Adele escrita por Camélia Bardon


Capítulo 15
XIV. Retornos e preparativos


Notas iniciais do capítulo

Bom dia, boa tarde e boa noite para quem chega ♡ a autora que vos fala passou uns dois meses sem escrever e numa noite viradona escreveu os capítulos pendentes de três histórias + uma nova pro desafio do Mês dos Namorados. A autora também nega que ainda está virada no 220. Crise de ansiedade, nunca tão boa e tão ruim ao mesmo tempo xD

Espero que vocês gostem desse, tá fresquinho ♡ ah, e prestem atenção nos detalhes. A história tá no final e muito perto de ser revelado o segredo, mesmo assim... não confiem em mim, HEHEHEH. Boa leitura!



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Pareceu tratar-se de uma terrível ironia que os últimos eventos tivessem discorrido em janeiro, o segundo mês mais frio do ano. Curioso; em Avignon, onde o frio havia nos castigado em demasia, não senti tanto desconforto quanto regressando para casa no trem de Bordeaux para Montpellier. Meu coração encontrava-se despedaçado em um milhão, e por mim retornaria correndo.

Tentei enxergar o lado positivo da situação. Apesar de estar em profunda melancolia, encontraria pessoas que me eram queridas. E elas estariam felizes em me ver também, não estariam?

Minha surpresa não poderia ter sido maior ao ver duas figuras familiares esperando por mim em frente à Catedral de Montpellier, encapotados de casacos e cachecóis. Já aguardava Remy, pois todos os anos eram os mesmos procedimentos ⎼ deixar Montpellier em 20 de dezembro, três semanas depois retornar e ser recepcionada por Remy. No entanto, agora Bertoli o acompanhava. Aproximei-me dos dois, descrente do que meus olhos viam.

— Vejam só se não é a pequena grande mulher mais adorável desta cidade que vem lá — Remy gracejou, abrindo os braços.

Não conseguindo mais conter minha emoção, deixei minha mala no chão e os abracei como se minha vida e sanidade mental dependessem daquilo. Figurativamente, dependia. Em resposta, ambos abraçaram-me hesitantes. E lá foram as lágrimas mais uma vez. Maldita melancolia...

— Por que choras, cara amiga? — Remy gaguejou, em seu famoso tom “não tenho ideia de como reagir a isto”. — Não diga que tudo isto é saudades de nós, é?

Saudades? Sim. Deles? Idem, mas não majoritariamente…

Procurei me recompor, endireitar a coluna e respirar fundo. Nada de lágrimas. Outros afazeres. Me desvencilhei do abraço, sentindo a cabeça girar, ao passo que Remy tomou a mala do chão para colocá-la na carruagem dos Chevalier.

— Decerto que sim. Perdoem-me — enxuguei as lágrimas no canto dos olhos com a ponta dos dedos. — Sim, três semanas é muito. Às vezes me esqueço de que sempre irei os rever. Ou talvez tenha sido a surpresa em ver Bertoli aqui.

— Com tantos preparativos e tantas saídas das senhoras, um mordomo é praticamente inútil — acrescentou ele, solícito. E então, ele voltou o olhar para mim.

Foi como se conversássemos com os olhos. Bertoli era meu único referencial paterno ⎼ mães em demasia, agora pais… ⎼, portanto nem se quisesse esconder algo dele, conseguiria.

Remy abriu a porta da carruagem para nós, e Bertoli entrou depois, no intuito de me auxiliar a subir. Mal ajustei-me no estofado, ele iniciou a inquisição:

— Diga-me o que a perturba. E não tente desmentir, está quase palpável que há algo errado.

Mordi o lábio inferior, encarando a mala em meu colo. Gaguejei, tentando encontrar alguma palavra que pudesse traduzir meus sentimentos. Por sorte, Bertoli foi mais rápido que eu:

— Vosmecê encontraste sua Danielle, não?

Danielle, o grande amor de Bertoli. Não há tantos meses, ele me contara dela. Chamara a si próprio de “alma livre”, enlaçado apenas uma vez pelo coração de uma bela jovem. Para mim, só restava seu nome. Para ele, as lembranças o perseguiam mesmo encaminhando-se para a melhor idade. Ponderei sobre a questão. Seria Harvey minha Danielle? O nome que circularia por meu subconsciente até que me encontrasse com os cabelos brancos?

— Pode ser que tenha encontrado. Mas em minha idade, Bertoli… — suspirei. — Não sou mais uma adolescente para acreditar no que chamam de força do amor. Além disso, sei meu lugar. E não é desbravando o mundo em busca da felicidade.

Bertoli baixou o olhar para mim, não sabendo mais o que acrescer. Em seguida, olhou pela janela, para a neve que começava a derreter nas ruas. Traçando os minutos até a Casa Chevalier, ainda tínhamos dez minutos até a chegada.

— Ainda lhe é permitido sonhar, Adele.

— Sonhar… — ri, desapercebidamente. — Sonhar é para quem tem tempo, meu querido amigo. Meu tempo está curto.

Ele assentiu com a cabeça, pois compreendia o peso das palavras. Nenhum de dois quis dizer mais nada, portanto seguimos em silêncio.

 

O saltar da carruagem nunca me pareceu tão monótono e tão desesperador quanto foi naquele dia. Lembro-me até hoje de como me senti vazia pisando sob o chão de pedras. Os jardins, tão bem cuidados por Ettore, pareciam desbotados. E a pintura da casa, então? Tediosa. Tudo me provocava apatia naquela casa. Mesmo assim, Remy acompanhou-me até a entrada dos fundos, ao passo que Bertoli caminhou pela frente, como mordomo.

Diferente de minha ida, não havia nenhuma fila de recepção. Melhor assim. Dei de ombros e peguei minha mala para subir ao meu quarto. No entanto, fui interceptada no meio do caminho por Melina, que corria para a cozinha. Ah, céus.

— E a senhorita? Onde pensa que vai? — protestou ela, no tom estridente de praxe. — Venha aqui para tomar um café da manhã adequado. Onde já se viu, está tão pálida… anda comendo direito? — e nesse ponto, ela apertou minhas bochechas, para que ficassem coradas.

Em seguida, Melina arrastou-me pelo braço com mala e tudo para a cozinha. Arquejei, exausta, enquanto ela me servia com ovos mexidos e pão. Pisquei para assimilar tudo.

— Melina, agradeço, mas não estou com fo…

— Não estou interessada. Coma.

Comprimi os lábios e  fiz o que me estava sendo ordenado, sob um silêncio constrangedor. Na primeira oportunidade, eu correria para me enfurnar no quarto. Se não fosse requisitada, é claro.

— Adele?

Outra voz. Dessa vez, a de lady Hérault. Tarde demais. Levantei-me de prontidão, quase derrubando os ovos. Praguejei mentalmente, ao passo que joguei minha trança para trás. Além de desleixada, não vestia minhas roupas de trabalho.

— Mil perdões, senhora — murmurei, fazendo uma mesura. Melina alternou o olhar entre mim e lady Hérault, avaliando a situação. — Acabo de chegar.

— Adele, querida. Estou vendo. Não se afobe.

Respirei fundo, ainda transtornada. Já lady Hérault pediu que Melina deixasse-nos a sós. A governanta, por sua vez, assentiu com a cabeça, antes servindo duas chávenas de chá. Inspirei o cheiro refrescante de erva-doce e sorri, feliz por ao menos esta lembrança.

— Ah, essas últimas semanas têm sido extenuantes. Simplesmente extenuantes — começou ela, jogando três cubos de açúcar sem cerimônia na xícara e tilintando a colher para dissolvê-los. — Sienna é tão simplória sobre tais assuntos, e vosmecê sempre escuta quando tenho algo a dizer.

— Sim, senhora — além disso, sou paga para isso, não?

— Pois bem. Não darei delongas. Após tantos anos de intervalo, Adele… — e neste ponto ela pausou a narrativa, para tomar um gole do chá. — Há pouco mais de uma semana, consultei-me com o médico da família. Pensei estar entrando na melhor idade quando minha regra não vingou, no entanto… não era isso.

— A senhora está me dizendo que…?

Oh, céus. Lady Anneliese não poderia estar… poderia? Quantos anos ela teria àquela altura? Quarenta? Uma gravidez em sua idade era de mais alto risco. E com o casamento de Thierry aproximando-se!

— Se não a conhecesse diria que está matutando todos os prós e contras da notícia antes mesmo de confirmá-la — lady Hérault gargalhou, deixando-me estarrecida. — Sim, Adele. Estou esperando um filho. E a partir de agora permanecerei em repouso pela maior parte do tempo. Mas não é como se já não fizesse isso normalmente, não é?

Mal pude segurar o sorriso. No entanto, algo me impediu de felicitá-la, talvez pelas palavras escolhidas. Ou pelo tom de voz. Tomei um gole do meu chá, limpando a garganta em seguida.

— Perdoe-me minha ingerência, senhora, mas… a senhora está contente com a notícia?

Lady Anneliese mordeu o lábio inferior, passando a ponta do dedo indicador pela borda da xícara. Permaneci observando-a, taciturna.

— Estaria mais se o pai fosse mais gentil — segredou-me ela.

Respeitosamente, assenti com a cabeça. Lady Anneliese parecia precisar de um tempo a sós, então levantei-me e recolhi as xícaras e os pires para colocá-los na pia. Com uma mesura cuidadosa, pedi licença para desfazer minhas malas. Ela abriu um sorriso gentil, em retorno.

— E, Adele? Não comente com ninguém sobre o que lhe contei, sim? Terei tempo até pensar em palavras melhores. Está dispensada para descansar agora.

— É claro, lady Hérault — sorri sozinha. — Que um belo dia acompanhe a senhora.

Na cena que figurei em minha mente, ela sorriu para mim de volta. Contudo, lady Hérault permaneceu quieta fitando o ponto da mesa que as chávenas estavam há poucos minutos. Resgatei minhas malas no chão e tomei o rumo para meu quarto, agradecendo silenciosamente por não ter de conversar com mais ninguém.

Destravei minha mala quase puída, sentando-me preguiçosamente na cama para desfazê-la. Primeiro, os livros. Um Conto de Natal, O Princípio Elétrico… depois, o vestido que ganhei das Irmãs. Em seguida, meus uniformes de trabalho e os vestidos restantes. E o que era aquilo entre um vestido e outro?

Estendi os vestidos na cama, para encontrar (para meu espanto) um terceiro volume, encadernado em couro, escondido no meio dos tecidos. Maravilhada, corri minha mão pela capa e pela lombada. Ergui-o até meu nariz para cheirá-lo, gesto aquele que viria a se tornar muito comum a partir dali. Por último, virei a capa para explorar o nome.

Frankenstein, de Mary Shelley. Onde eu já tinha visto esse nome?

Virei mais uma página e quase caí da cama ao ler a dedicatória.

 

“De quem acorda semelhante a um personagem de Mary Shelley para quem sempre está tão reluzente quanto uma manhã de sábado. Sentirei sua falta todos os dias, my dear. Espero que encontre conforto para sua monotonia através da leitura.

Para sempre seu, H. Banks.”

 

Reli a última linha em meio a um suspiro. Para sempre seu. Algum dia tinha sido meu, para início de conversa?

Levei o livro ao peito, tentando confortar-me conforme pedido. Não sabia se seria possível, visto as condições atuais. Com lady Anneliese grávida mais o casamento, nós ⎼ os empregados ⎼ teríamos o dobro de trabalho. O jogo tinha começado, dessa vez pra valer.



Pelo resto dos meses, especificamente até a primeira semana de maio, ocupei-me de tentar escrever à Harvey (sem sucesso, papel de carta gasto à toa), correr com provas de vestidos para Lilian e Sienna ⎼ que, é claro, também queria estar apresentável para o casamento do irmão ⎼, ajudar na confecção do resto do enxoval da noiva (sinceramente, costurar roupas de baixo provou ser um passatempo deprimente) e, de oportunidade, o enxoval do bebê. A Casa Chevalier não foi abaixo unicamente por conta de nossa competência.

Ainda pior a situação tornou-se quando iniciaram-se as recepções para a família de lady Lilian ⎼ que ainda não era lady, mas faltando uma semana para ter o título alocado ao nome, muitos já a chamavam de tal modo. Lady Margaret, sua mãe, conseguia ser mais detestável que a filha.

Passei a entender e até relevar o comportamento de sua filha para comigo após uma semana servindo a ambas e tendo de ouvir seus comentários descabidos acerca da gravidez de lady Annelise. Cada vez mais eu ficava aliviada por ter nascido pobre e incapaz de insultar alguém, mesmo que com comentários camuflados.

Na prova final do vestido, para ajustarmos a barra junto à costureira, Lilian sentou-se dramaticamente na cadeira, como se provar vestidos fosse um desafio desgastante. Em seguida, dispensou a costureira com um gesto de mão, impaciente.

— Quem me dera pudesse casar com roupas de baixo deitada em minha cama — resmungou ela. — Tomo por consolo que rumamos para Paris o quanto antes. Nada tenho contra os ares pitorescos de Montpellier, no entanto nada tenho a ganhar aqui.

— Que quer dizer, senhorita? — indaguei, enquanto recolhia os tecidos remanescentes.

— Quero dizer que aqui não passarei da esposa de um lorde. Sra. Chevalier. É ridículo. Em Paris sempre serei lady Lilian Moreau, da Casa Parmentier. Os ares pitorescos de Montpellier não servem para mim.

Dito isso, ela abriu seu pote de tabaco, sentando-se à beira da janela com seu vestido de noiva. Mascando o tabaco displicentemente, ela voltou seu olhar para mim.

— Está mudada, Adele. Que lhe ocorre para encontrar-se em tal estado? Normalmente, não me interessaria, no entanto sua expressão insossa me intriga. O que é que há?

Engoli em seco, fragmentando-me entre a cisma e um pequeno voto de confiança. Com pilhas de tecido em mãos, deixei-as sob a mesa e sentei no banquinho de apoio da costureira. Lilian, por sua vez, ergueu uma sobrancelha.

— Não há a necessidade de me olhar assim. Para quem eu contaria o drama da criadagem?

Ai. Deveria me sentir mais intimidada ou incentivada?

— … no bom sentido, é claro — completou ela.

É claro. Como não poderia ser?

— Tenho certeza de que seu período de férias foi imensamente melhor que as coisas por aqui. E vosmecê sempre andava saltitante e insolente antes de retornar. Agora fica perambulando por aí feito um fantasma — e, nesse ponto, ela fez uma pausa para recobrar o fôlego. — Sua transparência em relação à humor também não foi de grande ajuda.

Lilian não cansaria até que arrancasse algo de mim. De qualquer modo, não a enxergava mais como uma rival. Quem sabe ela compreendesse de outra maneira…?

— Quando a senhorita disse que… — hesitei, escolhendo com cuidado as palavras. — Em Paris tens a liberdade de ser alguém além da esposa de um nobre. Ocorreu-me o mesmo em minhas viagens, no entanto sob o título de camareira de uma família nobre. Por três semanas, me permitir esquecer desse detalhe.

Um lampejo de compreensão transpassou por seu olhar. Dei de ombros, tomando um dos tecidos nas mãos para abri-lo e ter algo para encarar. Oficialmente transtornada.

— Os fios do destino interligam-se de modos complexos e repletos de asteísmo. Principalmente quando se nasce mulher, tendo nosso destino sendo imposto por um mero fator biológico.

Concordei com a cabeça, erguendo o olhar para seus olhos castanhos. Castanhos, como os meus. Deles, emanava cumplicidade. Até empatia, eu poderia arriscar. Coisa que nunca esperei de Lilian.

Além de um casamento, a primavera de 1890 em Montpellier ofereceu-me uma trégua, de uma rivalidade inventada ⎼ e tirada de sabe-se lá o universo onde ⎼, tão frágil em sua barreira fictícia que poderia tocá-la e observá-la se dissolver como uma bolha de sabão. No entanto, como Lilian muito bem viria a dizer naquela mesma tarde, a verdade que sonhamos e criamos pode ser perigosamente decepcionante, visto a realidade que somos obrigadas a caminhar.

Maio ainda me reservava uma surpresa final. Sequer sonhava que seria tão devastadora quanto de fato foi.


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Notas finais do capítulo

E por onde que anda o resto dessa casa, minha gente? Cadê Thierry, cadê menina Sienna? Pois é. Cenas do próximo capítulo ~roda a vinheta da Avenida Brasil

Muitas revelações... tivemos de tudo hoje, né? E aí, o que vocês acharam dessa pergunta da Lilian? Será que é amor ou é cilada da parte dela? E grávida à bordo, mais um (a) praquela casa, que bagunça xD nos vemos no próximo, e obrigada pela paciência de sempre, nenês