Primeiras Vezes escrita por Bea Baudelaire


Capítulo 4
Quando nos beijamos pela primeira vez




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Naomi

É meio difícil de acreditar que alguém tão culto e importante como Law pudesse ser uma pessoa tão… densa.

Quando atingimos a marca do 76º encontro, eu não podia evitar de me sentir frustrada. Setenta e seis encontros marcados, isso sem contar todas as quartas-feiras onde ele me encontrava em minha sala de aula e me fazia companhia por alguns minutos. Setenta e seis encontros em quatro meses, e ele ainda não havia me beijado.

Lembro-me de olhar no espelho todas as vezes que chegava em casa após um de nossos encontros e me encarar por longas horas, questionando o que havia de errado em mim. Nunca em meus trinta anos de vida eu havia me sentido tão indesejada. Minha vida era bagunçada demais? Meus olhos eram grandes demais? Eu tinha mau hálito? Por que diabos aquele homem maravilhoso ainda não havia sequer tentado me beijar?

Setenta e seis encontros em quatro meses. Naquele ponto eu já havia visitado todos os lugares possíveis para se sair com uma criança, além de conhecer todos os lugares românticos de Tóquio. Bosques, parques, zoológicos, templos, bibliotecas, aquários, museus, parques de diversão… Depois de todo esse tempo, eu me sentia perfeitamente apta para escrever um guia turístico sobre a cidade. Em alguns lugares como o aquário e o museu de história natural, eu poderia fazer até visitas guiadas depois de ouvir tantas vezes o discurso de audioguias e de monitores espalhados pelas salas.

Além de ter minha confiança abalada, eu também questionava com muita frequência o tipo de relação que eu passara a ter com Hiroki depois de passarmos tanto tempo juntos. Apesar de nos darmos relativamente bem, Law não parecia estar inclinado a me tornar sua namorada oficial nem tão cedo. Mas, independente disso, Hiroki parecia ter me adotado como sua segunda mãe. Não era segredo para ninguém que ele me via como uma grande amiga desde que saíra com seu pai pela primeira vez, mas frequentemente ele me ligava após o jantar para conversarmos apenas porque ele pensava que eu me sentia sozinha. Além disso, ele sempre me pedia para tomarmos um chá em minha casa para que ele pudesse brincar com o Senhor Fígaro e fazer pinturas a dedo nas paredes da sala. Ele sempre insistia em ficar comigo com a desculpa de que eu era uma pessoa solitária, mas, sendo filho único de um empresário importante e de uma modelo internacional, no fundo, eu sabia que ele se referia a si mesmo com aquelas palavras.

Eu tinha certeza de que metade dos encontros com Law aconteciam devido à insistência de Hiroki, e sempre que ele estava presente, era como se Law se tornasse um mero espectador para nossos momentos juntos. Depois de tanta convivência, enquanto nós dois brincávamos e conversávamos, seu pai apenas nos assistia com um olhar indecifrável, e eu não sabia ao certo se nossa relação o alegrava ou o irritava. Era quase como se Hiroki fosse meu filho, e Law um desconhecido tentando entrar na família.

Secretamente, eu temia pelo dia em que nossa relação chegasse ao fim. Eu seria capaz de viver sem a presença de Law em minha vida, mas eu tinha sérias dúvidas de que eu seria capaz de dormir a noite pensando em seu filho sozinho, em casa, ao lado de uma babá qualquer enquanto seus pais trabalhavam horas a fio. Eu não poderia simplesmente obrigar seus pais a trabalharem menos para que passassem mais tempo com ele, mas eu não podia simplesmente virar as costas para os problemas não ditos de Hiroki.

Foi por esse motivo específico que eu tomar uma atitude e decidi impor gradualmente uma distância entre nós três.

Nos próximos convites que Law fizera, eu rejeitara todos de última hora. Com convites na mão e compromissos cancelados, ele era obrigado a passar algum tempo de qualidade com Hiroki, e eu torcia mentalmente para que ele lhe desse a devida atenção para fortalecer seus laços de pai de filho. Ainda assim, na escola, Hiroki insistia em me chamar para pequenos passeios ao longo da semana, sempre reclamando com olhos marejados que sentia minha falta.

Law, no entanto, não parecia se importar com a distância que eu estava colocando entre nós. Apesar de manter suas visitas usuais às quartas-feiras a tarde, nós não conversávamos mais como no início. Eu não insistia em manter conversas fiadas, e ele tampouco se esforçava para preencher o silêncio. Nós apenas nos sentávamos naquela sala de aula vazia e desfrutávamos da presença física um do outro enquanto bebíamos chá. Ele parecia estar extremamente confortável com o fim eminente de nossa relação que nunca nem teve um começo declarado. Enquanto isso, eu me recusava a voltar atrás de minha decisão, mesmo estando de coração despedaçado.

Mesmo com seu jeito único e peculiar, Law havia se tornado uma grande parte de minha vida sem que eu percebesse, e eu só fui capaz de notar aquilo quando me afastei de nossa rotina. Secretamente, eu sentia falta de suas mensagens ao longo do dia com reclamações sobre suas reuniões e compromissos, das ligações durante o horário de almoço, dos encontros e das flores ocasionais, e até de nossas pequenas brigas totalmente infantis e infundadas quanto tínhamos opiniões diferentes sobre algum assunto banal. Eu sentia falta de suas caretas ao experimentar comidas novas, e de suas expressões de fascínio quando ele encontrava alguma pintura de minha autoria que o agradasse.

Talvez Hiroki estivesse certo. Talvez, sem a presença de pai e filho, eu realmente fosse uma pessoa solitária. Mas independente disso, eu não voltaria atrás de minha escolha. Pelo menos, não enquanto Law não desse qualquer sinal de que sentia minha falta também. Eu me recusava a correr atrás de alguém que não correspondia aos meus sentimentos.

Até que aquele sábado específico chegou. Faziam três semanas que eu havia começado a colocar meu pequeno plano de exclusão em prática e minha solidão começava a ser presenteada com as temperaturas mais baixas do outono. Apesar disso, naquele dia, eu estava confortável em meu shorts de pijama de gatinhos e uma camiseta de manga comprida enquanto mantinha o aquecimento do apartamento ligado. Eu havia acabado de recusar de última hora um convite para o cinema de Hiroki e Law com a desculpa de que estava com febre, e me contentei cozinhar uma sopa de legumes antes de assistir alguns episódios de uma série de drama em lançamento.

A noite corria bem. Senhor Fígaro estava amontoado em um canto do sofá ronronando suavemente enquanto eu acariciava sua barriga com meu pé ao mesmo tempo que eu ocupava o outro extremo do sofá enrolada em uma manta felpuda, ignorando completamente a vibração insistente de meu celular sobre a mesa de jantar e mantendo meus olhos fixos na televisão. Depois de três semanas de distanciamento, cada choramingo de Hiroki parecia uma faca entrando e saindo de meu peito, então a última coisa que eu precisava para aquele momento era ouvir o meu pequeno amigo implorar pela minha companhia.

Eu caí no sono em algum momento no meio de um dos episódios, mas acabei acordando algum tempo depois com o som estridente da campainha de meu apartamento. Eu não fazia ideia de que horas eram, mas a sala estava completamente escura e silenciosa exceto pelo brilho negro da tela principal da provedora de séries, demonstrando que ainda não havia passado das cinco.

Enquanto me arrastava até a porta, a campainha tocou novamente, e eu não pude conter os resmungos diante da insistência de algum vizinho bêbado e desocupado. Porém, ao abrir a porta, lembro-me de congelar instantaneamente, e aquilo não era devido à corrente de ar frio que vinha do outro lado do corredor e que me atingiu como uma parede de gelo.

Law Trafalgar estava lá, em um de seus ternos exageradamente caros feitos sob medida, ensopado da cabeça aos pés, enquanto carregava uma pequena sacola da farmácia do bairro em uma mão e um pequeno buquê de flores na outra. Ao observar seu cabelo pingando no chão, eu pude notar o som da chuva intensa caindo ado lado de fora do prédio, mas eu não me lembrava de quando havia começado a chover.

— Você não me parece nem um pouco doente – sua voz era acusativa – Por que não atendeu o celular?

— Eu dormi – respondi instantaneamente, me encolhendo diante de seu olhar furioso.

Sem dizer mais nada, abri mais a porta e dei-lhe passagem para que ele entrasse em meu pequeno apartamento. Seus sapatos de grife rangiam devido à sola molhada, e assim que ele entrou em minha sala uma poça se formou ao seu redor.

— Onde está o Hiroki? - perguntei de forma exitante, tentando não deixá-lo mais bravo ainda.

— Viajando com Sayuri. Eles estão na casa da avó esse final de semana.

— Oh – foi minha única resposta para suas palavras.

Lembro-me de ficar em pé ao lado da porta já fechada em silêncio enquanto observava um Law raivoso acender a luz da cozinha antes de depositar seus pertences sob a mesa da cozinha, retirando o terno, a camisa social e seus sapatos molhados. Mesmo tendo visto-o sem camisa algumas vezes, eu corei violentamente ao observar os músculos de costas contraindo e relaxando, cobertos por suas tatuagens tribais.

— Você saberia disso se estivesse falando comigo – sua voz ainda era fria, mas ele não olhava para mim.

— Eu estou falando com você, Law.

— Não. Você está fingindo que escuta o que eu digo. Que merda é essa, Naomi?

Quando seus olhos cinza finalmente encontraram os meus, eles estavam carregados de mágoa e algo que eu havia percebido em meu próprio olhar já há alguns dias. Solidão. Depois daquilo, ficamos o que pareceu ser uma eternidade em silêncio. Eu não parecia encontrar as palavras certas para explicar o que estava acontecendo.

Ainda sem dizer nada, surpreendentemente, ele se aproximou de mim e me puxou para um abraço apertado, enrolando seus braços tatuados ao redor de minha cintura. Lembro de estremecer diante de sua pele fria e úmida, mas não o afastei. Aceitei o contato e retribuí o pequeno abraço, enterrando meu rosto em seu peito.

— Eu estava preocupado com você – ele sussurrou, apoiando o queixo sobre o topo de minha cabeça – quem em sã consciência diz que está doente e desaparece da face da terra? Eu pensei que você estava morta!

— Alguém que não está são? - sugeri, sorrindo ao sentir seu peito tremer com sua risada discreta – não seja bobo, você sabe que eu jamais deixaria uma gripe me levar dessa para a melhor.

Me permiti rir com ele por um momento antes de tentar afastar nossos corpos, mas fui contida por um abraço ainda mais apertado.

— Por favor, não se afaste de mim – suas palavras saíram de repente, ditas de uma só vez. Apesar de seu gesto, eu sabia que ele não se referia a um afastamento físico.

— Eu pensei que você estivesse confortável com isso. Você nunca demonstrou o contrário.

— Talvez eu não tenha demonstrado, mas eu acho que também nunca disse que não estava gostando do nosso relacionamento.

— Indiferença pode ter várias interpretações, Law – apesar de sentir um certo alívio ao ouvir suas palavras, minha voz soou exasperada.

— Sinto muito por não me expressar da melhor forma possível. Eu te juro que estou tentando melhorar. Eu já perdi uma pessoa muito importante por causa disso – ele sussurrou, se afastando de mim apenas o suficiente para que ele pudesse me olhar nos olhos – bem, uma parte do motivo foi esse. Mas eu não pretendo deixar você partir, Naomi.

— O que te faz ter tanto interesse por mim, Law? - questionei-o, aproveitando aquela situação para sanar minhas dúvidas – eu não sou ninguém, nem tenho nada demais. Nós temos vidas opostas, gostamos de coisas diferentes… O que te faz querer ficar tanto assim?

Sua resposta foi curta.

— Hiroki.

Lembro de seu olhar me analisar por um momento, tentando decifrar o que se passava em minha cabeça diante daquela informação. Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, ele continuou.

— Você o ama como se fosse seu próprio filho, e é isso que me faz querer ficar. Uma mulher tão incrível a ponto de aceitar o fruto de minha relação com outra mulher – sua resposta fora sincera, mas a seriedade do momento não lhe conteve de fazer uma pequena piada – Bem, tem isso, e todas as suas outras qualidades que formam uma lista interminável.

— Minhas habilidades gastronômicas estão nessa lista? - provoquei-o, oferecendo-lhe um sorriso de lado.

Law apenas revirou os olhos diante de minha piada sem graça antes de segurar meu rosto entre suas mãos largas, roçando os dedos suavemente sobre minhas bochechas como se quisesse sentir a textura de minha pele ali.

Enquanto seu rosto cruzava o espaço que nos separava, eu senti todo o ar deixar os meus pulmões. Eu havia esperado quatro meses por aquilo, e agora que estava prestes a ser beijada por ele, eu não podia conter o pânico que crescia dentro de mim. E se nossos beijos não se encaixassem? E se ele beijasse mal? E se eu estivesse com mau hálito?

Porém, quando seus lábios frios tocaram os meus, tudo fez o mais perfeito sentido. O beijo começou lento e calmo, como se ambos estivéssemos reconhecendo território. Nos movíamos em conjunto, combinando perfeitamente como se fizéssemos aquilo à bastante tempo. Em uma atitude corajosa, busquei sua língua aveludada com a minha a fim de aprofundar mais o beijo, e lembro-me de gemer vergonhosamente de satisfação quando encontrei o que procurava, mergulhando de cabeça em nosso pequeno momento de intimidade. Sentindo-me acolhida, me permiti enterrar meus dedos em seus fios negros desgrenhados, puxando-o ainda mais perto enquanto me esticava na ponta dos pés para tentar diminuir um pouco nossa diferença de altura.

Law parecia compartilhar de meu nível de excitação, pois logo senti seus dentes afiados prendendo meu lábio inferior de uma forma exageradamente sensual, arrancando um suspiro de mim. Apesar disso, o beijo não esquentou mais do que aquilo. Quando o beijo chegou ao fim, ambos estávamos levemente ofegantes enquanto nos observávamos com olhos vidrados e testas coladas, permanecendo naquela posição até que nossos corações voltassem ao seu ritmo normal.

Acho que nós dois esperávamos ansiávamos por aquele momento, mas nenhum de nós dois sabia ao certo como dar o primeiro passo. E de uma forma completamente distorcida e incomum, nós não poderíamos ter escolhido um momento melhor para compartilharmos nosso primeiro beijo.

Depois daquilo, não havia mais o que dizer. Era como se nossa relação estivesse selada com uma promessa de cumplicidade e carinho. Lembro de sorrir satisfeita ao observá-lo tentar esconder seu rosto corado.

— O que é aquilo? - sinalizei com a cabeça para os itens ensopados esquecidos sobre minha mesa.

— Flores, para o nosso encontro. E remédios, para sua “febre”.

Law ofereceu-me um sorriso maroto antes de desviar o rosto bruscamente para soltar um espirro alto. Diante daquela situação, eu pude apenas dar uma risada abafada.

— Fique com os remédios, acho que você vai precisar mais deles do que eu. Por que você não toma um banho enquanto eu seco suas roupas na secadora? Tem sopa de legumes fresquinha te esperando.

E assim, nós demos início a uma nova fase do que agora eu poderia chamar de relacionamento.


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