Requiem Aeternam escrita por AnaBonagamba


Capítulo 5
Pie Jesu




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/761424/chapter/5

— Entrem, por favor, meus caros.

Tom acompanhou-me até a sala de transfiguração, onde Dumbledore nos aguardava com suas vestes triunfais em tons laranja, combinando docemente com os cabelos crespos e a barba. Me parecia impossível que quase sessenta anos separassem aquele docente do diretor que eu havia conhecido, que havia então me colocado nesta busca. Ele, por sua vez, reparou no meu olhar analista e sonhador, segurando-me pelos ombros paternalmente.

— Espero que tenha se adaptado ao novo lar, Srta. Westwood.

Sorri.

— É impossível não amar Hogwarts, e seus alunos, senhor. Eu me sinto extremamente acolhida. - virei para Tom, em sua forma mais rija e impecável prostrado diante da porta da sala, aguardando. - Precisava falar conosco?

— Ah, sim. - Dumbledore gesticulou para Riddle, que tomou seu lugar mais a frente. - Tom, rapaz, gostaria de parabenizá-lo pessoalmente pela admissão na seletiva de novos monitores. - entregou-lhe um papel timbrado com o nome de Tom, assinado por Dippet, e um novo brasão para o uniforme do mesmo. - É claro que Slughorn ficará muito orgulhoso, mas todos sabíamos que seria você.

Tom assentiu educadamente, pegando o broche com os dedos longos, admirando-o. Adiantei-me para si, retirando o objeto de sua posse lentamente e mantendo seu olhar penetrante, como se Alvo nunca estivera ali. Ajeitei-o no bolso frontal da casaca do uniforme de segunda mão, onde ele certamente o teria posto por si só.

— É uma honra, Sr. Riddle. - disse a ele. Tom não me respondeu, apenas sustentou meu olhar genuinamente absorto em como eu podia ter tanta destreza e, ao mesmo tempo, intimidade.  

— Srta., decidi eu mesmo vistoriar seus horários de aula, de modo que pudesse aproveitar melhor sua estadia aqui. - Dumbledore piscou para mim, entregando-me outro bilhete, mas menos bonito e sem assinaturas. - São coerentes com o quinto ano curricular, porém, alguns professores se sentirão mais confortáveis se aplicarem um teste individual de aptidão. Posso pedir para que os faça em um momento mais oportuno...

— Não há necessidade. - interrompi altiva. - O Sr. mesmo havia afirmado que seria difícil me adaptar a uma realidade tão distinta, mas que com perseverança e dedicação eu conseguiria alcançar minha meta no final. - lembrei-o, sendo subjetiva em meu comentário.

Tom cerrou o olhar em aprovação. Devia lhe agradar minha coragem.

— Certamente. - Alvo escorregou seus olhos azuis entre mim e Riddle, percebendo que havia uma conexão profunda entre minha chegada e o jovem ali presente. A verdade, porém, lhe era ainda uma incógnita, cujo valor seria calculado apenas alguns anos mais tarde, quando Tom já estivesse assumido de sua forma original e nome.

— À propósito, senhor, obrigada por ter me indicado o Sr. Riddle para ajudar-me com os materiais e pequenas interações. - sem saber do que se tratava, mas imaginando o incidente, ele simplesmente sorriu antes que eu saísse para o primeiro período de aulas.

— Posso ver? - Tom perguntou a caminho de Trato das Criaturas Mágicas, no perímetro da floresta negra.

— Claro. - dei-lhe meus horários recém confeccionados, observando-o ler atentamente.

— Estamos matriculados exatamente nas mesmas aulas.

— Isso é bom. - repliquei displicente. - Pois até que eu me acostume com todos os caminhos, será de grandiosa valia ter um acompanhante.

Riddle soltou um muxoxo baixo, de convencimento.

— É claro, - acrescentei. - se isso não for algum incômodo.

— É meu trabalho, de qualquer forma. - comentou ele, indicando o novo brasão de monitor. - Isso significa que não preciso, essencialmente, voltar ao orfanato nas férias. - disse ele mais para si mesmo que para mim.

O fato de que Tom não voltaria ao orfanato no Natal despertou-me para alguns eventos importantes. Com tempo de sobra e poucos alunos, ele poderia finalmente explorar o castelo em busca de suas origens, como eu sabia que faria. Logo, desapontado consigo mesmo, teria a certeza de que seu pai nunca fora um mágico e que a família de sua mãe descendia de Salazar Slytherin. Seguindo tais passos e com o coração partido pela raiva e vergonha, cometeria seus primeiros crimes: a abertura da câmara secreta e o assassinato da família paterna.

— Conviver no meio de tantos trouxas deve torná-lo infeliz.

Sorriu enviesado: pois sim, eu falava seu idioma com perfeição.

— Não tive alternativa até agora. Parece que minha sorte mudou desde que conheci você.

— Não diga isso. - eu ri, sentindo-me infantil. - Ouviu o professor Dumbledore, todos sabiam que seria você.

— Eu, não. - corrigiu seriamente. - Ser monitor não depende apenas das boas notas que eu tiro desde que entrei aqui. É uma indicação geral do corpo docente, e se quer saber, Dumbledore nunca gostou muito de mim.

— É mesmo? - incentivei-o, parando no corredor com os braços cruzados.

— Está debochando? - ele parecia ferido.

— Não. Apenas contradigo o que disse. Dumbledore tão logo precisei de uma pessoa solícita para acompanhar-me, citou você como a mais indicada e qualificada.

Riddle sorriu, desfazendo o nó de meus braços.

— Quer levar uma detenção por atraso, Srta. Westwood?

Myrtle Elizabeth Warren era uma nascida trouxa, morta quando tinha apenas 14 anos pelo monstro de Slytherin liberto pela câmara secreta. Acusado injustamente por Tom Riddle, cuja prova era um aracnídeo da classe das acromântulas, extremamente hostil, Hagrid seria culpado e expulso da escola, reintegrado por Dumbledore para serviços gerais de jardinagem e por fim, tantos anos depois, seria professor de Trato das Criaturas Mágicas.

Victoria adorava essa aula.

Sempre dizia que viajaria o mundo descobrindo novos animais, estudando-os e desmitificando suas peculiaridades. Quando em vez, corria até meu quarto com o livro de Scamander aberto na metade e, empolgada, contava-me:

— Um gira-gira pode voar quase na velocidade da luz! E eu pensei que o pomo de ouro fosse suficientemente rápido...

Eu, por outro lado, era mais dada as artes mágicas, produções de feitiços e estudo de maldições. Tal proximidade com magia negra me fez uma das melhores aurores de todo o ministério, sendo praticamente impossível esconder-se de mim. Eu podia ler a mentira nos olhos dos meus condenados, e sabia seguir pistas com tanta perfeição que, senão por inveja ou insatisfação, passei a ser vigiada de perto, pelo receio de outrem sobre minha lealdade.

— A Srta. pode nos falar um pouco sobre os murtiscos? - perguntou prof. Kettleburn, encarando-me profundamente irritado porque não me despertava a atenção.

— Parece mais um rato com tentáculos nas costas, oriundo das ilhas britânicas. - pensei rapidamente, mal formulando a resposta. - Serve de ingrediente para poções de cura, e até foi utilizado in natura como escudo protetor de azarações. Nunca pisei em um, mas dizem que dói.

Todos os alunos me olharam abastados.

— 15 pontos para a Sonserina. - bradou Silvanus, batendo palmas. - Há muito tempo não recebo uma resposta tão completa acerca de um animalzinho tão incrível quanto este... - contemplou sua cria dentro de uma gaiola, enquanto os tentáculos saíam pelas barras e alcançavam-lhe as mãos.

Pisquei, incerta de minha fortuna. Costumava usar murtiscos para aliviar-me das dores intensas das batalhas.

— Eu não saberia responder essa. - uma garota da minha casa acercou-se, cochichando ao meu lado. - Não fomos devidamente apresentadas. Aurora Finley, somos colegas de quarto.

— Muito prazer. - cochichei de volta. - Me desculpe não ter sido mais educada, mas estava tremendamente cansada pela jornada antes daqui.

— Compreendo bem. - a jovem sorriu delicadamente. Aurora tinha cabelos castanhos e curtos presos com grampos, deixando a pele amendoada do rosto amostra para que notassem seus irradiantes olhos cor de mel. O nariz pequeno e levemente curvado lhe capturava uma imagem de idade muito inferior a que realmente devia possuir. - Você esteve bem. Kattleburn nunca elogia a Sonserina.

— Gosto dessa disciplina.

— Achei que nunca tivesse estudado numa escola antes.

— Não estudei. - afirmei-lhe. - Antes de chegar em Hogwarts, adquiri uma lista completa de materiais e pude ter algum contato. Trato das Criaturas Mágicas foi a que achei mais simples para começar.

— Com certeza. - riu a garota, um som agudo e vibrado. - Foi sozinha ao Beco Diagonal?

— Não. O Sr. Riddle fez a gentileza de me acompanhar.

Automaticamente os olhos claros de Aurora desviaram-se para Tom, do outro lado da campina, concentrado em suas anotações. Abraxas Malfoy simplesmente badernava junto de Black, não conseguindo conter as gargalhadas de alguma piada que apenas os dois conheciam.

— Ele é perfeito, você não acha?

Engasguei-me com saliva para evitar a resposta. É fato que perfeição sondava Tom, pelos traços bonitos e pelo porte educado. Sem faltar inteligência, obviamente. Não julgava Aurora por estar encantada por ele, apenas não conseguia discernir o quanto parecia ridículo perguntar-me isso. A moça, porém, aguardava-me hesitante.

— Não o conheço suficientemente para dizê-lo.

— Há de concordar comigo.

Aurora tomou-me pelo braço assim como Margot o fez no dia anterior. Surpreendida pela atitude da menina, absorvi a primeira regra de comportamento entre as classes femininas, além de ajudarem-se mutuamente, daríamos os braços num gesto maternal. Tínhamos o segundo período da manhã livre de quarta feira, o que nos proporcionou um tour pelo castelo. Eu já conhecia as salas de Transfiguração e Poções, faltando apenas a de Defesa Contra Artes das Trevas, ministradas por Galatea Merrythought. Todas as outras continuavam no mesmo lugar que eu me lembrava.

— Agora você pode circular por aí com mais segurança. - comentou, despedindo-se. - Vou ter com meus amigos. Você pode se juntar a nós se quiser.           

Olhei os amigos de Aurora, sem reconhecer nenhum rosto relevante. Neguei-lhe o convite com pesar.   

— Devo ir à biblioteca antes do almoço. - desculpei-me. - Não posso depender apenas de conceitos se quiser ter uma chance de passar nos NOM's.

— Está certo. Nos vemos depois.

A Srta. Pince sempre odiou-me, afinal, eu era a primeira a começar lhe dando bom dia e a última a dizer-lhe boa noite. A bibliotecária não tinha paz vinda de mim, eu ansiava por novas edições, novos títulos, e quase extorquia sua paciência. A face corcovada ficava ainda mais evidente quando olhava para mim, e então cuspia rudemente:

— Estou na expectativa.

Ela desejava que eu quebrasse as regras de devolução ou danificasse alguma coisa, para ver-se livre da minha tez todos os dias. Eu, entretanto, cantarolava alguma besteira em tom de ressonância enquanto escolhia quais livros levaria comigo.

Mais jovem, e com menos tato, mal levantou os olhos para mim quando adentrei o ambiente quente e silencioso. Passei reto sem anunciar-me e sentei solitária na mesa mais próxima da janela, ouvindo o vento bater. Peguei o livro que emprestara a Tom e comecei a folheá-lo desinteressada.

— Posso resumi-lo para você.

Tom prostrava-se ali a observar-me há alguns minutos, pousado com o corpo no vão da prateleira. Por um segundo, quis que o móvel desmoronasse em uma cena comicamente impossível. Devo estar enlouquecendo.

— Estava absorta em outros assuntos, apenas mexer nas páginas me traz algum conforto.

Riddle aproximou-se, sentando ao meu lado.

— Comece pelo capítulo 3. - ele passou os braços sobre os meus, abrindo o livro no capítulo referido. - Os níveis não são impossíveis, as pessoas que têm muito medo.

— Medo de que, Tom? - sussurrei para ele vendo Pince passar por nós desconfiada.

— De se arriscarem e enfrentarem as consequências.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Requiem Aeternam" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.