Primeiras Vezes escrita por Bea Baudelaire


Capítulo 5
Quando dissemos “eu te amo” pela primeira vez




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Law

Depois de nosso primeiro beijo, Naomi passou a me chamar carinhosamente de “senhor tartaruga”, e eu não sabia ao certo se aquilo era apenas uma resposta às minhas zoações referentes ao nome de seu gato, o Senhor Fígaro, ou se ela se referia ao passo com o qual eu levava nossa relação. Parando para pensar, talvez aquele fosse o seu jeito torto e distorcido de demonstrar que ela realmente se sentia incomodada com a velocidade que eu tendia a avançar as coisas em nosso relacionamento, apesar de ela tampouco se prontificar a tomar as rédeas e dar os próximos passos.

Sendo sincero, eu comecei a amá-la desde a primeira vez que coloquei meus olhos naquelas grandes esferas amendoadas cheias de expressão, como se isso fosse possível. Eu amava seu riso, sua voz, e o jeito como seu nariz se enrugava quando ela sorria de forma travessa. Eu amava o cheiro de morangos do seu shampoo favorito, suas botas amarelas de inverno, e até suas comidas estranhas a base de tofu. Eu amava os rabiscos que ela chamava de arte, e a arte que ela chamava de rabiscos. Eu a amava desde o dedinho do pé torto até os fios de cabelo rebelde que insistiam em estar sempre desgrenhados e fora do lugar. Céus, como eu a amava.

Mas, infelizmente, meu coração já havia amado outra pessoa antes. Eu já havia me casado com o amor da minha vida uma vez, e então o amor acabou tão rápido quanto havia começado. Quando Sayuri entrou em minha vida, eu havia acabado de me formar na faculdade de administração e estava me mudando para Tóquio. Eu era novo, e tinha meu senso de aventura à flor da pele. Ela, como uma modelo fotográfica que parecia ter cada vez mais fama, fora capaz de me proporcionar todos os tipos de aventuras possíveis nos nossos primeiros anos juntos. Saltamos de paraquedas, fizemos trilhas em vulcões, mergulhamos com tubarões, e até fizemos uma tatuagem! Sayuri, com toda sua beleza e esperteza, fora capaz de me atrair com o desconhecido, e foi isso que me levou até o altar ao lado dela, apenas oito meses depois de conhecê-la. O casamento foi por água abaixo de forma definitiva um ano após o nascimento de Hiroki, três anos após a cerimônia que oficializou nosso matrimônio. Nossa relação não caminhava bem já há alguns meses, mas quando sua carreira deslanchou e ela adquiriu certa relevância internacional, ela se transformou. Ao mesmo passo que minha mulher se mostrava ser uma pessoa egocêntrica e autoritarista, eu crescia dentro da empresa e era reconhecido pelos meus feitos. Logo, não tínhamos tempo ou paciência para lidar com nossos conflitos, e tampouco tínhamos vontade de consertar os estragos feitos dentro desse tempo juntos, o que acabou resultando em um pedido de divórcio pouco tempo depois.

E é devido a esse pequeno histórico que eu temia dar outros passos em nossa relação. Um medo irracional e meio infundado, mas forte o suficiente para me impedir de avançar e cabeça em direção ao nosso futuro. Enquanto isso, apesar do apelido de Naomi, era Hiroki quem me apressava incansavelmenteme, sempre implorando para que eu a convidasse para morar conosco o quanto antes para que eles pudessem passar mais tempo juntos. É claro que uma criança de cinco anos não sabia o peso exato de suas palavras, mas acredito que, no fundo, ele sabia que a presença daquela mulher em nossa casa nos traria muita felicidade.

Diante desse conflito diário de interesses, eu havia decidido que estava pronto para dar o próximo passo. Não, eu não a pediria em casamento, nem a convidaria para morar em meu apartamento. Quando eu havia tomado a decisão de pedi-la em namoro, Naomi e eu estávamos prestes a comemorar 10 meses juntos. Como estávamos na primavera, haviam centenas de festivais pela região para celebrar o desabrochar das flores, e como era sua época do ano favorita, eu estava em uma árdua tarefa de encontrar o melhor deles para fazer o tal pedido de uma forma inesquecível.

Mas é claro que, novamente, o destino tinha uma ideia completamente diferente da minha, e ele havia planejado coisas que eu sequer havia pensado em querer para aquele momento.

Era uma terça-feira a tarde quando a mensagem de Naomi chegou. Foram duas palavras, digitadas sem qualquer aviso prévio, que me inutilizaram completamente pelos próximos quatro dias. Nós nos veríamos apenas no sábado a noite devido à minha agenda apertada no trabalho, e eu passei exatas noventa e seis horas de sofrimento constante enquanto tentava imaginar o significado por trás delas.

Precisamos conversar.

Naomi não era de fazer joguinhos. Com ela, era sempre preto no branco. Então, para ela não ser capaz de dizer por telefone, eu sabia que era algo extremamente importante.

Depois desse episódio, naquela mesma semana, quando fui encontrá-la na quarta feira antes de pegar Hiroki, fui surpreendido por uma professora substituta ocupando seu lugar na sala de aula. A senhora de setenta anos dava aula de história na escola e, naquele dia especificamente, estava substituindo a colega docente que havia faltado por motivos de saúde. Apesar de minha preocupação, Naomi havia sido bem incisiva com relação à visitá-la antes de sábado, sempre insistindo para que eu não cancelasse meus compromissos como chefe-executivo apenas para vê-la.

Lembro-me de dirigir até seu pequeno apartamento na noite de sábado suando frio, sempre secando as mãos nas calças jeans para impedir que elas deslizassem no volante, e sem saber ao certo o que me aguardaria quando cruzasse a porta de entrada da sala. Um lado do meu cérebro esperava vê-la em uma roupa íntima impecável e extremamente sensual comprada especialmente para mim para me surpreender, ao mesmo tempo que o outro lado me visualizava voltando para casa de coração partido, sem a chance de torná-la minha namorada algum dia.

Entretanto, quando Naomi abriu a porta para mim, a surpresa que eu tive foi completamente diferente de tudo que havia imaginado.

— Meu Deus, Naomi, o que aconteceu? Você está bem? - lembro-me de perguntar enquanto invadia seu apartamento e a segurava pelos braços, inspecionando-a dos pés a cabeça.

Naomi estava pálida, com os olhos fundos nas órbitas e uma expressão de cansaço. O cabelo estava mais desgrenhado que o habitual, preso em uma trança de lado enquanto alguns fios grudavam em sua testa suada, enquanto ela vestia nada além de um vestido branco sem mangas. Acima de tudo, o que me chamou atenção foi o rosto suavemente mais fino, com maçãs do rosto mais proeminentes embaixo das sardas suaves.

— Estou – ela murmurou, enfiando o rosto no ângulo de meu pescoço – eu só estou muito indisposta hoje.

Hoje? — questionei-a, levantando uma sobrancelha para o topo de sua cabeça, me lembrando de sua falta ao trabalho naquela semana – Você não foi trabalhar na terça. E agora está desse jeito. Isso tem alguma relação? Você está passando mal desde quarta-feira?

Com certa incerteza, Naomi acenou com a cabeça positivamente enquanto se afastava de mim com os olhos colados no chão.

— Por que você não me ligou antes? Está gripada? Com virose?

Dessa vez, Naomi negou com a cabeça, caminhando em direção ao sofá para se sentar. Mesmo sem ser convidado, a segui logo em seguida e sentei ao seu lado, observando-a com olhos apreensivos.

— O que está acontecendo, Naomi? Por que você não conversa comigo?

Ela permaneceu em silêncio por longos minutos que mais pareceram horas, mantendo o olhar em suas mãos que repousavam sobre seu colo.

— Eu não sei como – admitiu por fim, suspirando enquanto tentava relaxar os ombros.

— Por que não começa do começo?

Naomi assentiu novamente, respirando fundo enquanto tomava coragem para dizer o que tinha que dizer.

— Eu acordei na segunda-feira muito indisposta – assenti para suas palavras, atento a todos os seus movimentos – o mal-estar só piorou ao longo do dia, e na terça de manha acabei indo na farmácia para comprar alguns remédios.

Lembro-me de observá-la com ansiedade, contendo a vontade de sacudi-la pelos ombros para que ela colocasse para fora tudo que estava guardando ao longo da semana. Contudo, tentei manter minha postura enquanto sustentava uma expressão neutra.

— Eu só queria alguma coisa para controlar os enjoos, já que meu estômago parecia não aceitar nada. Mesmo eu insistindo na possibilidade de ser apenas uma intoxicação alimentar ou virose, o farmacêutico insistiu para que eu levasse uma outra coisa além dos remédios – Com o rosto em chamas, Naomi se esticou e pegou um objeto branco e comprido que jazia escondido ao lado da televisão.

Eu não consigo imaginar qual expressão eu tinha em meu rosto quando eu finalmente assimilei o que aquele objeto poderia significar, mas pelo olhar de pânico que recebi dela, não deveria ser uma cara nada agradável.

Sem dizer nada, ela me entregou o palito plástico enquanto sustentava meu olhar, suando frio. Eu estava completamente paralisado, e, apesar de estar com o objeto em mãos, eu não conseguia olhá-lo para confirmar o resultado.

— Você tem certeza? - minha voz saiu em um sussurro, completamente tomada pelo medo e as incertezas.

Uma sensação de dejavu me atingiu ao vivenciar aquela cena novamente. Quando Sayuri havia estava grávida de Hiroki, aquilo havia sido recebido uma benção. O fruto do amor de duas pessoas, casadas, que queriam formar uma família juntas. Eu tinha certeza que amava Naomi, mas não sabia se o contrário era verdadeiro. Nós nunca havíamos compartilhado nossos sentimentos tão abertamente, e tampouco havíamos falado sobre nosso futuro. Eu sabia que ela era apaixonada por crianças, mas isso era completamente diferente de ter vontade de ter filhos. Ainda mais, ter filhos comigo.

Naomi assentiu novamente, apontando com o nariz para os outros dois testes de gravidez que aguardavam no mesmo lugar onde o primeiro estava.

— Eu fiz um exame de sangue também.

Dessa vez, foi minha vez de assentir. Eu não conseguia formar palavras em minha cabeça, e as que brotavam ali não eram pronunciadas pela ausência de minha voz. Meus pensamentos corriam a mil enquanto um turbilhão de emoções me atingia.

— O que você quer fazer? - ela perguntou após longos minutos em silêncio, atraindo minha atenção novamente.

— Como assim “O que eu quero fazer”?

— Você quer que eu… você sabe… - sua voz vacilou enquanto ela piscava furiosamente, tentando espantar as lágrimas que se insistiam em se formar.

Diante do choque, meu cérebro demorou mais que o habitual para processar as informações até que eu finalmente pudesse compreender o que ela queria dizer. Ela realmente estava considerando interromper a gravidez caso eu assim desejasse?

— Ainda está cedo, então eu não teria problemas se eu fizesse isso.

Você quer fazer isso, Naomi? - perguntei, surpreso com a angústia em minha voz. Ela sacudiu a cabeça furiosamente de forma negativa, limpando as lágrimas que escapavam se seus olhos e escorriam pelas bochechas magras, o que pareceu me acalmar um pouco – Então por que está sugerindo isso?

— Porque eu não sei se é o que você quer, e eu não sei se daria conta de fazer isso sozinha! - sua voz era desesperada, a aflição clara em seu rosto – Você sabe! Eu mal sei tomar conta de mim mesma, como você mesmo sempre diz. Eu sou desorganizada, e esquecida, e estou sempre atrasada. Eu mal consigo cuidar de plantas! É um milagre que o Senhor Fígaro esteja vivo até hoje!

Lembro-me de encará-la por mais algum tempo antes de me permitir rir de suas palavras tão simplórias, observando-a ficar brava a cada segundo que eu continuava rindo de forma pouco educada. Lutando contra seus protestos, puxei-a para meu colo e dei-lhe um beijo rápido nos lábios pálidos, sustentando seu olhar enquanto a observava com intensidade.

— Você cuida de Hiroki – constatei – ele é mais difícil de se cuidar do que um gato velho e gordo.

— Não em tempo integral. E o Senhor Fígaro não é velho, e muito menos gordo.

Internamente, abri um sorriso diante de sua resposta, satisfeito por ter aliviado um pouco a tensão do ambiente.

— Você não deixa que ele morra de fome, ou de frio, ou de sono – insisti, sem especificar a quem eu me referia.

— Não é uma tarefa muito difícil quando ele é capaz de me dizer o que precisa.

— Você também sabe das coisas que ele não diz que precisa! - nesse ponto, eu já havia ficado levemente irritado com sua persistência em ser tão negativa. Mesmo assim, dei-lhe um rápido beijo na ponta de seu nariz arrebitado.

— Como o que Law?

— Como a atenção de seu pai e o carinho de uma mãe, a amizade de sua incrível professora de arte que lhe deixa pintar todas as paredes da sala. Você sabe que ele lhe vê como uma mãe.

— Isso não é nada demais.

— É mais do que Sayuri e eu pudemos enxergar – lembrei-a, envolvendo sua cintura com meus braços para abraçá-la. Depositei outro beijo suave em seus lábios antes de continuar, um sorriso terno brincando em meus lábios – você será uma ótima mãe Naomi. Eu não tenho dúvidas disso.

Lembro-me de receber um olhar assustado e um tanto receoso dela, que encarava meu rosto em busca de respostas para suas perguntas não ditas.

Nós seremos bons pais, Naomi – tranquilizei-a, pegando suas mãos para beijar-lhe os nós dos dedos – você não está sozinha nessa.

— Não estou? - sua voz vacilou ao pronunciar tais palavras, as lágrimas agora correndo livres por suas bochechas – você tem certeza disso?

— Eu te amo, Naomi. Nunca estive tão certo de meus sentimentos quanto agora.

As palavras foram ditas da forma mais simples possível, em um tom calmo. Apesar de não ter ocorrido da forma como eu esperava, eu sabia que não poderia ter escolhido um momento mais oportuno para dizê-las pela primeira vez. Os olhos castanhos de Naomi se arregalaram de tal forma que quase dobraram de tamanho, provavelmente sem acreditar no que estava acontecendo.

Sem cerimônias, coloquei uma de minhas mãos sobre sua barriga ainda reta sobre o vestido, alisando-a suavemente enquanto visualizava mentalmente nossa pequena família tomando forma. Mesmo sem qualquer tipo de conversa ou planejamento, aquilo parecia ser exatamente o que nós precisávamos.

— Eu também te amo, Law – ela sussurrou em meu ouvido, puxando-me para um dos melhores beijos que já recebi na vida até hoje.

Naquele momento, todas as minhas dúvidas, medos e incertezas desapareceram como fumaça. Como se nunca tivessem sequer existido. Naquele momento, eu tive toda a certeza que nunca havia tido com Sayuri, ou com qualquer outra mulher. Naquele momento, dentro de seus braços, eu me senti completo.


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