Era véspera de natal. E o mundo corria como de costume.
Os piscas-piscas brilhavam coloridos nas varandas das casas e nas fachadas das lojas, assim como nas árvores de Natal. O cheiro de comida parecia impregnar o ar da atmosfera, deliciando a imaginação com imagens da maravilhosa ceia que deveria se seguir em poucas horas. As famílias esperavam para se reunir, fossem elas de sangue, de história, ou de amizade. E o dia como um todo parecia de algum modo mais doce, mais agradável — fosse pela chuvinha fina que caíra mais cedo, ou pelo tal Espírito Natalino que as propagandas de televisão tanto insistiam em repetir.
Espírito Natalino que Robson, mesmo a muito custo, insistia em tentar sentir.
A avenida estava menos movimentada e mais fria que o costume — e isso sim graças à chuvinha de mais cedo, o que até que era um alívio para os pés descalços do rapaz acostumados a aguentar o asfalto quente. Pertinho da fachada do Conservatório de música de sua cidade, Robson estendera ao chão o estojo vazio do seu velho violino, na esperança de que um dos transeuntes apressados jogasse lá algumas moedas. Para conseguir esse feito, o rapaz trouxera seu violino a tiracolo, como fazia todos os dias ao voltar da escola onde tentava terminar o ensino médio. Não que estivesse exatamente passando fome todos os dias, apesar de sua condição financeira bastante difícil; mas os poucos trocadinhos que recebia eram sempre de muito boa ajuda.
Havia, no entanto, uma razão a mais. A verdadeira razão. Aquilo que o fazia ter forças para sair da escola, carregar o violino até a avenida lotada, parar sob o sol escaldante e escorregar o arco sobre as quatro cordas.
Música.
O doce e delicado som das notas dançando para fora do instrumento. O tremor das cordas, o abaixar do arco, os dedos doendo firmes e calejados para aguentar seu peso.
O violino parecia tocar o violinista, e nunca o contrário.
Para Robson esse era sempre o melhor jeito de passar seu Natal. As coisas sempre foram naturalmente conturbadas em sua família, desde que podia se lembrar; e fora exatamente isso que o fizera ir embora de casa no começo daquele ano, sozinho, apenas com uma mochila e o violino, decidido a fazer a sua vida apenas com o pouco que tinha.