, Aurélio passa seus braços em volta de minha cintura apertando forte, como querendo afirmar em gestos o que acabou de falar, deixo minha cabeça em seu peito, enquanto as minhas lágrimas molham sua roupa, ele deixa que uma de suas mão vá até o meio de minhas costas e fique ali em um brando afago. – Vai ficar tudo bem – suavemente ele diz algumas vezes, e tais palavras me acalmam pouco a pouco– Acho que será bom você descansar agora, o que acha?

— Sim acho melhor, estou cansada mesmo– reluto a me afastar dele, estava bom demais ficar ali, levanto a minha cabeça e encontro aqueles olhos azuis. – Eu não mereço você, eu ... – ele não permite que eu continue, pois sua boca vai de encontro a minha, cortando a minha fala e roubando o meu ar, seu beijo é urgente, abro a minha boca para receber melhor a dele, sinto o seu gosto doce, sua mãos apertam minha cintura novamente, sinto seu beijo descer ao meus pescoço e voltar tão rápido quando foi, meus dedos se perdem em seus cabelos, então tão fugaz quanto aquele beijo começou ele parou. Aurélio encostou sua testa na minha, a respiração dele está tão ofegante quanto a minha.

— Eu te amo– ele diz em um suspiro longo, tais palavras de pronto me assustam e eu não consigo encontrar a minha própria voz para responder, nunca pensei em ouvir tal declaração, novamente ele parecer ler meus pensamentos– Sei que tem seu tempo, que prometi te esperar, mas por favor Julieta, confia em mim e em no meu amor por você. – eu só consigo balançar a cabeça confirmando. – Vem vou ajudar você a subir.

Subimos as escadas lado a lado, mãos dadas, nenhuma palavra é trocada, o receio de mais cedo de algum empregado nos ver foi esquecido, paramos na porta do meu quarto eu abro, ainda segurando a mão dele, eu entro, vejo ele oscilar, eu apenas o puxo, deixando claro querendo que ele entre , em seguida fecho a porta.

— Eu não quero ficar sozinha. –assumo, vejo a confusão nos olhos dele, dou uns passos e ficamos frente a frente, passo os dedos em seu rosto e o vejo fechar os olhos, quantas vezes era eu quem ficava assim a mercê dos toques dele, era um deleite estar do outro lado, me aproximo um pouco mais e beijo sua face, em seu ouvido digo– Você disse para confiar em seu amor, eu já confio, eu quero sua companhia, apenas durma comigo.– beijo novamente seu rosto e me afasto pouco centímetros no exato momento em que ele abre seus olhos, Aurélio me olha como que busca a certeza da minhas palavras, apenas dou um leve sorriso, ele pega a minha mão e a beija.

Então decido começar pelo mais básico sento na poltrona e retiro meus calçados e as meias, Aurélio apenas acompanha meus movimentos parado em seu lugar, fico em pé e me viro para a penteadeira que tem em meu quarto, ficando de costas para ele mas podendo olhá-lo através do espelho, sendo capaz de ainda ver a sua indecisão, tento agir com naturalidade, começo a desprender o meus cabelos dos inúmeros grampos que os prede, vejo ele tirar o paletó ao mesmo tempo que eu ajeito meus cabelos, Aurélio começa abrir a camisa botão por botão, mas parou e me observou quando virei, percebo que ele prende o ar e lembro que é a primeira vez que ele me vê de cabelos soltos, consigo sorrir e ele volta a desabotoar a camisa, noto que ele não consegue abrir os botões das mangas, caminho até lá, pego de surpresa em sua mão e o ajudo, nunca pensei que iria vê-lo assim desconcertado, abro um botão depois o outro, nossos olhos se encontram, sinto a boca secar quando ele tira a camisa e ficar só com a regata branca que veste por baixo, quase ergo a mão para tocar em seu braço, mas no último segundo perco a coragem e viro novamente de costas e me concentro na complicada tarefa e que é sair daquele vestido preto, onde os primeiros botões ficam difícil de meus dedos alcançarem, ainda mais com os cabelos soltos, deveria ter deixado eles ainda presos, tento uma, duas , na terceira tentativa sinto sua mão segurar a minha e frear meus movimentos.

— Deixa eu retribuir e te ajudar– era a primeira vez que ele falava desde que entrou, Aurélio pega meus cabelos e de leve os afasta, com hesitação abre o primeiro botão sinto a sua respiração em minhas costas e seguro forte o encosto da cadeira cravando as unhas para diminuir a tensão, ele abre outro botão, seus olhos fogem de mim e abre o terceiro, com pequenas pausas o vestido já esta por completo aberto. – Pronto, acho que você deve continuar– e com o respeito de sempre ele se afasta de mim.

— Obrigada – consigo dizer ao encontrar a minha voz, ele tira a suas calças ficando apenas com sua peça de baixo, tento não olhar, faço um esforço para perder o pudor e tirar o vestido ali mesmo, mas não consigo. – Já volto.

Querendo ganhar tempo me escondo no banheiro, penso onde eu estava com a cabeça ao fazer ele entrar em meu quarto e seguir adiante com tal ideia, falo várias e várias vezes que não vai acontecer nada, que é Aurélio quem se encontra do outro lado da porta, não o monstro de Osório, mas porque aquele medo vem crescendo pouco a pouco, consigo tirar o vestido e vestir a camisola que há no banheiro, ainda sem coragem de sair, os minutos correm ali mais depressa do que imagino e um bom tempo se passa, por fim lembrando do que ele disse antes, de confiar, reúno a pouca coragem que tenho e abro a porta, e mais uma vez tenho a certeza das palavras de Aurélio, de seu amor e principalmente de seu respeito, o quarto se encontra no escuro só iluminado pela fraca luz da lua, que entra pela janela.

— Achei que assim será mais fácil para você – ouço a voz dele e volto a me acalmar, novamente o silêncio tenso. – Julieta?

— Sim?

— Se você quiser eu posso sair...

— Não, fica– digo mais que depressa, e caminho para cama, sento e respirando fundo deito e me abrigo embaixo do lençol, percebo que Aurélio se ajeita e fica parado, talvez preocupado que ao se mexer eu tenha alguma reação, viro para olhá-lo, ele tem os olhos grudados no teto, mãos sobre o peito, coloco uma mão sobre a dele–Você pode respirar, eu não vou quebrar. – falei sorrido, percebo que ele sorri também e acaricia minha mão.

— Sei que está sendo complicado para você. – tiro minha mão dele, só para puxar seu braço e deitar calmamente a cabeça em seu peito, tão lento quanto meu movimento é a respiração dele, que passa o braço ao redor de mim, consigo ouvir nitidamente as batidas de seu coração, talvez mais fortes que as minhas, meu braço também ganha espaço no corpo dele indo afagar o outro braço, sinto seu beijo em minha cabeça junto com a respiração profunda que ele dá em meus cabelos, respiro também seu cheiro.

— Confio em você, Senhor Aurélio Cavalcante– fecho meus olhos palavras não precisam mais ser ditas naquela noite.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Espero que gostem e se tiverem alguma sugestão, só cometar.