Abri meus olhos com um clarão, parecia que tinham posto o sol na minha cara. Quando enfim me acostumei à luz, percebi que estava em uma espécie de quarto todo branco que só tinha uma cama gigante (King Size, tri confortável, podia ficar nela pra sempre!) e não tinha porta!

Sentei na cama e fiquei olhando pro nada (afinal nada era tudo que tinha por lá). Foi aí que me veio a pergunta “quem sou eu?” e não, não foi num sentido poético ou filosófico, eu realmente não fazia ideia de quem eu era e muito menos de onde estava. 

A parede do quarto levantou e entraram dois homens com roupas horrorosas, uns vestidos brancos até o pé, e o pior: os caras tinham asas enormes! Será que tinham acabado de vir do carnaval? Um deles, o de cabelo loiro encaracolado se aproximou e disse com animação:

—Julieta, que bom que acordou! — foi aí que descobri meu nome — Nós somos os arcanjos Gabriel e Miguel — ele continuou, apontando primeiro para si, depois para seu companheiro, que deu um risinho pra mim — viemos lhe comunicar tudo que você precisa saber pra começar sua nova vida. 

—Como assim "nova vida"? Eu tenho uma velha?

—Sim, você tem. Diferente de nós, você não está em sua primeira vida — Respondeu Miguel.

—E essa minha vida é qual? Segunda, terceira, quar…

—Ah, isso é uma informação sigilosa — Gabriel interrompeu com ar de deboche, ele provavelmente tinha essa informação. Não tinha ido muito com a cara dele, mas o Miguel era um fofo, e graças a Deus foi ele quem começou a explicar sobre tudo:

—Pois bem, Julieta, agora acho melhor situarmos você. Como o Biel falou, essa não é sua primeira vida, toda vez que uma vida termina, outra começa, entende?

—Sim, claro. Então é verdade aquilo sobre pessoas boazinhas irem pro céu e as más irem pro inferno? — perguntei, mas Gabriel começou a dar uma risada debochadíssima da minha cara e deixou escapar “eu amo humanos”.

—Cala a boca, Gabriel! — repreendeu Miguel  — Não ligue pra ele. Bom, na verdade isso é uma crença muito comum, mas não é de todo verdade. Quando uma pessoa morre, sendo ela boa ou má, sua alma tem três caminhos possíveis, o céu, tornando-se um anjo, ou a própria terra, podendo entrar em um novo corpo ou simplesmente vagar por ela como quem não quer nada.

—Puxa… E isso depende da pessoa ou é aleatório?

—Depende muito da pessoa, se você se tornou um anjo, você mereceu — Gabriel comentou.

—Ah, e só no destino de virar um "fantasma" que você lembra perfeitamente da sua vida antiga, mas em qualquer um, toda a carga da vida anterior vem com você, as coisas que lhe ensinaram e tal, mas é muito difícil e raro se lembrar de tudo, além de ser errado. É preciso deixar tudo pra trás — terminou Miguel.

—Que viagem… — respondi.

—Agora, sobre os anjos… — Gabriel começou — existem muitos tipos, eu e Miguel somos arcanjos, mas nos chamam mais de mensageiros, Deus nos usa pra dar recado pro pessoal, somos bem importantes, aí tem anjos que ficam na cola de Deus, pra auxiliar e tudo o mais, outros que só ficam por aqui pelo céu, cantando ou sei lá, parecem hippies — deixei escapar uma risada, que foi acompanhada pelos dois arcanjos — é, é engraçado mesmo, e por fim tem os anjos dos humanos: os anjos da guarda e os cupidos, e você é uma cupido, parabéns!

—Uma cupido? Eu pensava que cupido era um bebê pelado jogando flechas por aí que nem doido!

Novamente nós três demos gargalhadas, comecei a gostar mais do Gabriel depois de rirmos tanto. 

—Você pode ficar pelada se quiser, só humanos se incomodam com a nudez, nós usamos roupa por estilo mesmo… Mas na verdade tem vários cupidos, um pra cada pessoa.

—Mas umas pessoas não tem — Miguel interrompeu.

—É, tem pessoas que não se apaixonam — Gabriel concordou e continuou — mas como ia dizendo, nós, que somos arcanjos, podemos tomar a forma do animal que quisermos, humanos de todas as idade, bichos, e até ambos misturados, mas vocês anjos dos humanos, têm aparência de adolescentes, pode se olhar, você parece ter uns 17 anos.

Obedeci o Anjo Gabriel e virei pro lado (um espelho apareceu magicamente), era verdade, eu parecia ter 17 anos, 1,65m de altura, meus cabelos eram rosa na altura da cintura, isso era incrível! Eu usava uma roupa de adolescente também, só que toda branca, um camisetão, um short e um coturno, bela roupa. 

—Muito bonita, hein? — Miguel disse simpático. 

—É verdade, eu sou linda!

—Óbvio, nunca ia existir um anjo feio! — Gabriel comentou com um pouco de arrogância. 

—E eles podem me ver?

—Poder, podem, mas só é comum entre bebês, muito raro um humano com mais de 2 anos conseguir nos ver, quase impossível! — afirmou Miguel. 

—Pois bem, agora que você sabe mais ou menos como funcionam as coisas, vou pegar suas fichas — Miguel pegou uma pasta (branca, obviamente) com umas folhas, lia e entregava a Gabriel uma por uma, e enquanto liam balançavam as cabeças como se estivessem concordando com algo, fiquei esperando a boa vontade deles até terminarem.

—Divino! — Gabriel falou animado, dando os papéis ao outro anjo. 

—Agora você vai ter que correr… Ou melhor, voar, sua primeira vítima está nascendo agorinha! — Miguel disse fechando a pasta. 

—Mas eu não tenho asas igual a vocês, e como assim vítima?

—Você voa mesmo sem asas, e vítima é a pessoa que você vai acompanhar na vida, jogando flechas no coração dela pra ela se apaixonar. O nome dela é Beatriz de não sei do quê… Não importa, e ela está nascendo nesse exato momento em Fortaleza, que fica na… No Ceará, que fica no Nort… Nordeste do Brasil, na América do Sul — Gabriel disse apressadamente.

—Gente, eu não sei ir!

—Sabe sim, para de reclamar! — Gabriel falou irritado, e me puxou pela mão pra fora do quarto. 

Olhei em volta enquanto ele me puxava, tinha uma espécie de recepção e vários outros quartos, devia ser dos outros anjos, quando saí pude perceber que o lugar parecia, talvez, com um prédio, e em volta tinha vários outros prédios, o chão era fofo (nuvens óbvio), a gente provavelmente não pesava nada, e ainda vi uma estrada de ouro mas não soube aonde dava. 

Antes que pudesse pensar, Gabriel me empurrou pra baixo, como quem afunda alguém em uma piscina, fui caindo por muito tempo, mas demorava demais, então comecei a acelerar, acho que estava aprendendo a voar, mas não tinha muita noção, então era meio em zigue-zague, bem displicente, mas por algum motivo (divino provavelmente) eu sabia exatamente pra onde ir. 

Cheguei então em uma maternidade, fui correndo, atravessando as pessoas (era tão legal) e entrei numa sala sem nem abrir a porta. Além dos médicos e de uma mulher gritando loucamente, havia outros anjos lá, quase todos encostados na parede, mas uma estava atrás da mulher parindo e outro olhando pro meio das pernas dela, esperando a Beatriz sair, imaginei, devia ser o anjo da guarda dela, íamos dividí-la. 

—Oi, eu sou Julieta.

o rapaz virou pra mim simpático: 

—Eu sou Isaque — ele respondeu com um sorriso fofo. Ele era moreno, tinha olhos castanhos pequenos e um cavanhaque, ele usava uma camiseta com um dragão dourado desenhado, uma saia abaixo do joelho, um tênis bem bonito e meias compridas (tudo branco, claro), era um estilo legal como o meu.

—Você é a cupido, eu presumo — ele disse. 

—É, sou, e você é o anjo da guarda?

—Sou… É sua primeira vítima?

—É, tô morrendo de medo. É sua primeira vítima, também?

Ele rio e falou:

—Vítimas são só pra cupidos, anjos da guarda têm clientes, e não, é minha segunda, o outro morreu, infelizmente.

—Morreu de quê?

—Suicídio — ele respondeu com ar triste. 

—como?

—Eu não estava atento, mas Deus nem brigou comigo, disse que errei, mas que já tinha uma vida pra ele. 

Aquilo me chocou bastante, mas passou quando vi que a Beatriz já tinha nascido e estava nos braços da mãe. 

Eu e Isaque fomos vê-la, ela era meio avermelhada, estava suja de sangue e d'uma gosma branca:

—Ela é… Nojenta — eu comentei. 

—É, eu também acho — Isaque respondeu rindo, eu o acompanhei e ri também.