Florescer escrita por Bruninhazinha


Capítulo 4
O Mundo Inferior


Notas iniciais do capítulo

Nem acredito que finalmente consegui postar mais um capítulo. Foram dias difíceis, ainda mais para a minha criatividade. Estive tão ocupada com a faculdade e com tantas outras atividades que meu tempo para escrever tornou-se terrivelmente escasso e as ideias quase não fluíram. É madrugada, tenho aula cedo, mas finalmente a criatividade resolveu aflorar. A todos que acompanham essa história, peço mil perdões pela demora e espero que compreendam a situação. Minha vida está uma correria.
Dedico esse capítulo especialmente a Mayara, que sempre me apoia e me motiva.



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O Mundo Inferior

Perséfone precisou de alguns minutos para recuperar a consciência e perceber – com certo desespero – que não se encontrava mais na floresta. A presença das ninfas desapareceu, assim como a das divindades naturais e a calorosa vitalidade de Demetra.

Ela teve medo de abrir os olhos. Medo do que encontraria e de onde estaria.

Tinha sensação de estar sendo sugada para baixo. Algo quente e pesado apertava sua cintura e ela demorou para notar que eram os enormes braços de Hades. Na realidade, as memórias voltaram só no instante em que a respiração dele foi de encontro ao seu rosto.

Foi chocante. Seu primeiro impulso foi tentar se livrar do aperto – uma atitude nada inteligente levando em consideração que estava sendo literalmente sugada para o centro da terra e que não havia nada lá embaixo que pudesse ampara-la.

— Não se mova. — ele alertou, com o rosto próximo. Ela não enxergou os detalhes – estavam envoltos por sombras, sendo guiados para o ponto mais longínquo da escuridão. A situação toda era desconfortável, afinal, nunca ficou tão próxima a um homem. — Não poderei fazer nada caso caia.

— Onde estamos e o que pretende fazer comigo?

— Não lhe farei mal algum, acredite. Quanto à onde estamos... — ele fez uma pequena pausa, pensando se deveria ou não responder. —... você verá.

Perséfone não pôde fazer muito além de esperar. A viagem parecia não ter fim e demorou dez intermináveis minutos para que chegassem.

Assim que os pequenos pés tocaram o chão, o primeiro pensamento da jovem deusa foi fugir. Perséfone não estava raciocinando direito, e como poderia? Fora sequestrada pelo próprio tio, levada a um lugar horripilante e escuro. Não havia o que raciocinar. Simplesmente aproveitou o momento de distração para empurra-lo e sair em disparada.

As coisas deram errado no momento em que se desvencilhou dos braços do deus dos mortos. Foi tudo muito rápido. Em um momento Perséfone deu o primeiro passo para correr. No outro, o mundo girou – ao menos, para ela. O resultado das ações simultâneas foi a humilhante cena da deusa caída de bunda no chão.

Hades, pacientemente – e segurando a risada –, tratou de oferecer ajuda ao estender a mão, ajuda que foi prontamente ignorada pela deusa. Ele não ficou ofendido, nem mesmo se importou. Era até compreensível. Ela devia estar, no mínimo, confusa, isso para não dizer apavorada.

— Não preciso de sua ajuda. — salivou as palavras, tentando impulsionar o corpo para cima com os braços. Como o esperado, não deu certo.

— Deixe de ser teimosa. — sacudiu a mão e a deusa lhe lançou um olhar feroz. — Seu corpo não está acostumado com o peso espiritual daqui. Vai demorar um pouco até que consiga recuperar o equilíbrio. Venha, deixe-me ajuda-la.

Depois de muita – e coloque muita nisso – insistência por parte do homem e, não podemos deixar de mencionar, inúmeras tentativas falhas para levantar devido a vertigem, Perséfone acabou aceitando a gentileza do senhor dos mortos. Em um segundo já estava de pé, ou quase. Caminhar foi uma tarefa difícil – as pernas continuavam bambas e bastava um movimento para a tontura retornasse com tudo. Hades colaborou pacientemente com suas dificuldades, apoiando o corpo dela no seu e conduzindo-a para frente, na direção de um ponto de luz que tomava forma à medida que aproximavam.

A luz se tratava de uma tocha, que iluminava parcialmente a entrada de uma caverna.

A atmosfera era pesada e, temerosa, atentou-se ao interior do buraco. Parecia não ter fim. Havia uma caligrafia incrustada na abertura. Ela não conseguiu ler – aquela era uma língua mais antiga que o próprio grego. Engoliu o seco. A situação toda era bem bizarra e ela tentou concentrar no que Hades havia dito minutos antes.

Ele não lhe faria mal.

A questão é que é muito complicado acreditar em algo assim quando se está prestes a adentrar uma caverna escura com um homem cuja aparência procede a fama e, como se não bastasse, sem qualquer sinal de vida por perto.

Pensar nisso fez com que a aflição fincada em seu peito piorasse.

— Não precisa ficar com medo. — ele quebrou o silencio, como se escutasse cada um de seus pensamentos. — Tente não se soltar, ou fazer qualquer outra besteira. Apenas me acompanhe.

O que poderia fazer? Perséfone não era lá muito corajosa, isso sem mencionar que se encontrava totalmente desamparada, sem conseguir manter-se de pé. A vertigem havia passado um pouco, mas não o suficiente. Não haviam opções além de obedecê-lo.

Eles mergulharam na escuridão. O trajeto da caverna eram inúmeros degraus que levavam cada vez mais fundo. Depois de descerem por cerca de cinco minutos, as paredes se abriram, revelando o lugar mais aterrorizante que ela veria na vida.

Um rio estendia-se adiante. Largo e comprido, sumia no horizonte, mas o que realmente chamava atenção era a água enegrecida. O deus a guiou até a escadaria que levava ao rio e, de onde estavam, ela enxergou uma aglomeração de sujeitos que conversavam entre si. Na margem, havia uma pomposa balsa de ouro ancorada e, encostada nela, estava um indivíduo encapado que segurava uma foice.

O rio se dividia em dois, circulando uma ilha. No centro do ilhéu, em meio a árvores nuas e desprovidas de vida, erguia-se um majestoso castelo de torres góticas. Na ponta esquerda, mais afastado da ilustre fortaleza, achava-se um palacete grego de marfim escuro e pilastras adornadas de prata brilhante. Logo atrás, estavam dois portais enormes e na ponta direita da ilha, embora estivesse escuro, Perséfone enxergou uma montanha de pedregulhos com um socavão semelhante à caverna que atravessaram minutos antes.

— Bem-vinda aos meus domínios. — Hades a tirou da observação ainda com uma das mãos firmando-a de pé. Ela estava deslumbrada demais para responder com toda a falta de educação que ele merecia. — Submundo, Mundo dos Mortos, Mundo Inferior, chame como quiser.

Então aquele era o Mundo Inferior do qual todos falavam. Imaginava que fosse um pouco mais, não sei... horrendo, com sangue por todo lado e gritos sôfregos. Embora não fosse exatamente a imagem que uma criança gostaria de ver antes de dormir, era até bonito e ajeitado.

— Por que me trouxe aqui?

— As perguntas vão ter que ficar para depois.

— Você não entendeu, Hades. — fez uma pausa, sem desviar o olhar, o sangue fervendo em cada veia e artéria de seu corpo. — Eu exijo que me responda.

— Há coisas que não posso responder, não agora. Então acalme-se e...

— Me acalmar? — o cortou, indignada. — Como espera que me acalme nessa situação? Não quero conversar depois, quero conversar agora!

— Perséfone, não vou discutir com você. Agora pare de agir feito uma criança e venha.

Ela se sentiu ofendida, entretanto, decidiu não dizer mais nada. As pernas ainda bambeavam, por isso não se afastou do aperto dele. Eles de achegaram ao tumulto. Nessa altura do campeonato, estava tão curiosa que acabou esquecendo o fato daquilo ser um sequestro, não um passeio de férias.

A aglomeração, notou com horror, era formada por pessoas transparentes. Piscou uma, duas, três vezes só para ter certeza de que não estava alucinando. Conseguia enxergar a silhueta da barca através deles.

Almas humanas. Nunca havia visto algo assim.

Ao vislumbrarem o senhor dos mortos, todas as almas se curvaram, assustadas. O homem encapado se aproximou e fez o mesmo.

— Meu senhor. Senhorita. — Perséfone sentiu as bochechas corarem. Ninguém nunca se curvara perante si. Não soube bem como reagir, por isso permaneceu muda feito uma parede, um tanto perdida. — Espero que tenham feito uma boa viagem.

— É muito bom revê-lo, Caronte.

A deusa quase tombou a cabeça para o lado, incrédula. Ao que parecia, ninguém ali fazia jus a fama e as fofocas. Caronte era um homem baixinho e corpulento, de cachos castanhos, não exatamente bonito, mas também não o considerou feio. Ele certamente se classificava como um sujeito normal, não o temível barqueiro infernal que servia a Hades atravessando as almas pelo Estige. Com um sorriso simpático, lançava olhares discretos e carregados de interesse para a figura feminina.

Hades estendeu duas dracmas de ouro. Caronte as recebeu e guardou em algum lugar da manta negra.

— Por favor, acompanhem-me.

Eles adentraram a ilustre barca, Perséfone ainda em choque. No momento que Caronte tocou a base da foice no piso de madeira, a barca disparou cursar até a fortaleza. As torres contrastavam com o céu estrelado e a jovem arqueou as sobrancelhas, intrigada. Como poderia existir um céu no Mundo Inferior?

Hades e Caronte conversavam e ela aproveitou a desatenção deles para aproximar da popa. Esticou o pescoço, curiosa. Seus orbes analíticos não vislumbraram o fundo do rio, mas captaram objetos estranhos acompanhando a correnteza. Identificou joias, pedras preciosas, moedas, brinquedos, livros...

— Incrível, não? — Ela arqueou a coluna e segurou o grito, assustada. Estava tão entretida que nem chegou a sentir a presença de Hades atrás de si. Ele mantinha a postura ereta e sorria de canto, um sorriso mínimo que mostrava satisfação.

— O que são esses objetos?

— São todos os sonhos, desejos e deveres que os mortais não realizaram em vida.

— Há tantas riquezas nesse rio... — virou o rosto outra vez para a água escura. — Suas riquezas vêm daqui?

— Não.  — deu de ombros. — A água pode ser letal até mesmo para nós, deuses. Ela suga toda nossa essência divina. — explicou, rodeando o antebraço dela com uma das mãos, puxando-a para longe da popa. — Acho bom ficar mais longe, para sua própria segurança. Sente-se melhor ou continua zonza?

— Estou melhor. — respondeu, considerando estranho a forma com que ele apresentava preocupado com seu bem-estar. 

— Ótimo. Não vai demorar para chegarmos. Acomode-se.

Perséfone sentou em um banco improvisado, dizendo a si mesma que aquilo estava muito esquisito. Ao que indicava, Hades realmente não tinha pretensões de lhe machucar. Até então havia sido um cavalheiro, na medida do possível, já que era ela quem não estava facilitando as coisas.

Qual seria o propósito disso tudo? O que ele pretendia?

Observando o quão longe a barca estava da margem principal, só pôde se perguntar se um dia voltaria para casa. Foi desesperador. Começou a imaginar se passaria a eternidade sem retornar a floresta ou a vida simples que possuía ao lado da mãe.

Demetra.

Ela sempre teve razão. Fora uma estúpida ao insistir para ir a floresta sabendo dos perigos que a cercava. O que seria da deusa maior quando descobrisse tudo? Demetra surtaria, ou morreria.

A preocupação a sufocou. Precisava fazer alguma coisa, qualquer coisa. Não podia simplesmente pular no Estige, seria um caminho sem volta. Permitiu que o olhar percorresse toda a paisagem e os orbes oliva pararam no socavão da montanha de pedras situada ao lado do castelo. A caverna era idêntica à que tinham atravessado para chegar ao Mundo Inferior. Talvez essa fosse a saída.

Um raio esperançoso a iluminou. No momento que Caronte ancorou a barca, Perséfone não pensou duas vezes antes de pular para fora e correr pela baía na direção da caverna, escutando os gritos desesperados de Hades logo atrás.

Ela não pensou nas consequências de seus atos, tampouco no que aquilo ocasionaria. Sequer estava pensando. A deusa só queria ir para casa e situações drásticas requerem medidas drásticas. Correr foi sua única alternativa, sua última jogada.

Embora ainda estivesse tonta, desacostumada com a atmosfera pesada, ela manteve o foco e o equilíbrio, esticando a saia da toga para movimentar melhor as pernas. Pôde sentir a presença de Hades. Olhou por cima dos ombros e o enxergou correndo na sua direção, gritando algo que não conseguiu escutar. O coração bombeava o icor rapidamente, quase atravessando sua cavidade torácica e o suor escorria pela testa. Estava quase chegando, quase na entrada da caverna.

— Perséfone, não faça isso!

Tarde demais.

Ela congelou ao vislumbrar a coisa sair do interior da caverna; a parada abrupta a fez desequilibrar e cair. Amortecendo a queda com as mãos, Perséfone rolou bons centímetros para a esquerda, o grito entalado na garganta e os olhos inundados pelas lágrimas. 

Seu choro desesperado e os gritos de Hades foram abafados pelo rugido bestial.

O bicho devia ter quase dois metros de altura. Músculos definidos, cauda de dragão, olhos animalescos. Mas o que aterrorizava, de fato, eram as três cabeças imensas e monstruosas, o focinho alongado e as presas de leão.

Ela conhecia as lendas – lendas horríveis, por sinal. Aquele era o comedor de carne, o guardador das portas do Tártaro.

Cérbero.

As mãos ardiam e os músculos da panturrilha esquerda repuxavam, resultando em uma câimbra insuportável. Tonta, amedrontada e sem saber o que fazer, Perséfone gritou, observando o imenso cachorro aproximar com os dentes a mostra.


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Notas finais do capítulo

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