Primeiras Vezes escrita por Bea Baudelaire


Capítulo 1
Quando nos falamos pela primeira vez




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Law

Eu me lembro como se fosse ontem daquele dia fatídico onde nos vimos pela primeira vez.

Apesar de estarmos no começo do verão, chovia cães e gatos já há alguns dias, e por algum motivo extremamente ridículo, minha ex mulher não pode buscar nosso filho naquele dia exclusivamente. Era uma quarta-feira, um dia que geralmente é preenchido por reuniões intermináveis com sócios e acionistas da nossa empresa. Mas, naquele dia em especial, tudo parecia contribuir para que eu mesmo pudesse pegar Hiroki na escola. Devido a minha agenda lotada, eu conseguia passar um tempo de qualidade com meu filho apenas aos finais de semana, então jamais havia sequer estado em frente ao prédio da escola onde ele estudava.

A Escola Primária de Ueno era uma instituição local, bem simples em questão de infraestrutura, e que se orgulhava em partilhar de um pensamento moderno, alegando que a escola deveria sempre priorizar o desenvolvimento do aluno como cidadão ao invés do ensino em si, para meu aborrecimento. Se Hiroki frequentava aquela escola, era apenas devido à insistência de minha ex-mulher, e até hoje eu tenho plena certeza de que ela escolhera aquele lugar apenas para me irritar.

Conforme andava pelos corredores vazios da escola, lembro-me de observar com desdém todos os tipos de trabalhos manuais espalhados pelas paredes, muito provavelmente desenvolvidos pelos próprios alunos, e com uma expressão de reprovação, eu visualizava meu próprio filho com os braços sujos de tinta até os cotovelos e pedaços de macarrão crus grudados nas partes já secas.

Segui sozinho e em silêncio até a sala que fora instruído anteriormente. Sala 1-C, primeiro andar, no final do corredor, ao lado do banheiro masculino. Lembro-me de não escutar qualquer tipo barulho atrás da porta indicada, e me questionei brevemente se estava de fato no lugar certo. Após uma batida firme na estrutura de madeira, girei a maçaneta e me permiti entrar na pequena sala de aula, piscando alguns segundos em confusão ao observar a sala vazia.

— Posso ajudá-lo, senhor? - uma voz feminina soou atrás de mim, e me lembro com perfeição de tudo que se passou pela minha cabeça quando virei de costas e encontrei ela.

Aquela mulher parecia ter saído de um desenho animado que Hiroki costumava assistir aos domingos de manha, com olhos amendoados grandes e expressivos, lábios carnudos levemente tingidor por um batom rosa discreto, e sardas salpicadas pelas bochechas coradas. Ela usava uma calça jeans desnecessariamente justa, botas de salto, e um suéter preto que ficava exageradamente grande em seu corpo miúdo. O rosto era delicado e tinha um formato de coração, emoldurado por uma franja reta que cobria-lhe as sobrancelhas e alguns fios de cabelo que lhe escapavam de seu rabo de cavalo.

Lembro que demorei um pouco para assimilar o que se passava, e sem conseguir formular qualquer frase que fosse minimamente entendível, apenas apontei com o polegar para a sala vazia.

— Os alunos estão na educação física – ela explicou, olhando-me com os olhos cerrados e cheios de desconfiança – o senhor é…?

— Law Trafalgar, pai do Hiroki…?

Não sei ao certo o porquê, mas minha frase saíra como uma pergunta enquanto minha voz vacilava. O modo como minha cabeça parecia estar sem rumo ao ser surpreendido por aquela mulher beirava o ridículo e era totalmente sem explicação.

Ela me avaliou por um momento com uma expressão séria, como se ela decidisse se o que eu dizia era verdade. Quando nossos olhares se encontraram, observei com certa curiosidade enquanto ela relaxava visivelmente e me oferecia um sorriso. Algum tempo depois descobri o que ela enxergara em mim. Os mesmos olhos cinzas carregados de determinação.

— Eu sou Naomi, a professora de artes do Hiroki. Não sabia que o senhor viria buscá-lo hoje.

— A mãe dele não poderia vir – disse simplesmente, observando enquanto ela entrava na sala e se acomodava em sua mesa em frente as cadeiras dos alunos.

— Você chegou mais cedo. Eles só serão liberados daqui vinte minutos.

Recordo de assentir com a cabeça e de olhar novamente para o pequeno espaço, sem saber o que fazer em seguida. Vinte minutos não me permitiria fazer nada de útil, e eu definitivamente não me sentia confortável naquele lugar. Naomi, desde aquele dia parecia saber o que se passava em minha cabeça, gesticulou com a mão brevemente para que eu me aproximasse e me acomodasse em uma cadeira vazia.

— Por que não espera aqui? Eu preparei um chá.

Assenti novamente e fiz o que me pedira meio a contragosto. Lembro de me sentar em uma das pequenas cadeiras e aguardar em silêncio como uma criança obediente enquanto ela servia duas xícaras e me entregava uma delas. O chá era de hortelã. Após dar um breve gole, eu pude sentir uma imensa onda de calor se espalhando em meu interior, e eu já não sabia ao certo se aquilo era devido à bebida quente ou ao sorriso caloroso que recebera de Naomi em um sinal de aprovação.

— Então… você é empresário, certo? Hiroki sempre fala de você com muita admiração.

Mesmo não sendo fã de conversa fiada, entrei no jogo da jovem professora. Após tamanha hospitalidade, me parecia o certo a fazer.

— Sou o chefe-executivo de uma multinacional.

Naomi apenas assentiu, não parecendo estar muito impressionada com a importância de meu cargo.

— Eu acho muito legal a dinâmica que você e sua ex mulher conseguem ter com relação a guarda de Hiroki. É muito importante para ele ter a figura paterna durante essa fase de seu desenvolvimento.

Lembro que olhei para ela com uma expressão confusa, questionando-a silenciosamente enquanto tentava adivinhar como ela tinha tantos detalhes de minha vida particular.

— Hiroki conversa muito comigo – ela explicou, lendo meus pensamentos novamente – Ele sempre está especialmente feliz nas segundas-feiras por passar dois dias com você. Apesar de sua ex mulher insistir em frisar que você já faz parte do passado, não acho que ela tenha esse tipo de comportamento ao redor dele. Isso também é muito importante.

Ela riu, provavelmente lembrando-se de alguma besteira que Sayuri havia dito a ela em confidência. Um riso discreto, porém gostoso de se ouvir. Secretamente, desejei ter a honra de poder ouvir aquele som amável novamente.

Apesar de seus comentários indiscretos, eu pude concluir que ela não tinha más intenções. Talvez aquela mulher só não tivesse o hábito de pensar em suas palavras antes de proferi-las, algo que descobri ser completamente verdade em outras ocasiões.

Permaneci apreciando o chá em silêncio enquanto permitia que Naomi continuasse com suas observações, vez ou outra acrescentando algum comentário ou respondendo suas perguntas. Ela me mostrara alguns desenhos e atividades de Hiroki, e vez ou outra o elogiava por sua inteligência e destreza manual.

Os vinte minutos pareceram voar diante daquele momento tão simples e agradável, e antes que percebesse, a sala se enchera de alunos suados e exaustos após a aula de educação física, todos ansiosos para irem embora.

— Volte sempre que quiser, Law-san – foram as palavras de Naomi, proferidas de uma forma incrivelmente terna enquanto eu fazia meu caminho para fora da sala ao lado de Hiroki.

Depois daquilo, acatei suas palavras como um convite, e uma vez por semana, todas as quartas-feiras, eu escapava do trabalho e aparecia vinte minutos mais cedo para buscar meu filho na escola.


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