Mérante viu Régine entrar novamente na Ópera com a expressão mais que satisfeita. O que Rosita lhe contou, que achava que a mulher mandaria Félicie de volta pro orfanato, parece que realmente tinha acontecido. Foi até a entrada da Ópera e viu Odette olhando pra estrada vazia.

— Odette?- tocou seu ombro e percebeu lágrimas em seus olhos ao vê-la se virar para olhá-lo. — O que houve?

— Régine…- respondeu com a voz embargada pelo choro. — … mandou Félicie embora… eu não consegui impedir.

— Eu sinto muito…

Odette se deixou levar e abraçou o coreógrafo que retribuiu com o maior carinho.

— Ela não queria ir…

— Não fique assim…- tocou sua cabeça. — Félicie é esperta, ela já fugiu uma vez, não foi?

Odette desfez o abraço e secou as lágrimas. Não gostava de demonstrar fraqueza, principalmente depois de alguma maldade de Régine.

— Deixe-me adivinhar… Madame Le Haut te demitiu depois do que fez a Félicie, não foi?

— Eu não me importo com isso, fico feliz em me livrar dela…- Mérante sorriu com a sinceridade. — Eu só queria a menina de volta.

— Se apegou a ela…

Odette assentiu.

— Ainda tenho o emprego aqui, não é?

— Claro que tem. Inclusive, traga suas coisas pra cá, tem um quarto em perfeitas condições lá no sótão.

— Sério?- mais uma vez, Odette ficou surpresa com a atitude. Ele se importava demais com ela e sempre queria ajudar.

— Certamente.- ele respondeu. — Depois da apresentação na véspera de Natal irei colocar em prática uma coisa.

Odette ficou curiosa, porém não o questionou sobre, não estava com cabeça para pensar em nada, só na falta que Félicie faria em sua vida.

— Quer ajuda?

— Obrigada, mas não há necessidade, eu não tenho muita coisa.

Régine quase não deixou Odette entrar, praticamente a chutou pra fora. Quando voltou à Ópera, levou suas coisas para o quarto no sótão e chorou mais um pouco. Sabia que agora sempre sentiria um vazio.

Na manhã seguinte, levantou-se cedo e foi limpar o palco. Mas enquanto fazia isso, foi surpreendida por uma voz doce oferecendo-lhe ajuda e dizendo que Odette precisava dela. Era Félicie, ela havia voltado!

— Na verdade... eu preciso de você.- disse a menina. — Quero ficar com você.- correu até Odette — que estava de joelhos e ainda atônita — e abraçou forte. Odette retribuiu com intensidade. — Desculpa tá?- pediu depois de desfazerem o abraço. — Senti muita saudade de você.

— E eu de você.- respondeu acariciando seu rostinho e depois secando sua própria lágrima.

A partir daí, Félicie passou a viver e trabalhar com Odette, contou como conseguiu voltar também já que a mais velha ficou curiosa.

...

Era a tarde da véspera de natal, ambas limpavam a plateia enquanto Camille e Rosita ensaiavam no palco ao auxílio de Mérante. O coreógrafo não estava satisfeito, pois Camille não demonstrava sentimento nenhum dançando e ele desesperadamente pedia para que ela achasse pelo menos um pra usar.

— Ela não tem isso.- Odette apontou para o coração da menor. — Hoje à noite todos vão perceber.

Em seguida, Odette foi cuidar da escadaria da frente enquanto Félicie terminava ali. Não demorou muito para Nora, uma das alunas, gritar pra todo mundo que havia uma batalha de dança no palco.

Odette imediatamente olhou para Mérante e ambos trocaram um olhar cúmplice. Sabiam quem eram. As meninas apareceram e Camille empurrou Félicie da pequena escada. Odette deu força para ela se levantar e as duas se posicionaram em frente a grande escada principal preparadas para fazer o grand jeté. Na hora de pular, Camille desistiu bem na hora e todos ficaram de boca aberta ao ver Félicie realizar o salto perfeitamente do último ao primeiro degrau. O peito de Odette se encheu de orgulho. Camille concordou com Mérante em dar o papel de Clara para Félicie. Com a imensa felicidade, a menina pulou nos braços de Odette e Mérante viu o quanto as duas sentiam um carinho enorme uma pela outra, sorriu com isso.

— Eu preciso ir contar pro Victor!

Victor era o melhor amigo de Félicie, um fofo. Era uma figura, tinha o sonho de ser inventor e era apaixonado pela amiga, além de que fazia questão de não esconder isso.

— Você se apresentará em uma hora e meia.

— Não vou demorar, prometo.

Ela realmente não ia, mas... Régine apareceu do nada tentando matar a menina. Ela chegou a acertar Victor na cabeça com uma chave inglesa e o garoto desmaiou. Camille se assustou com a tamanha insanidade da mãe. Foi por pouco, mas Victor conseguiu salvar Félicie das mãos da mulher.

Estavam com tanta pressa que nem perguntaram o porquê da menina ter demorado, somente a prepararam pra apresentação, só faltava a sapatilha. Então Odette foi até ela com a sapatilha vermelha que era tão especial pra ela e que agora era para Félicie também.

— Você está pronta.

Mérante também agachou-se, ao lado de Odette tocando seu ombro, e falou com a menina apontando para o peito dela.

— Dance com o coração.

Ambos se levantaram e esperaram ela se posicionar. A viram dar um beijo no rosto de Victor e o mesmo ficar sem reação. Trocaram outro olhar, pois os dois eram fofos juntos.

Félicie pôs-se ao lado de Rosita enquanto todos as observavam. As cortinas se abriram e a linda apresentação começou. Ao ver Félicie realizando seu sonho de dançar, a ex bailarina viu-se emocionada com a apresentação e como ela estava linda interpretando Clara. Ela tinha talento e daria todo o apoio do mundo a ela.

Percebeu que uma lágrima teimosa escapou e foi surpreendida por Mérante que beijou o local que ela havia acabado de secar a gota. O olhou surpresa e ele lhe sorriu acariciando seu ombro.

Odette retribuiu o sorriso e Mérante percebeu um leve rubor em suas bochechas. Seus olhos brilharam. Nunca havia ficado tão perto dela e o azul de seus olhos pareciam mais intensos, e com aquela corada ele a achou mais linda ainda.

Nada disseram, apenas continuaram a assistir a apresentação de Félicie e Rosita. Quando dada por encerrada, os aplausos foram ouvidos e Odette abriu um lindo sorriso. Estava tão orgulhosa. Nenhuma vez, desde que parou de dançar, Odette havia ficado alegre, mas depois que Félicie apareceu… virou algo comum pra ela. Os anos antes disso só não eram de completa tristeza, pois ela via Mérante quase todos os dias, só um olhar ou saudação dele já aqueciam seu coração.

Odette abriu os braços para receber Félicie. Ela estava saltitando e dando gritinhos de felicidade.

— Eu consegui, Odette!

— Estou muito orgulhosa!- sorriu ao desfazer o abraço.

— O que seria de mim sem você?- a menina voltou a abraçá-la.

Odette sorriu para Mérante e o coreógrafo teve certeza que o que havia planejado era o certo a se fazer.