Requiem Aeternam escrita por AnaBonagamba


Capítulo 9
Fontem et Animosum


Notas iniciais do capítulo

Olá!
Previamente, gostaria de agradecer pelos comentários e recomendação. Sim, o processo aqui é lento, mas não desistam, a história não será abandonada.



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— Você esteve muito bem hoje, srta. Westwood. - comentou Dumbledore após a aula, balançando minha mão junto a sua. - Vejo que o período de adaptação está terminado, já que todos ficaram fascinados por sua dinâmica.

Aurora, Margot e Dorea aguardavam-me ansiosamente na saída da sala de aula, com pés inquietos que referenciavam a ansiedade por chegar o esperado fim de semana em Hogsmeade.

— Estou muito bem aqui, professor. - sorri para ele convincentemente. - Tudo tem estado bem.

E não era uma mentira. Até aquele momento já estudara duplamente todas as disciplinas que seriam necessárias para um bom desempenho nos testes finais, e provavelmente chamaria ainda mais a atenção quando divulgadas as notas. Slughorn não me deixara em paz para integrar seu adorado clube, o que neguei veementemente, deixando Tom à parte para faltar dos encontros justificando estar comigo. O que, bem, não era mentira, idem.

Nos víamos todos os dias após o período de aulas para treinos na Sala Precisa, eu, e os outros comensais. Surpreendentemente, Tom nos avisou que seríamos contemplados com novos integrantes em breve, considerando a atual presença de alunos em Hogwarts devido aos ataques ocorridos nos últimos dias no mundo trouxa. O nosso, sob proteção mágica e nas sombras, ainda enfrentava a desafiadora ignorância de Grindelwald e seus seguidores astutos, penetrando aos poucos sua ideologia de pureza de sangue. Sobre tal, após o treino da última terça-feira, Tom comentara:

— Está a par de despertar minha piedade, ao invés de admiração. Grindelwald é digno de pena.

Certamente ele pensava diferente do bruxo das trevas, mesmo que suas conjecturas futuras fossem semelhantes. A esta altura, eu já sabia, Tom planejaria acordos muito maiores, com entidades mágicas surpreendentes e, se possível, desestabilizando o sistema de dentro pra fora, como faria com o Ministério da Magia de minha época. Aos poucos fui conhecendo sua personalidade que, apesar de já ser predominantemente sombria, ainda tinha alguns buracos que a imaturidade conservava abertos.

Ele gostava de chá, especificamente da Fortnum e Mason. Quando descobri isso, encomendei uma caixa com vários sabores para que desfrutasse e, em resposta, ele arguiu em protesto:

— Você não deveria ter se incomodado. É muito caro. Não serei capaz de retribuir.

Suas preocupações financeiras eram imediatas, afinal, tratava-se de um pobre e órfão rapaz. Seu tempo livre era resoluto para treinos, estudos, trabalhos extras e muita leitura, algo que apreciávamos em conjunto. Fiquei estática ao descobrir sua paixão por literatura policial, detetives e diários de bordo: algo bastante trouxa. Compartilhei minhas preferências, o que fê-lo rir por alguns segundos antes de concordar que não éramos tão ordinários assim. Ele mesmo cortava o próprio cabelo, e suas roupas eram adquiridas em um relicário na Travessa do Tranco. Entendi que não gostaria de ser visto.

— Algumas Abraxas acaba me entregando. - justificou-se. - Porém, sou relativamente mais alto. As calças não servem, e a Sra. Cole faz questão de tomá-las para outros órfãos.

— Não deve ser a melhor das sensações. - comentei, pensativa.

— Não tenho escolha.

Tom não tinha um comportamento que caracterizasse a demência do personagem criado por ele. Ele fazia planos convincentemente reais, como especializar-se depois da escola, viajar para o exterior, guardar dinheiro, comprar um apartamento ou apenas alugar algum lugar que pudesse chamar de seu. Um dia, em uma das nossas sessões de chá, sentado ao meu lado confidenciou-me que sonhava em ter uma cama cheia de travesseiros fofos. Respirei profundamente, e silenciosa, o encarei triste.

— Que cor vai ser o laço do seu cabelo?

Aurora não se cansava de me produzir até que encontrasse o modelito perfeito para o que seria o encontro dos sonhos. Toda garota daria tudo para estar no seu lugar. Não cansava de repetir. Dito isso, acentuou-me uma curiosidade que carregava comigo e, dotada da ingenuidade feminina, perguntei-lhe a queima roupa:

— Tom já se envolveu com alguém assim antes?

A jovem pestanejou um pouco antes de me responder. Continuou a mexer em minhas madeixas, decidindo, por fim, que lilás era a cor ideal para contrapor meu vestido nude recatado. Deu de ombros.

— Ele não levou ninguém no passeio, especificamente. Mas desconfiávamos que tinha algum tipo de relacionamento com a apanhadora da Grifinória, Grisha. Deve ter percebido o olhar enciumado e macabro que lança em ti quando passa por ela.

— Definitivamente, mas não pensei que fosse por isso. - suspirei. - Afinal, ela é relativamente mais jovem que ele.

— E por isso, ainda mais manipulável. - Aurora sentou-se ao meu lado na cama, tomando minhas mãos carinhosamente entre as suas. - Se algo existiu, por muito já teve seu fim. A família jamais permitiria tal envolvimento. Acho que você entende o que eu quero dizer.

Ela parou, encarando-me ferozmente. Sim, eu entendia bem.

— Tradicional, certo?

— Eu apostaria que sim. Tom é encantador, tem todos os predicados que não vou citar pois você já os conhece. Entretanto, é um pobre rapaz, sem bens, nem família, nada.

— Bem parecido comigo. - pensei alto, fazendo Aurora rir.

— Parece horrível o que vou dizer, mas talvez seja a única coisa a que você deva sentir gratidão considerando tanta desgraça é ter em Tom alguém para contar neste momento.

— Você está linda, Valery. - Tom disse ao passar o braço pelo meu, fazendo com que o acompanhasse no caminho para Hogsmeade. Não nevava naquele instante, porém, eu podia sentir o vento gélido que soprava contra meus pés, e que provavelmente culminaria numa tempestade posteriormente.

— Obrigada. - agradeci, sentindo um arrepio repentino por dentro do casaco grosso de inverno. - Aurora me emprestou. Você também está muito bonito.

— Obrigado. - respondeu. - Mas ser apenas bonito não é o suficiente pra você, estou certo? - ele questionou, o riso emoldurando o rosto ainda mais pálido pela gélida brisa matinal. - Você não me parece o tipo de mulher que se deixa enganar pelas aparências.

Garoto esperto.

— É, digamos que a vida não me deu espaço para adotar parâmetros superficiais. - deixei esta informação saciá-lo por hora, até que chegamos no vilarejo.

Hogsmeade era bastante diferente do que eu me lembrava. Não costumava frequentar suas lojinhas no meu tempo de estudante, dando dinheiro suficiente para Victoria esbaldar-se quando chegou sua vez. Voltei a visitá-lo em intempéries, com avanços dos Comensais e outros aliados a sequestrar e violar os recintos do local apenas por diversão. Tom apertou minha mão delicadamente, tirando-me do torpor das lembranças.

— Posso convidá-la para uma bebida? - indicou o Três Vassouras. - Ou talvez queira comprar alguns doces?

— Estou com você. - respondi, para total deleite do mesmo. - Mas saiba que pagarei pelo meu consumo. Ambos temos recursos limitados.

— Economizei para este aqui. - disse ele, batendo no bolso do casaco azul escuro onde tiniam alguns poucos galeões. - Será uma honra.

— Aceito a bebida, então.

O local lembrava um pub escocês bastante popular, com paredes de madeira avermelhada e tapetes felpudos com cheiro de animais silvestres. Tom escolheu uma mesa particularmente afastada, puxando uma cadeira para mim ao lado de onde se sentaria. Respirei profundamente, aquecendo minhas mãos com o vapor quente que conseguia produzir com a boca. Num movimento repentino, Tom puxou meu rosto para o seu, colando nossos lábios por poucos segundos e sentando-se em seguida.

— Pareciam congelados. - justificou-se, acenando para o garçom.

— E estavam? - questionei-o maliciosamente.

— Não. - ele sorriu, recebendo duas canecas generosas de cerveja amanteigada. Entregou-me uma, saudando.

— Ao futuro do mundo mágico. - eu disse, sustentando seu olhar enegrecido com fervor. - Que possamos estar aqui celebrando o fim das guerras e o início da evolução humana.

— De fato. - concordou ele, batendo levemente a caneca na minha. Bebericou um pouco e se aproximou de mim, passando o braço por meus ombros possessivamente.

— O que quer saber? - sussurrou, disfarçando o caráter quase íntimo de nossa possível discussão. - Não prometo responder tudo, mas vou tentar.

— Isso basta para mim. - comentei, pousando meu queixo sob as mãos. - Onde você nasceu?

— Em Londres, no exato lugar onde me encontrou pela primeira vez. - ele deu de ombros com a pergunta quase irrelevante. - Sou órfão desde o primeiro dia de vida.

— Que foi quando, exatamente? - sorri, totalmente aleatória.

— Primeiro de janeiro.

— Interessante! - argui. - Você nasceu no ano novo.

— Sim. - ele retornou a posição inicial, sentindo que meu questionamento seria pessoal nesse nível, e não sobre seus planos maléficos ou feitos obscuros. - O que suas amigas dizem sobre nós?

— Abraxas é um grande fofoqueiro. - reclamei. - Eu esperava contar quando estivesse certa do que havia acontecido, mas ele foi mais rápido... talvez enjoado pela insistência de Margot, mas fui longamente condenada por isso.

— E o que, por Merlin, você acha que aconteceu? - ele sorriu, tomando novamente a cerveja com gosto. - Pensou que eu saía por aí beijando todas as garotas que me dessem vontade?

— Você poderia, se quisesse. - respondi francamente. - Mas não. Você não me pareceu tão frívolo, contudo, não o conheço bem. Foi para isso que aceitei vir hoje com você.

— Nunca convidei ninguém. - defendeu-se. - Você é a primeira com a qual eu tenho real interesse em conversar. Sinto que temos uma conexão. - disse, um tanto cinicamente. - Você, que apareceu de repente na porta do orfanato onde moro, sob tutela de Dumbledore, me pedindo ajuda.

— Eu precisava da sua ajuda, você sabe.

— E o que houve para precisar da minha ajuda, Valery? Sua situação me pareceu anormal, e não houve envolvimento político por parte do ministério, senão pelo próprio Dumbledore. - pronto. Era isso o que ele queria, uma história. E lá estava eu, endiabrada para contá-la.

— Preciso confiar plenamente em você para ter certeza de que não estou cometendo um erro ao me expor dessa forma. - confidenciei-lhe por hora.

— Saiba que jamais faria algo que prejudicasse você. Posso parecer mal quando estou experimentando minhas habilidades mágicas, mas não sou capaz de trair quem me inspira segurança.

— Oh, não é este o meu receio. - contrapus. - Meu medo é que esta informação torne você um possível alvo de minha desgraça, e sinto informá-lo, Sr. Riddle, que já o considero importante demais para fazê-lo.

Tom não esperou por isso.

— Não sou um qualquer, Valery. Sei muito bem me defender. - ele riu, soando ridículo o que eu havia dito e desvendando sua máscara. - Nada do que me disser pode me colocar em tal linha de fogo.

— Se me jurar que jamais contará a alguém...

Seus olhos brilhavam sob meu olhar piedoso.

— Você tem minha palavra.

Um dia a caça, noutro caçador, não é mesmo?

— Muito bem. - ajeitei-me séria e ereta no assento, fazendo com que Tom se movesse para o lado. Ele me encarava com misto de ansiedade e curiosidade, o que de fato mexia comigo. Aquele menino odioso era muito perspicaz e, claramente, outro em meu lugar não saberia reagir a sua persuasão quase melodramática. - Eu estou escondida aqui. - sussurrei.

— Como assim? - sussurrou de volta, verdadeiramente preocupado.

— É. - disse simplesmente, organizando mentalmente minha história ensaiada milhares de vezes junto a Snape e Dumbledore, à prova de falhas, e sem pontos soltos. - Grindelwald. - articulei apenas, sem produzir som, ao que Tom entendeu prontamente.

— Ele machucou você? - o que era aquilo em seu olhar, raiva?

— Não, ainda não, mas quer. Quer muito. - eu fitava o nada, dando credibilidade a interpretação teatral de minha pouca fortuna. - Meu pai era um Inominável. Eles descobriram, mataram todos. - lágrimas caíam sorrateiras de meus olhos. - Meu pai usou um feitiço ilusitório e, num impulso, empurrou-me para um portal que me levou até Aberforth Dumbledore, encaminhando o problema para seu irmão, professor do instituto de ensino mágico mais famoso da Grã Bretanha. Como disse, eu estudava em casa, não tinha permissão para frequentar Durmstrang, o que me deu tempo para observar mais afinco o que fazia meu pai...

— E as informações que ele trazia consigo. - completou Riddle. - Seu pai escapou?

— Isso eu não sei dizer. Mas estou segura aqui, enquanto o mundo lá fora se desmancha, e toda a minha família...ah, a minha amada família...

Chorei, talvez como nunca tivesse chorado antes. Alguma verdade existia no que parecia a história mais fatídica do mundo, facilmente comprovada com alguns outros questionamentos que porventura Tom fizesse. Ele pousou a mão suavemente no meu ombro, não sabendo como prosseguir. Eu sentia minha garganta fechar com o pensamento, mesmo obstante, de ter matado Victoria em meu conto e, sem sequer poder saber o que de fato havia acontecido com ela depois da minha partida, deixei que as lágrimas lavassem minha alma e abrissem meu caminho para Tom Riddle como a estratégia perfeita de ganhar sua admiração incondicional, além de revelar a origem de meus poderes e de minha entidade mágica.

— Não sei como expressar meu pesar. -  ele não parecia sentir nada. - Mas reafirmo, você está a salvo aqui, sim. E agora posso compreender o motivo de sua aptidão para artes das trevas, senão um talento oculto?

— Eu vou destruí-lo. Vou acabar com tudo que ele ama, deixá-lo sem forças para continuar, totalmente sozinho. - fechei os punhos com força e determinação.

— Eu desejo, imensamente, estar lá para vê-la triunfar, Srta. Westwood.

— Aposto que sim. - concordei com ele, bebendo o restante da caneca para distrair-me da real conversa que levávamos ali. - Aposto mesmo.


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