Adele escrita por Camélia Bardon


Capítulo 6
V. Inquisições e requisições


Notas iniciais do capítulo

Hey look ma, I made it -q
Olha quem chegou com capítulo na data certa? Eu ouvi um amém?
Fiquem aqui com o capítulo novo de Adele, que já tá entrando em fase de treta. O que será que ela vai aprontar dessa vez?



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Languedoc-Roussillon, novembro de 1899

 

Li todos os livros de Sir Arthur Conan Doyle disponíveis na Casa Chevalier, e aprendi sobre a ciência da dedução em cerca de duas semanas. Agora, aplicá-las é que era difícil. Minhas tentativas de deduzir Lilian e Thierry podem ser resumidas em: “mas o que é que você tanto olha?” proveniente de Lilian e “estou com algo em meu dente?” de Thierry. Então, descartei meus prováveis dons dedutivos e concentrei-me apenas em obter informações. Informações essas que também não foram nada fáceis de serem obtidas. Se fossem, seria igualmente maçante para minha mente hiperativa.

Comecei por Melina. A governanta era tão mãe postiça de Thierry e Sienna quanto minha. Interroguei-a pouco antes de servirmos o almoço.

— Precisa de ajuda, senhora? — perguntei como quem não quer nada.

— Não tem trabalho a fazer, Adele? — rebateu ela, erguendo uma sobrancelha. — Lady Anneliese e Sienna não precisam de você? Nem a srta. Moreau?

— Não — sorri angelicalmente. — Lady Anneliese foi à missa matutina, Sienna está muito ocupada lendo seu romance e a srta. Moreau está dando um passeio pelos jardins com Ettore e deixou bem claro que não quer ser incomodada.

— Sendo assim, aceito sua ajuda, Adele. Pode, por obséquio, cortar aquela alface em tiras?

Assenti com a cabeça e encaminhei-me à pia. Apoiei a alface na tábua e pus-me a cortá-la.

— Melina, não acha que mesmo antes de Lilian chegar, Thierry vem agindo de maneira um tanto... estranha?

Melina gargalhou e veio parar a meu lado.

— Cá entre nós, Adele, Thierry sempre foi um tanto estranho — ela fez uma imitação de minha voz. Franzi minha testa em resposta. — Mas isso não lhe diz respeito, diz?

— Poupe-me do discurso de criadagem, Melina, eu já sei onde quer chegar. Não tenho o direito de preocupar-me com Thierry? Afinal, conheço-o há nove anos. Creio que eu possa demonstrar minha preocupação.

— Você está certa — murmurou ela, mordendo o lábio inferior. Em seguida, colocou as mãos na cintura. — Mas mantenho minha posição quando digo que Thierry sempre foi adepto em demasia da introspecção. Com as mulheres, ao menos.

Anotei a informação em minha cabeça. Introspecção com mulheres.

Finalizei o corte e deixei a cozinha. Encaminhei-me para o salão de visitas, onde Bertoli encontrava-se lendo o Le Monde. Sentei-me a seu lado, gesto esse que provocou uma levantada de sobrancelha de sua parte.

Buongiorno — cumprimentou-me ele.

Bonjour — cantarolei de volta e cheguei mais perto. — Quais são as notícias hoje, Bertoli?

— Nada novo sob o sol. A notícia mais empolgante é que teremos um casamento em breve.

— Empolgante — ironizei. — Como os noivos estão se sentindo?

— Ambos estão neutros. Contudo, mesmo que não seja do meu feitio fofocar — Bertoli baixou o tom de voz. — Quando estão perto um do outro, parecem... ter nojo um do outro. Milady pode chegar a ser desagradável, mas nunca vi Thierry olhar para outra pessoa com desprezo. Os dois não sentem atração nenhuma um pelo outro.

— E supostamente Thierry ainda é muito novo para casar-se — acrescentei. — Os rapazes costumam começar a frequentar a sociedade aos 25.

— Sim — Bertoli suspirou. — Eu não gostaria de estar em sua pele. Nunca me casei justamente pela liberdade.

Arqueei as sobrancelhas, surpresa. Era raro Ettore e Bertoli falarem de suas vidas pessoais, então sempre que uma dessas informações me era ofertada eu a guardava com zelo.

— Uma alma livre — brinquei.

— A mais livre de todas — concordou ele. — Eu e meu irmão sempre adoramos viajar, no entanto certamente viajei mais que ele. Ettore sempre parava em algum lugar, enamorado de uma madame. Perdi a conta dos amores ao longo dos anos.

Ri com o comentário. Bertoli era extremamente reservado, mais que Thierry.

— Nunca se apaixonou?

— Disse-lhe que nunca me casei, agora... apaixonar-me... — Bertoli corou, gesto esse que achei adorável. — Apaixonei-me apenas uma vez. Mas foi há muito. Seu nome era Danielle.

— Que lindo. Obrigada por ter me contado esta história, Bertoli.

Ele deu um sorriso triste, e acrescentou:

— Memórias se tornam histórias, quando nos esquecemos delas.

Retornei seu sorriso, e ficamos ambos apenas sentados em silêncio, aguardando pelo almoço.

 

Pela tarde, certifiquei-me de que nenhuma das mulheres precisasse mais de meus serviços e fui até Remy. Eu não o interrogaria naquele dia, não depois de ter escutado a história tão singela de Bertoli. Apenas pedi que ele me levasse até os correios, e levei meu bolo de papel de carta comigo. Como eu já havia decorado o caminho para a Rue de l’Ancien Courrier, senti-me em casa. Pedi privacidade à Remy – cujo qual não reclamou, pelo contrário; amou poder ficar esbanjando a carruagem para as donzelas da alta sociedade.

Embora eu tenha ido na desculpa de buscar as cartas quinzenais, como eu sempre fazia, o senhor Cluzet surpreendeu-me uma vez mais. Entregou-me as cartas e acrescentou:

— Um minuto, ma fille* — e sorriu, erguendo um dedo. — Tenho mais uma para vosmecê.

— Para mim? — sobressaltei-me e ergui uma sobrancelha.

— Sim, sim. Pode sentar-se ali — ele apontou para um sofá com uma mesinha de centro.

Assenti com a cabeça e sentei-me onde indicado. Tamborilei nervosamente os dedos em meu colo, e enquanto esperava algo me impeliu a dar uma olhada nas cartas. Duas para lorde Victor, dos demais lordes de Languedoc-Roussillon. Uma para lady Anneliese no nome de “lady Margaret M.” e a última para Thierry, em nome de “P.A”. P.A... brinquei com as iniciais em meus lábios, mas nada familiar me vinha à mente. A caligrafia não indicava ser feminina ou masculina, pelo motivo de ter sido escrita em letras de forma, e não cursiva. Antes que eu pudesse formular qualquer outro argumento, monsieur Cluzet retornou com um último envelope e uma espátula para abrir a carta.

— Aqui está. De Bordeaux.

— E-eu não conheço ninguém em Bordeaux — relutei.

— Parece que alguém conhece a senhorita — ele sorriu misteriosamente e deixou-me em particular.

Pela primeira vez em 25 anos, eu me correspondia com outro alguém além da irmã D’Mathieu. Rasguei o envelope com urgência, e praticamente devorei o seu conteúdo.

 

“Prezada Adele,

Não nos conhecemos, entretanto, imagino que não deva saber falar inglês. Escrevo-a em francês, e de antemão peço que me perdoe caso perceba algum erro gramatical grotesco. Meu nome é Harvey Banks, e sou estudante da Academia Real de Londres. Estou na França de passagem, contudo já visitei Avignon, Paris e agora encontro-me em Bordeaux.

Me serei breve. A Abadessa Josephine – tens sorte de tê-la tido como tutora, é uma senhora deveras agradável – informou-me que, em seu atual emprego, faz uso de calor. Deve soar a seus ouvidos (ou deveria dizer olhos?) suspeito um desconhecido procurar uma desconhecida para corresponder-se. Porém, todas as empregadas a quem procurei não conseguiram ser de ajuda em um experimento particular. És minha última esperança.

Trata-se de um experimento cujo qual posso apenas limitar-me a dizer ser físico. Já houve seu início, agora cabe a mim aprofundá-lo e, quem sabe, torná-lo útil no cotidiano de pelo menos centenas de pessoas. Sinto por não poder fornecer-lhe mais detalhes.

Finalizo perguntando a vosmecê se aceitaria marcar um encontro pessoal para discutirmos sobre o assunto. Antecipo que lhe será oferecido um salário e moradia, e garanto que não sou um libertino. Minhas intenções são estritamente profissionais. Caso a resposta seja afirmativa, deixo-lhe a escolha da data e local. Mais uma vez, peço perdão pela quantidade exagerada de palavras e a pobreza de informações. Ressalto que este é um assunto que deve ser tratado pessoalmente.

Em aguardo, H.B.”

 

Meu coração tornou-se um circo. Era difícil conter os pensamentos e as emoções, pois automaticamente ambos se emaranharam em meu âmago. Mal respirei quando pedi a monsieur Cluzet pena e tinta para a resposta.

 

Caro senhor Banks,

Confesso que, apesar de ter sugerido que me contatasse pessoalmente, não esperava que isto viesse a acontecer de fato. Perdoe-me, mas estou deveras surpresa. Sinto-me grata pela consideração.

O conteúdo desta carta será conciso. Entretanto, posso confirmar sua proposta. Sei que suas intenções são boas, e gostaria de encontrar-me com o senhor na Catedral de Montpellier às três da tarde do dia 23 de novembro. Tratemos pessoalmente. Caso haja problemas com a data, por favor, retorne a carta.

Proponho um acordo. Eu o ajudarei com seu problema se puder ajudar-me com o meu. Não há a necessidade de salário. Meu maior desejo é ajudar quando há necessidade. Todavia encontro-me igualmente num dilema. Creio que, pelo bem de ambas as curiosidades, aceitará.

Grata desde já, Adele d’Avignon.”

 

Meus lábios abriram um sorriso um tanto maldoso. De Adele, cujo significado era nobreza, eu passara para Adele, a ardilosa. Céus, eu era apenas a camareira, mas a curiosidade corroía todas as veias de meu ser.

Selei o envelope com meus lábios e o entreguei a monsieur Cluzet, que pareceu ter notado a importância da carta. Despedimo-nos com um aceno de cabeça, e eu voltei para a carruagem com passos apressados.

Deparei-me com Remy no meio de um cochilo e suprimi um risinho. Passei a mão por seu braço e ele acordou, resmungando.

— Demorei tanto assim? — ri, enquanto ele abria a porta para eu me acomodar na carruagem.

— Não faço ideia, sinceramente. Não foi sua culpa, tranquilize-se — suspirei de alívio dramaticamente, o que o fez rir. — Estou exausto, Adele. Lilian e Sienna sempre estão querendo sair para um passeio, eu imploro para o Senhor que elas se casem em breve.

Gargalhei com o comentário.

— Ora, Remy. Deixe-as se divertirem — aproveitei a oportunidade e acrescentei: — Afinal, a srta. Lilian, após casada, não terá a mesma liberdade que tem agora, estou certa?

— Corretíssima, ainda mais especificamente em seu caso. A vida libertina ser trocada por um casamento é deveras corajoso.

Franzi a testa, e Remy pareceu ter noção do comentário. Ele pigarreou, fechou a porta da carruagem e logo estávamos no caminho da Casa Chevalier. Meus dedos quase empapavam-se em suor, tentados a abrir a carta de P.A. No entanto, eu era curiosa, e não descortês. Teria de ser do jeito difícil.


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Notas finais do capítulo

*ma fille: minha filha/minha menina.

E aí, o que acharam? Adele tá brincando com fogo ao investigar os Chevalier? O que esperam do Harvey? E quem será PA? (meu lado Amor Doce diz que é só desgraça)
Formulem suas teorias! Eu amo conversar com vocês ♥ E, leitores fantasmas, podem aparecer, não sejam tímidos! Até o próximo ♥