Undercover escrita por nywphadora, nywphadora


Capítulo 11
Capítulo 10




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— Je suis tellement désolé.

— Vous ne semblez pas ressentir autant.

— Je vais le laisser se reposer.

Tinham deportado-a para a França?

Jane deixou escapar um gemido de dor, sentia o seu pescoço coçar e arder dolorosamente, fazendo-a querer enfiar as suas unhas ali até sangrar. Além disso, tinha certeza que aquela sensação de acidez toda era azia. Estava com tanto sono que era como se alguém tivesse ministrado sossega leão.

Quando abriu os olhos, concluiu que não estava em Noyon. Virou a cabeça para o lado e viu Fran deitada na maca, que mais parecia uma cama, ao lado. Ela estava lendo algum livro em francês, parecendo bem melhor do que aparentava quando desmaiou, apesar das ataduras nas mãos e outras partes do corpo, que pareciam estar impedindo que pequenos chips saíssem da sua pele. Ela já tinha visto aquela tecnologia, eles poderiam servir para tirar algo do sangue tanto quanto para ministrar alguma medicação.

— Skeeter vai ficar enchanté de descobrir o que aconteceu com a gente — Fran comentou tranquilamente, provavelmente sentindo o seu olhar.

Jane piscou os olhos com força mais uma vez, tentando afastar o sono.

— O que aconteceu contigo? — perguntou.

— Envenenamento — ela deu de ombros — Parece que alguém queria nós duas fora da competição.

Fran desviou os olhos do livro, ainda mantendo-o aberto.

— Acho que consigo entender o porquê de te quererem fora.

Jane negou com a cabeça, sentando-se na cama com cuidado, o pescoço perturbando muito a sua paciência.

— Não, Evanna sugeriu que eu comesse canapés, ela não sabia da minha alergia.

— Ela também me sugeriu que tomasse aquele Marc de Provence. Aposto que também não sabia que tinha veneno dentro.

Aquilo não fazia o menor sentido.

— Não tem esse vinho aqui no castelo. A rainha detesta — Jane jogou as pernas para fora da cama, em uma tentativa de senti-las menos mortas.

— Não, foi cortesia dos franceses. Você acha que algum deles faria isso?

Ela sabia bem demais que vinhos dados de cortesia para a realeza não eram sempre confiáveis, mas sabia também que os reis tinham funcionários nas cozinhas preparados para testar e comprovar que estava limpo. E considerando que mais ninguém tinha passado mal com o vinho, não era algo para se alarmar.

— Você contou isso ao príncipe? Ele precisa saber para jogar a garrafa fora — perguntou Jane.

Fran voltou os olhos para o seu livro, torcendo a boca, incomodada com a mudança de assunto.

— Acho que ele tem outros problemas para resolver agora — ela respondeu.

— Aconteceu alguma coisa?

— Além de eu ter decidido tomar um Marc de Provence envenenado em vez de provar Deutsches Weintor ou aquele irlandês? Bom, meus pais não estão muito satisfeitos com o acontecimento de ontem à noite.

Já era de se imaginar. Não conseguia imaginar algum pai agradado em receber a notícia de que sua filha estava na enfermaria do castelo por causa de veneno. Só talvez o pai de Sirena.

— Tenho certeza de que Liam está acostumado a lidar com pessoas furiosas — ela disse — Outra coisa: aquele vinho irlandês não era vinho, era whiskey. Você teria uma ressaca daquelas.

— Não entendo porque esses irlandeses colocam whiskey em garrafa de vinho — Fran resmungou — E o príncipe nunca teve que lidar com os meus pais. Eles querem me tirar da Seleção.

— Eles deveriam pensar no que você quer.

Ela não respondeu, passando o dedo no canto da boca antes de virar a página, uma mania que Jane achava particularmente horrorosa.

— Você quer ir embora? — perguntou.

— Acho que vai ser o melhor. Não tenho como competir estando em uma cama de hospital.

Jane voltou a deitar-se. pondo as pernas de volta em cima da cama. Esfregou a área lateral do pescoço no travesseiro, sentindo alívio e dor ao mesmo tempo. Aparentemente a primeira crise alérgica de alguém era facilmente esquecida, porque não tinha a mínima lembrança sobre isso. Ficou olhando para o teto, apertando as barras da cama com força para evitar que as mãos caíssem na tentação de coçar.

— Como estamos? — Thickey entrou na enfermaria vazia, parecendo bem feliz por algum motivo.

Fran olhou-o entediada, já que provavelmente só o que ele poderia fazer era tirar os chips e colocar novos no lugar, enquanto Jane olhou-o com o ódio que estava sentindo por causa dos sintomas.

— Certo, vamos para a mais urgente — ele pareceu ficar com medo dela, ignorando Fran, que voltou a ler o seu livro, sem importar-se.

Enquanto Thickey examinava o seu pescoço, Jane conseguiu ver em cima da mesa de cabeceira um jarro com flores e o nome “Alec” se sobressaiu. Voltou a olhar para Fran concentrada no seu livro de francês.

Agora sabia quem estavam falando em francês antes dela acordar.

♛♛♛

Fran tinha sido movida para sua casa havia algumas horas e, por esse motivo, Jane estava sozinha na enfermaria. Toda vez que sentia dor, ela tinha que apertar uma bola de silicone, que automaticamente iria fazer com que mais um pouco de analgésico fosse para a sua corrente sanguínea. E toda vez que sentia coceira, era só esfregar uma pomada com agilidade na garganta.

Thickey devia ser uma pessoa muito ocupada porque quase não o via, apesar de estar tecnicamente em serviço, então a enfermaria ficava vazia. Depois de um tempo, notou um padrão em suas saídas. Em uma delas, arriscou-se a sair da cama, puxando o suporte de soro consigo para o banheiro, vendo pela primeira vez como estava.

A sua garganta estava um pouco inchada, mas o que realmente assustava era o quão vermelha estava a sua pele do pescoço e colo, era como se tivesse tido uma forte insolação.

Depois de mais algumas horas sem nenhuma alta e podendo ver que não sentia mais dor nem coceira, apesar de ainda estar um pouco vermelho, Jane decidiu que não suportaria ficar mais naquele quarto. O que tinha de errado com todos? Estavam tão ocupados que nem podiam tê-la visitado?

Amaldiçoou todos os antepassados de Sirena, enquanto arrancava o soro do seu braço, mas deixando os adesivos, isso ela poderia tirar depois. Parecia que todas as paredes do castelo estavam vazias, ou todos os guardas tinham sido remanejados para ajudar na saída dos representantes dos países.

— Senhorita Mirren!

Demorou para perceber que falavam com ela, ainda era difícil se acostumar com aquele sobrenome às vezes.

— Volta para a enfermaria agora! — Liam cruzou os braços.

— Não volto — Jane cruzou os braços dela também, dando as costas para ele.

— É uma ordem, senhorita.

— Eu não estou ouvindo, Alteza! Eu não posso cumprir uma ordem que eu...

Jane soltou um grito, quando Liam a alcançou e a tirou do chão.

— Vou colocar guardas na porta da enfermaria — ele resmungou.

— Não, por favor, me deixa ir pro quarto. Eu não aguento mais ficar na enfermaria, não tem ninguém lá.

Liam não a soltou, mas pareceu estar ouvindo, então ela continuou:

— No meu quarto, eu vou estar muito mais confortável, de repouso, sendo bem cuidada, sob observação do guarda e das minhas três criadas, além de não morrer de tédio.

— Você vai continuar deitada em uma cama — ele disse.

— Mas vou ter alguém para conversar.

— Ei! Eu posso conversar com você!

Jane levantou uma sobrancelha, com medo de cruzar os braços como tinha feito antes e acabar caindo.

— Não entendi o deboche — Liam se fez de desentendido, indo até as escadas.

— O quê? Você vai me levar até o quarto? — ela perguntou.

— Tem razão, ninguém tem ideia do nosso relacionamento.

Como se eles tivessem algum relacionamento...

— Isso não tem graça.

Pôs suas mãos nos ombros dele, torcendo para que não a deixasse cair.

McKinnon soltou uma risada quando os viu, sem conseguir disfarçar, então para não receber alguma bronca e se livrar rapidamente daquela situação, abriu a porta para que Liam a levasse.

— Está vendo o que me faz passar? — perguntou Jane.

Liam ajudou-a sem necessidade a sentar-se na cama.

— Vou pedir para McKinnon chamar as suas empregadas, elas devem ter passado o dia na cozinha.

— Obrigada, Alteza.

Assim que ele saiu do quarto, ela aproveitou para tirar os sapatos e deitar-se mais confortavelmente. A maca da enfermaria podia ser boa, mas não era melhor que as camas do castelo. Esticou as mãos o máximo que pôde nas costas, tentando encontrar os botões do vestido para desabotoá-lo.

Hope e Pomona não disseram nada quando abriram a porta, indo rapidamente ajudá-la, mas Myrtle ficou para trás, os olhos vermelhos de chorar.

— O que houve? — Jane perguntou.

— Não recebemos notícia nenhuma a noite inteira — Myrtle fungou — Eles se esquecem das criadas. Só sabíamos que havia tido envenenamento durante a festa e a senhorita não voltou.

Elas tinham ficado preocupadas com ela?

— Eu disse a ela — Hope olhou para a mais nova — que não poderia ser. Reyna me disse que você tinha sumido e que Fran tinha passado mal durante a festa.

— Mas imagino que todas tenham pensado que era algum envenenamento em série — disse Jane, ainda pensando na conversa que teve na enfermaria.

— Acho que elas estão bancando as detetives pelo castelo. Todo mundo esteve muito ocupado e preocupado com essa situação.

Ela deixou as costas seminuas caírem no colchão. Não tinha muita coisa que ela poderia fazer, considerando que ainda estava em recuperação e que, aparentemente, as aulas tinham sido canceladas.

— Estou muito cansada — puxou o edredom para cima do seu corpo — Vou dormir um pouco.

♛♛♛

Olhou-se pelo espelho da penteadeira de todos os ângulos possíveis. A gola alta da camiseta, que suas criadas tinham costurado às pressas, escondia completamente a vermelhidão do seu colo e pescoço, apesar de estar mais fraco do que no dia anterior.

Sabia que, assim que Liam olhasse para ela, mostraria sua tal reprovação por ela estar voltando à rotina dois dias depois de sofrer uma reação alérgica, mas Jane sabia que não poderia continuar mais tempo parada. Fran mostrou sua preocupação por ficar atrás na competição e ela sabia que era verdade, muitas coisas aconteciam em pouco tempo, mesmo que o príncipe estivesse tentando protelar ao máximo.

— Resumo dos acontecimentos: Fran pediu para sair — Sirena folheava sem cuidado uma revista — Chernobyl também. A Deina e a Thalia foram eliminadas.

— O quê? — Jane desviou o olhar do seu reflexo — Vamos por partes: Chernobyl pediu para sair? Por que ela faria isso?

— Se encantou com o representante da Irlanda, aquele que ela passou a noite toda junto.

— Certo. O que aconteceu para a Deina e a Thalia serem eliminadas? E juntas? Elas não brigaram, certo?

Sirena estalou a língua, parecendo insatisfeita com o que lia.

— Não, foram motivos bem contraditórios, na verdade — ela disse — Thalia ficou falando mal dos visitantes o tempo todo, principalmente os germanos, então Liam disse que a futura princesa de Illéa não poderia agir dessa forma, teria que ser diplomática. Bye bye, Rowle. E a Deina foi... muito amigável com os germanos.

Os germanos eram a base de tudo naquelas eliminações?

— E qual o problema disso? — perguntou Jane, sem entender.

— Ela estava bêbada e muito louca — respondeu Sirena — Liam não gostou. Novamente: não é o tipo de coisa que se espera da futura princesa de Illéa. Ela não teve muita compostura, mas tudo bem, ela nunca foi muito reservada, sempre falou o que pensava, só não era mal educada. Acho que ela seria uma boa rainha da Itália, se fosse o caso.

Deina era muito alegre, mas não poderia opinar sobre sua saída, ela estava na enfermaria ocupada tendo problemas de respiração por causa da alergia, então não viu as cenas que fizeram com que Liam tomasse essa decisão.

— Quatro eliminações em um dia, temos um recorde! — Sirena levantou o braço, como se brindasse um drinque invisível — Exceto pelo primeiro dia, claro. Podemos ir agora?

Jane revirou os olhos, antes de ir em direção à porta.

— Ótimo — disse Sirena, jogando a revista para um canto qualquer do quarto e seguindo-a para fora.

♛♛♛

Assim que McGonagall a viu entrar no Salão das Mulheres, junto com Sirena, ela pareceu ficar muito emocionada, o que era muito estranho. Talvez a saída de tantas pupilas a estivesse chateando.

13 garotas estavam fora da Seleção, ainda restavam 12 para chegarem a Elite.

Considerando que na festa não teve a chance de avaliar a performance delas na pista de dança, resolveu fazer uma aula especial apenas para ensiná-las a dançar. Não estava no cronograma, mas era algo interessante, diferente de tantas aulas rígidas de etiqueta.

A instrutora pôs Stelle e Fabiane para dançarem juntas, o que foi uma péssima ideia, já que elas moviam os braços dados como se estivessem dançando uma música eletrônica. Apesar disso, Minerva mostrou-se incapaz de repreendê-las, até soltando algumas risadas discretas, junto com as outras.

— Vamos, mostrem o que vocês sabem! — exclamou Stelle, ainda movendo-se com rapidez, o seu corpo indo para o lado e voltando — A Minerva não pode avaliar sem ver...

— Eu as daria um sete, o que vocês acham? — perguntou Sirena, como se fosse a juíza de uma competição de dança.

— Eu acho que preciso de um par — Jane levantou-se, puxando Reyna consigo — Vamos, vou te ensinar uma dança germânica.

Sirena fez cara feia, antes que Edge a puxasse para que ficassem rodando de mãos dadas, uma dança que Jane já tinha visto algumas crianças fazerem até ficarem tontas e tropeçarem.

— Eu não sei dançar — Reyna lembrou-a.

— Aproxime a sua mão da minha, imitando a minha posição — Jane instruiu-a.

As duas puseram a mão esquerda atrás das costas, enquanto a mão direita era erguida, encostando-se, mas nunca tocando-se.

— Agora a gente vai dar uma volta — ela disse, caminhando lentamente até que Reyna entendesse como era.

— Para você, eu dou um cinco — implicou Sirena, depois que ela e Edge tinham parado de girar, apoiando-se no encosto da cadeira.

— Cinco? — repetiu Reyna, indignada — Eu estou tendo dificuldades aqui, respeite minhas limitações.

Queensley, que tinha tido aulas de dança hispânica como forma de pagamento por um serviço de uma família que não tinha condições financeiras de pagar uma advogada, estava mostrando a uma curiosa Edelweiss como mover a saia do vestido.

— Está bem, vocês sabem... — McGonagall observou-as, impedindo que a palavra “dançar” saísse de sua boca — alguns movimentos, mas está na hora de mostrá-las como a rainha dança com os convidados.

Lucy levantou-se do seu lugar na poltrona contrariada por estar ali, parecia querer pular a Seleção inteira até o momento em que poderia mandar e desmandar em todos com facilidade. Talvez cortar algumas cabeças, Jane podia imaginar.

— Dançar com outras garotas não é a mesma coisa — Amora reclamou, sendo posta em frente a Cara.

Estava de costas para a porta, mas pôde ver Sirena arregalar os olhos, olhando para trás dela. Escutou uma batida na porta, pensando que somente um homem faria isso, já que era o Salão das Mulheres.

— Entre, Liam — McGonagall sorriu.

Passando por entre elas, ela empurrou de leve o rosto de Benny, para que ela olhasse para a sua companhia em vez de para trás.

— Estou ensinando um pouco de dança para elas.

— A Jane podia tocar — Jane escutou Artemisa murmurar atrás dela.

Qual era a cisma das pessoas com ela tocando piano?

— Então talvez eu pudesse mostrar como que se faz — Liam respondeu — Ver antes de repetir é sempre bom.

— Jane — McGonagall chamou-a, fazendo Sirena dar um sorriso debochado — Por que não vem aqui? Tenho certeza de que você sabe dançar muito bem.

É claro que ela tinha certeza...

Se usando salto alto ela ainda era mais baixa do que Liam, agora sem eles estava sentindo-se uma anã. Suas empregadas decidiram que, caso ela desmaiasse, cair de salto poderia causar danos ao seu tornozelo, como se tontura fosse sintoma de alergia.

— Você encolheu? — e é claro que ele a provocaria.

— Eu vou pisar no seu pé — ameaçou-o.

Sim, lembrarem-na do quão baixa era a irritava tremendamente.

— Como podem ver, a mão esquerda de vocês ficará no ombro do seu parceiro de dança e vocês darão a mão direita — McGonagall disse, assim que eles ajeitaram a posição, como se eles fossem objetos de estudo científico — Queixos erguidos, costas retas, postura.

Artemisa resmungou da fileira de telespectadores, Jane sabia o quão difícil aqueles padrões eram para ela.

— Sabia que a valsa surgiu na Áustria e na Alemanha? — Liam murmurou, dando os primeiros passos para a frente.

— Sabia — Jane respondeu.

— Tem alguma coisa que você não sabia?

— Oh! Me desculpe, Alteza. Então eu não sabia.

Ele riu, antes de erguer a mão para que ela pudesse girar. Girou de maneira mais lenta para que as meninas pudessem aprender para repetir o movimento depois.

— Isso compensa o fato de que não a tirei para dançar durante a festa?

Jane quis dar de ombros, mas sabia que McGonagall a repreenderia, então apenas respondeu:

— Talvez.

Ele esteve tão ocupado durante aquele dia e os dias seguintes.

Antes que Liam pudesse abrir a boca para continuar a conversa, ela parou de dançar. McGonagall voltou a falar, então ela voltou para a fila de selecionadas, que a olhavam de cara feia por ter tido a chance de dançar com o príncipe.

— Captaram? Eu espero que sim — Minerva disse — Vamos, voltem para os pares que eu montei.

Liam saiu da sala sem se despedir, ao ver que a aula voltava ao normal.

— Eu pegaria na bunda dele, se fosse você — Sirena murmurou, fingindo que estava ajeitando os pés no chão.

— Sirena! — Jane exclamou.

— O quê? Eu disse que não pegaria na sua cintura — ela se fingiu de desentendida, pondo a sua mão esquerda no seu ombro.

— Não disse não — Reyna meteu-se na conversa, fazendo par com Gintare, que parecia mais interessada em observar a dança das outras garotas do que fazer a sua própria.

Sirena mostrou a língua para ela, antes que McGonagall se aproximasse dela para corrigir sua postura.

♛♛♛

Jane ainda estava rindo das reclamações de suas colegas quando fechou a porta do quarto. É, talvez usar sapatilhas em vez de saltos altos não tivesse sido uma ideia tão ruim de suas criadas, tinha que dar mais crédito a elas. Afinal, suas amigas estavam com dores nos pés e ela estava plena, embora o calcanhar incomodasse um pouco pela força com que pisou nos degraus da escadaria.

Tropeçou no tecido do seu vestido da noite da festa, que ainda estava no chão. O quarto estava vazio, as suas empregadas ainda não tinham chegado, mas ela não se incomodava. Puxou o tecido, vendo com tristeza uma flor despregar da costura. Era uma pena que ele provavelmente nunca mais seria usado: era assim que as roupas funcionavam na Seleção.

Assim que ele foi completamente para cima da cama, puxado pela cauda, um envelope caiu da dobra interior do decote. Inicialmente estranhou, abaixando-se para pegar, e quando viu a caligrafia curvilínea lembrou-se da conversa que teve com Karleen antes que voltasse ao Salão.

Rasgou o envelope sem muito cuidado, puxando o papel de dentro.

 

Mein lieber Jane,

Estou escrevendo como sua Königin e não como sua Mutter, então espero que preste muita atenção em minhas palavras. Queime esta carta assim que terminar de lê-la e não me envie uma resposta. Não podemos nos dar ao luxo de nos comunicar, pelo menos não por enquanto. É muito perigoso.

Em breve, saberei a resposta que deu a Karleen sobre minha pergunta e então espero que possamos resolver toda essa situação, mas por enquanto esqueça os Todesser. Eles não têm motivos para feri-la, se não sabem que está aí e quem você é. Se os viu, então você não é o alvo. Não se preocupe, Doralice e Charles sabem como lidar com isso, então não banque a corajosa.

Temos muito o que conversar sobre os planos deles, mas não agora. Não por carta. No entanto, tome cuidado, não sabemos se eles têm espiões em Illéa e outras nações. Não se esqueça que ninguém pode saber quem você é, meine Prinzessin. O nosso povo depende de sua sobrevivência.

Se cuide. Ich liebe dich.

Ihre königliche Majestät.

 

Releu a carta várias vezes, sem importar-se com o fato de que suas criadas poderiam aparecer a qualquer momento. Apenas precisava de um momento como aquele, ler a letra de sua mãe, passar a mão por cima das deformidades do papel causadas pela pressão da caneta tinteiro.

A sua vontade era de guardar aquela carta junto com a outra que mantinha na gaveta, mas o conteúdo dela era muito mais perigoso, caso descoberto. Sabia que era seu dever queimá-la, era uma ordem da rainha. Então, levantou-se de sua cama, sentindo vontade de chorar de saudades.

Os quartos não tinham lareiras, mas aquecedores para os períodos mais frios do ano. Foi até o banheiro, colocando a carta dentro da pia e procurou nos armários por uma caixa de fósforo, mas achou apenas álcool. Talvez alguém já tivesse tentando se suicidar em alguma Seleção, embora ela achasse esse um evento bem difícil de acreditar.

Sem fogo, ela jogou o álcool por cima do papel, tornando rapidamente as palavras ininteligíveis e o papel rasgável. Talvez por isso ela tenha usado caneta tinteiro, aquela tinta era mais fácil de se desfazer, embora fosse mais grossa do que a de uma caneta normal. Puxou o papel embebido de álcool e começou a rasgá-lo em pedaços, deixando com que fossem ralo abaixo. Ligou a torneira, por fim, para que nenhum pedaço permanecesse atrás.

As pessoas geralmente se desfaziam de provas usando o lixo ou o vaso sanitário, nunca o ralo da pia.

Escutou a porta abrir-se e aproveitou para lavar as mãos.

— Que cheiro de álcool horrível! — Pomona reclamou.

— Jane, está tudo bem? — Hope perguntou.

Ela desligou a torneira, secando as suas mãos na pequena toalha do lado do espelho.

— Estou — respondeu, vagamente.

Voltou para o quarto, ainda usando o vestido de quando voltou das aulas.

— Aí está você! — Hope exclamou, aproximando-se para ver se ela parecia bem.

— Você parece cansada, deveria descansar antes do jantar — Pomona sugeriu.

— Na verdade, estive pensando em aproveitar esse tempo livre para caminhar um pouco pelo castelo — Jane disse — Passei muito tempo deitada na cama, esticar as pernas me ajudará.

— Então está bem, nos vemos mais tarde.

— Estaremos te esperando aqui — disse Myrtle, pegando o vestido de rosas de cima de sua cama, provavelmente pensando no que faria com o tecido.

Jane caminhou tranquilamente até a porta do quarto, fechando-a atrás de si, assim que passou. Encostou a cabeça na porta, que estava desprotegida. McKinnon devia estar fazendo alguma ronda. Respirou fundo, antes de tomar caminho para a escadaria que a levaria até o terceiro andar.

Sabia que não era permitido que selecionadas fossem até lá, mas precisava falar com Liam.

Como esperado, dois guardas barraram a sua entrada.

— A senhorita não pode entrar — um deles disse.

— Por favor, preciso falar com o príncipe, diga que é urgente — Jane pediu.

Talvez sua voz tivesse autoridade, eles perceberam algo em sua expressão ou nem toda as selecionadas inventavam uma desculpa para interromper Liam em seu trabalho burocrático.

Um deles ficou olhando em seu rosto, enquanto o outro entrava na sala de reuniões para falar com Liam. Pelo pouco que a porta foi aberta, ela pôde ver que a sala estava vazia, talvez por isso ele gostasse de trabalhar lá, era um espaço bem amplo e ele podia ficar a sós consigo mesmo.

— Pode entrar — o guarda disse, por fim, assim que voltou.

— Obrigada — ela curvou a cabeça levemente, antes de entrar.

Liam levantou-se, assim que ela entrou, alguns papéis espalhados pela mesa de reuniões, como já era esperado.

— Aconteceu alguma coisa? — ele perguntou.

— Bem, provavelmente não é nada — disse Jane.

— Mas você está preocupada — Liam observou.

— Estou.

Ele puxou uma cadeira ao seu lado, convidando-a para se sentar.

— O que houve? — perguntou, assim que ela sentou-se.

— Durante a comemoração do aniversário de Illéa, eu tive a oportunidade de conversar com Karleen Einloft, a representante da Nova Germânia.

— Esta é uma grata surpresa, considerando...

Ele não precisou completar para ela saber que se referia a Adam Köhler e sua atitude grotesca.

— Sim, tivemos a oportunidade de conversar e ela disse que, assim que chegasse a Nova Germânia, me mandaria uma carta para podermos manter contato — Jane mentiu, mexendo no anel fino de seu dedo indicador — Eu não sei a exata distância de avião entre os dois países, mas creio que ela já deveria ter chegado. Quero dizer, provavelmente é apenas coisa da minha cabeça...

Liam, no entanto, ficou com o rosto sombrio, conforme ela continuou a falar.

— Algum problema? — perguntou Jane, parando de falar.

— Na verdade, sim — ele respondeu, olhando para o outro lado — Veja, Jane... Houve um ataque a alguns aviões que estavam partindo de Illéa. Creio que os rebeldes não deixariam essa oportunidade passar.

Não, eles não deixariam.

— E? Ela está ferida? — perguntou.

Liam não respondeu, parecendo muito interessado em voltar a olhar os seus papéis de contabilidade do reino.

— Ela está morta — disse, por fim.

Ele assentiu com a cabeça, ainda sem olhá-la.

— Mas... Eu não entendo — disse Jane, afastando a cadeira.

— Eles nem puderam chegar a Nova Germânia — Liam pegou a sua mão — Eu sinto muito mesmo.

Eles.

Os Todesser tinham matado Karleen e todos os tripulantes antes mesmo que pudessem sair do território de Illéa.

Isso com certeza causaria discussões políticas, essa era a questão para eles? Ou eles acreditavam que ela e sua mãe estariam no avião? Eles simplesmente resolveram atacar a todos para causar um impacto e somente os germanos sofreram com isso? Os alvos foram apenas eles?

Sua mãe não tinha recebido a sua resposta.

Ela não sabia que Tom Riddle era o assassino de seu pai.


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