Amélia não gostava de ser feliz. escrita por MeninoSemRazão
Notas iniciais do capítulo
Rodada 8
TEMA:
Amor.
(Entre as escolhas de sarcasmo, perdão e amor).
Sentia-se um forte cheiro de terra e grama molhadas, mas não havia de ter sido por conta da chuva. Aparentemente aquele era o primeiro e único cemitério com sistema de irrigação artificial, e suspeitava-se que nem mesmo Deus sabia o porquê disso.
Magda abrigava os restos de sua conhecida entre os dedos, seria uma cremação. Amélia havia cometido suicídio seguindo a segunda lei da física de Newton, dois corpos não cabiam no mesmo espaço, portanto cedeu o lugar que lhe competia à Magda. Eram apenas documentos o que ainda suspendiam Amélia ao mundo. E sendo a vida de fato, um fogaréu a queimar a si mesma, se entende que uma pessoa está condenada quando seu tempo é reduzido a poucas brasas de continuidade. Apesar de que nunca confessasse, Amélia escolherá a morte por não aguentar o peso de um assassinato nas costas. E para ela, era antes deitada á ser carregada por um caixão, que em pé á carregar uma cruz. Ao seu lado encontrava-se sentado um velho alto e magricela de cabelos brancos como giz e a cara rosada como se fosse uma carne crua a esperar por ser queimada nas brasas de uma churrasqueira. Ele fedia a pão mofado e falava como se o total da população humana da Terra sofresse com problemas auditivos. Era padre, tentava lhe puxar assunto.
— E qual era o nome da senhora mesmo? – Nunca soubera antes.
— Magda. Senhor padre. – Com má vontade.
— Ah sim! É um nome bonito, não é? – Sorriu amarelo. – O meu é Amaro.
— Padre Amaro? – Exclamou surpresa e prosseguiu com ar quase que de brincadeira ao receber a confirmação calada do velho. - Logo tendo esse nome, o senhor decidiu virar um padre? Não quis nem trocar depois que virou?
— Eu não vi necessidade disso. – Sem entender, respondeu defensivo.
Magda continuou calada por um tempo, esperou o velho perguntar o porque da implicância e quando viu que ele não o faria, decidiu que também não queria dizer.
— Senhor padre? – Não o chamaria por Padre Amaro.
— Sim? – Estava quase levantando para ir embora quando ela lhe chamou.
— Me disseram uma vez que não sei dar valor ao amor. – Não tinha motivos, as palavras apenas lhe fugiam da boca. – E talvez eu de fato não saiba, então baseado nisso. Gostaria que o senhor me falasse qualquer coisa. Odeio conselhos, mas por favor, me fale qualquer coisa.
De inicio, o velho ficou um tanto quanto desnorteado, mas logo vingou seu orgulho de padre e entusiasmou-se para aconselhar a mulher.
— Ninguém sabe amar de verdade, minha filha. Escolhemos a dedo com quem compartilhamos nossa vida. O amor que todo mundo tanto esbanja em palavras, não passa de descriminação, decidimos que alguns são dignos do nosso tempo e esforço e os que escolhemos ainda são poucos. Não existe diferença entre abraçar uma mãe com um gesto de carinho e ignorar um mendigo na rua, pedindo esmolas. Não passa de descriminação!
Magna nunca imaginaria ouvir algo como aquilo, muito menos saído da boca de um padre.
— E então, o que seria o amor de verdade, padre? – Sussurrou, maravilhada.
— Imagine só os defuntos de baixo dessa terra. – Parou para pensar. Prosseguiu. – Não mentem, não destroem, não machucam. Estão livres de cometer qualquer pecado. Humildemente continuam de baixo da terra, no lugar onde foram deixados. Mesmo que os vermes comam sua carne e que a terra os impeça de qualquer liberdade, continuam parados e humildes a se deixarem ser alimento aos vermes e sustância ao solo. Mesmo que lhes pisem não dirão uma palavra de protesto. A obra de Deus é perfeita. O céu, o vento que sopra, o chão que pisamos, as árvores, a chuva. Tudo isso é amor.
Houve um intervalo de tempo na alma de Magda.
— Muito obrigada, Senhor Padre. – Levantou-se. – Mas pois então, que bom que não perdi nada empolgante.
Foi embora. Esquecendo-se de cremar Amélia.
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