Selena é a primeira que sente quando Amália chega no castelo. Na realidade, ela também não entende muito a princípio toda aquela confusão que ocorre no seu sangue quando ela coloca os olhos sobre a coisa ruiva com um corpo minúsculo que Afonso traz carregando a tira colo quando volta para o trono. Ela acha que é só algum tipo de pressentimento apenas, uma coisa que ela sente por que sabe da força que a outra mulher carrega, e é apenas isso.

Mas Selena tem aprendido muito sobre si nos últimos tempos, e ainda mais sobre a magia que ela carrega dentro de seu peito. A moça jovem coloca seu cabelo para trás, os fios soltos da sua trança insistindo em entrar no caminho de seus olhos quando ela se observa no espelho. Selena sente o peito arder quando lembra de Amália, parada ali no salão do trono olhando para todos com a expressão assustada que ela mesma já reconheceu no seu rosto.

Ela sabe o que Amália é, afinal. Selena havia pensando em primeiro que Catarina era a que carregava algum tipo de bruxaria, algum tipo de feitiço em seus olhos e veneno em sua boca, mas quando Selena olha para a princesa tudo que ela sente é um vazio. Um grande buraco escuro que parece engolir qualquer tipo de matéria perto dela. Mas quando ela olha para Amália, a pequena e amada Amália, ela sente.

O sangue de Selena ferve com a lembrança. Seus dedos apertam a espada um pouco mais forte quando ela a segura, ainda olhando no espelho. Seu corpo está nu, um hábito que a moça sempre faz antes de se vestir para dormir. Ela se olha no espelho, faz seu cabelo em uma trança mais frouxa para se deitar, e beija a sua espada. O metal gelado tocando os seus lábios para fazer ela lembrar que é um soldado, uma guerreira, e não uma bruxa como sabe que é.

E nesse momento, olhando para o seu corpo magro em frente a ela, Selena sabe que Amália possuí um tipo de magia também. Há outra bruxa no castelo.

“Nós vamos todas queimar.” Ela fala com a voz fraca apenas para si. A luz da vela em seu quarto treme um pouco, fazendo as sombras de seu corpo se ampliarem na parede com um ar assustador. Selena sente um frio estranho na espinha, um tipo de arrepio que faz ela se lembrar das lendas que escutou, sobre um espírito atravessar o seu corpo.

A moça sabe que deve manter escondido o fato que ela e Amália possuem um tipo de feitiçaria em seus ossos, e dentro do seu coração ela também sabe que a mulher ruiva não tem conhecimento sobre as coisas que tem dentro de si, que estão em sua alma.

A luz sacode mais um pouco sobre o quarto, quase se apagando ao todo, deixando apenas um brilho azulado sombrio da lua iluminando quase tudo, inclusive a espada que ela ainda aperta em seus dedos magros. Selena já imaginou mais de uma vez como seria a sensação daquela espada atravessando o seu corpo quando ela se lembra que é uma bruxa. A vergonha de ter aquilo em seu corpo as vezes inunda todo o peito de Selena, e quando ela vê Amália ali, parada com a sua magia no dia que ela aterrissou em suas vidas, ela quase quer caminhar depressa até ela e se estender em sua frente, pedindo algum tipo de companhia para os seus anseios. Mas depois ela entende que está sozinha.

Selena é uma menina sozinha, e Amália uma bruxa que não sabe de seus poderes. Este é um reino fadado ao fracasso, e a peste consome toda a terra, tornando a sua população quase tão doente quanto os ossos de uma realeza que não se importa com o povo. Ela deposita a espada na parede de barro, e se inclina sobre o espelho, os olhos reais focando nos olhos que estão refletidos em sua frente.

Sua mão levanta em um sopro de movimento, e ela toca o espelho, focando-se em transformar a superfície que antes era refletida em uma placa dourada com os seus poderes.

“Esse é o dom que o Senhor me deu.” Ela diz para si mesmo. Selena passa as noites conversando com a própria mente enquanto treina os seus poderes. A moça teve a descoberta de tal magia em seu sangue quando ainda era pequena, mas ela negou tal fato assim que a inquisição começou a queimar toda e qualquer mulher que cruzasse o seu caminho.

Mas agora é diferente, e Selena sente o poder corrompendo suas veias quando ela faz algum tipo de magia. Seus dedos estão gelados sobre a superfície dourada que ela está apoiando agora, quase que dominando por completo o que antes havia sido um espelho.

Seu corpo está refletido de uma maneira majestosa na parte dourada, e ela quer se afundar naquela imagem apenas para se esquecer um pouco da realidade que queima mulheres como ela apenas como um passatempo. Uma realidade onde mulheres são soltas na floresta apenas para serem caçadas, como se fosse um esporte nojento que os homens têm entre eles.

Sua cabeça caí mais para frente da superfície quando ela vê algo surgindo no dourado que não está na sala. É o cabelo vermelho de Amália que está embaçado em sua frente. Ela estreita os olhos, tentando ter uma visão mais nítida do que está aparecendo em sua frente.

Selena é o combo completo de feitiçaria e visões distorcidas sobre o futuro. A imagem de Amália na placa dourada não é nada mais do que a imagem de um sonho distorcido e sem nexo. A mulher ruiva está sentada no trono, com os longos cabelos presos em diversas tranças caindo pelo seu ombro. A coroa de ferro está em sua cabeça e ela veste negro. Um negro poderoso. O olhar em seu rosto transforma-se de frio para vingativo em algumas batidas de seus cílios.

O peito de Selena arde quando ela vê a cena, como se o próprio coração tivesse iniciado uma fogueiro em seu peito, iniciando uma queimada de dentro para fora. Seu corpo se curva com a dor da queimadura em seu peito e ela solta a mão que está no espelho, a placa dourada sumindo rapidamente quando ela para de tocar o objeto.

Seu corpo nu se embola no chão, as bandas de sua bunda sendo pressionadas no piso gelado de barro, e as costas na madeira de baixa qualidade da cama. Os lençóis estão caídos aos seus pés, e ela quer se cobrir e ficar ali, na superfície arenosa.

“Mãe, me ajude.” Selena suspira para o nada. A luz da vela quase que se apagando por completo, e o quarto em uma escuridão também quase completa. “Veja pelos meus olhos, me guie por aquilo que não consigo ver claramente.” Ela pede.

Seus olhos se fecham, e a escuridão consome a mente de Selena.