Inferno Com Sabor de Céu escrita por Yanna Desouza, Giovanne Augusto


Capítulo 1
A primeira vez que nos falamos


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem dos meus dois policiais federais favoritos.
Ah, Helena não morde. Eu juro ;)



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Receber uma ligação do delegado Becker não costumava trazer notícias agradáveis. Receber uma ligação do delegado Becker às 4:45 da madrugada, poucas horas antes de viajar na operação eu salvaria sua carreira, só podia significar duas coisas:

Primeira opção: o delegado está bêbado e sem sono e infelizmente lembrou o número de algum agente sem sorte que ouvirá seus desabafos.

Segunda opção: o agente terminará preferindo que fosse apenas a alternativa anterior.

Helena esfregou os olhos, andando apressada. A maioria das luzes da delegacia estavam apagadas, mergulhando as mesas que costumavam estar sempre cheias em um clima mórbido. Ou talvez fosse o mal humor de Helena que a fizesse enxergar o ambiente assim.

Os cabelos preto azeviche haviam sido presos as pressas, sem sequer olhar no espelho. Não queria imaginar com o que devia se parecer agora, mas um olhar na sombra que projetou na porta do delegado, infelizmente, a fez ter uma ideia da tragédia.

Assim que abriu a porta, o homem grisalho sentado atrás da mesa engasgou com o café. Em sua defesa, o delegado tentou disfarçar com uma tosse.

— Agente Moretti, você… ahn… chegou rápido. — disse cauteloso, o olhar descendo para o sobretudo que Helena ajustou discretamente para não mostrar sua blusa de banda que usava por baixo. O delegado não precisa saber gosto do Nirvana.

Tinha uma imagem de “a-hell-que-não-gosta-de-nada” a zelar. Ha-Ha-Ha para o engraçadinho que a apelidou.

— O que aconteceu?— pigarreou, assumindo o tom profissional usual ao sentar-se na cadeira diante da mesa dele.

Não deixou de lançar um olhar receoso a cadeira vazia ao lado. Faltava alguém. Não era costume do delegado chamar Helena sem o parceiro. Principalmente quando os dois teriam que viajar em missão às oito.

O delegado a encarou seriamente.

— Lembra que o Levi estava reclamando de dores e febre?

— É, eu o ajudei a chegar em casa ontem. — o parceiro estivera suando frio o dia inteiro.

— A família ligou do hospital. Ele operou agora pouco. Apendicite.

Helena piscou surpresa.

— Eu não… ai meu deus. Por que não me ligaram? — empurrou a cadeira para trás, levantando-se — Em qual hospital ele está? Eu irei…

— Helena, sente-se. — ordenou num tom de voz inflexível — Acha que eu viria aqui na delegacia a essa hora só para dar essa notícia? É apenas apendicite. Ele está bem, Moretti.

— Então por que me chamou? — perguntou, franzindo o cenho, mas sentando-se outra vez. Começou a bater o pé impaciente quando o delegado serviu uma xícara de café como se tivesse todo tempo do mundo.

Ele bebericou alguns goles de café, ocasionalmente lançando olhares a entrada como se o fantasma de alguma faxineira fosse brotar na porta.

— É sobre a missão.

— Que precisa de um casal disfarçado — elevou a sobrancelha — Não sei se percebeu, mas um casal são duas pessoas.

O olhar do delegado ficou em branco.

— E é exatamente o que porque chamei você aqui. A missão continua.

— Eu cuidando do Levi operado no cruzeiro. O melhor disfarce de todos.

Após um estreitar lento de olhos, o delegado sorriu como se tivesse uma carta na manga.

— Não. Levi vai ficar em casa com a esposa.

A porta atrás dela abriu-se e bateu suavemente. E o sorriso do delegado aumentou.

— Ah. Bem a tempo. — Ele levantou-se. Com a visão periférica, Helena viu um braço se estender acima dela e o delegado cumprimentar o recém chegado com um aperto de mão. Em seguida, o olhar divertido desceu para encontrar os olhos escuros surpresos de Helena — Seu novo parceiro chegou.

Lentamente e hesitante, ela virou o rosto. E então precisou olhar para cima.

Mesmo sentada, Helena percebeu que ele era mais alto que ela. Estava vestido informal demais para uma reunião, com jaqueta e calça jeans e um boné dos Yankees na cabeça. Ela não pode observar bem de onde estava, mas o boné escondia um cabelo escuro. Ele tinha feito a barba e o perfume preencheu a sala, fazendo-a fechar a expressão. Ele teve tempo de se arrumar.  

Em suas mãos, três copos de plástico. Café.

Seus olhos escuros pousaram nela, fazendo-a involuntariamente apertar os braços da cadeira, e ele sorriu. Alguns pés de galinha apareceram no canto dos olhos.

— Desculpe a demora, fui comprar café.

Não. Não podia ser. Não ele. O destino não podia ser tão injusto assim.

Helena girou a cadeira de volta para encarar o delegado com uma expressão de “você está brincando, não é?” no rosto, que fez o homem se recostar na poltrona, sorrindo satisfeito.

— Eu já tenho o meu. Mas pode oferecer um a agente Moretti. Ela está precisando mais que nós.

—Delegado, isso não vai dar certo. — a declaração saiu mais desesperada do que pretendia. Ela então tentou soar convincente ao mentir— Com todo respeito, mas precisamos agir como um casal. E isso não funcionar. Não tem como ele e eu agirmos como um casal. Nem nos conhecemos. A missão exige que nós… não dá, entende?

Trabalhar com ele era o mesmo que jogar a operação no lixo!

— Mas é claro que é possível. Gabriel é nosso agente mais adaptável. Por isso o chamei. Só ele é capaz de entrar no papel em tão pouco tempo.

Claro que sim. É a especialidade do duas caras.

— Já estou no papel. Não vai ser problema nenhum para mim. — ele sorriu, sentando ao lado dela e oferecendo um dos copos — Quer?

Ela não pretendia pegar o copo, mas um olhar duro do delegado Becker a fez mudar de ideia. Forçando um sorriso pegou o copo pela base, sendo cuidadosa para não roçar os dedos nos dele.

— Obrigada. — então levantou-se calmamente, bebericando um gole do café enquanto encarava os olhos escuros serenos — Mas você e eu como parceiros… — gesticulou para si e então para Gabriel — Não vai acontecer.

O delegado levantou-se furioso.

— Já chega! Se não aceitar trabalhar com o agente Silva, a operação Barba Negra está cancelada e você rebaixada!

— Então me rebaixe! — ela elevou a voz — Prefiro ser rebaixada a me sacrificar para esse corrupto ganhar dinheiro nos vendendo!

Dizendo isso, saiu da sala batendo a porta com força, sem olhar para trás. Estava bufando de raiva. Como o delegado Becker pode ser tão estúpido? Jogando fora assim uma investigação?

Ela nunca falou com Gabriel antes, mas sabia o suficiente sobre ele.

Não se envolvia com gente assim.

Há alguns meses, operações de sigilo total foram arruinadas por completo. Corruptos queimando provas que o incriminavam em uma operação federal sequer sabia existir? Traficantes internacionais mudando a rota exatamente no dia do flagrante e escapando livres? Só havia uma resposta para o mistério. Um agente interno estava vendendo informações.

Não demorou para rumores se espalharem. Helena não conversava muito com os outros agentes, mas ouvia sussurros nos corredores. Todas as bocas acusavam um único nome. Gabriel Silva.

E desde que ninguém mais queria trabalhar com ele há meses, não a impressionava o agente Silva aceitar em cima da hora uma operação que sequer conhecia.

Estava no estacionamento quando o sentimento de culpa a fez hesitar. Foi dura demais. Mesmo que o agente fosse corrupto, não era justo gritar a acusação no rosto dele como uma mulher das cavernas logo que são apresentados.

Começando a se acalmar, pinçou a ponte do nariz e apoiou a mão livre no carro mais próximo para respirar fundo. Estava se comportando como garotinha histérica no primeiro sinal de desconforto. Não podia continuar assim. Quanto tempo ainda duraria com essas crises de estresse? E se tivesse uma durante algum ponto crítico da operação? Ou durante um tiroteio? Ambos os cenários eram sombrios na mente dela.

Ela ouviu a porta da delegacia se abrindo e passos calmos vindo em sua direção.

Ao olhar para trás, Gabriel estava lá, uma expressão neutra no rosto que ela não soube decifrar. Caminhava com tranquilidade e com uma paciência que a irritou, e tudo o que pode fazer foi esperá-lo para ver o que ele queria. Se recusava a se desculpar.

Ele apenas parou ao seu lado, escorado no carro  sem dizer nada. Por um momento, os dois ficaram em silêncio, então Gabriel o quebrou:

— Esse é o meu carro. — ele apontou para onde ela se escorava.

— Ah. — Helena se afastou do jeep militar, levemente envergonhada. Curiosa, perguntou num tom defensivo — Já está indo embora?

— Depende de você. — ele sorriu — Sei o que dizem de mim na delegacia. Que sou corrupto e que não presto, então… Disse ao delegado que a missão ainda era sua e era você que deveria decidir quem a acompanharia. Apesar de que acho que poucos vão querer trabalhar com você. — ele riu.

Com aquele sorriso caloroso até o insulto parecia sair como um elogio, o que apenas azedou seu humor. Estava decidido. Odiava aquele sorrisinho encantador. Ela parou diante dele, olhando com seriedade em seus olhos.

— Sabe o que vai acontecer se formos juntos e a vazar dados da operação de novo, não sabe? É muito arriscado, agente Silva. Só estaremos nós dois. Qualquer falha e nós seremos os únicos culpados.

— Eu serei o único culpado, Helena. E você terá a certeza de que precisa. Poderá me matar ali mesmo e declarar legítima defesa. — ele deu de ombros — Você sabe que nós somos os párias enviados para uma missão difícil. Ainda não percebeu que querem se livrar de nós dois? Agora é a hora de provarmos a eles, Hel...ena.

Uma ponta de curiosidade a fez hesitar na postura defensiva, cruzando os braços para intimida-lo. Helena franziu a testa.

— Do que está falando?

— Eu, o corrupto. Você, a rebaixada, com todo respeito. — ele deu de ombros — Por que nos dariam uma missão de tamanha importância?

Ele se virou na direção dela, os olhos brilhando com alguma emoção desconhecida.

— É nossa última chance, Helena.

— Eu diria que você está sendo radical, agente Silva. É claro que não seria assim, porque… porque… — ela tentava pensar num motivo plausível. Claro que devia existir um… mas não encontrou. Poucos na delegacia a suportavam e, se não fosse por Levi, trabalharia sozinha. Enquanto Gabriel era o rejeitado oficial do departamento.

Ela se calou. Julgando pelo modo como os olhos inquietantes de Gabriel a encaravam, deixando-a desconfortável, ele esperava uma resposta. Após alguns segundos suspirou.

— Uma pergunta, agente. — ela avançou somente um passo, o que a colocava a meros centímetros dele, o suficiente para identificar as nuances do perfume amadeirado que usava — Se sabe que querem se livrar de você, porque aceitou fazer parte da operação?

Ele ficou em silêncio por um momento e mudou de posição, encostado no jeep.

— Bem, não é muito legal ser chamado de corrupto. Quero limpar meu nome. — seus olhos a encontraram por um momento — E eu sempre fui um pouco suicida. Pelos motivos certos.

A resposta dele levou um sorriso pequeno ao rosto dela. Descruzando os braços, Helena estendeu mão.

Ele a apertou com um sorriso.

— Parceiros?

— Parceiros. — o sorriso dela sequer vacilou dizer perto do rosto dele— Mas se pisar na bola comigo, não vai precisar se preocupar com os traficantes. Eu mesma te jogo do navio.

— É por isso que te chamam de Hell.

Ela soltou a mão dele imediatamente, voltando em direção a delegacia sem olhar para trás enquanto falava.

— Temos menos de quatro horas para sermos um casal e você conhecer a operação, agente Silva. Você ainda não viu nada do inferno.


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