Morte e Vida de Julieta escrita por Afrodite


Capítulo 4
A Primeira Flecha


Notas iniciais do capítulo

Capítulo mais esperado (pelo menos por mim rs)
e é bom eu dizer logo: não se iludam kkk ♥



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Depois que Isaque foi embora, pus a mão na consciência (ou em algum lugar, não sei se anjo tem consciência) e compreendi que era melhor eu não ficar tanto tempo com a Bia, não queria ter que me preocupar com ela a todo minuto e tal, iria acompanhá-la só lendo as fichas mesmo e me concentrar na minha missão.

Sentei na cama, peguei meu caderno e minha caneta e comecei a retomar minhas considerações: eu era uma humana na vida anterior, essa era única informação que eu tinha certeza, tanto pelo deslize de Gabriel, quanto porque eu era uma completa leiga em relação a anjos e cupidos e etc.

Eu já sabia o que eu tinha sido, agora precisava descobrir quem eu tinha sido e me lembrar de tudo, comecei então a fazer uma nova lista, agora sobre as coisas que eu precisava saber:

—em que época eu vivia

—onde eu vivia

Por hora deixei só esses dois tópicos, era melhor ir aos poucos, sem falar que eu ainda nem sabia como ia resolver essas questões, mas pelo menos agora eu sabia o que queria...

Minha pulseira rubi de vez em quando dava uma apitada enquanto eu estava escrevendo, e eu me segurava ao máximo pra não ir atrás pra saber quem era o sortudo, parecia uma tortura, considerando o tamanho da minha curiosidade.

Tudo bem, eu precisava prestar atenção nas minhas anotações.

Em que época eu vivia? Pra responder essa pergunta eu podia usar a lógica: se um tempo depois de eu nascer como cupido, Clara deu a luz à Bia, então meu corpo de humana provavelmente morreu pouco tempo antes da Bia nascer. EURECA!

—Ju, você não vai acreditar! — entrou Sarah, do nada, no meu quarto.

Era péssimo não ter porta e sim uma parede que levantava sempre que alguém se aproximava, mas devia ser porque, em tese, anjos não deviam ter nada a esconder.

—Você me assustou, Sarah! 

—Ah, me desculpa, é que eu tenho uma coisa muito legal pra te contar! — ela disse e ficou me olhando com um sorriso e olhos arregalados por alguns segundos.

—Você não vai contar? 

—Posso contar? Tá, olha só, entrou uma menina nova na escola da Luísa, até aí nada a ver, né? Só que, tipo, a Luísa foi fazer um trabalho na casa dessa menina, aí eu descobri que o nome dela é Bia e que ela mora só com a mãe, parece muito a sua Bia!

—Será que é a minha Bia e elas duas vão virar amigas? — eu já tinha me animado com a ideia.

—Ela tem a pele bem morena, tem o cabelo preto e com cachinhos, olhos escuros e pequenos, um sorriso bem bonito...

—Meu Deus, acho que é a Bia! Que legal! 

Estávamos super animadas e começamos a pular e gritar, até que o meu despertador começou a fazer o famoso triim e nós duas paramos e ficamos olhando pra ele:

—Você não vai... — Sarah começou mas eu a cortei com um "shhh".

Sabe o que significa? 

—Eu acho qu...

—A Bia tá fazendo 14 anos, tá na idade que eu escolhi.

Sarah me deu um abraço:

—Vai lá e arrasa, quando você voltar, quero saber de tudo.

—Obrigada.

Ela saiu e me deixou novamente sozinha. Era a hora, o meu momento, eu ia pra terra. Decidi ficar acompanhando a Bia até decidir uma pessoa pra fazer ela se apaixonar, iria passar bastante tempo na terra então era melhor ir bem preparada.

Imaginei uma mochila e ela apareceu (adivinha a cor dela), pus as fichas da Bia dentro, junto com meu arco e apenas uma flecha, não quis levar minha aljava. Olhei pras minhas anotações, pus um "V" no primeiro item da lista e escondi tudo em baixo da cama, eu ia ter que abandonar minha missão por um tempo para poder cuidar da Bia, e lá fui eu. 

Quando cheguei, fui diretamente ao quarto da Bia, a casa era muito diferente da de quando ela era bebê, na verdade agora era um apartamento.

O quarto da Bia era bem interessante, pode-se dizer: tinha um armário com portas de espelho, uma cama de casal com um filtro dos sonhos na cabeceira encostada na  parede, ao lado da cama, um criado-mudo com umas coisas em cima e na frente uma penteadeira, em um canto tinha um prancha de surf com uma sereia desenhada (ui ela é surfista) e do lado um skate (ui ela é skatista) e ainda um violão escorado na parede (ui ela toca), até aí parece um quarto normal de uma pessoa bastante talentosa, mas o melhor era uma das paredes que era toda pichada com desenhos, frases e coisas estranhas que eu não sabia o que eram.

A Bia estava sentada na cama comendo um bolo:

—Beatriz Dias de Oliveira, quantas vezes eu disse pra você não comer no quarto? — Clara disse, furiosa, quando passou na frente do quarto.

—Ai, mãe, é meu aniversário — Bia respondeu choramingando.

—E quem vai fazer festa são as formigas por acaso? 

Bia revirou os olhos e saiu do quarto em direção à cozinha, sua mãe foi atrás. 

—Sexta à noite tu vai pro Paracuru — Clara falou.

—Eba!!! Quanto tempo a gente vai ficar?

—A gente nada porque eu não vou.

—Ai, mãe, por que tu odeia tanto meu pai?

—Odiar eu não odeio ninguém, questão de noção das coisas. Teu pai vem pra Fortaleza e tu vai com ele, e depois volta no domingo.

—Papai tem carro agora? Eu vou ficar na casa dele?

—Não sei nem se posso considerar aquilo como carro, e sim. 

Aquilo estava muito chato!!! O tempo da terra demorava demais, eu não podia aguentar. Mas continuei firme e forte na luta pela Bia. 

Fui todos os dia com a Bia pra aula, conheci todos os amigos dela, inclusive a Luísa. Eu não conseguia achar o pretendente pra Bia, era tão difícil, e o pior era que eu nem sabia em quem ela tinha interesse porque a pulseira rubi só apitava e piscava na primeira vez que ela se interessava por alguém, e ela via as pessoas da escola desde que o ano letivo tinha começado. 

A minha pulseira só apitou uma vez em que a Bia entrou no elevador e se deparou com um garoto alto de pele morena e olhos verde escuros que usava uma roupa do colégio militar, mas ia ser bem idiota eu fazer ela se apaixonar por um guri que só tinha dado "bom dia" pra ela, por mais que ele fosse o maior gato.

No fim de semana conheci Eduardo, o pai da Bia, ele parecia ter a mesma idade da mãe da menina, uns 35 anos, era moreno de cabelo liso e tinha olhos pequenos iguais aos da filha. Depois de conhecê-lo pude deduzir com quem minha vítima tinha aprendido a surfar, o pai dela era tão legal, não sabia por que a mãe da Bia não gostava dele. No Paracuru a Bia também tinha vários amigos (um deles até era mais que amigo porque acho que não é normal beijar um amigo daquele jeito) mas de qualquer forma, nenhum parecia ser o que eu procurava.

 Assim eu passei dias, semanas, meses na terra, atrás de um cara pra Bia, nenhum parecia merecê-la. Toda vez que esbarrava com o Isaque ele perguntava se já tinha ido e minha resposta era sempre "ainda não". A Bia ficava com alguns meninos às vezes, nenhum durava mais que uma semana, diga-se de passagem, mas eu achei que nenhum daria certo até conhecer o Caio.

Já era Outubro, fazia quase 5 meses que estava na minha busca. Esse tal de Caio tinha chegado atrasado na aula e perdeu o lugar, tendo que sentar lá no fundo, onde Bia e seus amigos sentavam. Ele ficou atrás da Luísa e eu percebi que os dois eram amigos, já deviam se conhecer de outros carnavais. A Luísa sentava ao lado de Bia, que era bem extrovertida, então acabou que os três ficaram conversando.

Era obvio que a Bia achava o Caio legal, afinal, eles estavam dando boas risadas, e ela também o achava bonito porque ele era, era branco e tinha cabelos e olhos castanho claros. Tá, ele não era um príncipe da beleza e nem tinha nada de muito especial, mas o sorriso dele era incrivelmente lindo e ele parecia boa pessoa, isso pra mim já estava de bom tamanho. 

Aquela era a hora. Fui até a porta da sala pra pegar distância, tirei meu arco e minha única flecha da mochila, se eu errasse teria de ir ao céu pegar outra flecha e ia perder o momento, mas naquela hora eu não pensei em errar, só queria jogar a primeira flecha na Bia.

Lancei a flecha e acertei certinho no coração, fui correndo ver como a Bia ia reagir, fiquei com medo daqueles sintomas que o Miguel falou na preparação dos cupidos, mas naquela hora a Bia só suspirou devagar, seu olhos começaram a brilhar e seu rosto mudou de expressão: ela ficou com a maior cara de idiota que eu já tinha visto.

Olhei pro meu cordão de diamante rosa e ele estava brilhando, eu estava tão animada por ter inaugurado meu arco e meu cordão, era uma sensação incrível!

Decidi ficar na terra até as coisas se desenrolarem e os dois ficarem juntos. Eu pedi a Deus pra eles ficarem juntos, e que fosse o quanto antes porque eu não estava mais suportando ficar lá em baixo.

Na saída do colégio, a Bia estava esperando sua mãe ir buscá-la, quando o Caio passou e deu tchau pra ela, de novo os olhos dela brilharam e ela ficou com cara de sonsa, mas dessa vez o coração tinha acelerado. Que medo dos outros sintomas... 

O sintoma que se manifestou em seguida, na volta pra casa, foi a Bia ficar toda hora pensando no garoto, eu percebi que ela não parava de pensar nele, do nada ela dava umas risadinhas, a Clara até perguntou do que ela estava rindo e ela só respondeu que tinha lembrado de uma coisa engraçada e ficou olhando pra janela do carro, viajando nos pensamentos. 

O sintoma seguinte foi a insônia, a Bia passou horas rolando de uma lado pra outro da cama sem conseguir dormir, só o fez lá pras 3 da manhã.

A insônia só ocorreu naquele primeiro dia mesmo, mas o resto daquela semana e a seguinte foram uma palhaçada, a Bia não prestou atenção nas aulas, ficava toda hora olhando pro Caio, e quando ele virava, ela desviava o olhar. Sem falar que ela fazia tudo mais devagar, parecia estar no modo lento.

O Caio falava com ela todo dia, e toda vez que ele surgia, o coração da Bia dava uma pontada, mas mesmo assim ela agia naturalmente perto dele, (tirando a cara de lesada e o fato dela rir até das piadas mais sem graça que ele fazia) e eles acabaram se aproximando naquela semana.

A Luísa, que era muito amiga da Bia, provavelmente a melhor, percebeu que ela estava estranha:

—Mulher o que tu tem? Tu só fica olhando com cara de abestada* pro Caio. Tu tá gostando dele?

—Sei lá, talvez...  Bia respondeu dando de ombros.

—Então fala pra ele, ele tá solteiro.

A Bia então parou de fazer aquela pose de durona e baixou a guarda:

—Na verdade é que com ele é diferente, eu nem sei explicar, tipo, tô conversando de boa com ele, mas dentro de mim parece que tá tendo é uma guerra. 

—Como assim?

—Mulher, eu não sei, por exemplo, minha barriga dá uns embrulho estranho quando eu tô perto dele, eu fico é com medo...

Então queria dizer que mais um sintoma tinha se manifestado...

—Valha*... É Tipo como se tivesse borboletas dentro dela? — Luísa perguntou. 

—Isso!

—Eita pleura... E teu coração acelerou alguma vez?

—Pior que sim — Bia respondeu timidamente.

—Mulher, tu tá apaixonada pelo Caio! — Luísa exclamou demasiadamente alto.

—Fale mais alto, doida, que o povo da China não ouviu não.

—Foi mal, é que eu tô empolgada agora, ah meu Deus, já quero fazer esse casal dar certo, vou ser o cupido de vocês — querendo roubar meu lugar, muito bonito — eu vou falar com o Caio.

—Não, Lu!

—Ah não, Bia, deixe de ser bonequeira*, vou só dizer que tu tá afim dele, só pra ele ficar ligado e tal, talvez ele até goste de ti mas não chegue. 

Bia ainda ficou meio insegura mas acabou consentindo com a amiga. 

Naquela noite o Caio conversou com a Bia pelo celular (provavelmente a Luísa tinha mexido seus pauzinhos, me senti grata por aquilo e com um pouquinho de ciúme) eles conversaram por um tempo até que ele falou pra ela que um amigo ia dar uma festa no sábado da semana seguinte e perguntou se a Bia queria ir, ela respondeu que ia ver e foi ao quarto da mãe:

—Mãe, um amigo meu me convidou pra ir numa festa próximo sábado. Posso ir? 

—Quem?

—Caio, da escola.

—A Luísa vai?

—Pera — Bia mandou uma mensagem ao Caio perguntando se podia convidar a Luísa e ele respondeu que sim — Vai.

—Então pode.

Ela abraçou a mãe, que riu, e saiu. Ficou um tempo parada olhando pro nada sorrindo, até que fez uma cara estranha e saiu correndo até o banheiro: diarreia. Sério? Mais um sintoma? Eu já tinha perdido as contas dos sintomas e estava cada vez mais preocupada, e pra piorar ela teve insônia de novo. 

Caio e Bia conversaram todas as noites pelo celular e sempre se falavam no colégio, a relação deles tinham progredido bastante, graças à Luísa.

Até que enfim chegou o bendito sábado. A festa era em um salão de festas de um prédio perto do que a Bia morava. No início Bia, Caio e Luísa ficaram em uma rodinha de amigos, até que Caio disse que queria falar com a Bia, pegou na mão dela e a levou pra frente da piscina, onde não tinha ninguém.

—Sabe o que é? É que, tipo, já faz um tempo que a gente se fala e tal e eu queria te dizer que tô gostando de você, de verdade  ele disse.

Nessa hora eu dei pulinhos de alegria.

—É, eu também — Bia falou, quase sem abrir a boca.

—Sério?

Ela só fez que sim com a cabeça, dava pra ver que estava morrendo de vergonha, era estranho vê-la daquele jeito, com os outros meninos ela era tipo "tô nem aí pra nada".

Os dois ficaram se olhando por um tempo e eu vi que os olhos dele estavam brilhado que nem os dela, ele também tinha se apaixonado! Ele então afastou o cabelo dela do rosto e a beijou, que coisa mais fofa!!! Eu não conseguia conter minha alegria e comecei a pular e gritar (ainda bem que ninguém estava me vendo ou ouvindo).

Voltei pro céu na maior lerdeza do mundo, estava exausta, tinha passado tanto tempo na terra e finalmente estava voltando pra cima e poderia me concentrar na minha missão. 

Assim que me acomodei lindamente em minha cama, lembrei que minhas coisas estavam em baixo dela e tive que me desacomodar, levantei, peguei meu caderno e minha caneta e sentei novamente. Dei uma olhada no meu cordão só pra ver como as coisas iam: ele tinha ficado vermelho! Significava que eles se amavam, e por algum motivo eu sabia que o amor era pra sempre, então eu não precisava mais me preocupar com a Bia. Olhei as fichas e li que a Bia e o Caio tinham começado a namorar um mês e três dias depois daquela festa. Missão cumprida.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


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Notas finais do capítulo

* abestada é sinônimo de boba, lesada, sonsa... (ou tansa em Santa Catarina hahah, sim tenho muita cultura do BR)
* valha é uma diminuição de "valha meu Deus", é uma expressão de espanto, como "nossa senhora" por exemplo :)
*bonequeira vem de "botar boneco" que é quando uma pessoa está resistindo a algo com teimosia



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