Undercover escrita por nywphadora, nywphadora


Capítulo 13
Capítulo 12




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— Evanna arrumou as coisas dela — comentou Edelweiss, enquanto lixava as unhas de Edge.

Não era um luxo que muitas daquelas garotas podiam se dar antes da Seleção, mas depois, quando fossem eliminadas, poderia ser até parte de suas rotinas. Como seria que o castelo cuidava da adaptação das ex-selecionadas?

Jane não estava inclinada a perguntar a Liam.

— Mais nove e seremos a Elite — disse Benny.

— Quem será que escolheu esses nomes? — perguntou Edge — Porque nós já somos tratadas como rainhas e não somos nem dez ainda.

— Com certeza pessoas que não têm ideia de como aqui é diferente de lá fora — retrucou Reyna.

— Tem tantas perguntas que eu gostaria de fazer, mas parecem tão pequenas e estúpidas — Artemisa manifestou-se — Ainda mais considerando todas essas tarefas que temos que fazer.

Ela se referia ao relatório militar.

— Eu não sei se agradeço a Veta por adiar o debate ou reclamo porque é mais um evento para comparecermos — confessou Stelle.

— Eu prefiro seguir a tática de reclamar — respondeu Sirena.

— Ah! Fala sério! Nós só vamos ficar sentadas por algumas horas, comer e socializar — disse Reyna, como se não fosse nada demais.

— Mas, sério, por que a Evanna foi eliminada? — Fabiane interrompeu-as — Nada contra, quanto mais castas altas eliminadas, mais chances da escolhida ser alguém que realmente vá mudar alguma coisa.

— Ela envenenou a Fran — Jane finalmente falou, em voz baixa.

Todas pararam o que estavam fazendo para olhar para ela, como se ela tivesse gritado ou coisa parecida.

— O quê? — perguntou Sirena — Foi ela?

— De acordo com o príncipe, sim.

Elas notaram o fato de que Jane não usou o nome de Liam, mas não comentaram.

McGonagall entrou no Salão das Mulheres, segurando uma prancheta em uma de suas mãos e parecendo estressada.

— Senhoritas! A aula de francês começou há 5 minutos! O professor está esperando-as! — ela deu a bronca.

Edelweiss levantou-se do chão, sob o olhar repreensor da instrutora, que sempre exigia que elas mantivessem a postura. Devia estar internamente escandalizada por ela estar ajoelhada no chão, lixando as unhas de outra garota, como se fosse uma manicure.

— Isso é mesmo necessário? — resmungou Jane.

— Sim, senhorita Mirren. Essas aulas são necessárias — retrucou McGonagall, sem dar espaço para mais protestos.

Era o mesmo professor que tinha dado aulas de francês a elas quando estavam se preparando para o aniversário de Illéa. Pelo escasso tempo que passou com Fran na enfermaria, Jane sabia que ele se chamava Alec, e pelo que Liam lhe disse ele teria notícias sobre ela.

— Não é o professor que a Fran estava tendo uma paquera? — ela perguntou para Fabiane, ignorando completamente as palavras em francês.

Ela sabia falar o suficiente para sobreviver, mas não gostava muito do povo e do idioma, apenas era obrigada a aturar por questões diplomáticas.

— Que delícia — Sirena murmurou, escrevendo algumas palavras francesas no caderno. Palavrões, provavelmente.

Reyna revirou os olhos, tentando disfarçar um sorriso.

— Será que eles ficaram juntos? — perguntou Benny.

— Ele deu um livro de francês para ela — Jane comentou, como se não fosse nada.

Stelle precisou disfarçar o seu surto atrás delas, sem muito sucesso.

— Eu sempre soube! — ela sussurrou, agitada — Eu sempre soube que esses dois ficariam juntos!

— Senhoritas, por favor, prestem atenção — Alec repreendeu.

Assim que a aula acabou, Stelle puxou Benny para que elas perguntassem a ele sobre a Fran. Jane pegou o seu livro e saiu da sala, escondendo o rosto. Sentia vergonha demais de confrontar alguém dessa maneira, apesar da curiosidade.

— Agora temos um tempo livre — disse Sirena, grata por isso — Podemos ocupá-lo com coisas mais interessantes.

— Que tipo de proposta indecente está nos fazendo, senhorita Black? — perguntou Fabiane, sorrindo maliciosamente.

Sirena fez um movimento com os lábios, sem soltar o som da palavra.

"Fuga".

Benny e Stelle correram atrás delas, aproveitando que McGonagall não estava lá para repreendê-las por isso. Stelle deu um pulo, tentando alcançar as costas de Fabiane.

— A Fran está noiva! — ela exclamou, mais empolgada que qualquer uma ali — Eu amo quando os casais que eu gosto ficam juntos.

— Eu também amo, mas os que eu gosto não colaboram — retrucou Reyna.

Sirena olhou de maneira estranha para ela, enquanto Jane preferiu ignorar a clara indireta, conseguindo não corar no ato.

— E como está o tratamento dela? — ela perguntou.

— Bom, o professor não deu muitos detalhes, mas ela está bem. Deve ficar completamente curada em pouco tempo — Stelle não deu tanta importância.

— Mesmo se tiver que ficar em tratamento pelo resto da vida, ela vai ficar bem — disse Benny — É uma ex-selecionada, noiva do melhor professor do país, e os pais dela têm dinheiro.

— Ela poderia ter aceitado a ajuda do príncipe Liam, mas se negou.

— É sério? — perguntou Jane.

— Não foi bem assim. Os pais dela se negaram — retrucou Fabiane, aborrecida — Agora, se não se importam, temos um assunto mais divertido para resolver.

Ela mexeu nas sobrancelhas, sugestiva, antes de puxar Sirena pelo braço.

— Diga-nos o que você já pensou — pediu.

Sirena apertou o braço dela com força, forçando-a a parar. Ficou parada e em silêncio enquanto Severina passava silenciosamente por elas.

— Aqui não — disse, os olhos ainda fixos na figura fofoqueira à frente.

Jane trocou um olhar irritado com ela. Estava começando a se encher daquela garota. Era melhor que Snape começasse a tomar cuidado, pois nenhuma delas iria abaixar a cabeça para as suas armações mesquinhas.

— Vamos para a biblioteca, ninguém vai lá — sugeriu Reyna.

— É, sabemos muito bem o porquê — Fabiane resmungou.

Apesar das reclamações, elas seguiram até a biblioteca, que estava vazia como na maior parte do tempo. Alguns guardas rondavam o corredor, mas apenas isso, nenhum deles pararia para escutar a conversa delas. Pelo menos era o que elas esperavam.

Deixaram os seus livros e anotações em cima das longas mesas de orvalho e puxaram as cadeiras para sentarem-se. Sirena ficou para trás para observar o corredor e fechar as portas duplas atrás delas.

— Pare de fazer suspense! — pediu Artemisa.

— Como o nosso querido príncipe não se mostrou aberto à ideia — Sirena começou a discursar.

Ela seria uma rainha que enervaria aos seus súditos até o último segundo.

Reyna deu de ombros, como se já fosse esperada essa atitude de Liam, e Jane sinceramente agradecia pelas coisas terem sido assim. Talvez naquela saída arrumasse uma forma de se reconciliar com Liam, mas talvez ele levasse Severina junto com elas. Ele seria do tipo que não permitiria privilégios a apenas algumas delas.

Não, isso ela não suportaria.

— Eu falei com McKinnon, o guarda da Jane — ela explicou, diante do olhar confuso de Edelweiss.

Fabiane lançou um olhar malicioso para ela.

— Nós usaremos um método já conhecido pelas minhas caras amigas — ela debochou, lembrando-se da vez em que Jane e Reyna usaram o uniforme de Myrtle para espiar o seu encontro com Liam nos jardins —, ou seja, nos disfarçaremos de empregadas.

— E depois? — perguntou Stelle.

— Reyna conhece o caminho para a cozinha. De lá, você tem grande acesso ao subsolo do castelo, inclusive para a passagem dos fundos, que os criados usam para ir até a cidade — ela explicou — Vamos tomar uma carona com alguns funcionários. Eles vão ficar pouco tempo, mas suficiente. A única coisa que precisamos é ajudá-los com o carregamento.

— Eu ajudo com o maior prazer! — exclamou Edge, um sorriso de canto a canto no rosto — Se eles quiserem, eu descarrego as mercadorias todos os dias!

Jane não pôde evitar rir do entusiasmo dela.

— O ar da cidade é muito diferente daqui do castelo? — Benny virou-se para perguntar a ela.

Quase respondeu que não tinha como saber, antes de perceber que tinha passado algumas semanas no coração de Angeles e que supostamente tinha morado os últimos anos lá.

— Para mim, não faz muita diferença — disse, sem saber o que deveria responder.

Foi tão pouco tempo, e passava o tempo todo comparando o clima com o da Nova Germânia, que era impossível lembrar-se de algum detalhe do tempo que passou naquele hotel.

— A gente só vai de caminhonete até a cidade, não vamos para o outro lado da província — retrucou Sirena.

— Nos tempos antigos, quando dois príncipes se casavam, eles viajavam por todo o país para conhecer os estados e ficarem mais próximos do povo — Jane comentou.

— Isso nunca aconteceria com Veta e Petuel — disse Reyna com certeza.

Não, não aconteceria.

♛♛♛

Fabiane tinha pedido permissão a McGonagall para que ela e as outras garotas pudessem se aprontar para a festa no Salão das Mulheres. Apesar da ideia de trocar de roupa na frente das outras garotas não a agradasse, Jane tentou agir normalmente, enquanto elas conversavam para tentar relaxar antes do casamento.

Pela janela, agora coberta de cortinas, dava para ver a decoração suntuosa, organizada até os mínimos detalhes sob as ordens de McGonagall. Não era difícil de notar os pais de Veta tentando receber atenção dos criados, como se já pudessem sair mandando nas castas inferiores apenas porque sua filha tinha sido escolhida.

Repugnante.

— Com licença, senhorita Malfoy. A senhorita Dursley requer a sua atenção imediata — uma empregada chamou-a da porta.

Lucy levantou-se de sua poltrona já arrumada com uma pose arrogante.

Seja lá o que ela e Veta conspiravam durante a organização do evento, não dava a Jane boas sensações. Lembrava-se de um dia, durante as lições de etiqueta, em que Veta exigiu que McGonagall liberasse Lucy para ajudá-la na prova do vestido.

Ela não devia ter prestado a menor atenção às lições da instrutora, pois sua educação era falha.

— Lastimável — escutou Chavelle murmurar para si mesma, enquanto ajeitava o decote do seu tomara que caia.

O vestido azul que Pomona tinha costurado em volta de sua silhueta a lembrava muito o que vestia quando chegou a Illéa, meses antes.

O tom era mais claro, mas o modelo era praticamente o mesmo. Como todos os vestidos que as selecionadas usavam, a saia ia até o chão, escondendo muitas vezes os sapatos que usavam. Uma faixa da mesma cor marcava a cintura, as mangas curtas pendiam de seus ombros, deixando-os parcialmente expostos. Em seu pescoço estava o seu inseparável relicário.

Permaneceu olhando por uma fresta da janela para o lado de fora, quando uma ideia a atingiu como um raio.

— Sirena! — ela virou-se para a amiga.

Começava a pensar que ela se arrumava inteiramente sozinha, considerando que ela sempre estava instantaneamente pronta, enquanto todas as criadas demoravam mais tempo do que o necessário para evitar que os tecidos amassassem. Sirena não era do tipo que se preocupava com os fios no lugar, então não era de se estranhar que ela estava sentada toda jogada em um sofá, com a cabeça pendendo para trás, provavelmente tirando um cochilo.

Sentou-se ao lado dela, assim que ela acordou.

— Hoje seria um excelente dia para darmos um passeio, não crê? — Jane perguntou, fingindo normalidade.

— O quê? — Sirena ainda estava com sono, claramente, então estava demorando para raciocinar.

— Sirena, acorda! — ela sussurrou — Estão todos distraídos pensando no casamento. Depois disso tudo, estarão tão cansados que partirão imediatamente para as suas camas. Os guardas certamente estarão bêbados por terem bebido algo nas cozinhas.

Sirena continuou deitada ainda cansada, mas entendeu o que ela disse com todas as palavras em tom baixo.

— Claríssimo — resmungou.

Reyna aproximou-se delas, desconfortável como sempre com o vestido.

— Salmão com certeza é a sua cor — disse Jane.

— E azul é a sua — ela respondeu, sem saber dos traumas que um vestido como aquele lhe trazia.

— Podem conversar para lá? Estou tentando recuperar as energias para mais tarde — Sirena abraçou uma das almofadas do sofá, escondendo o rosto nela como uma bêbada.

— Não dormiu durante a noite? — Reyna a alfinetou.

— Ela precisará de energia para mais tarde. Todas nós precisaremos — Jane olhou significativamente para que ela entendesse.

Estavam a todo o tempo falando sobre a fuga do castelo, então ela rapidamente compreendeu a mensagem subliminar que Sirena demorou tanto a perceber.

— Para quê esperar mais? — Jane perguntou, em um sussurro.

— Não gosto dessa ideia — Reyna deixou, mais uma vez, clara a sua opinião, antes de levantar-se.

Mas como em tudo que elas planejavam, mesmo sem concordar, as acompanharia para garantir que as coisas não dessem tão errado quanto ela pensava que poderia dar. Ou talvez apenas para poder acompanhar o momento em que tudo falhava e poder dizê-las que tinha avisado sobre aquilo desde o primeiro instante.

Jane voltou a olhar para a janela, embora um pouco afastada dela, notando Liam caminhar pelos jardins para cumprimentar aos convidados, no lugar de seu irmão. Voltando o olhar para as outras selecionadas, percebeu Severina também olhando na mesma direção que ela, enquanto alguma de suas criadas ajustava o vestido que sempre parecia maior do que ela. Era magra demais para as medidas.

— Você deveria cortar as unhas, ou começará a ficar com as palmas marcadas — Sirena comentou, os olhos ainda fechados.

Jane olhou para as mãos, notando-as em punhos, relaxou o aperto.

Sempre tão previsível.

Reyna conversava em sussurros com Artemisa e Fabiane, do outro lado do Salão das Mulheres.

Quando o último vestido foi abotoado ou amarrado, a última pincelada de blush ou sombra foi passada, o último par de sapatos encaixado, tudo posto em seu devido lugar, McGonagall entrou no Salão das Mulheres para orientá-las até os jardins.

— Onde está Lucy? — escutou Queensley perguntar-se.

— Se tudo der certo, ela é despachada para a lua de mel junto com Veta e Petuel, três problemas bem longe de nós — respondeu Sirena.

— Vocês são tão ingênuas — comentou Amethyst, convencida — Lucy é uma das madrinhas de casamento de Veta.

— Então não precisaremos vê-la pelo resto da festa, a melhor notícia que poderia ter nos dado hoje, Carrow.

— Já o príncipe Liam...

Amethyst não completa a frase.

A decoração dos jardins estava impecável. O forte sol era encoberto pelas tendas que foram montadas por todo o espaço, inclusive do caminho até o altar.

— Só eu acho estranha essa amizade repentina entre a Malfoy e a Dursley? — perguntou Reyna.

— Eu não me preocupo com ela, não mais — Jane descartou — Quem realmente deveríamos temer, e ela também, é a Snape. Vai passar a perna nela na primeira oportunidade que tiver.

Sirena trocou um olhar com Reyna, sem comentar nada.

— Então, será hoje, não é? — tentou puxar assunto.

Jane reconheceu a cor amarelada de uma boa cerveja à distância, apesar de que os garçons no geral serviam champanhe e outros tipos de vinho para os convidados.

— Minerva vai enlouquecer se te pegar bebendo a essa hora — Reyna a repreendeu.

— Eu não fico bêbada — comentou Jane, pegando um copo e dando um gole — Essa cerveja é fraca.

Sirena pegou outro copo para si.

— Só você para achar essa cerveja fraca.

Demorou um tempo até que Petuel e Veta estivessem prontos e aí sim todos foram orientados para seguir caminho até os assentos perto do altar. Os lugares estavam marcados.

— Eu nunca fui a um casamento — Reyna comentou — Não como esse. Os casamentos em Panama são mais simples. Só cartório, nada de festas.

Jane tinha ido a muitos casamentos. Quando criança, ela era quase sempre a daminha que jogava as pétalas no caminho até o altar. Lembrou-se de um casamento de duques, na Hispânia, em que Liam a acompanhou, levando as alianças.

Era curioso como algumas memórias de infância surgiam tão repentinamente.

— Eu não prestava muito a atenção na cerimônia — disse Sirena, mexendo nas pontas dos fios capilares — Estava ocupada explorando novos horizontes.

Qualquer pessoa que a conhecesse minimamente, saberia que ela estava ocupando os cantos escuros dos salões de festa, fazendo companhia a algum padrinho dos noivos ou convidado da festa.

"É apenas mais um evento como qualquer outro" Jane disse a si mesma, tentando ignorar Lucy e Liam pelo restante da cerimônia.

♛♛♛

— Assim que encontrar alguém, nos avise que já preparamos os vestidos de madrinhas.

— Sim, nunca se sabe quando o seu marido pode aparecer pela frente, não é mesmo?

Jane precisava se segurar para não gargalhar da expressão corada de Artemisa. Se qualquer uma das outras garotas tivesse pegado o buquê, ela saberia exatamente como seriam as suas reações.

Reyna ficaria tão envergonhada quanto Artemisa estava, mas talvez conseguisse disfarçar depois de um tempo de provocações, como já tinha feito antes em outras situações.

Sirena ficaria contrariada, dizendo que jamais se casaria e que era apenas uma crença estúpida.

Fabiane e Stelle ficariam fazendo piada para as outras. Podia imaginá-las fingindo estarem apaixonadas até pelo rapaz mais desengonçado da festa só para divertí-las. Era o que faziam de melhor, não havia tanta diferença entre uma artista de teatro e uma comediante.

Edelweiss talvez também ficasse tímida com as brincadeiras, assim como Artemisa e Reyna, mas conforme a conhecia, mais se surpreendia. Então ela poderia surpreendê-la mais uma vez e entrar na brincadeira, ou começar a listar os nomes dos rapazes que conhecia das fazendas ao redor de Labrador.

Edge provavelmente cozinharia alguma coisa para calar a boca delas. Considerando Sirena, Fabiane e Stelle, a comida era a melhor forma de calá-las.

Benny com certeza ajudaria Edelweiss a nomear os rapazes, elas moravam em fazendas próximas, bem na divisão entre as duas províncias, talvez discordassem por ter gostos diferentes.

Era uma hipótese meio louca, já que todas estavam competindo pelo coração de um só homem.

Ela com certeza agradecia por não ter pegado o buquê.

— Acorda, temos que nos apressar — Sirena estalou os dedos na sua frente.

O seu vestido de gala já estava no chão, o uniforme de empregada em seu lugar. Jane terminou de se trocar e acompanhou as outras até o corredor que Sirena e McKinnon tinham combinado de se encontrar.

Sem uma troca de palavras, ele deixou-se na frente da passagem secreta para as cozinhas. Era diferente da que Jane e Reyna seguiram antes com Hope, era mais perto da saída dos fundos e dos corredores dos aposentos dos criados.

A enorme caminhonete as esperava e assim que as nove garotas subiram, o carro deu partida. A parte lateral ainda estava vazia, mas em breve precisariam se apertar para que todas coubessem.

— Eu nunca pensei que sentiria falta de andar de carro — Edge murmurou de olhos fechados, aproveitando o vento contra o seu rosto.

— Sim, geralmente eu vomito, mas agora é tão confortável — Artemisa comentou.

Benny e Stelle se afastaram o máximo que puderam da garota, alertas pelo seu comentário. Ninguém estava afim de retornar vomitada.

— Que profissões querem seguir quando se tornarem Três? — Jane perguntou, tentando preencher o silêncio da ida.

— Eu não vou fazer nada, vou ser uma Elite — disse Sirena.

— Você é uma Dois — Fabiane riu — Não vai mudar nada para você.

— Acho que falo por todas quando digo que não temos a menor ideia — disse Artemisa — Crescemos a vida inteira nos preparando para essas profissões e agora simplesmente... Temos que mudar. Quero dizer, o que seria uma substituição de secretária para a Casta 3?

— Eu acho que vou escrever peças para que o pessoal da Casta 5 produza. É o mais próximo de comediante que eu vou achar, mas Sirena tem razão: ser Elite é uma excelente profissão.

— Eu sempre quis ser veterinária — confessou Benny — A fazenda em que trabalhava não era só vegetação, eles também tinham gado. Eu aprendi alguns truques de como cuidar de animais por lá, mas não é a mesma coisa. É só que tentávamos não gastar tanto dinheiro procurando por um médico.

— Eu vou ser professora — disse Reyna.

Ela tinha tido bastante tempo para pensar naquilo, era evidente.

— Bem, você não vai mais poder fotografar — Edge disse para Jane — Não profissionalmente.

— Ela pode virar cineasta. É praticamente a mesma coisa — disse Fabiane — Filmes não são nada mais do que fotos que se mexem e contam uma história.

— Essa é uma visão bem criativa — respondeu Jane, sorrindo.

Ela nunca precisaria se preocupar com uma profissão.

Ser rainha era em tempo integral até o momento em que ela passasse a coroa adiante para um herdeiro. O seu herdeiro.

Era difícil dizer qual dos fardos era o mais pesado de se carregar. Ela gostaria de passar o resto da vida fotografando e ganhando dinheiro com isso. Sem precisar se preocupar com revoltas rebeldes, com a fome do povo, com as guerras, alianças e políticas de fachada.

— Chegamos — disse Reyna, pouco antes da caminhonete parar.

Estavam estacionadas no meio de um mercado a céu aberto de frutas e outros alimentos. Imaginava que a cozinha importaria do país mais próximo ou mesmo compraria em alguma das lojas frequentadas por castas mais altas.

— É isso o que precisamos pegar — uma criada mostrou a lista para Reyna, que era a que conhecia do grupo.

O sol quase estava se pondo, logo a escuridão da noite tomaria conta de toda Angeles.

— Obrigada, Papoula — Reyna respondeu a ela e então virou-se para elas.

Desceram do carro rapidamente e foram em busca das frutas em primeiro. Em seguida, iriam pelos legumes, verduras e grãos. Papoula e o outro criado que dirigia a caminhonete foram atrás das carnes brancas e vermelhas.

— Isso é tão estranho — desabafou Edge — Em Columbia, a gente já compra os sacos de arroz e farinha fechados. Aqui você pega o punhado e pesa. Isso deve ser muito mais caro do que a embalagem fechada.

— É a província da realeza, esperava o quê? — perguntou Reyna, já familiarizada com as frutas, analisando-as em frente aos olhos antes de decidir pôr ou não na cesta de madeira, que ela pegou sabe-se lá onde — Aqui as coisas são mais caras.

Jane não sabia o que fazer. Muitos cheiros se misturavam e todas pareciam saber exatamente o que procurar. Arriscou-se a pegar uma das maçãs, mas Reyna parou a sua mão, olhando-a espantada.

— Ficou louca? Essa fruta está podre!

— Ela não parece estar — Jane defendeu-se.

— Você nunca comprou comida para fazer, Jane? — Edelweiss perguntou, sem maldade.

— Eu não sei cozinhar. E passo muito tempo viajando e trabalhando, não tenho tempo para essas coisas.

Reyna apontou para que Jane ajudasse Fabiane e Stelle com os grãos.

Os mercantes não pediam por dinheiro ou qualquer coisa, viam os seus uniformes e sabiam que eram do castelo. Sabiam daquela rotina melhor que qualquer um e parecia entediados. Provavelmente, em qualquer outro dia, já teriam fechado as suas barracas.

— Em Panama, o mercado aberto só funciona de manhã — Reyna comentou.

— Talvez devêssemos dar como proposta que Vossas Altezas Reais visitassem outras províncias além da que eles já moram — disse Fabiane — Imaginem só Veta perto de um daqueles rios de esgoto em Panama. Eu daria todo o meu dinheiro da Seleção para quem a empurrasse.

Benny deu uma cotovelada nela.

Elas eram criadas do castelo e não selecionadas, não poderiam falar aquele tipo de coisa em uma praça pública.

— Eu daria mesmo — Fabiane sussurrou, dando uma piscadela para Jane.

Ela resolveu abafar a risada, pegando as sacolas de pano com as frutas escolhidas por elas e colocar na parte de trás da caminhonete. Sirena não demorou a acompanhá-la.

— É quase que estúpido que a gente esteja se arriscando só para vir ajudar a carregar compras — ela resmungou —, mas é tão bom poder caminhar além das paredes do castelo.

Jane sabia exatamente o que ela estava falando.

— Afinal, o que a gente poderia fazer, se não estivéssemos aqui? — ela retrucou, sentando-se onde a porta traseira da caminhonete ainda estava aberta — Nada. Sem seguranças, sem a permissão do príncipe.

Havia um garotinho perto da fonte da praça, tocando o seu violão. Ele não devia ter mais de sete anos e estava completamente sozinho, acompanhado apenas de sua música, esperando por colaboração por parte das pessoas.

Apesar de terem ido apenas até a praça, Jane tinha levado um pouco do dinheiro que reuniu da Seleção, caso elas decidissem de última hora dar uma volta por perto ou sentissem vontade de comprar algo que não poderiam pôr na conta do castelo.

Sirena observou-a se aproximar do chapéu virado de cabeça para baixo do garoto e pôs algumas notas, sem olhar quais eram, e voltar para perto dela, sem esperar por uma resposta do garoto, que parou de tocar espantado por terem prestado atenção nele.

Papoula e o criado que dirigia juntaram-se a todas quase ao mesmo tempo. Todos já estavam com tudo o que precisavam da lista carregado na parte traseira da caminhonete.

— Vamos? Ou vocês querem ficar mais um pouco? — perguntou Papoula, parecendo compreender o sentimento de sufocamento que as preenchia.

Elas pareceram dar uma última respirada profunda, sentindo o ar de Angeles entrar por seus pulmões. Não tinha o cheiro de pedras e mata que o castelo tinha. Misturava o ar da cidade, da civilização com os alimentos das barracas, que começavam a fechar, conforme o sol sumia no poente.

— Vamos, ou não voltaremos nunca mais — disse Stelle, pondo as mãos nos ombros de Artemisa e Edelweiss, mais próximas dela.

Todas concordaram e se despediram silenciosamente da cidade, enquanto voltavam a subir na caminhonete.

— Cuidado com as sacolas — disse o criado, praticamente indiferente à presença delas.

— Talvez nós pudéssemos fazer isso mais vezes — sugeriu Artemisa a elas, em um tom baixo, assim que estavam ajeitadas e a caminhonete dava a volta na estrada.

— A gente deveria fingir estar todas doentes um dia, tipo de manhã mesmo, e aí virmos para cá fazer alguma coisa — disse Sirena — Eu não sei. Turismo pela cidade.

Fabiane virou-se para Jane e então arregalou os olhos.

— Você é completamente louca! — exclamou.

Olharam-na sem compreender do que falava.

— Já imaginou se alguém tentasse nos assaltar? — perguntou Fabiane, pondo a mão por baixo do relicário que Jane não largava de jeito algum.

— E por que fariam isso? — Jane afastou-se, na defensiva.

Ela nunca tirava o relicário. Não via motivos para fazer isso agora.

— Não são todos que tem um relicário de ouro, você sabe — disse Stelle — Esses caras te pagam bem por causa de umas fotinhas.

A caminhonete passou por cima de um buraco na estrada, fazendo todas balançarem. Reyna ergueu as mãos para uma das sacolas para protegê-la.

— Ainda bem que é só comida — resmungou.

Elas não voltaram a conversar.

Jane não abriria mão da foto de seus pais só por causa de um disfarce. Já tinha aberto mão de muitas coisas.

♛♛♛

Liam sabia que elas tinham saído.

Elas descobriram isso no momento em que pisaram no segundo andar, o de seus quartos.

Já não usavam os uniformes de empregadas. Tinham se trocado no mesmo lugar que mais cedo, como acordado com McKinnon. Ele pegou as vestes e voltou rapidamente para a cozinha, para colocá-las de onde as pegou ou devolver de quem os emprestou.

— Alteza — Sirena foi a que teve coragem para cumprimentá-lo.

McGonagall também estava ao lado do príncipe, olhando-as com repreensão. As portas de seus quartos estavam abertas, como se tivessem acabado de chegar para conferir se elas estavam lá, como nunca fizeram antes. McKinnon era o único guarda que não estava presente e Jane sentiu-se culpada, não seria a única a notar isso.

— Acompanhem-nos — foi a única palavra que Liam disse.

O seu tom de voz deixava claro que estava furioso, Jane nunca o viu assim.

Nem quando Valerie mentiu em rede nacional que eles tinham se beijado.

Desceram as escadas atrás dele, à frente de McGonagall, até o Salão das Mulheres. Fabiane parecia que ia reclamar que homens não podiam entrar, mas nenhuma delas estava confortável para piorar a bronca.

— Estou decepcionada, senhoritas — McGonagall disse — Sair do castelo dessa maneira, no meio dos criados, sem avisar a alguém. Pararam para pensar no que poderia ter acontecido caso fossem reconhecidas? E se os rebeldes atacassem? E se fossem mortas?

A instrutora não fazia o menor esforço para ser delicada.

— Nós só... — a voz de Edelweiss diminuiu até sumir.

— Diga — Liam retrucou, tempestuoso — Por quê? Por que fizeram isso?

— O castelo pode ser bem sufocante às vezes — Fabiane teve a audácia de dizer o que estava entalado na garganta delas.

— Não têm tido o suficiente para fazer? — McGonagall perguntou — Precisam de mais tarefas? Porque, se for assim, tenho certeza de que suas empregadas se sentirão perfeitamente confortáveis em retornar às cozinhas. Assim, podem assumir o lugar delas, como fizeram esta noite.

Somente Jane podia ver com clareza que McGonagall e Liam estavam mais irritados com ela do que com as outras.

Na visão de Liam, ela era a culpada dessa escapada. Foi ela quem tentou sondá-lo sobre irem à cidade, ele tinha deixado claro que não aprovava a ideia e ela foi mesmo assim.

E McGonagall ficava furiosa porque Jane tinha posto sua segurança em risco.

— As empregadas não se retirarão — Liam interviu — Isso não é justo com elas. Eu, no momento, não posso tomar nenhuma decisão quanto ao que fazer com vocês. Não estou com cabeça para isso, mas, caso eu decidir eliminá-las, serão as primeiras a saber pela manhã.

Foi como jogar um balde de água fria sobre elas.

Não precisou notar o olhar de McGonagall outra vez para saber que era extremamente injusto. Ela jamais seria eliminada, sabia disso, mas as outras garotas podiam pagar por uma decisão que ela tomou.

— Voltem para os seus quartos. Se saírem durante a noite, eu ficarei sabendo — disse Liam, virando-se para a janela.

Era a deixa delas.

McGonagall as acompanhou bem de perto, como se elas fossem tentar escapar outra vez.

Assim que Jane fechou a porta do quarto atrás de si, pensou que seria realmente muito bom ter uma porta que conectasse com o quarto de Sirena. Esperou tempo suficiente para escutar os saltos de McGonagall afastando-se pelo corredor, e então permitiu que sua raiva aflorasse.

Bateu na porta sem muita delicadeza e esperou-a ser aberta.

Severina não abaixou a cabeça, levantou-a como se a desafiasse pelo olhar.

Sabiam que não poderiam cair no tapa, como era de vontade mútua, então só podiam enfrentar-se por meio de olhares e palavras.

— Não pense que eu vou deixar barato. Essa foi a última vez que você se meteu na minha vida, Snape — disse Jane com a voz mais fria que já usou na vida — Sei muito bem o que está tentando fazer. Você não tirará Liam de mim.

— E quem disse que ele é seu? — Severina retrucou, impassível.

— Quer apostar?

Não esperou por uma resposta, lançando um último olhar de desgosto, antes de retornar ao seu quarto.


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