Requiem Aeternam escrita por AnaBonagamba


Capítulo 4
Sanctus




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Não vi Riddle depois do incidente, a não ser no embarque para Hogwarts. Ele apenas acenou com a cabeça na minha direção, meu livro embaixo do braço, e sumiu trem adentro. De modo similar o fiz.

Esperei que todas as carruagens tivessem partido antes de descer na estação, mas Hagrid não estava ali para me receber. A brisa do início de setembro refrescava-me as puras e ávidas lembranças pela comparação com o aqui e agora: o chão pegajoso de solo lamacento, a mata ainda mais fechada e obscura, e as criaturas que puxavam nosso meio de transporte. Eu nunca os tinha visto.

— Última chamada! - anunciou um homem mal apessoado. Num sobressalto, identifiquei como sendo o jovem Argus Filch.

Apenas os retardatários restaram para embarcar, sabia que minha presença o quanto antes notada chamaria a atenção. Assim que chegamos aos portões do castelo fui prontamente identificada pela carência de cores nas roupas negras.

— Boa noite, querida! - disse uma garota alta e esguia, de longos cabelos cacheados e rosto simpático. - Você é novata?

— Olá. - cumprimentei-a igualmente gentil. - Estou a procura do professor Dumbledore.

A jovem grifinória guiou-me até a sala de transfiguração onde lecionava o professor. Novamente, eu já tinha caminhado por aqueles corredores tantas e tantas vezes na memória do mesmo que meus pés poderiam encontrá-lo sozinhos.

Com apenas dois toques e passos leves, adentrei a sala, deparando-me com Dumbledore mais jovial e bizarro, vestido com uma túnica púrpura bordada em amarelo. Pedi licença, mas ele nada disse. Pigarreou, referindo-se a moça ao meu lado.

— Obrigada Srta. Vane, pode ir agora.

Dumbledore sentou-se, sem deixar de me observar atordoado com seus pequeninos olhos azuis. Inspirou profundamente, formulando palavras que lhe escapavam os lábios trêmulos. Aquele Dumbledore, pensei, era apenas um protótipo do bruxo que eu havia conhecido.

— Você está aqui. - disse por fim, encarando-me. - Algo deu errado. - ele falava para si mesmo, conformando-se daquilo que eu já sabia.

— Preciso que nos ajude. - pedi, mencionando o coletivo para atentar-lhe de si mesmo. - A você e a mim. Sim. Algo deu errado. E estamos de acordo em resolver tudo.

Albus tinha sua memória modificada para que seu eu no passado me reconhecesse como um presságio ruim do futuro. Minha imagem lhe causava transtorno, mas ele não oscilou. Rapidamente nos acertamos.

— Conversarei com Dippet agora mesmo sobre sua admissão. Será selecionada após os primeiranistas. - andava de um lado para o outro, adaptando nossa história aos fatores da época que me encontrava. - A Srta. não possui nenhum parente próximo que possa ser nosso aluno?

— Não. - respondi com firmeza. - Meus ancestrais não são Westwood, e sim WestVille, de Lille, na França. Jamais teremos conexões com eles.

Dumbledore relaxou.

— Não tenho permissão para saber mais do que já sei. - adiantou-se o professor, segurando-me paternalmente os ombros. - Porém, caso necessite algum conselho ou auxílio, pode procurar-me.

Sorri, sabendo que estava segura.

— Deixe-me fazer o meu trabalho.

O Grande Salão estava lindamente decorado com abóboras flutuantes e vívidas cores das casas. Segui ao lado de Dumbledore até sua posição na mesa, tão distinta daquela a qual eu havia conhecido, sentando-me em um singelo banquinho para aguardar a cerimônia. Prontamente os lugares nas mesas foram se ocupando de alunos e o farfalhar de vestes e sorrisos se exaltou diante de mim, inabalável, tendo experimentado este momento há anos, mais jovem do que agora e muitíssimo inexperiente. Na realidade, meditei com escárnio, estava mais aproveitando a situação numa análise qualitativa do que vivenciando-a.    

— Srta. Westwood será selecionada tardiamente, mas não obstante. - pronunciou Dippet antes que o jantar fosse servido. - Aproxime-se, e o chapéu lhe dirá a qual casa pertence. - explicou.

Fui de encontro a ele em passos lentos, de modo a observar de cima todos os olhares curiosos e cautelosos sobre mim. O primeiro e mais importante deles, o de Tom Riddle, acompanhava-me com extremo interesse, um leve sorriso brotando em seus lábios rosados enquanto eu simplesmente desviava meu olhar, deixando-o encabulado.

Veja só, uma forasteira. - riu o chapéu em minha mente. - Está mais do que acostumada a lidar com monstros, não é mesmo, Valery? Sua mente é muito mais complexa e objetiva do que pensa, mas logo entenderá que à parte de cada caminho existe uma escolha. Faça-as corretamente, e cuidado.   

Assenti, aguardando o julgamento.

— SONSERINA. - berrou o mesmo.

Alguns jovens aplaudiram sem vontade, enquanto a mesa verde e prata bradava com orgulho, pois ser da Sonserina significava automaticamente que eu era uma garota arrogante e puro sangue. Na minha época real eu estava tão preocupada em ter um bom desempenho que me assegurasse a carreira de auror que jamais alimentei intrigas entre as casas. Com 24 anos não seria diferente.

— Boa noite. - cumprimentei, tomando lugar ao lado de um garoto de cabelos louros e olhos acinzentados.

— Seja bem-vinda a melhor casa de Hogwarts. - manifestou-se outro rapaz de frente para mim, de olhos verdes e cabelos escuros. Reconheci ambos imediatamente.

— Sou Abraxas Malfoy. - apresentou-se o primeiro, tomando minha mão direita em um beijo terno e cavalheiresco o qual eu não deveria me impressionar. - Este é Alphard Black.

— Encantado. - disse Black com um aceno.

— Eu sou Margot Droope. - interrompeu uma garota antes que Alphard pudesse me dizer mais alguma coisa. - Você provavelmente se sentirá deslocada no começo, portanto, estou a disposição para ajudá-la caso precise, e irá precisar.

— É muito gentil da sua parte, Margot, obrigada. - respondi no mesmo tom altruísta da menina, mesmo sem conhecê-la já poderia prever que seríamos colegas de quarto e futuramente confidentes.

Servi-me de suco de abóbora e um pedaço de frango. A comida era estupenda.

— Então, Valery, não é? Por que só agora estudará conosco? - irrompeu sem demora Malfoy quase indulgente. Toda a mesa parou para ouvir-me.

— Vim de uma família muitíssimo tradicional, que teve um trágico fim na guerra. - contei-lhe em voz alta e clara, intencionada também para outros fins. - O professor Dumbledore se compadeceu de mim, oferecendo-me a possibilidade de estudar aqui caso eu me demonstrasse digna o suficiente.

— E você é? - questionou outra moça, com lindos cachos dourados.

— Farei o possível, e o impossível, para sê-lo. Afinal, não tenho para onde ir. Estou completamente sozinha.

Muxoxos de pena surtiram mesa afora, e de repente me tornei uma atração convincente de boa menina desafortunada. Continuei o assunto com mais leveza, surpreendendo-me como os futuros comensais podiam ser agradáveis e gentis em sua forma mais jovem. Arrisquei um olhar ao meu objetivo, e lá estava ele, sorrindo discretamente para mim. Tom passou os dedos longos pelo queixo pensativamente: estava me analisando. Mesmo que já soubesse minha história desde o encontro no orfanato, sabia que ansiava por mais, procurando por detalhes minuciosos e ardilosos sobre a razão de eu estar ali. Ele não seria facilmente convencido, e esse era o verdadeiro propósito. Atiçá-lo para mim.

— Vou te acompanhar até as masmorras. - Margot passou o braço pelo meu, conduzindo meus pés pelos mesmos caminhos que fazia há muito tempo. - Nosso dormitório certamente estará pronto para sua chegada.

Deixei-me ir com ela, um tanto cansada. Estava correta ao afirmar que esperavam por mim. Novos e velhos alunos encaravam-me furtivamente, a estranha admitida fora da idade adequada e que, desapercebida dos costumes locais, seria uma catástrofe.

Ri internamente, vestindo-me de vergonha.

— Não ligue para eles. - um rapaz alto e elegante dirigiu-se a mim com expressão séria. - Sou Evan Rosier, monitor chefe da Sonserina. Bem vinda, Srta. Westood.

— Oh, muito prazer. - estendi minha mão para ele, que galantemente a beijou como Malfoy. Eu não sabia da existência de Evan senão pelos dados históricos, sua face não fora mencionada nas memórias de Dumbledore.

— Meu trabalho é garantir sua segurança e bem estar, em troca de excelentes notas e exímio comportamento. - afirmou com prontidão, olhando sorrateiramente para Margot ao meu lado, que sorria sem graça. - Isso nos garante pontos que ao final do ano somam a vitória na Taça das Casas. Além disso, terá de estudar exaustivamente para alcançar seus colegas que ainda este ano prestarão os N.O.Ms.

— Sim senhor. Obrigada pelos esclarecimentos.

— Às ordens. - saiu, sem antes dar-me uma piscadela. Sorri em resposta.

— Não se meta com ele. - sussurou Droope na defensiva. - É um problema que você não precisa pra si mesma agora.

— Hm, não. - concordei, subindo até os dormitórios femininos. O instinto adolescente não poderia presumir que o envolvimento com um rapaz mais velho seria, de fato, um problema. Por isso, a insinuação.

A noite passou num átimo, sem sonhos. Remotamente, lembrei-me da primeira noite que passara em Hogwarts, cuja ansiedade me privou do sono. Renovada, agora, levantei-me disposta a continuar minha admirável performance, partindo para um banho e, depois, para o café.

Poucos alunos estavam presentes no salão àquela hora da manhã. Alguns calouros assustados com as escadarias e outros veteranos que agiam como zumbis, arrastando-se até a mesa. Tomei meu lugar na da Sonserina, acenando levemente para o grupo de jovenzinhos sentados pouco a frente, e comecei a comer, degustando o alimento com paladar febril e ainda baqueado pelo sono.

— Bom dia, Valery Westwood. - disse ele, com sua voz aveludada.

Virei meu corpo para olhá-lo.

— Bom dia, Tom Riddle. - sorri enviesada. - Dormiu bem?

— Ah, sim. - ele assumiu seu assento ao meu lado. - As acomodações são extremamente mais confortáveis se comparadas às do orfanato donde me conhecera.

— Posso apostar que sim. A propósito, como vai a leitura?

Tom tirou o livro das vestes, entregando-me.

— Obrigado. - podia sentir seus dedos gelados ao passar pelos meus enquanto eu tomava o livro nas mãos. - Muito instrutivo.

— O senhor é um ótimo leitor! - afirmei entusiasmada, já que ele terminara uma leitura um tanto complexa em poucos dias. - Dê-me um tempo e logo falaremos sobre.

Tom conteve-se com seu belo sorriso cativante para mim, quase convencendo-me da veracidade de suas intenções. É claro que eu iria bajulá-lo, com intuito de conquistar sua confiança plena e descobrir suas horcruxes quando elas existissem. Por enquanto ele só era um pobre e genioso rapaz que não podia pagar pelos livros que gostava. Respirei fundo, encarando-o séria, vendo seu sorriso também se esvair. Tom sabia o que eu pensava sobre ele, ou tinha boa imaginação. Deixei meus olhos correrem por seu rosto pálido e magro, os olhos profundamente negros e lábios rubros. Sua beleza física era incomparável até mesmo para o alto padrão que eu estava acostumada, servindo de isca para capturar diversos bruxos envolvidos em crimes com magia. Acho que ele fez o mesmo. Teria mergulhado em minha mente se uma voz sutilmente incomodada não nos atrapalhasse.

— Bom dia Tom. - disse uma jovem menina, com os cabelos louros presos em duas tranças e globos azuis no lugar dos olhos. - Bom dia, Srta. Westwood.

— Pode me chamar de Valery. - respondi ingenuamente para ela, que deveria ser pouco mais nova que eu. Ela nos olhava extremamente enciumada, os olhos azuis belíssimos fervilhando de raiva para mim.

— Srta. Westood. - repetiu ela. - O professor Dumbledore me pediu para que fossem convocados a sua sala antes do primeiro período.

— Ambos? - eu estava confusa.

— Sim. - a garota parecia efetivamente incomodada que eu estivesse junto de Tom, o que não fazia sentido. Suas vestes eram da Grifinória, e não haviam menções de seu rosto em minhas memórias. Franzi o cenho.

— Iremos já. Obrigado, Grisha. - Tom tratou-lhe cordialmente, arrumando uma das tranças da menina num gesto quase sensual. Censurei-o brincalhona.

— É sempre um prazer, Tom. Srta. Westwood. - voltou-se para a mesa da Grifinória confiante, os pés embalados pela dança que surtia em seu estômago juvenil alimentado pela vaga esperança de um romance.

— Acho que ela gosta de você. - arrisquei dizer-lhe, recebendo um grunhido de desdém.

— Sou para ela o que ela é para mim. Uma distração. - Tom bebericou seu leite morno. - Grisha McLaggen provavelmente será limitada aos poderes de seu futuro marido, escolhido pela família para dar continuidade a linhagem puríssima de onde vêm.

Fui surpreendida pela informação, já que os McLaggen chegaram até meu tempo ostentando o mesmo brasão de Godric Gryffindor, porém, em tons azuis escoceses. A bela e ciumenta garotinha apaixonada por Tom, supostamente como tantas outras, não teria sobrevivido muito além para significar algo que o futuro prometesse.

— Vamos? - perguntou Tom, arrancando-me de minhas conjecturas.

Era hora de Dumbledore confirmar a minha história.


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Notas finais do capítulo

Olá, queridos.
Primeiramente estou muito contente por termos alguma manifestação de vida nesta fic. Agradeço os comentários, :)

Uma amiga e veterana do Nyah reativou duas de suas melhores fics, que infelizmente estão em HIATUS. Porém, são bem empolgantes. Para aqueles que gostam de TomxOC, aí estão:

https://fanfiction.com.br/historia/762114/Au_fil_des_ans/

e a continuação:

https://fanfiction.com.br/historia/86178/Au_Cours_de_La_Vie/



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