Morte e Vida de Julieta escrita por Afrodite


Capítulo 3
Fichas das Vítimas


Notas iniciais do capítulo

Vlws às leitoras fieis que continuaram acompanhando and interagindo, bjs e paz de Jah
espero que curtam este capítulo ♥



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Só saí do quarto da Bia depois que ela foi dormir. Fiquei bastante tempo lá, afinal aquela podia ser a primeira e a última vez que ela ia me ver, a vi tomando leitinho da mamãe dela até, foi a cena mais linda que já presenciei desde que nasci.

Voltei pro céu inicialmente a fim de continuar minha missão, mas lembrei que ainda não tinha nem encostado nas fichas da Bia, e por mais que minha vida antiga me interessasse muito, cuidar da minha vida atual, que incluía a da Bia, era prioridade.

Assim que entrei no prédio fui surpreendida por uma anjo albina com traços negros, ela tinha várias trancinhas finas e longas no cabelo, e usava uma blusa soltinha por dentro de uma saia jeans (nada de jeans azul, jeans branco) e calçava chinelos. Essa menina simplesmente me abraçou com a maior agressividade (devia ser carinho mas eu achei bem agressivo) gritando:

Ah, é você que é você! Me desculpa, desculpa, desculpa mil vezes, a Bela não quis ser chata! Peço perdão por ela, A PERDOE, POR FAVOR! 

Depois que ela parou de me sufocar eu enfim pude perguntar:

O quê? Quem é você?

No mesmo momento a garota que eu tinha visto antes na recepção veio se aproximando, nesse momento pude vê-la melhor: ela usava um vestido com tecido leve ombro a ombro, curto na frente e longo atrás, e calçava sandálias douradas:

É... Desculpa, eu acho  ela falou timidamente.

Assim que eu entrei no prédio, a Bela começou a reclamar de você, mas eu, como o anjinho que sou, a fiz ver o quanto aquela atitude foi rude, agora pedimos humildemente o seu perdão... A Bela parece chata assim, mas no fundo, bem fundão, eu juro que ela é um anjo a outra menina disse.

Ah, tudo bem  eu falei.

Ficamos nos olhando perante um silêncio meio constrangedor, até a anjo do black power branco virar pra mim e falar gesticulando com as mãos e a cabeça:

Mas sabe o que é, garota? Quando uma pessoa tá lendo, ela não deve ser interrompida! 

Ah, perdão, não vai se repetir... Sabe uma coisa interessante? É que você tava lendo Romeu e Julieta e meu nome é Julieta. 

Ai que legal, amiga! Eu sou Lola, e essa chatinha é a Bela  a garota das tranças falou enquanto a outra apenas concordou com a cabeça.

Bom, agora preciso ir, ainda não li as fichas da minhas vítima  eu falei.

Ah, meu Deus, obrigada por lembrar, minha nova vítima saiu do forno faz pouco tempo e eu nem parei pra ler os dados nem nada dela, estive ocupadíssima cantando com os serafins  Lola disse.

—Que ocupação, hein — Bela comentou com deboche.

—Se vocês quiserem a gente pode ler junta lá no meu quarto, posso chamar minha amiga Sarah também, vai ser bom porque vamos poder tirar dúvidas, somos cupidos novos — convidei. 

—Logo vi que era cupido novo, oh palhaçada... — Bela disse. 

—Que é isso, Bela? A gente vai sim, amiga, a vítima da Bela já é grandinha mas ela fica lá pra ajudar vocês também. Eu já fui cupido de quatro pessoas contando com a Amanda, que é a minha vítima atual, e a Bela já perdeu a conta, né?

—Onze — Bela resmungou. 

Depois de acomodadas no meu quarto, agora com a Sarah junto, pegamos nossas fichas:

Oh, gente, antes de começarmaos eu queria fazer uma pergunta que tá me matando: como funciona esse negócio do céu, tipo, a divisão, esses prédios ou sei lá? aqueles anjos mensageiros não falam nada, eu tô boiando completamente aqui  perguntei. 

Ah, nossa, eu também preciso saber disso  Sarah falou. 

Ah, não seja por isso, meu anjo, eu e Belinha responderemos Lola disse simpática e Bela revirou os olhos ela não gosta quando chama de Belinha, por isso eu chamo.

Tá, eu vou falar começou Bela esse lugar onde a gente tá é a Área dos Cupidos, então só tem cupido e o que tem a ver com a gente, tipo o campo e tal.

É, e os prédios são divididos por cidades, todos os cupidos do nosso prédio têm vítimas que moram em Fortaleza, Nordeste do lindo Brasil. Espero que nossas vítimas se esbarrem e virem amigas!  Lola completou animada.

Agora que sabíamos onde estávamos, começamos a ler os dados das nossas vítimas, e logo a Sarah perguntou:

—Aqui tá dizendo que a Luísa é heterossexual, o que isso quer dizer? 

—Meu Deus, como tu não sabe? — Bela disse, grosseira, mas depois de receber uma cotovelava da Lola, respirou fundo e explicou — é que os humanos têm um troço chamado orientação sexual, a Luísa é hetero, então ela gosta de pessoas do gêneros oposto ao dela: meninos. Fim. 

—Perdoem a ignorância, é que essa é minha primeira vida e eu sou cupido novo então... — Sarah se defendeu.

—Você é um bebê do universo! — Lola disse entusiasmada, e todas rimos — ah meu Deus, tudo que eu sempre quis: a Amanda é bi!!!

—Por que isso é bom? — Sarah perguntou. 

—Porque tenho muito mais opções! Ah, tô tão feliz!

—A Bia é hetero... E sua vítima, Bela? — falei, só pra não ficarmos de fora. 

—O Betinho é gay, tô esperando ele ficar mais velho pra jogar flecha nele, agora ele deve estar com uns 8 anos no máximo.

 Alguns momentos passaram e novamente Sarah nos presenteou com uma pergunta:

—Por que aqui tá dizendo que ela se identifica com a monogamia? O que isso quer dizer?

—Eu respondo — Lola disse erguendo a mão direita — Isso significa que ela só se apaixona por uma pessoa por vez. Minha primeira vítima não se identificava com monogamia, aí ela era apaixonada por várias pessoas, mas namorava com uma e traía ela. 

—Que errado — Sarah falou.

—É porque ela tentava se encaixar no padrão de relacionamento considerado "normal" no lugar que ela morava, sendo que ela não se encaixava, tadinha... 

Ficamos por muito tempo lendo as fichas, Lola e Bela respondendo perguntas minhas e da Sarah e acabamos nos conhecendo melhor, iniciando uma bela amizade. Por mais que a Bela fosse seca e grossa, eu gostava dela, era uma anjo antiga, aquela era sua primeira vida e com certeza tinha nascido pr'aquilo, o jeito que ela falava das vítimas dela era muito fofo. A Lola era muito maluca, só ligava pras festas dos serafins e tudo o mais, a vida de cupido não era sua primeira vida, mas ela parecia bem confortável naquele cargo. E por fim a Sarah, a mascote do quarteto, ingênua mas querendo aprender sobre tudo, uma gracinha. 

Depois que todas as meninas saíram (Lola foi apresentar Sarah aos serafins e Bela disse que já tinha atingido seu limite de interação social) decidi voltar à minha missão, mas na mesma hora minha pulseira rubi piscou e apitou, queria dizer que, pela primeira vez, a Bia tinha se interessado por uma pessoa de forma romântica. Olhei meu grande relógio e vi que a Bia já estava com 5 anos, eu não queria fazer ela se apaixonar ainda, era muito cedo, mas não custava nada ir ver o garoto. 

Cheguei à terra e me deparei com a Bia, ela tinha crescido tanto, seus cabelos eram cheios de cachinhos na ponta. Tinha uma amiguinha dela ao lado, e as duas estavam perto de uma ladeira, ambas com as mãos no guidão de suas bicicletinhas, a da amiga tinha rodinhas, mas a da Bia não, aquela era minha garota!

Bia, eles nunca vão deixar a gente brincar com eles!  a amiguinha da Bia falou choramingando.

Mas a gente nunca vai saber se não for lá, para de ser bebêzona e vem logo, Vitória! 

Então as duas amigas foram em direção a um grupo de garotos, deviam ter entre 8 e 10 anos, foi aí que entendi: a Bia gostava de algum deles.

Oh, a gente pode brincar com vocês?  Bia perguntou, determinada. 

Os meninos simplesmente olharam às garotinhas e começaram a rir.

—A gente não brinca com pirralha que nem tu — um deles falou.

—Mas eu não sou pirralha, tenho 5 anos e já ando sem rodinha, ó — Bia retrucou apontando pra sua bicicleta. 

—É mesmo, é? Pois então desce a ladeira de bicicleta se tu sabe andar sem rodinha mesmo — outro falou. 

—Eu desço mesmo! 

—Bia, não — Vitória falou. 

—Fica no teu canto, mulher*!

Bia olhou pros meninos com ar desafiador, sentou na bicicleta e começou a descer a ladeira dando gargalhadas, no início ela estava muito bem, senti orgulho dela, mas chegou um momento em que a bicicleta começou a ficar desgovernada e eu pude ver o desespero no olhar da Bia, os meninos saíram correndo e a amiguinha de Bia começou a gritar, o que fiz também, mas eu gritava o nome de Isaque. Acabou que a Bia caiu com a bicicleta em cima de uma de suas pernas, sua amiguinha correu pra tentar ajudá-la:

—Tá doendo? — ela perguntou aflita. 

Bia ficou parada por um tempo com cara de assustada:

—Eu não tô sentindo nada — ela disse baixinho.

Foi aí que Isaque apareceu voando, ajoelhou perto da Bia e começou a esfregar a perna dela.

—Onde você tava, Isaque? Era pra você cuidar da Bia! — eu falei furiosa.

—Tava com os serafins — ele respondeu dando de ombros enquanto não tirava os olhos do que estava fazendo.

—Com os serafins? O que você tava fazendo com os serafins enquanto a Bia precisava de você? Qual é o seu problema voc...

—Julieta, vai pro céu agora, se você ficar falando esse monte de coisa, eu vou me desconcentrar e as coisas podem piorar — ele disse, levantando e me olhando com firmeza. 

—Mas eu...

—Vai pro céu, Julieta! 

Eu o obedeci, não porque ele mandou, só por causa da Bia. Mas fui pro céu com tanta raiva que acho que seria capaz de explodir. Sentei na minha cama e não deu um segundo, o Isaque apareceu andando calmamente.

—Ela tá bem? — perguntei.

—Tá sim, vai ter que usar gesso por um tempo, só quebrou a perna.

—Só? E você ainda diz SÓ? Como assim, Isaque? Você é o anjo da guarda dela, você deveria GUAR-DAR, não é? Mas não, tava lá com os serafins como se as coisas fossem assim!

—Julieta, você não faz ideia do que você tá falando! Você não precisa ficar na cola da Bia toda hora e nem eu preciso! A Bia podia ter ficado paraplégica, aquela ladeira era enorme, e eu dei essa ajuda pra ela. Aquilo ia acontecer de qualquer jeito, ela ia cair, eu não podia evitar, eu não POSSO evitar coisas ruins de acontecerem, eu só posso ajudar a não piorarem.

—Mas eu achei que...

—Não, Ju — ele disse mais delicadamente, sentando na cama — escuta, não adianta querer livrar a Bia de tudo que há de ruim no mundo porque isso é impossível, ela não mora no céu como a gente, ela mora na terra.

—Eu só não queria que a Bia sofresse.

—Mas ela tem que sofrer, isso faz parte, e você vai ser uma das culpadas por isso, você vai fazer ela se apaixonar, quanto antes você entender isso, melhor. Eu amo a Bia tanto quanto você a ama, nós a vimos nascer e estamos acompanhando o crescimento dela, mas não tem como ela crescer sem sofrer. Ela aprendeu uma lição que vai servir pro resto da vida dela, descendo a ladeira hoje. Ao invés de querer livrá-la de tudo, só entenda que ela precisa disso. 

 

 


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Notas finais do capítulo

* Em Fortaleza e em outros lugares do nordeste, pra qualquer pessoa do gênero feminino, independente da idade, é usado o vocativo "mulher"

(muita cultura né mores kkkkk preferi explicar no caso de alguém não entender. Ao longo da história terá outras referencias ao sotaque cearense/nordestino ♥ )



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