Amélia não gostava de ser feliz. escrita por MeninoSemRazão


Capítulo 5
A lua jamais passou uma noite sem ter sua privacidade interrompida.


Notas iniciais do capítulo

Rodada 5
TEMA:
"Decepção".



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Completavam-se dois anos que continuava em São Paulo, é claro que dentre esse tempo havia trocado emprego e apartamento ao menos umas três vezes. Mas ainda assim, muitos rostos e muitas ruas ainda eram os mesmos.

As vezes planejava um dia da semana seguinte para seguir seu rumo, mas chegava e passava o dia tão depressa quanto um gafanhoto a fugir do bico de um passarinho. O tempo não esperava Amélia se aprontar para nada. Amélia sabia que quem vive nos cronômetros do tempo, vivia com pressa e morria com pressa. Por isso não corria para nada. Era uma folha amarelada a resistir aos ventos do outono tentando arrancar-lhe do galho da própria árvore.

Seu corpo era coberto por um tecido branco, muito mais grosso do que parecia. E ao seu redor, sombras repousavam tranquilas aproveitando a falta da interferência de qualquer luz clandestina á lua. Chovia de leve nas ruas. Amélia decidiu levantar-se com cuidado, puxava o tecido por se puxasse a casca de uma ferida, pisava como se seu corpo pesasse mil elefantes e pudesse rachar o chão caso não pisasse de leve. Havia um homem do outro lado da cama, era madrugada. Foi-se até a janela do apartamento e demorou séculos para abri-la de tão cuidadosa que era para evitar barulhos. Caso o homem acordasse, estragaria o belo momento que poderia ser abrir aquela janela e sentir o gelado gostoso da chuva enquanto proseava telepaticamente com a lua e as estrelas. Então o som era como uma redoma de vidro que retia o prazer daquele momento. Qualquer estralo acidental poderia rachar a delicada matéria do vidro e fazer aquele sentimento se esvair. Amélia gostava de ficar sozinha consigo mesma sem ter que responder pergunta nenhuma a ninguém. Sem ter que doar seu ouvido a qualquer boca, gostava do barulho da chuva e para ela aquele momento era quase religioso. Ninguém era bom o suficiente para não aborrecê-la caso interferisse em seu momento com uma noite chuvosa.

Lembrou-se das palavras de Gregório. Não esquecia dele a acusando de atear fogo em coisas preciosas. Decidiu que quando fosse embora de São Paulo, seu nome seria Alexandria. Tentaria ir morar numa chácara ou fazendinha, talvez junto de um casal de velhinhos que nunca tiveram filhos. Se fosse o caso, Amélia tentaria ficar presente até que batessem as botas, depois deixaria a fazenda para alguém próximo dos dois que não fosse ela mesma e seguiria seu rumo. Imaginou os dois tentando a arrastar para a igreja ou tentando lhe empurrar maridos. Imaginava os dois rindo a chamando de doida de uma forma carinhosa, como fazem aqueles que apreciam a coragem alheia com paixão. Sorriu para a lua e fingiu que a lua lhe sorriu de volta. E continuou sorrindo até que percebeu uma movimentação no quarto.

O homem se levantava de forma que nem parecia que algum dia tivessem evitado a palavra “hiato”. Pisava sobre toda a delicadeza esforçada de Amélia para conseguir chegar na janela sem barulhos. O homem buscou um isqueiro e um maço de cigarros na cabeceira da cama e não se soube sobre sua expressão facial até que chegou perto da janela, onde a luz da lua revelava sua face como se levantasse um véu de sombras que lhe cobria. Em sua cabeça, Amélia ouvia o barulho do vidro rachando, sentiu as imagens que formava na cabeça todas se esvaindo, entristeceu. Era como se lhe tivessem roubado o tempo, a lua, a chuva, a noite e as estrelas. Evitou olhar o rosto do homem para não frustrar-se. Esperou que no minimo ele apenas se acomodasse ao seu lado para compartilharem solidão e silencio.

— Você fica linda sobre a luz da lua, sabia? – Apesar do sussurro, soava como se fosse uma bomba explodindo para longe a solidão de Amélia.

— Obrigada! Mas acho melhor eu ir. - Sem mais explicações, sumiu porta a fora. Não deixando nada para trás.


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