Adele escrita por Camélia Bardon


Capítulo 5
IV. Lilian


Notas iniciais do capítulo

Olá, meus amores, tudo bem com vocês? Tudo tranquilo? Postando às 2h40 porque não tenho certeza da minha estabilidade online depois disso xD
Antes de começarem, devo dizer que se vocês acharam que a história estava muito parada, tenho uma notícia: a partir de agora a treta rola solta xD estão preparados para mergulhar na trama? Então vamos lá! Ou, como diriam os franceses e o meu Doutor, allons-y!
O capítulo de hoje, ao menos a maior parte, foi escrito ao som de "Love Story", da Indila. Caso queiram ouvir enquanto leem, aqui o link: https://www.youtube.com/watch?v=DF3XjEhJ40Y



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Remy, Sienna e Lady Anneliese retornaram após uma semana, contando o dia em que eu e Thierry entregamos a tão fatídica carta. Até aí, tudo corria bem. No entanto, não retornaram sozinhas. A carruagem parou sob a calçada de pedras da entrada e pude ver uma nova figura sair dela.

Era dona de longos cabelos castanhos, que emolduravam seu rosto com uma trança lateral, olhos esverdeados, lábios carnudos e um vestido um tanto decotado. Lançou um olhar de deleite para a mansão, e um calafrio alarmante percorreu minha espinha. Ah, céus.

O furacão em forma de mulher. Traziam a senhorita Lilian Moreau com elas.

 

Um lembrete para você que diz que sua vida é absolutamente monótona, maçante e quaisquer outros sinônimos que queira acrescentar: nunca diga nunca.

Naquele momento, surtei.

Merde! — nunca fui tão achegada com palavrões e nem sabia o porquê de estar tão nervosa com a chegada delas. Hoje sei: o nome daquele novo sentimento era ciúme.

Sempre fui da opinião de que ciúme se trata um sentimento imaturo e mesquinho. Para mim, o ciúme é uma das denominações da insegurança. Aplicado num exemplo prático: eu sentia ciúme de Thierry em sua relação com Lilian por serem noivos, mesmo sabendo que nunca, nem em um milhão de anos, seriam um casal adequado um para o outro ou eu seria adequada a ele.

Naquele momento, meu coração palpitou e foi ali que percebi o problema.

Eu nunca tinha tido aquele tipo de pensamento a respeito de nenhum homem anteriormente – até mesmo porque os homens que eu tivera contato além de Thierry incluíam Remy, Ettore, Bertoli, padre Étienne, monsieur Cluzet e Lorde Victor. E cá entre nós, seria lascivo de minha parte desenvolver sentimentos por qualquer um deles.

Merde! — praguejei com mais ênfase ao derrubar a pilha de roupas recém passadas. Eu podia escutar a animação no andar de baixo e sabia que logo seria chamada para acomodar as senhoritas. Tratei de recolher as roupas e respirar fundo. Meus dedos estavam trêmulos quando o fiz.

Mais do que nunca eu era capaz de ouvir meus batimentos cardíacos. Caminhei quase de olhos fechados por todo o corredor do segundo andar. Desci a escada de serviço para o primeiro andar e dei de cara com Remy. Sua expressão de desgosto é inenarrável.

— Olá, Adele — ele sorriu e fez uma mesura improvisada.

— Remy — imitei o gesto, rindo suavemente. Franzi a testa logo em seguida quando lembrei-me do real propósito de ter descido as escadas. — Por que ela...?

— A srta. Moreau está aqui por ordens de Lorde Victor — explicou Remy, lendo meus pensamentos. — Enquanto estávamos em Paris, enviou para Lady Anneliese um telegrama indicando já ter tudo pronto para a srta. Moreau e o senhor Thierry casarem-se em breve.

Ergui as mãos ao coração, tentando conter a pontada de dor que se abateu sobre ele.

— Casamento? — repeti, amuada.

— Previsto para o próximo mês.

— Ela morará aqui?

— Sim, Adele. Por que isso faz tanta diferença para... oh — interrompeu-se ele, compreendendo. — Você gosta dele.

Assenti com a cabeça, admitindo a derrota. Remy conduziu-me até a lavanderia e olhou para mim com um olhar de repreensão.

— Adele, francamente. Isso é impossível. Você e ele...

— Eu sei, eu sei — respondi, exasperada. — Não precisa repetir, Remy. Sei qual meu lugar aqui. Sou a camareira, não tenho esse direito. Mas não escolhemos por quem nos apaixonamos. Estou aqui há nove anos, Remy. Esta é a primeira vez que sinto... atração por alguém.

— Não me referia a sua classe social, embora... sim. Você tem razão. Não se reprime paixão. Entretanto, cuidado com seus sentimentos, Adele.

Franzi a testa e senti minhas bochechas corarem, não tanto pela vergonha, mais pela emoção de outro sentimento vindo à tona: a indignação.

— O que quer dizer com não se referir apenas a minha classe social, Remy?

— E-eu creio que tenha dito demais, Adele — esquivou-se ele. — Por favor, perdoe-me.

— Perdoado, mas, por Deus, homem, não me deixe curiosa.

Antes que eu pudesse contestar mais algo, ouvi Sienna resmungar algo sobre descansar até a alma sair do corpo. Dei de ombros para Remy, indicando que aquela história estava longe de ser finalizada. Ajeitei meu chapéu de renda e meu avental, suspirando ao me encaminhar para a cozinha.

Lá, a cena era no mínimo engraçada. Thierry estava recostado sobre um dos armários e com a expressão amarga emoldurando seu rosto. Sienna e Lady Anneliese jaziam jogadas de forma dramática na mesa de madeira – Sienna em particular acompanhada de uma tigela cheia de biscoitos de nata. Lilian, do lado extremo oposto ao de Thierry, encarava-o de braços cruzados e sobrancelha erguida. E Melina corria de um lado para o outro tentando ser o mais útil possível.

— Vamos, vamos, farei um café da tarde reforçado para todas vocês. Arrumem-se. A próxima fornada deverá sair em torno de um quarto de hora. Apenas chá e biscoitos? — confirmava ela, com as mãos sujas de farinha.

— Eu gostaria de uma xícara de café, se não for incômodo — acrescentou Lilian. Lancei um olhar para Thierry, que o devolveu em puro desespero. Segurei o riso.

— É claro, srta. Moreau, será providenciado. Ah, Adele, aí está você! —  Sobressaltei-me ao ser notada no ambiente. — Por favor, acomode as senhoras enquanto preparo o café da tarde.

Assenti com a cabeça e ergui um sorriso amarelo.

— Senhora e senhoritas, por favor, acompanhem-me.

Sienna pareceu despertar de seu torpor e praticamente voou até minha direção. Abraçou-me e aplicou diversos beijinhos em minhas bochechas.

— Senti tanto sua falta. Bem que pedi à mamãe para leva-la conosco, mas ela disse que não era possível. Como sempre — Sienna revirou os olhos e bufou, ainda dramática.

— E eu a sua, senhorita. Senti-me quase sem utilidade.

Lilian, atrás de Sienna, olhou-me de cima a baixo com um olhar que julguei ser de inspeção. Resisti a tentação de encolher-me num canto e chorar e apenas alargar mais alguns milímetros o sorriso.

Seguimos para o andar de cima, onde acomodei Lady Anneliese no quarto do casal, e Sienna e Lilian no quarto da primeira. Ajudei-as na retirada de seus espartilhos e preparei um banho para Sienna, que já havia atacado os biscoitos de nata. Quando percebi, estava a sós com a srta. Moreau.

Lilian lançou-me um sorriso cáustico. Observei ela retirar de sua bolsa de mão um pote de metal, abri-lo e tirar de lá uma espécie de planta. Creio que minha curiosidade tenha sido muito evidenciada – censurei-me de imediato –, pois Lilian riu.

— Deve estar se perguntando o que é isso — e pegou um punhado da planta estranha, convidando-me a chegar mais perto. E é claro que eu fui. — Chama-se tabaco*. Você coloca na boca e mastiga. Quer experimentar?

Peguei o pote em minhas mãos e o analisei. O pote fazia um som bom ao bater de minhas unhas. Cheirei o conteúdo e uma onda de náusea tomou conta do meu corpo.

— Não, obrigada, senhorita — disse em meio a uma tosse. — Precisa de mais algo?

— Por enquanto não, Adele. Ou melhor, avise à Thierry que ele deve recepcionar melhor sua noiva — debochou ela, ainda mastigando o tabaco. Sua voz saiu um tom mais rouco. — Ouvi dizer que vocês dois são muito amigos.

— Meu relacionamento com todos da Casa Chevalier são amigáveis, senhorita — desconversei. — Assim como espero ser com a senhorita, pois... bem, nos veremos com muito mais frequência agora.

— Assim espero — sorriu ela com ar misterioso.

Adele! Pode vir aqui um instante? — escutei Sienna gritar do banheiro.

Dei de ombros para Lilian e pedi licença para me retirar. Enxuguei minhas mãos empapadas de suor no avental, suspirei e fui ao encontro de Sienna.

 

Por uma parte do dia, ouvi as histórias de Sienna em Paris**. Ela contou-me que um homem havia proposto casamento a ela, entretanto sua mãe não tinha o conhecimento de seu envolvimento com ele. Em meio a suspiros, ela admitiu:

— Talvez eu esteja apaixonada, Adele. Mas é difícil admitir para mim mesma, pois lorde Breton encanta-me com a mesma quantidade a qual diz sandices.

— Ninguém é perfeito, Sienna — comentei. — Ao menos é dono de uma boa índole?

— Sem dúvidas. Apenas Lilian não se agrada dele.

— Desculpe-me, milady, mas acaso alguma pessoa é digna da srta. Moreau?

Sienna soltou uma gargalhada sincera.

— Adele, Adele... pode acreditar, mas Lilian não é tão desagradável quanto aparenta, é apenas um tanto difícil de lidar. Mas ela tem seus motivos. Você, infelizmente, terá de descobrir sozinha, porquanto minha boca é um túmulo.

Na outra metade do dia, contudo, Thierry – a lua do sol de sua irmã – presenteou-me com um silêncio inquietante. Observei-o “cortejar” Lilian, levando-a para um passeio nos jardins e para a biblioteca, sempre relutante. Vez ou outra, lançava-me um olhar compassivo, entretanto eu nunca saberei dizer o que eles significavam.

É uma pena que eu não possa apressar os acontecimentos desta história. Meu desejo é que eu pudesse entregar-lhes de bandeja o desfecho desta primeira parte de minha vida. Entretanto, como todo bom contador de histórias, me é necessário manter o suspense. Não se angustiem, em breve tudo lhes será explicado.

Prosseguindo.

Naquele dia aventurei-me nos contos de Sir Arthur Conan Doyle, e naquele dia também percebi que muitas coisas na Casa Chevalier me eram ocultadas desde minha chegada, nove anos atrás. Decidi investigar por mim mesma, baseada nos fatos de que todos sempre desconversavam sobre ou Thierry ou Lilian.

Com toda minha experiência, dou a vocês um conselho valioso para suas vidas: nunca esperem que algo ou alguém interceda por vocês. Se você quer que algo aconteça, tome a iniciativa e seja o narrador de sua história. Esperar que outra pessoa escreva sua história pode trazer muita decepção e amargura.

Naquele dia, minha história iniciou um curso alternativo. E, mesmo eu não estando pronta para assumir o controle, fui obrigada a fazê-lo.


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Notas finais do capítulo

*O tabaco naquela época era mascado e utilizado para fins medicinais, tais como enxaquecas fortes. Apenas uns anos depois, no final do século XIX, foi inventada a máquina de enrolar cigarros, que servia para mais, nada menos do que pegar o tabaco moído e enrolá-lo em papel.
** Surprise: planejo contar essa história em particular numa shortfic, porque Sienna é rainha da po**a toda. Fiquem espertos ao desenrolar da história, o spin-off pode surgir ao término de Adele, ou se eu tiver criatividade até lá, antes do final.
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Por fim, como sempre, quero agradecer a todo amor, carinho e suporte que vocês me dão. Essa semana, em particular, passei por umas barras psicológicas pesadas, e no entanto vocês sempre me motivaram pelos comentários e pelo grupo lá no Facebook também. Para vocês, um grande beijo no coração de vocês, porque vocês MERECEM ♥ Namastê, e até o próximo!